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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Fev22

Mulheres negras no poder amedrontam porque são vistas como ameaça, diz vereadora

Talis Andrade

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Eleita na Câmara Municipal do Rio, Thais Ferreira foi acusada de ter “estilo” de usuário de drogas e favorecer o crime, com projeto sobre direitos de crianças e adolescentes, por deputado bolsonarista que quebrou placa de Marielle; parlamentar entrou com representação por racismo, calúnia e difamação no Ministério Público

 

placa marielle.jpg

 

Foi assistindo à primeira sessão do ano da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), em 1º de fevereiro, que a vereadora da capital fluminense Thais Ferreira (PSOL) ouviu seu nome ser mencionado. Conhecido por ter quebrado a placa com o nome da vereadora Marielle Franco assassinada em 2018, já próximo aos minutos finais da sessão, com um quadro do presidente Jair Bolsonaro (PL) e outro com uma arma na parede, o deputado Rodrigo Amorim (PSL) começou a comentar operações das forças de segurança na praia para coibir crimes até que fala sobre a atuação da parlamentar, que teria sido informada por moradores e comerciantes dos bairros de Copacabana, Leme, Leblon e Arpoador, que são áreas ricas da zona sul. “Essa vereadora, querendo lacrar como sempre, com suas pautas repugnantes como sempre, resolveu lançar um manifesto, um circo que ela montou, que ela deu nome de ‘Partiu Praia’”, declarou.

Em seguida, ele alega que Thais “hostiliza, confronta essa operação de guerra montada [da PM] no litoral do Rio de Janeiro, mais precisamente em Copacabana” e que ela facilitaria a atuação de “vagabundos travestidos de crianças e adolescentes, ou seja, sementinhas do mal, aqueles que se transformarão em marginais no futuro” para irem à praia praticar assaltos e usar drogas. Depois, se refere à vereadora, que é uma mulher negra, de que ela “tem o estilo” de usuário de drogas e que ela defenderia que crianças fossem à praia sem acompanhamento de um responsável.Image

“Eu sei, presidente, que a maioria dos deputados e vereadores do PSOL são consumidores de droga, eu sei que eles fumam maconha, que eles adoram traficante, são drogados, drogadiços [sic], dependentes químicos, defendem traficante, essa vereadora tem até o estilo mesmo de que gosta de fumar maconhazinha”, disse o bolsonarista. Depois, que Thais seria da “mesma laia” de uma vereadora de Niterói que queria “legalizar o roubo”.

A resposta de Thais

À reportagem, a parlamentar disse que entrou com uma representação pelos crimes de racismo, calúnia e difamação contra Amorim no Ministério Público Estadual, por ele ter atribuído práticas criminosas à ela pela sua cor e aponta que, mesmo com o episódio da placa, ele não parou de atacar parlamentares negras: “Ele parece que se especializa nesse tipo de prática porque a garantia da impunidade também é flagrante”.

Acabamos de protocolar uma notícia crime contra o Deputado Estadual Rodrigo Amorim. O único “lacre” que a nossa MãeData quer e precisa é o lacre de segurança pra que a nossa atuação na cidade, e em qualquer lugar, seja respeitada! pic.twitter.com/kxPRcIFddf

— Thais Ferreira (@southaferreira) February 4, 2022

Ela explica que o programa Partiu Praia é uma iniciativa do seu mandato em levar informações sobre direitos das crianças e dos adolescentes num espaço que é público e democrático. “A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância.”

A assessoria do MPRJ informou que está analisando a representação. Já a assessoria do deputado disse que veria a possibilidade de uma entrevista com ele, mas não respondeu mais até a publicação.

Estimulada por Marielle para integrar o PSOL e disputar uma cadeira na Alerj em 2018, Thais alcançou a primeira suplência e, depois, se tornou vereadora nas eleições municipais de 2020, com 24 mil votos.

À Ponte, ela conta sobre sua trajetória, a violência política contra parlamentares negras e a importância de ocupar esse espaço.

ribis- marielle consciencia negra quebra placa car

 

Jeniffer Mendonça entrevista Thais Ferreira

 

Ponte – Gostaria que você contasse sobre a sua trajetória, por favor, e o que a fez entrar para a política.

Vereadora Thais Ferreira – Eu sou Thais Ferreira, tenho 33 anos e sou preta periférica, mãe de dois meninos pretos também. Faço esse trabalho político voltado para saúde da mulher e também para o desenvolvimento desde a primeira infância, por entender que essa é a principal mudança radical que a gente pode promover a partir da política, para dar dignidade para todo mundo desde o começo da vida. Eu venho dessa trajetória porque as mulheres da minha família foram mulheres e fizeram política no cotidiano. Foi o fazer político delas que me permitiu continuar viva. Então, é mais um um passo para aquela continuidade que eu falo que eu levo para minha atuação parlamentar. E, para além dela, também legados que a gente aprende, né? Com a nossa ancestralidade, que é de nos tornarmos bons ancestrais em vida.

