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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Fev22

Mulheres negras no poder amedrontam porque são vistas como ameaça, diz vereadora

Talis Andrade

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Eleita na Câmara Municipal do Rio, Thais Ferreira foi acusada de ter “estilo” de usuário de drogas e favorecer o crime, com projeto sobre direitos de crianças e adolescentes, por deputado bolsonarista que quebrou placa de Marielle; parlamentar entrou com representação por racismo, calúnia e difamação no Ministério Público

 

placa marielle.jpg

 

Foi assistindo à primeira sessão do ano da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), em 1º de fevereiro, que a vereadora da capital fluminense Thais Ferreira (PSOL) ouviu seu nome ser mencionado. Conhecido por ter quebrado a placa com o nome da vereadora Marielle Franco assassinada em 2018, já próximo aos minutos finais da sessão, com um quadro do presidente Jair Bolsonaro (PL) e outro com uma arma na parede, o deputado Rodrigo Amorim (PSL) começou a comentar operações das forças de segurança na praia para coibir crimes até que fala sobre a atuação da parlamentar, que teria sido informada por moradores e comerciantes dos bairros de Copacabana, Leme, Leblon e Arpoador, que são áreas ricas da zona sul. “Essa vereadora, querendo lacrar como sempre, com suas pautas repugnantes como sempre, resolveu lançar um manifesto, um circo que ela montou, que ela deu nome de ‘Partiu Praia’”, declarou.

Em seguida, ele alega que Thais “hostiliza, confronta essa operação de guerra montada [da PM] no litoral do Rio de Janeiro, mais precisamente em Copacabana” e que ela facilitaria a atuação de “vagabundos travestidos de crianças e adolescentes, ou seja, sementinhas do mal, aqueles que se transformarão em marginais no futuro” para irem à praia praticar assaltos e usar drogas. Depois, se refere à vereadora, que é uma mulher negra, de que ela “tem o estilo” de usuário de drogas e que ela defenderia que crianças fossem à praia sem acompanhamento de um responsável.Image

“Eu sei, presidente, que a maioria dos deputados e vereadores do PSOL são consumidores de droga, eu sei que eles fumam maconha, que eles adoram traficante, são drogados, drogadiços [sic], dependentes químicos, defendem traficante, essa vereadora tem até o estilo mesmo de que gosta de fumar maconhazinha”, disse o bolsonarista. Depois, que Thais seria da “mesma laia” de uma vereadora de Niterói que queria “legalizar o roubo”.

A resposta de Thais

À reportagem, a parlamentar disse que entrou com uma representação pelos crimes de racismo, calúnia e difamação contra Amorim no Ministério Público Estadual, por ele ter atribuído práticas criminosas à ela pela sua cor e aponta que, mesmo com o episódio da placa, ele não parou de atacar parlamentares negras: “Ele parece que se especializa nesse tipo de prática porque a garantia da impunidade também é flagrante”.

Acabamos de protocolar uma notícia crime contra o Deputado Estadual Rodrigo Amorim. O único “lacre” que a nossa MãeData quer e precisa é o lacre de segurança pra que a nossa atuação na cidade, e em qualquer lugar, seja respeitada! pic.twitter.com/kxPRcIFddf

— Thais Ferreira (@southaferreira) February 4, 2022

Ela explica que o programa Partiu Praia é uma iniciativa do seu mandato em levar informações sobre direitos das crianças e dos adolescentes num espaço que é público e democrático. “A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância.”

A assessoria do MPRJ informou que está analisando a representação. Já a assessoria do deputado disse que veria a possibilidade de uma entrevista com ele, mas não respondeu mais até a publicação.

Estimulada por Marielle para integrar o PSOL e disputar uma cadeira na Alerj em 2018, Thais alcançou a primeira suplência e, depois, se tornou vereadora nas eleições municipais de 2020, com 24 mil votos.

À Ponte, ela conta sobre sua trajetória, a violência política contra parlamentares negras e a importância de ocupar esse espaço.

ribis- marielle consciencia negra quebra placa car

 

Jeniffer Mendonça entrevista Thais Ferreira

 

Ponte – Gostaria que você contasse sobre a sua trajetória, por favor, e o que a fez entrar para a política.

