247 - Após ser constrangida pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro a retirar prótese do olho, durante evento em João Pessoa (PB), a deputada Amália Barros (PL-MT) publicou um vídeo nas redes sociais. Na descrição, a deputada escreveu: “À imprensa e a quem mais interessar! Michelle Bolsonaro te amo! Juntas sempre!”
“Eu tiro minha prótese todos os dias e, alguns dias, várias vezes por dia. Não é um problema pra mim. Pelo contrário, tirar minha prótese, me aceitar assim, do jeitinho que eu sou, me faz ter mais força pra lutar pelas pessoas que estão passando pelo o que eu já passei. E eu me acho linda. A minha relação com a Michelle é de amizada, de intimidada. Tirar minha prótese nunca vai me constranger”, afirmou.
Ela ainda agradeceu Michelle afirmando que, se não fosse a ex-primeira-dama, “esse país não teria reconhecido as pessoas que não têm um olho como pessoa com deficiência, porque foi graças ao esforço dela que o presidente Bolsonaro, em 2021, sancionou a lei dos monoculares”.
Michelle Bolsonaro e Amália Barros durante evento do PL Mulher em João Pessoa 16/7/23 (Foto: Reprodução)
Não consegui ver a cena toda
por Denise Assis
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Não consegui ver a cena toda. Apenas li os textos, no jornal “O Tempo”, depois mais um trecho em O Globo, e mais um pedaço em Poder 360... E parei. Estarrecida, enojada, com horror e me perguntando com que estômago os colegas – ainda que a profissão exija –, descreveram essa cena de forma impassível, para apenas tentar reproduzi-la com o distanciamento daquelas matérias que começam: “o prefeito tal, inaugurou ontem...”
Releio: “A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) se tornou alvo de críticas após protagonizar uma cena que chamou atenção durante um encontro do PL Mulher em João Pessoa, capital da Paraíba. Em evento que ocorreu no último sábado, Michelle solicitou que a deputada federal e vice-presidente do PL Mulher, Amália Barros (PL-MT), retirasse sua prótese ocular e, em seguida, guardou o objeto em seu bolso” (O Globo).
Corajosa a colega, em escrever de maneira “olímpica”, a matéria como convém, limitando-se a narrar os fatos. E bendigo a Deus por hoje ter liberdade para opinar e escrever novamente: senti horror.
Depois do introito, de confessar o meu asco, preciso ir além. Pelo bem do futuro do meu país preciso dizer que é indigno continuarem a dar tratamento a essa mulher de uma candidata a candidata. Sob pena de vermos surgir diante dos nossos olhos mais um “mito” que nos subjugará por quatro anos, ao som do uso da palavra de Deus, dos salmos e do que mais acharem conveniente para surfar na onda do poder.
Colegas! Não naturalizem essa candidatura. Eu não acredito que vocês vão agir com Michelle Bolsonaro como fizeram com o meigo “orçamento secreto”, que vocês trataram com a naturalidade de quem fala em reforma tributária ou arcabouço fiscal, criando uma figura de aprisionamento que nos trouxe às portas da chantagem. Todos se lembram bem, o sufoco dos primeiros dias de governo do presidente Lula, com o imponderável fazendo fila na porta dos gabinetes dos ministros palacianos recém-empossados, a coagi-los a soltarem a grana, como nos tempos do general Ramos...
Michelle não é para estar nas manchetes sobre o futuro. As notícias sobre Michelle estão no passado. No lago do Palácio, com as carpas no valor de R$ 800,00 cada, presenteadas pelos imperadores do Japão, ao Brasil, e que ela simplesmente matou deixando-as no seco enquanto mandou esvaziar o espelho d’água para raspar as moedas do fundo!
Uma Clarice Lispector ao contrário, que em um de seus contos “A mulher que matou os peixes”, confessa compungida: “Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer.
Logo eu! Que não tenho coragem de matar uma coisa viva! Até deixo de matar uma barata ou outra. Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança ou bicho sofrer. Pois logo eu matei dois peixinhos vermelhos que não fazem mal a ninguém e que não são ambiciosos: só querem mesmo é viver”.
Michelle não teria a grandeza da personagem de Clarice. Juraria diante do cadáver das carpas que nunca as viu. Na verdade, nem sequer reparou que no lago do palácio havia carpas. E que só pensou nos pobres que seriam beneficiados com os baldes de moedas resgatadas do fundo do lago.
Michelle Bolsonaro precisa ser investigada, tratada sob suspeição sobre a cumplicidade negacionista com o marido, que arrastou para a morte milhares de brasileiros sem vacina.
A candidata Michelle não pode existir. Não podemos novamente brincar com a sorte e deixar que um bando de fanáticos acreditem ser ela uma possibilidade, a ponto de daqui a pouco convencer “o mercado!”.
Parem! Investiguem! Virem do avesso a sua biografia! Vasculhem os estojos de joias e suas procedências! Mas não transportem para as páginas políticas um nome que, por enquanto, frequenta as suspeições jurídicas, mas que em breve, se fizerem um trabalho aprofundado de apuração, irá parar nas páginas policiais, longe de qualquer possibilidade de candidatura.
Não naturalizem o que não é natural. Não há compatibilidade entre um olhar cândido e um gesto arrebatador de arrancar – literalmente – o olho de alguém, em nome da volúpia do poder, que ela traduz assim: “Pude ver com os meus olhos a realidade das pessoas que mais precisam. Deus me forjou naquele momento para poder cuidar dessas pessoas. E o desejo no meu coração de chegar à Presidência — disse a esposa de Jair Bolsonaro (PL)”.