 

Ponte – O que é o programa Partiu Praia?

Thais Ferreira – Partiu Praia é um programa da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara do Rio, que eu sou presidenta, e foi criado no intuito de fazer uma sensibilização e uma conscientização – no caso, educação política – com toda a população acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente no que tange ao direito à cidade. Direito a lazer, à cultura, ao brincar e à convivência também na cidade com segurança, sem que haja nenhuma violação de direitos. Então, nós estamos com as nossas equipes ocupando as areias, a orla da zona sul do Rio, para que a gente possa fazer essa divulgação ativa de todo o sistema de garantia de direito da criança.

Ponte – E como funciona? Vocês abordam as pessoas na praia?

Thais Ferreira – Sim. Nós fazemos a prestação de conta da atividade parlamentar, que é permitido por lei, falamos o que é a comissão, qual o caráter dela no Rio de Janeiro, quais instâncias que ela participa e falamos também sobre os direitos das crianças, sobre identificação civil, sobre as lições de responsabilidade dos pais, da família, responsabilidade do poder público, responsabilidade de toda a sociedade. A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância. Na verdade, até [a fase] gestacional, quando a gente encontra as mulheres gestantes e fala acerca da hidratação, da segurança alimentar das crianças e a oportunidade também toda a identificação civil, porque é flagrante o número de crianças perdidas que também acontece na praia. No tempo da segunda infância, a gente fala muito sobre brincar como o principal ferramenta de desenvolvimento infantil, então o brincar na praia, imaginar a cidade, as texturas, o lugar democrático da convivência com pessoas diferentes. E quando a gente troca para esse lugar de adolescente e juventude, a gente fala sobre a participação social: os incômodos da cidade, da violência com a criança, o adolescente ou os jovens dos territórios periféricos. A gente fala também sobre a questão de sensibilização sobre os direitos e os deveres da cidadania para que essas crianças estejam protegidas.

 

Ponte – Gostaria que você contasse sobre a sua trajetória, por favor, e o que a fez entrar para a política.

Vereadora Thais Ferreira – Eu sou Thais Ferreira, tenho 33 anos e sou preta periférica, mãe de dois meninos pretos também. Faço esse trabalho político voltado para saúde da mulher e também para o desenvolvimento desde a primeira infância, por entender que essa é a principal mudança radical que a gente pode promover a partir da política, para dar dignidade para todo mundo desde o começo da vida. Eu venho dessa trajetória porque as mulheres da minha família foram mulheres e fizeram política no cotidiano. Foi o fazer político delas que me permitiu continuar viva. Então, é mais um um passo para aquela continuidade que eu falo que eu levo para minha atuação parlamentar. E, para além dela, também legados que a gente aprende, né? Com a nossa ancestralidade, que é de nos tornarmos bons ancestrais em vida.

 

Ponte – O que é o programa Partiu Praia?

Thais Ferreira – Partiu Praia é um programa da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara do Rio, que eu sou presidenta, e foi criado no intuito de fazer uma sensibilização e uma conscientização – no caso, educação política – com toda a população acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente no que tange ao direito à cidade. Direito a lazer, à cultura, ao brincar e à convivência também na cidade com segurança, sem que haja nenhuma violação de direitos. Então, nós estamos com as nossas equipes ocupando as areias, a orla da zona sul do Rio, para que a gente possa fazer essa divulgação ativa de todo o sistema de garantia de direito da criança.

 

Ponte – E como funciona? Vocês abordam as pessoas na praia?

Thais Ferreira – Sim. Nós fazemos a prestação de conta da atividade parlamentar, que é permitido por lei, falamos o que é a comissão, qual o caráter dela no Rio de Janeiro, quais instâncias que ela participa e falamos também sobre os direitos das crianças, sobre identificação civil, sobre as lições de responsabilidade dos pais, da família, responsabilidade do poder público, responsabilidade de toda a sociedade. A gente abarca fases diferentes da infância e como elas podem estar expostas à violação de direito na praia desde a primeira infância. Na verdade, até [a fase] gestacional, quando a gente encontra as mulheres gestantes e fala acerca da hidratação, da segurança alimentar das crianças e a oportunidade também toda a identificação civil, porque é flagrante o número de crianças perdidas que também acontece na praia. No tempo da segunda infância, a gente fala muito sobre brincar como o principal ferramenta de desenvolvimento infantil, então o brincar na praia, imaginar a cidade, as texturas, o lugar democrático da convivência com pessoas diferentes. E quando a gente troca para esse lugar de adolescente e juventude, a gente fala sobre a participação social: os incômodos da cidade, da violência com a criança, o adolescente ou os jovens dos territórios periféricos. A gente fala também sobre a questão de sensibilização sobre os direitos e os deveres da cidadania para que essas crianças estejam protegidas.

 

Ponte – Quando esse projeto começou?