Vereadora Thais Ferreira – Eu sou Thais Ferreira, tenho 33 anos e sou preta periférica, mãe de dois meninos pretos também. Faço esse trabalho político voltado para saúde da mulher e também para o desenvolvimento desde a primeira infância, por entender que essa é a principal mudança radical que a gente pode promover a partir da política, para dar dignidade para todo mundo desde o começo da vida. Eu venho dessa trajetória porque as mulheres da minha família foram mulheres e fizeram política no cotidiano. Foi o fazer político delas que me permitiu continuar viva. Então, é mais um um passo para aquela continuidade que eu falo que eu levo para minha atuação parlamentar. E, para além dela, também legados que a gente aprende, né? Com a nossa ancestralidade, que é de nos tornarmos bons ancestrais em vida.

 

Ponte – O que é o programa Partiu Praia?

Thais Ferreira – Partiu Praia é um programa da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara do Rio, que eu sou presidenta, e foi criado no intuito de fazer uma sensibilização e uma conscientização – no caso, educação política – com toda a população acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente no que tange ao direito à cidade. Direito a lazer, à cultura, ao brincar e à convivência também na cidade com segurança, sem que haja nenhuma violação de direitos. Então, nós estamos com as nossas equipes ocupando as areias, a orla da zona sul do Rio, para que a gente possa fazer essa divulgação ativa de todo o sistema de garantia de direito da criança.

Ponte – E como funciona? Vocês abordam as pessoas na praia?

Thais Ferreira – Sim. Nós fazemos a prestação de conta da atividade parlamentar, que é permitido por lei, falamos o que é a comissão, qual o caráter dela no Rio de Janeiro, quais instâncias que ela participa e falamos também sobre os direitos das crianças, sobre identificação civil, sobre as lições de responsabilidade dos pais, da família, responsabilidade do poder público, responsabilidade de toda a sociedade. A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância. Na verdade, até [a fase] gestacional, quando a gente encontra as mulheres gestantes e fala acerca da hidratação, da segurança alimentar das crianças e a oportunidade também toda a identificação civil, porque é flagrante o número de crianças perdidas que também acontece na praia. No tempo da segunda infância, a gente fala muito sobre brincar como o principal ferramenta de desenvolvimento infantil, então o brincar na praia, imaginar a cidade, as texturas, o lugar democrático da convivência com pessoas diferentes. E quando a gente troca para esse lugar de adolescente e juventude, a gente fala sobre a participação social: os incômodos da cidade, da violência com a criança, o adolescente ou os jovens dos territórios periféricos. A gente fala também sobre a questão de sensibilização sobre os direitos e os deveres da cidadania para que essas crianças estejam protegidas.

 

Ponte – Gostaria que você contasse sobre a sua trajetória, por favor, e o que a fez entrar para a política.

Vereadora Thais Ferreira – Eu sou Thais Ferreira, tenho 33 anos e sou preta periférica, mãe de dois meninos pretos também. Faço esse trabalho político voltado para saúde da mulher e também para o desenvolvimento desde a primeira infância, por entender que essa é a principal mudança radical que a gente pode promover a partir da política, para dar dignidade para todo mundo desde o começo da vida. Eu venho dessa trajetória porque as mulheres da minha família foram mulheres e fizeram política no cotidiano. Foi o fazer político delas que me permitiu continuar viva. Então, é mais um um passo para aquela continuidade que eu falo que eu levo para minha atuação parlamentar. E, para além dela, também legados que a gente aprende, né? Com a nossa ancestralidade, que é de nos tornarmos bons ancestrais em vida.

 

Ponte – O que é o programa Partiu Praia?

Thais Ferreira – Partiu Praia é um programa da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara do Rio, que eu sou presidenta, e foi criado no intuito de fazer uma sensibilização e uma conscientização – no caso, educação política – com toda a população acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente no que tange ao direito à cidade. Direito a lazer, à cultura, ao brincar e à convivência também na cidade com segurança, sem que haja nenhuma violação de direitos. Então, nós estamos com as nossas equipes ocupando as areias, a orla da zona sul do Rio, para que a gente possa fazer essa divulgação ativa de todo o sistema de garantia de direito da criança.

 

Ponte – E como funciona? Vocês abordam as pessoas na praia?