Isso não é deglutível! Não é palatável! Não é tolerável! Há que haver limite. Se não o da lei, no mínimo, o da decência e da ética. Parem agora, antes que desfilem diante das câmeras com o olhar úmido de culpa por ter viabilizado o intolerável, como fizeram há cinco anos. Ao trabalho! Apurem e interditem já essa mulher. Michelle Bolsonaro não é uma possibilidade.
Eu sempre tive a impressão de que alguém capaz de se unir a Jair Bolsonaro, seja em qualquer situação, sobretudo, em matrimônio, é igual ou pior do que ele. A atitude que a ex -primeira dama Michelle Bolsonaro tomou durante um evento do PL, fazendo uma colega de partido retirar a sua prótese ocular diante de uma plateia estranhamente empolgada diante da situação e tão insensível quanto ela, ratifica a minha impressão. Numa cena que remete às exibições de seres humanos portadores de alguma deficiência ou anomalia, que eram feitas como entretenimento em circos e em outros eventos pitorescos, popularmente conhecidos como “show de horrores”, a esposa de Bolsonaro exige que reflitamos sobre a bizarrice e a psicopatia que permeiam e pontuam a sua existência. E, se assim não o fizermos, estaremos, mais uma vez, naturalizando o abominável que caracteriza a família Bolsonaro. E sabemos bem o que isso significa.
Não é possível que as pessoas presentes ao local não tenham se sentido desconfortáveis ao verem Michelle Bolsonaro pedir para que a deputada Amália Barros (PL-MT), retirasse um de seus olhos, o pegasse com a mão e o colocasse no bolso da sua calça, sem a menor preocupação com a higiene da prótese e com os sentimentos de sua amiga. Um “main side show” macabro, de fazer os criadores dos espetáculos de “Human Freaks” no início do século 19 se sentirem amadores no gênero do horror. Dizendo-se uma mulher que "faz acontecer” e perguntando à platéia quem ali era como ela, Michelle convida à deputada para falar e a exibe como uma espécie de “mulher barbada” no escabroso e perverso circo de suas intenções políticas. Os bem-intencionados dirão que Michelle estava apenas incentivando Amália Barros a aceitar a sua condição monocular, elevando a sua autoestima diante da deficiência. Principalmente, por ela ter dito que ama ver a amiga sem a prótese. Porém, imagine se durante um programa de televisão, um apresentador que fosse muito amigo do cantor Roberto Carlos, lhe pedisse para retirar a prótese porque amava vê-lo sem uma perna?
O que Michelle Bolsonaro fez, foge à utilização de qualquer vernáculo para definir. E o que dizer do amor que ela diz sentir ao ver a deputada sem um dos olhos? Estaria ela querendo dizer: “vai ficar chorando a perda de um olho até quando? ” Seja mulher, porra! Será que, assim como o marido, Michelle também tem como especialidade matar? Gostaria de saber a opinião dos evangélicos que enxergam nela a virtuosidade de uma mulher de Deus. Afinal, foi graças ao apoio e ao voto de muitos desses religiosos, que o país teve uma versão cristã miliciana de “Bonnie and Clyde” como o primeiro casal da república. E por que colocar o olho da amiga no bolso? Capacitismo recreativo? Ou uma humilhação estratégica para tentar colocar Amália Barros, vice-presidente do PL Mulher, em condição de inferioridade a ela? São elucubrações que, por mais que possam parecer levianas, não podem ser descartadas diante do espetáculo “non sense” protagonizado por Michelle. No entanto, a reação da deputada após a repercussão de tamanho horror, dizendo que ela não se sentiu ofendida e que sua amiga sempre fez esse tipo de “brincadeira” com ela, nos convida a outra reflexão: quem precisa de inimigos tendo amigos assim?
Se normalmente o coração não sente aquilo que os olhos não veem, no caso de Michele, mesmo vendo com os próprios olhos a dor do outro, seu coração não é capaz de fazê-la evitar o constrangimento do outro diante dessa dor. Algo típico da classe média emergente que popularizou o show de horrores durante a Era Vitoriana, e que encontrava, na deficiência física e na anomalia genética de algumas pessoas, a sua principal fonte de diversão. Não sei se Michelle Bolsonaro já ouviu falar na Rainha Vitória, mas, provavelmente, um hipotético mandato presidencial sob o seu comando – e que todos os deuses, orixás, santos, caboclos e guias nos livrem dessa tragédia – resgataria os principais “valores” da monarquia britânica do século 19, onde o falso moralismo, a seletiva disciplina, os preconceitos legitimados e as severas proibições impostas aos cidadãos através da hipocrisia religiosa, algo semelhante ao bolsonarismo, caracterizavam o então governo.
Mesmo crendo que ela seria capaz de tirar o olho de alguém para atingir algum objetivo, prefiro dar a ela o benefício da dúvida, ainda que diante de um gesto tão perturbador. A minha saúde mental me agradecerá por isso. Se o reinado da rainha Vitória, segundo o psicanalista Jacques Lacan, teria sido necessário ao “despertar” para a importância da psicanálise no estudo do comportamento humano, a atitude de Michelle Bolsonaro é o tipo de comportamento que nem Freud, considerado o pai da referida ciência, explica.