Thais Ferreira – É um projeto de verão. A gente começou a ir para rua em janeiro. E a ideia é que a gente perdure até esse período onde o sol fica forte aqui no Rio, no período do Carnaval, mês de fevereiro inteiro, março.

 

Ponte – Por que levar essas informações nesse tipo de ambiente?

Thais Ferreira – Porque a praia acaba sendo esse lugar de lazer democrático e gratuito, onde a gente consegue concentrar diferentes status da população que convivem ali na maior parte do tempo pacificamente. Então, a gente tem uma oportunidade única de abordagem nesse período falando sobre uma cidade do Rio de Janeiro onde consegue ampliar essa agenda para mais pessoas da cidade, do estado, pessoas até de outros estados também. E a gente sabe, por evidência de dados, que a agenda das crianças deveria ser prioridade absoluta, mas não é. A gente vive um momento até de desmonte dos direitos da criança e do adolescente. E a gente viu essa oportunidade a partir desse projeto.

 

Ponte – Na sua visão, por que o deputado Ricardo Amorim se incomodou tanto com essa atuação?

Thais Ferreira – Olha, eu creio que o efeito disso é a desinformação. A gente vive numa era de desinformação muito intensa. Até as próprias figuras públicas acabam propagando notícias que não são verdadeiras e chegam também para essas figuras públicas as notícias falsas. Então, imagine que o nosso projeto, que é esse projeto para defender direitos de crianças, sensibilizar toda a população, foi transformado em algo que ele não é, né? Colocando nesse lugar pejorativo os defensores de direitos humanos, aqueles que defendem a vida das crianças. Então, credito isso à desinformação. Juntando a desinformação com a vontade política deturpada, aconteceu violência conosco por todo o nosso trabalho.

 

Ponte – Você já sofreu outros ataques ou ameaças pela sua atuação após ingressar em um mandato legislativo?

Thais Ferreira – Sim, acho que desde o início do meu fazer ativista até, com princípio de ameaça que tenta mobilizar a nossa movimentação política. Enquanto liderança política, enquanto liderança pública, enquanto liderança comunitária, é infelizmente muito comum. Aí que a gente evidencia ainda mais o caráter do racismo estrutural, o caráter do machismo, da misoginia, e a gente tem essas preposições de desigualdade que desde sempre me atravessaram. Então, isso realmente é o modus operandi daqueles que não querem que nós participemos desses fatos. Eu tenho um histórico de mobilização social, até mesmo quando eu ainda não era uma vereadora eleita, eu sofria com esse tipo de ameaça, de desqualificação. Inclusive durante as minhas duas candidaturas, todas elas foram permeadas por esse lugar da violência política de gênero e da violência racial também.

 

Ponte – Lendo sobre você, não tem como não pontuar que você vem de uma candidatura a deputada estadual a convite da Marielle Franco (em 2018, quando alcançou a suplência) e o mesmo deputado que te desqualificou e criminalizou quebrou uma placa com o nome dela após o assassinato. O que isso te representa?

Thais Ferreira – Ele faz escárnio sobre um atentado político que é um atentado sobre todas nós, é sobre todos nós, na verdade. É um atentado ao Estado Democrático de Direito. Então, quando ele faz esse escárnio, quebrando essa placa tão significativa, ele dá o recado dele sobre esse tipo de postura política que ele vai ter. Como vai ser e como que ele vai se posicionar ao lado dos extremistas de ódio para se impulsionar eleitoralmente. Isso é evidente e deixa mais flagrante ainda quando ele continua, mesmo após esse episódio horrendo e nojento, de fato se especializando em fazer violência de gênero e violência racial com as parlamentares negras eleitas pela esquerda. Ele já praticou esse tipo de violência e outras. Com a deputada federal Talíria Petroni. Já atacou também outras deputadas estaduais do Rio de Janeiro. Então, ele parece que se especializa nesse tipo de prática porque a garantia da impunidade também é flagrante. Por isso, a gente precisa reforçar cada vez mais as ferramentas de proteção às mulheres que fazem política do cotidiano, as mulheres que fazem política na institucionalidade, porque, se não, esse tipo de figura continuará sendo impulsionada por esse discurso de ódio e, infelizmente, a gente não vai avançar no que tange à representatividade política, né?

 

Ponte – Como você tem lidado com esses casos como da vereadora de Niterói Benny Briolly, da Talíria, que você mencionou, aqui em São Paulo tivemos também casos como a da vereadora Erika Hilton? Por que parlamentares negras e que vieram dessa leva pós-Marielle incomodam?