Thais Ferreira – Sim. Nós fazemos a prestação de conta da atividade parlamentar, que é permitido por lei, falamos o que é a comissão, qual o caráter dela no Rio de Janeiro, quais instâncias que ela participa e falamos também sobre os direitos das crianças, sobre identificação civil, sobre as lições de responsabilidade dos pais, da família, responsabilidade do poder público, responsabilidade de toda a sociedade. A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância. Na verdade, até [a fase] gestacional, quando a gente encontra as mulheres gestantes e fala acerca da hidratação, da segurança alimentar das crianças e a oportunidade também toda a identificação civil, porque é flagrante o número de crianças perdidas que também acontece na praia. No tempo da segunda infância, a gente fala muito sobre brincar como o principal ferramenta de desenvolvimento infantil, então o brincar na praia, imaginar a cidade, as texturas, o lugar democrático da convivência com pessoas diferentes. E quando a gente troca para esse lugar de adolescente e juventude, a gente fala sobre a participação social: os incômodos da cidade, da violência com a criança, o adolescente ou os jovens dos territórios periféricos. A gente fala também sobre a questão de sensibilização sobre os direitos e os deveres da cidadania para que essas crianças estejam protegidas.

 

Ponte – Quando esse projeto começou?

Thais Ferreira – É um projeto de verão. A gente começou a ir para rua em janeiro. E a ideia é que a gente perdure até esse período onde o sol fica forte aqui no Rio, no período do Carnaval, mês de fevereiro inteiro, março.

 

Ponte – Por que levar essas informações nesse tipo de ambiente?

Thais Ferreira – Porque a praia acaba sendo esse lugar de lazer democrático e gratuito, onde a gente consegue concentrar diferentes status da população que convivem ali na maior parte do tempo pacificamente. Então, a gente tem uma oportunidade única de abordagem nesse período falando sobre uma cidade do Rio de Janeiro onde consegue ampliar essa agenda para mais pessoas da cidade, do estado, pessoas até de outros estados também. E a gente sabe, por evidência de dados, que a agenda das crianças deveria ser prioridade absoluta, mas não é. A gente vive um momento até de desmonte dos direitos da criança e do adolescente. E a gente viu essa oportunidade a partir desse projeto.

 

Ponte – Na sua visão, por que o deputado Ricardo Amorim se incomodou tanto com essa atuação?

Thais Ferreira – Olha, eu creio que o efeito disso é a desinformação. A gente vive numa era de desinformação muito intensa. Até as próprias figuras públicas acabam propagando notícias que não são verdadeiras e chegam também para essas figuras públicas as notícias falsas. Então, imagine que o nosso projeto, que é esse projeto para defender direitos de crianças, sensibilizar toda a população, foi transformado em algo que ele não é, né? Colocando nesse lugar pejorativo os defensores de direitos humanos, aqueles que defendem a vida das crianças. Então, credito isso à desinformação. Juntando a desinformação com a vontade política deturpada, aconteceu violência conosco por todo o nosso trabalho.

 

Ponte – Você já sofreu outros ataques ou ameaças pela sua atuação após ingressar em um mandato legislativo?

Thais Ferreira – Sim, acho que desde o início do meu fazer ativista até, com princípio de ameaça que tenta mobilizar a nossa movimentação política. Enquanto liderança política, enquanto liderança pública, enquanto liderança comunitária, é infelizmente muito comum. Aí que a gente evidencia ainda mais o caráter do racismo estrutural, o caráter do machismo, da misoginia, e a gente tem essas preposições de desigualdade que desde sempre me atravessaram. Então, isso realmente é o modus operandi daqueles que não querem que nós participemos desses fatos. Eu tenho um histórico de mobilização social, até mesmo quando eu ainda não era uma vereadora eleita, eu sofria com esse tipo de ameaça, de desqualificação. Inclusive durante as minhas duas candidaturas, todas elas foram permeadas por esse lugar da violência política de gênero e da violência racial também.

 

Ponte – Lendo sobre você, não tem como não pontuar que você vem de uma candidatura a deputada estadual a convite da Marielle Franco (em 2018, quando alcançou a suplência) e o mesmo deputado que te desqualificou e criminalizou quebrou uma placa com o nome dela após o assassinato. O que isso te representa?

