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Jan24
AS FILHAS DA DIDATURA
Talis Andrade
Primeiro ato
Nada acontece de novo
no reino da Dinamarca
As filhas da ditadura
depois de brincarem
de guerrilha urbana
esposam católica angelicamente
os filhos dos amigos do pai
convidam burguesa orgulhosamente
o marechal presidente
para padrinho de casamento
Vestidas de branco
belas e joviais
as nobres murzelas
sobem o altar celestial
ao som marcial
da música de Wagner
( Segundo ato)
Nada acontece de novo
no reino da Dinamarca
Desfilando em carrões negros
guiados por motoristas negros
as filhas da ditadura
cruzam fortuita perigosa
atordoante passeata estudantil
recordando suspirando heróicas trepadas
quando freqüentavam a universidade
pichando muros panfletando
utópicos programas partidários
As consciências leves
as jovens esposas
retornam à militância política
patrocinando chás e bingos
de pública caridade
com fotos dominicais
de Sebastião Lucena
nas colunas sociais
(Terceiro ato)
Dona-patroa dispõe
desde menina-moça
das regalias de sangue
casa na praia
casa no campo
casa na corte
Em cada casa o conforto
a sujeição dos criados
para os serviços pesados
e secretos brinquedos
Em cada casa
o ritual preciso
para banquetear os amigos
encastelados no governo
Em cada casa
o ambiente propício
para as festas de santo
e feriados cívicos
No jogo do poder
dona-patroa se arma
de inatas inocentes
sedutoras artimanhas
para o esperto marido
colocar no pescoço
do convidado de honra
o macio mesurado
laço de lobista
Sendo preciso
o sacrifício
uma vítima
uma isca
dona-patroa
com muito jeito
máximo proveito
se enfeita
se perfuma
para dormir
com senadores e ministros
liberando o dinheiro
que o marido cobiça
(Quarto ato)
Uma ditadura
fatalmente dura
uma geração
não morre
nem antes
nem depois
Morre de podre
morre de velha
pelas passarelas
dos palácios
e quartéis
As balas da guerra interna
ricocheteiam nos marechais
um a um eliminados
torturados pela artrite
sufocados pela angina
o coração explodindo enfartado
o peito coberto de medalhas
o corpo vestido
com a farda de gala
que bela mortalha
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livro o enforcado da rainha, talis andrade
imagem vladimir kazanevsky