Thais Ferreira – Acho que esse incômodo vem de uma máxima que a gente usa bastante para falar sobre as pessoas que ainda praticam racismo e que são muitas no nosso Brasil. Largar o chicote só. A mudança de cultura, abrir mão do poder, dos privilégios, da dominação, somente nesse lugar político é muito doloroso e, no lugar dessa dor que essas pessoas sentem, elas acabam inflamando ainda mais o ódio e indo contra esses corpos, contra essas identidades, contra essas pessoas que representam e que façam uma mudança. A personificação da alteração do status quo no poder é de fato termos mulheres negras, mulheres negras e trans, mulheres negras e LGBTQIA+. Essas pessoas ocupando essas cadeiras nos parlamentos mandam um recado para sociedade de que esses homens não estarão sossegados operando à distância, sem transparência. A nossa mudança de fato é ética, estética e política e isso amedronta demais, ameaça demais todos eles. E, nesse lugar de ameaça, como eles fazem parte desse espaço de poder, acabam cada vez mais reproduzindo e produzindo essas e outras novas violências, que às vezes vão ser explícitas, outras vão ser sutis, mas que todas vão ter esse intento de acabar com essa mudança.

 

Ponte – O que te impulsiona a continuar ocupando esse lugar e continuar exercendo um cargo político?

Thais Ferreira – Olha, com certeza é a continuidade. A gente vem trabalhando na nossa “mãedata” valores que são ancestrais, com muito respeito, que vieram antes de nós, e a continuidade do espaço dessas pessoas dependem também do nosso presente. E também para onde a gente vai no futuro. Então, a gente imaginar e tentar mudar radicalmente a política a partir do nosso imaginário é uma forma de continuar o legado de luta das pessoas que vieram antes de nós porque, se não fosse por elas também, não estaríamos vivas hoje. A gente está falando de pessoas que fizeram política com os braços e sangraram por isso. Para honrar essas vidas e restituir a humanidade de cada uma delas, mesmo depois de tanto tempo passado, é que a gente faz a luz na institucionalidade pela reparação histórica plena. E isso vem a partir da nossas identidades com ocupação do poder.

 

Ponte – Qual a sua perspectiva para as eleições gerais deste ano? Essa onda de violência vai se intensificar?

Thais Ferreira – Acredito que sim. Acredito que essa onda de violência infelizmente vai crescer justamente porque é ela que impulsiona muitas vezes essas figuras que tentam brecar as mudanças radicais na política. A gente tem que estar cada vez mais preparada com estratégia, com segurança também porque a gente está falando de vidas, das vidas de pessoas que se arriscam para promover mudança social. Então, nesse ano eleitoral, a gente precisa ter essa palavra de ordem, né? É estratégia para manter as mulheres que estão dispostas ao poder, as mulheres negras sobretudo, a população preta, pobre, periférica, LGBTQIA+ também, criar novos espaços confortáveis para que mais pessoas entrem com dignidade porque, quando a gente olha para essas candidaturas, a gente vê muitas vezes a ausência de recursos. Não só financeiros – mas são principalmente eles também, e isso tudo é que ajuda a gente a ganhar ou não o jogo, a virar ou não o tabuleiro. E a gente precisa se impulsionar para que essa mudança aconteça esse ano, já que estamos falando de uma eleição que, na verdade, é uma eleição mais geral, a gente não fala tanto da municipalidade que eu ocupo, mas a gente sabe que os impactos gerados pelos resultados das eleições vão atingir a todos nós e mudar também o cenário das próximas eleições. Essa polarização vai haver e a gente vai precisar de muita segurança, de muita visibilidade também dos nossos fazeres políticos para que a gente tenha cada vez mais oportunidade de legitimar esses espaços como os nossos e conquistar ainda outros.

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‘Efeito Marielle’: mulheres negras entram na política por legado da vereadora

Assassinato de Marielle Franco despertou em mulheres jovens, negras e periféricas o desejo de ir à luta e manter o legado da vereadora através de candidaturas.

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Funkeiros viram alvo da polícia a pedido de deputado que rasgou placa de Marielle

Rodrigo Amorim (PSL-RJ) nunca foi investigado por destruir homenagem a vereadora assassinada, mas bastou um pedido dele para a Polícia Civil investigar MCs Cabelinho e Maneirinho por apologia ao crime.

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Três anos após assassinato, Marielle e seus símbolos seguem incomodando grupos da extrema direita

Fake news, memes e ataques com autoria de radicais ainda surgem nas redes sociais e tentam degradar a imagem de Marielle. “Como a memória dela não foi assassinada, eles tentam assassinar com esses símbolos”, diz pesquisadora.

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21
Jan21

Militares, crimes e a tentação autoritária

Talis Andrade

Por Roberto Amaral

O general comandante do exército não gostou do artigo “Na pandemia, exército volta a matar brasileiros”, de Luiz Fernando Viana, (Época. 17.1.2021) e mandou o general chefe do centro de comunicação social do exército responder à revista. O subordinado cumpre à risca o mandato do chefe, e, no melhor (embora canhestro) estilo do velho e expurgado florianismo, ou lembrando os tempos do grotesco marechal Hermes da Fonseca, mais que defender a corporação, supostamente injuriada, desanca o jornalista acusado de blasfêmia e tenta intimidar a revista, ou seja, investe contra a liberdade de imprensa: 

“(...) O Exército Brasileiro exige imediata e explícita retratação dessa publicação, de modo a que a Revista Época afaste qualquer desconfiança de cumplicidade com a conduta repugnante do autor e de haver-se transformado em mero panfleto tendencioso e inconsequente”. 
 