Thais Ferreira – Ele faz escárnio sobre um atentado político que é um atentado sobre todas nós, é sobre todos nós, na verdade. É um atentado ao Estado Democrático de Direito. Então, quando ele faz esse escárnio, quebrando essa placa tão significativa, ele dá o recado dele sobre esse tipo de postura política que ele vai ter. Como vai ser e como que ele vai se posicionar ao lado dos extremistas de ódio para se impulsionar eleitoralmente. Isso é evidente e deixa mais flagrante ainda quando ele continua, mesmo após esse episódio horrendo e nojento, de fato se especializando em fazer violência de gênero e violência racial com as parlamentares negras eleitas pela esquerda. Ele já praticou esse tipo de violência e outras. Com a deputada federal Talíria Petroni. Já atacou também outras deputadas estaduais do Rio de Janeiro. Então, ele parece que se especializa nesse tipo de prática porque a garantia da impunidade também é flagrante. Por isso, a gente precisa reforçar cada vez mais as ferramentas de proteção às mulheres que fazem política do cotidiano, as mulheres que fazem política na institucionalidade, porque, se não, esse tipo de figura continuará sendo impulsionada por esse discurso de ódio e, infelizmente, a gente não vai avançar no que tange à representatividade política, né?

 

Ponte – Como você tem lidado com esses casos como da vereadora de Niterói Benny Briolly, da Talíria, que você mencionou, aqui em São Paulo tivemos também casos como a da vereadora Erika Hilton? Por que parlamentares negras e que vieram dessa leva pós-Marielle incomodam?

Thais Ferreira – Acho que esse incômodo vem de uma máxima que a gente usa bastante para falar sobre as pessoas que ainda praticam racismo e que são muitas no nosso Brasil. Largar o chicote só. A mudança de cultura, abrir mão do poder, dos privilégios, da dominação, somente nesse lugar político é muito doloroso e, no lugar dessa dor que essas pessoas sentem, elas acabam inflamando ainda mais o ódio e indo contra esses corpos, contra essas identidades, contra essas pessoas que representam e que façam uma mudança. A personificação da alteração do status quo no poder é de fato termos mulheres negras, mulheres negras e trans, mulheres negras e LGBTQIA+. Essas pessoas ocupando essas cadeiras nos parlamentos mandam um recado para sociedade de que esses homens não estarão sossegados operando à distância, sem transparência. A nossa mudança de fato é ética, estética e política e isso amedronta demais, ameaça demais todos eles. E, nesse lugar de ameaça, como eles fazem parte desse espaço de poder, acabam cada vez mais reproduzindo e produzindo essas e outras novas violências, que às vezes vão ser explícitas, outras vão ser sutis, mas que todas vão ter esse intento de acabar com essa mudança.

 

Ponte – O que te impulsiona a continuar ocupando esse lugar e continuar exercendo um cargo político?

Thais Ferreira – Olha, com certeza é a continuidade. A gente vem trabalhando na nossa “mãedata” valores que são ancestrais, com muito respeito, que vieram antes de nós, e a continuidade do espaço dessas pessoas dependem também do nosso presente. E também para onde a gente vai no futuro. Então, a gente imaginar e tentar mudar radicalmente a política a partir do nosso imaginário é uma forma de continuar o legado de luta das pessoas que vieram antes de nós porque, se não fosse por elas também, não estaríamos vivas hoje. A gente está falando de pessoas que fizeram política com os braços e sangraram por isso. Para honrar essas vidas e restituir a humanidade de cada uma delas, mesmo depois de tanto tempo passado, é que a gente faz a luz na institucionalidade pela reparação histórica plena. E isso vem a partir da nossas identidades com ocupação do poder.

 

Ponte – Qual a sua perspectiva para as eleições gerais deste ano? Essa onda de violência vai se intensificar?

Thais Ferreira – Acredito que sim. Acredito que essa onda de violência infelizmente vai crescer justamente porque é ela que impulsiona muitas vezes essas figuras que tentam brecar as mudanças radicais na política. A gente tem que estar cada vez mais preparada com estratégia, com segurança também porque a gente está falando de vidas, das vidas de pessoas que se arriscam para promover mudança social. Então, nesse ano eleitoral, a gente precisa ter essa palavra de ordem, né? É estratégia para manter as mulheres que estão dispostas ao poder, as mulheres negras sobretudo, a população preta, pobre, periférica, LGBTQIA+ também, criar novos espaços confortáveis para que mais pessoas entrem com dignidade porque, quando a gente olha para essas candidaturas, a gente vê muitas vezes a ausência de recursos. Não só financeiros – mas são principalmente eles também, e isso tudo é que ajuda a gente a ganhar ou não o jogo, a virar ou não o tabuleiro. E a gente precisa se impulsionar para que essa mudança aconteça esse ano, já que estamos falando de uma eleição que, na verdade, é uma eleição mais geral, a gente não fala tanto da municipalidade que eu ocupo, mas a gente sabe que os impactos gerados pelos resultados das eleições vão atingir a todos nós e mudar também o cenário das próximas eleições. Essa polarização vai haver e a gente vai precisar de muita segurança, de muita visibilidade também dos nossos fazeres políticos para que a gente tenha cada vez mais oportunidade de legitimar esses espaços como os nossos e conquistar ainda outros.

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‘Efeito Marielle’: mulheres negras entram na política por legado da vereadora

Assassinato de Marielle Franco despertou em mulheres jovens, negras e periféricas o desejo de ir à luta e manter o legado da vereadora através de candidaturas.

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Funkeiros viram alvo da polícia a pedido de deputado que rasgou placa de Marielle

Rodrigo Amorim (PSL-RJ) nunca foi investigado por destruir homenagem a vereadora assassinada, mas bastou um pedido dele para a Polícia Civil investigar MCs Cabelinho e Maneirinho por apologia ao crime.

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Três anos após assassinato, Marielle e seus símbolos seguem incomodando grupos da extrema direita

Fake news, memes e ataques com autoria de radicais ainda surgem nas redes sociais e tentam degradar a imagem de Marielle. “Como a memória dela não foi assassinada, eles tentam assassinar com esses símbolos”, diz pesquisadora.

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09
Fev22

‘Lucio Costers’: os milicianos radicados na avenida onde Moïse foi espancado até a morte

Talis Andrade

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São vários, os mafiosos ou com fortes ligações com a máfia. O mais famoso já defendeu na tribuna da Câmara o uso da “vara de correção” para salvar jovens do inferno

 

 

por Hugo Souza

É tanta barbárie, desgraça e comoção – e confusão – envolvendo o espancamento até a morte do congolês Moïse Kabagambe num quiosque da Barra da Tijuca, que certos fatos direta ou indiretamente ligados ao cruento episódio vêm assim passando batidos, por mais que altamente indiciários das possíveis conexões por trás do assassinato.

Um deles é o relato dando conta de que o dono do quiosque Tropicália, que a polícia do Rio faz tanta questão de preservar, foi quem teria acionado os dois policiais militares que passaram os dias subsequentes ao crime tentando intimidar a família de Moïse, quando a família de Moïse correu atrás de explicações.

No dia seguinte ao assassinato, familiares de Moïse foram até o Tropicália tentar mobilizar o dono do quiosque para ir à polícia falar sobre o crime, já que a polícia parecia – e estava – quase que totalmente inerte.

O dono do Tropicália, segundo a família do morto, pareceu concordar e disse que ia ali buscar o carro, mas demorou-se, e neste meio tempo apareceram o cabo Leandro de Oliveira Vigaldi e o soldado Cleiton Lamonica Senra – “um cabo e um soldado”, mas estes da PM – pedindo documentos e fazendo sermão sobre como são bem-aventurados os que não fazem perguntas demais.

Outra informação das mais relevantes, crucial mesmo, é que dias antes de Moïse Kabagambe ser assassinado apareceram nas imediações do crime os corpos de outros dois homens mortos por “ação contundente”, ou seja, espancados.

Um deles foi encontrado boiando no mar na altura do número 2.630 da avenida Lucio Costa. Ele tinha as mãos amarradas, como Moïse teve as dele antes de morrer. O outro jazia na faixa de areia na altura do número 3.300 da antiga avenida Sernambetiba, transformada em avenida Lucio Costa em 1998 por decreto do então prefeito Luis Paulo Conde, após a morte do arquiteto responsável pelo plano urbanístico da Barra.

Mais um fato sinalizador é que a Lucio Costa, a avenida, reduto carioca de espancamentos neste início de 2022, é ou foi até recentemente endereço de vários grão-mafiosos, “milicianos” do Rio de Janeiro, ou figuras diretamente ligadas à milícia, algumas com prerrogativa de foro e quase todos com histórico de relações, digamos, B2B – business to business.