O segundo general, por força do hábito, certamente, se expressa como se estivesse dando ordem a um subordinado. Ora, senhor, não existe "imediata retratação" na democracia: o general comandante que busque na Justiça uma possível reparação, nos termos da lei, como qualquer cidadão pode buscar.
 
Agora, conjecturemos. E se a revista não for acometida de medo e pusilanimidade, que farão os dois generais? Se tal é a pena que pesa como espada de Dâmocles sobre o periódico, que estará reservado ao articulista? Fosse nos idos do Estado Novo, ditadura imposta ao país pelas tropas do ministro da guerra, general Eurico Gaspar Dutra, os militares fechariam a revista e o coronel Filinto Muller prenderia o jornalista nas enxovias do DOPS no Rio de Janeiro. Nos idos da ditadura de 1964, os fardados cassariam os direitos políticos do articulista e o confinariam em Fernando de Noronha, como fizeram com Hélio Fernandes. 
 
Mas que fazer agora, quando o regime ainda é o democrático e constitucional? Ameaçam a livre expressão de pensamento, princípio das democracias ocidentais incorporado à nossa ordem constitucional como direito fundamental desde o primeiro texto republicano. Renunciam ao direito de resposta, que implica a contestação do articulado, e ingressam no campo fácil das ameaças e da intimidação, artifício aliás muito cômodo, embora cediço, para quem pode usar a espada como último argumento.

Em síntese: além de arrogantes, os dois generais atentam contra a Constituição o que constitui crime, pelo qual devem ser representados pelo Ministério Público.

Mas o texto dos generais, ademais de não responder ao artigo indigitado, repito, encerra uma série de imprecisões, ou inverdades, que, de tanto serem repetidas, tomam foros de verdade. Comento algumas delas. Não é certo, por exemplo, que devemos nossa unidade territorial aos militares. A expansão é obra de mamelucos, negros escravizados, índios, e da ação genocida de bandeirantes saídos de São Paulo, mas saídos também da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão, do Pará e do Amazonas. Segue-se o povoamento do sertão, obra do povo, a que se reporta Capistrano de Abreu. A integridade territorial, por outro lado, foi obra de nordestinos, na colônia, e de gaúchos na colônia e no império em guerras que consumiram milhares de vidas. No Império foi obra da Regência, confirmada e consolidada na república pela diplomacia do Barão do Rio Branco.
  
É verdade que nossos soldados foram para os campos da Itália, já ao final da guerra (1944), combater as tropas do Eixo, mas é igualmente verdade que fomos à guerra contra a insistente resistência dos generais Eurico Gaspar Dutra, Ministro do Exército, e do todo poderoso general Góes Monteiro, chefe do estado maior da força, como está fartamente documentado. Aliás, na reunião do ministério (27 de janeiro de 1942) que decidiu pela beligerância, a proposta foi apresentada pelo civil Getúlio Vargas, contra o parecer do ministro da Guerra. 
  
De outra parte, há certas e incômodas verdades que os generais não comentam, como a “guerra do Desterro”(1894) e o “ajuste de contas” do sanguinário coronel Moreira César, como não têm uma só palavra sobre o covarde massacre dos beatos de Antônio Conselheiro, para proteger os interesses dos latifundiários da Bahia. Ainda na República, em 1937, lembro o bombardeio do Caldeirão, no Ceará, contra os camponeses do beato Lourenço, evento esquecido à direta e à esquerda. Não sei se a marinha registra com orgulho a Revolta da Chibata, de 1916. 

Estamos falando em fatos recentes, republicanos. Mas não foi diverso o papel do exército no império, sufocando, à custa de muito sangue, as tentativas de independência e republicanismo que caracterizaram, por exemplo a Confederação do Equador (1824), esmagada, como a Revolução Praieira (1849), com a mesma fúria que antes se abatera sobre a Revolução pernambucana de 1817 e que terminou com o fuzilamento do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, que passou à história como Frei Caneca e hoje é pranteado como santo e herói.

O articulista da Época a ele não se refere, mas a historiografia séria desqualifica qualquer entusiasmo cívico diante de nosso papel na guerra do Paraguai.

Os militares sustentaram, até a exaustão, em nome dos grandes proprietários, dois impérios, cujas bases radicavam no escravismo e na estagnação, uma das raízes do atraso de hoje. Preferiram, sempre, um país tacanho, de analfabetos e mal alimentados, de deserdados da terra, a tocar nos privilégios da classe dominante, sejam os velhos latifundiários do Império, sejam os grandes fazendeiros da primeira república, seja o empresariado rentista, improdutivo, de nossos dias.
 
O progresso é visto como ameaça, pois pode desestabilizar o statu quo do mando secular.