Come Ananás levantou as localizações dos imóveis em processos judiciais, denúncias do Ministério Público e imagens de prisões de milicianos divulgadas pela mídia. À exceção de um, no Recreio dos Bandeirantes, todos os imóveis ficam entre o posto 3 e o posto 5 da Barra da Tijuca. O condomínio Vivendas da Barra fica no meio, no posto 4. E todos são apartamentos, exceto os imóveis em questão que ficam no Vivendas, as casas 55 e 66.

Comecemos, então, pela casa 66 do número 3.100 da avenida Lucio Costa, que até há pouco era habitada pelo apertador de gatilho do assassinato de Marielle Franco, o ex-PM Ronnie Lessa. Lessa é apontado como integrante do grupo de matadores de aluguel “Escritório do Crime”, que, como talvez dissessem os “Faria Limers”, é um player do ramo de fazer turnover de targets; uma subsidiary da parent company Milícia de Rio das Pedras, Muzema e Gardênia Azul.

O “Escritório do Crime” era chefiado pelo também ex-PM Adriano da Nóbrega. Adriano foi morto há dois anos na Bahia. Conhecido como “Capitão Adriano”, Nóbrega tinha laços com outro capitão – este, mais famoso, do Exército de Caxias – e com seus filhos, especialmente o mais velho, o 01.

Residencial-hotelFórum: “Vivendas da Barra Pesada”, lar dos Bolsonaro, tem mais um bandido  preso – Onze de Maio

A 350 metros do Vivendas da Barra fica o prédio onde um dos chefes da milícia na Gardênia Azul, o ex-vereador carioca Cristiano Girão, comprou em 2002 um apartamento que valia R$ 500 mil, mas pagando apenas 12% deste valor, R$ 60 mil.

Girão foi preso em julho do ano passado. Antes, quando Ronnie Lessa foi preso pelo assassinato de Marielle, a polícia achou na casa 66 do Vivendas da Barra anotações com o nome de Girão, que anos antes teria acionado Lessa para matar o ex-policial conhecido como André Zoio, porque Zoio teria se arriscado como concorrente do ex-vereador no ramo de aluguéis na Gardênia. Zoio e sua namorada foram mortos em 2014, em Jacarepaguá. O carro onde estavam foi crivado com mais de 40 tiros – de fuzil.

Do mesmo prédio onde Girão “investiu” em 2002, saiu algemado em 2017 um homem chamado Cleber de Oliveira Silva, vulgo “Clebinho”. Ele guardava um tesouro em joias no apartamento de quatro quartos com vista para o mar e tinha R$ 168 mil em espécie malocados no porta-malas de um Chevrolet Camaro. Cleber foi preso acusado de ser “agente financeiro”, lavador de dinheiro de uma outra milícia da Zona Oeste, esta atuante no bairro de Santa Cruz.

Outro miliciano da Zona Oeste, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras, o ex-sargento da PM Dalmir Pereira Barbosa foi preso em 2011 em casa, ou melhor, num loft de um residencial-hotel da avenida Lucio Costa, a 500 metros do Vivendas da Barra.

Dalmir, ligado à máfia dos transportes, é acusado de matar, em 2003, o então chefe de gabinete da extinta Superintendência Municipal de Transportes Urbanos do Rio (SMTU), Paulo Roberto da Costa Paiva. É outro que construía prédios mambembes nos subúrbios proletários do Rio enquanto acordava todos os dias com vista para o Atlântico.

Está registrado no loft de Dalmir Pereira Barbosa no residencial-hotel da Lucio Costa, e tendo Dalmir como administrador, um CNPJ ativo de uma empresa aberta em 2018 e que tem como finalidades principal e secundária no CNAE, respectivamente, aluguel e loteamento de imóveis…

Uma spin-off do ‘Escritório do Crime’

O ex-major da PM Dilo Pereira Soares Júnior é mais um mafioso da Zona Oeste proprietário de imóvel na Lucio Costa, este no Recreio dos Bandeirantes. Dilo foi denunciado pelo Ministério Público junto com Dalmir Pereira Barbosa por formação de milícia em Rio das Pedras.

Na denúncia, dizia-se que “o grupo criminoso, inclusive, para a manutenção de suas atividades ilícitas, utilizava de seu domínio armado sobre a população, criando ‘currais eleitorais’ nas comunidades que controlavam, tentava introduzir seus membros na administração pública e nos cargos eletivos de vereadores e deputados”.