E os militares brasileiros, a quem a nação deve outros serviços, jamais se notabilizaram na defesa da democracia. Na República a golpearam insistentemente desde as ditaduras dos marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894) até hoje. Vide o golpe de 1937, arquitetado por Góes Monteiro e operado por Eurico Dutra; o golpe de 1954 operado pelas três forças e que teve no general Juarez Távora um de seus comandantes, a tentativa de golpe contra as eleições de 1955 (que teve entre seus líderes o general Canrobert Pereira da Costa e o brigadeiro Eduardo Gomes); a intentona de 1961, encabeçada pelos três ministros militares e o chefe do estado maior do exército, general Cordeiro de Farias; o golpe de 1964, que nos legou 20 anos de ditadura, com seu rol de cassações de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos, muitos levados a cabo em dependências militares, como o assassinato de Mário Alves Alves de Souza Vieira, no quartel da polícia do exército no Rio de Janeiro, e de Stuart Angel, na base aérea do Galeão.

Sempre na defesa da ordem (pleiteada por todos os privilegiados), dos interesses da grande propriedade da terra, da burguesia e do capital internacional, contra a emergência dos interesses populares, travando o processo histórico. 

O fato é este: até hoje não se fizeram as reformas necessárias para transformar a nação em país soberano, como a reforma agrária pedida desde o primeiro império por José Bonifácio. Aliás, por defender “reformas de base” um presidente da República foi deposto e implantada, pelos militares, uma ditadura, pesadelo que ainda nos assombra.

As democracias não falecem por doença congênita. Jovens ou maduras elas são assassinadas, e só há uma arma capaz de atingi-las mortalmente: a espada, seja empunhada por uma sedição, seja por um golpe de Estado. No Brasil e no mundo o golpe de Estado é a forma que as forças dominantes dispõem para chegar ao poder evitando os percalços de eleições. Ele ou é dado diretamente pelas forças armadas, ou é levado a cabo com seu assentimento cúmplice. Mas em qualquer hipótese nenhum golpe de Estado se sustenta sem o poder militar. No Brasil ele foi agente de todos os golpes de Estado levados a cabo com sucesso. E foi ele que abriu caminho para a aventura do capitão insidioso, e hoje lhe dá proteção. 
 
Os militares, portanto, na medida em que sustentam e participam do comando do governo, até mesmo (e com escandalosa inépcia) na administração da saúde (onde pontifica a estultice de um general da ativa), estão solidários com todos os seus erros e crimes, inclusive os de lesa-pátria, como a política externa que nos transforma em aliados subalternos do império do Norte e seus interesses.
  
Dessa obviedade histórica não podem fugir. Resta-nos supor que as forças armadas ainda conservem – porque nem todos os generais estão ocupando sinecuras no governo – capacidade de reflexão e, antes que seja irremediavelmente tarde, revejam o papel que estão cumprindo, contra a história que pretendem representar, contra os interesses do país e de seu povo, contra a vida e a esperança. 
21
Jan21

Ministro da Justiça pede inquérito contra advogado que criticou Bolsonaro

Talis Andrade

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Feller fez parte de programa da CNN

Culpa presidente por mortes por covid

 

Existe um carreirismo entre André Mendonça e Augusto Aras para provar para Jair Bolsonaro quem mais terrível. "Terrivelmente evangélico". 

André Mendonça ameaça os críticos da necropolítica - notadamente jornalistas - com a Lei da Chibata da Ditadura Militar de 1964, a Lei de Segurança Nacional.

Augusto Aras oferece o ocultismo da Lei de Defesa, nome evangélico para o estado de sítio que seria garantido pelo Ministério da Defesa, isto é, a volta da ditadura militar, um caminho perigoso porque todos os ditadores eram marechais ou generais - Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo. Bolsonaro, apesar de eleito com o voto direto e secreto, não passa de um ex-tenente, aposentado capitão de melancólica vida militar, um "bunda suja". 

Mendonça e Aras disputam, por agouro de morte ou aposentadoria por idade, uma cadeira vitalícia de ministro do Superior Tribunal de Justiça. O ministro Marco Aurélio Mello deixa o cargo em julho próximo.

Publica o portal Poder 360: O ministro André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) pediu a abertura de um inquérito com base na Lei de Segurança Nacional para investigar declarações do advogado Marcelo Feller sobre o presidente Jair Bolsonaro. As informações são da coluna de Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo.

O inquérito está sob a responsabilidade da Polícia Federal, subordinada ao ministério de Mendonça.

Feller participou do programa O Grande Debate, da CNN Brasil, em julho do ano passado. Na época, disse que o discurso de Bolsonaro era responsável por pelo menos 10% das mortes por covid-19 no Brasil.

No pedido feito à PF, o ministro argumenta que a acusação pode “lesar ou expor a perigo de lesão” o próprio regime democrático “e a pessoa do Presidente da República”.

Alberto Toron, advogado que representa Feller, disse à Folha que a iniciativa “revela uma faceta opressiva contra a liberdade de expressão e crítica e, mais ainda, contra a liberdade de imprensa, pois Feller falava na condição de debatedor contratado da CNN”.

Ele afirmou que vai impetrar um habeas corpus pedindo a paralisação da investigação. “Feller disse o que hoje todos dizem: que o presidente tem responsabilidade sobre a política que resultou nessa multidão de mortos”, disse.

Poder360 entrou em contato com o Ministério da Justiça. Até o momento, não houve retorno.

Marcelo Feller participou de apenas 5 edições do programa antes de ser dispensado pela CNN Brasil. Ao comentar sua saída por meio de sua conta no Twitter, voltou a criticar o presidente e chamou o governo de “autoritário”.

Há alguns dias, afirmei que o presidente seria politicamente um genocida, e que suas ações e omissões teriam contribuído diretamente para a morte de milhares de brasileiros. Não fui o primeiro nem o único”, escreveu em 18 de julho.

07
Dez20

Leniência da Odebrecht também transforma MPF em gestor bilionário

Talis Andrade

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Por Pedro Canário /ConJur

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acordo de leniência que a Odebrecht assinou com o Ministério Público Federal em dezembro de 2016 se parece bastante com o acordo da Petrobras. Ambos preveem a criação de uma conta judicial, sob responsabilidade da 13ª Vara Federal de Curitiba, para que o dinheiro fique à disposição do MPF, para que lhe dê a destinação que quiser.

No caso da Odebrecht, a construtora se comprometeu a pagar R$ 8,5 bilhões como multa por seus malfeitos, que serão divididos pelo MPF entre ele mesmo, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e a Procuradoria-Geral da Suíça. A parte que ficar no Brasil ficará sob responsabilidade dos procuradores da "lava jato" em Curitiba.

Segundo o acordo, esse dinheiro será destinado à reparação dos "danos materiais e imateriais" causados pela corrupção da Odebrecht. De acordo com explicação do MPF no Paraná à ConJur, 80% do dinheiro ficarão com o Brasil, 10% com os EUA e 10%, com a Suíça. Portanto, o MPF ficou responsável por gerenciar R$ 6,8 bilhões.

Do que ficar no Brasil, 97,5% serão destinados aos "entes públicos, órgãos públicos, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista" que foram lesados pelos atos da construtora. Ou seja, R$ 6,63 bilhões terão seu destino definido pelo MPF. Os outros 2,5% serão destinados à União, como parte da confissão pelo cometimento de improbidade administrativa.

A repartição do dinheiro está no parágrafo 3o da cláusula 7ª do acordo, segundo o qual o "valor global será destinado ao Ministério Público Federal". Em resposta aos questionamentos da ConJur, no entanto, o MPF garante que "o acordo não destina os recursos ao Ministério Público nem os coloca sob administração do Ministério Público". Segundo a explicação oficial, o dinheiro será pago às "vítimas", sempre que o MP responsável pela ação de improbidade aderir ao acordo do MPF.

Muito dinheiro atrapalha

Embora o acordo seja público e uma de suas cláusulas diga que o dinheiro ficará à disposição do MPF, sua destinação está descrita num trecho sigiloso do documento, o "Apêndice 5". Esse documento não foi divulgado pelo Ministério Público e vem sendo tratado com bastante cuidado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, que teve o hoje ministro da Justiça Sergio Moro como titular durante toda a "lava jato". Em pelo menos três oportunidades, Moro negou pedidos de acesso a esse apêndice sob o argumento de que ele poderia atrapalhar investigações em andamento.

O acordo com a Odebrecht é de dezembro de 2016. Mais antigo, portanto, que o da Petrobras, assinado em setembro de 2018 e divulgado em janeiro deste ano. Mas muitos dos elementos que levantaram suspeitas sobre as intenções dos procuradores da "lava jato" com sua cruzada anticorrupção já estavam ali — e vinham passando despercebidos.

No caso da Petrobras, anexos do acordo foram divulgados recentemente e revelaram essas intenções: a criação de uma fundação em que o dinheiro, R$ 2,5 bilhões, seria direcionado para ações de combate à corrupção. Esse fundo seria gerido pelos procuradores da operação "lava jato" em Curitiba. E, claro, seria enviado para entidades amigas. Esse trecho foi suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Já o acordo com a Odebrecht vem sendo mais bem protegido. Mas já dá para saber, por exemplo, que o dinheiro que ficar no Brasil não será enviado a uma conta do Tesouro, como manda a jurisprudência do Supremo. Ficará sob os cuidados dos integrantes da autoproclamada força-tarefa da "lava jato".

Prestação de serviços
Em troca, eles se comprometem a "fazer gestões" junto à Controladoria-Geral da União, à Advocacia-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União para que eles não questionem o valor da multa e nem acusem a empresa e seus diretores de improbidade administrativa.