E mais um “Lucio Coster”: preso em julho de 2019 em seu apartamento na antiga Sernambetiba, e que fica a pouco mais de 700 metros do Vivendas da Barra, o advogado Leonardo Igrejas Esteves Borges movimentou R$ 25 milhões ao longo de quatro anos em dinheiro engatado a empreendimentos miliciano-imobiliários na Muzema.

Quem também empreende neste ramo na Muzema é o “Escritório do Crime”, que usou dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro para financiar, vamos dizer assim, sua spin-off de construção civil. Foi, aliás, movimentando dinheiro de maneira heterodoxa que Flavio Bolsonaro comprou em 2014 um apartamento no número 3.600 da avenida Lucio Costa, pagando parte do acertado, R$ 30 mil, em espécie.

O apê de Flávio fica pertinho do condomínio de seu pai, como se o Vivendas da Barra não terminasse em muros, espalhando ramas pela Barra da Tijuca, pelo Brasil.

Quebra-chamas

E, portanto, voltamos ao Vivendas da Barra. Neste país, nos últimos anos, tudo volta ao Vivendas da Barra. Temos então, como grande expoente dos “Lucio Costers”, o homem da casa 58, o vizinho do apertador de gatilho da casa 66 do condomínio localizado ao número 3100 da avenida dos Espancamentos.

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As últimas notícias em que o homem da casa 58 e o da 66 aparecem dividindo as mesmas linhas na imprensa dão conta de que um dos decretos armamentistas assinados por Jair Bolsonaro pode beneficiar Ronnie Lessa num processo que Lessa enfrenta por importação ilegal de um lote de um acessório para fuzil chamado quebra-chamas.

O quebra-chamas é inútil para praticantes de tiro ao prato e para colecionadores de fuzis de assalto, mas pode ser muito útil para assassinos profissionais, porque “camufla” o atirador ao reduzir em até 85% o clarão provocado pelo disparo.

O 16 quebra-chamas importados por Lessa em 2017 tinham como destino a República de Rio das Pedras, mas foram interceptados pela Receita Federal do Brasil. Em um decreto assinado no ano passado, Bolsonaro excluiu o quebra-chamas da lista de Produtos Controlados pelo Exército (PCE), “legalizando”, na prática, o comércio do apetrecho.

Assim atua “o cara da casa de vidro”, para quem comparsas de Adriano da Nóbrega telefonaram após a execução do miliciano pela polícia da Bahia. A “casa de vidro”, registre-se, não é o número 55 do Vivendas da Barra, mas sim o Palácio do Planalto – ou o da Alvorada. E há duas décadas o futuro “cara da casa de vidro” e o verbo “espancar” já dividiam as mesmas linhas de reportagens da imprensa carioca:

A ‘vara de correção’

Isso foi há duas décadas. Há uma, Jair Bolsonaro foi o deputado federal que mais se manifestou na tribuna da Câmara, com quatro discursos, sobre a chamada “Lei da Palmada”, que apesar dos latidos foi aprovada prevendo punição para castigos físicos e tratamentos degradantes contra crianças e adolescentes. Bolsonaro, qualquer um pode inferir, foi contra o então projeto de lei, e lançou mão de todos os artifícios regimentais para impedir a votação da matéria.

Em um dos discursos que fez na época na tribuna da Câmara dos Deputados, Bolsonaro esgrimiu o seguinte argumento para fundamentar sua posição: “existem passagens bíblicas que dizem, dentre outras coisas, que, quando um pai usa a vara de correção, está salvando o filho do inferno”.

Testemunhas disseram que os empunhadores de varas de pau que mataram Moïse Kabagambe anunciavam a quem passava que “queriam dar um corretivo” no congolês, acusando-o de comportar-se muito mal.

Está certo que no Rio a chapa é quente e o bagulho é doido. Mas quem é que mata alguém em plena Lucio Costa a golpes de varas de correção, com a desenvoltura de quem usa um fura-coco, e depois se vira sobre os calcanhares para voltar aos prosaicos afazeres – dois latões saindo, um refrigerante para o freguês – largando o corpo à vista de todos, amarrado, arrebentado, esfriando junto ao freezer de cervejas estalando a zero grau, a dez passos do quiosque operado por um policial militar?

Só mesmo quem se fia nalgum belo tipo de anteparo.

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