No jargão da burocracia, "fazer gestões" significa articular e, em alguns casos, fazer pedidos não oficiais. No caso de agentes públicos que recebem dinheiro para fazê-lo em nome de particulares, é advocacia administrativa, explica um especialista que falou à ConJur sob a condição de não ser identificado.

capítulo norte-americano do acordo tem menos a ver com poder e mais com negócios. Entre as diversas exigências que a Odebrecht se comprometeu a atender, está a nomeação de um "monitor externo de cumprimento do acordo", para que faça relatórios a cada 120 dias.

Esses relatórios devem ser mostrados ao conselho de administração da empreiteira e ao chefe da divisão de FCPA do Departamento de Justiça dos EUA. O último item do último anexo do acordo com o DoJ explica que os relatórios esperados pelo governo americano "provavelmente incluem" informações "proprietárias, financeiras, comerciais e concorrenciais sigilosas".

FCPA é a sigla em inglês para a lei anticorrupção internacional dos EUA. Ela existe para punir empresas de fora do país que negociem ações em suas bolsas de valores ou com suas empresas. Mas analistas têm apontado que a lei vem sendo usada como instrumento para expansão da influência econômica do governo dos EUA, por meio de empresas privadas, em outros países.

Não é uma análise muito popular entre os procuradores do DoJ, que desacreditam a tese sempre que podem. Mas o fato é que, no início da "lava jato", a Odebrecht tinha 240 mil funcionários. Hoje, tem 60 mil, segundo a própria empresa.

Tese defensiva
A defesa do ex-presidente Lula, feita pelo advogado Cristiano Zanin Martins, vem tentando acessar os autos do acordo desde maio de 2017, e não consegue. Moro negou três pedidos de acesso num espaço de pouco mais de um ano. A primeira negativa foi em setembro de 2017, quando o então juiz disse que a entrega de cópia do documento poderia prejudicar outras investigações em andamento. No dia 24 de maio do ano seguinte, foi mais claro: "Não há necessidade de acesso aos próprios autos do processo de leniência". No terceiro indeferimento, de agosto de 2018, ele apenas repetiu a decisão do ano anterior.

Em fevereiro, Zanin ajuizou uma reclamação no Supremo alegando violação à Súmula Vinculante 14 do STF com as negativas. O verbete garante à defesa acesso a todos os elementos do inquérito já documentados, desde que o acesso não prejudique diligências em andamento — justamente o argumento usado por Moro.

Segundo o advogado, o acesso aos autos pode corroborar as teses defensivas de que Lula nunca recebeu nada como pagamento por qualquer "serviço" prestado à Odebrecht. E que a acusação feita a ele não foi repetida nos EUA. Foi feita no Brasil para garantir benefícios à família Odebrecht e aos ex-executivos da empreiteira.

Moro argumentou que o acesso aos autos do acordo é desnecessário. Mas Zanin usa o exemplo da Petrobras: o acordo havia sido assinado em setembro de 2018 e foi divulgado no dia 30 de janeiro deste ano. Mas só semanas depois é que os detalhes da criação do fundo pelo MPF foram divulgados — e a informação se mostrou essencial para o processo, a ponto de um ministro do Supremo suspender esse trecho enquanto recebe mais informações para julgar o mérito.

Lá e cá
A defesa de Lula fala em dois motivos principais para ter acesso aos autos do acordo. O primeiro é que, no apêndice 5, diz a reclamação, estão informações sobre a destinação do dinheiro pago pela Odebrecht a título de multa. E o MPF pede que Lula pague uma multa a título de indenização pelos prejuízos causados ao país com seus atos corruptos. Só que ele é acusado de receber um apartamento da construtora. Se ele e a empreiteira pagarem multas pelos mesmos fatos, haverá bis in idem, argumenta Zanin, o que prejudicaria o ex-presidente.

Lula também pede para ver o que há dentro do sistema chamado My Web Day. Trata-se de um software de contabilidade paralela, para controle dos subornos pagos, devidos e recebidos, usado pelo "setor de operações estruturadas", o tal do departamento de propina, como se acostumaram a dizer os jornais. Mas a Polícia Federal, quando teve acesso ao sistema, reclamou da falta de integridade dos arquivos, que apresentavam dados apagados ou corrompidos.

Para o advogado de Lula, o fato de esses arquivos estarem corrompidos milita em favor de seu cliente. É que a Odebrecht contou histórias diferentes no Brasil e nos EUA. Aqui, disse que subornou Lula para que ele intercedesse junto à empresa na Petrobras. Uma dessas intromissões seria a nomeação dos ex-diretores responsáveis por manter o esquema de fraude a licitações funcionando.

Mas ao DoJ, os executivos da Odebrecht descreveram como funcionava o cartel que empreiteiras montaram para fraudar licitações da Petrobras e superfaturar contratos de construção civil. E nada sobre Lula.

Sem fumaça
No Supremo, o ministro Luiz Edson Fachin também indeferiu o pedido de acesso. Segundo ele, não houve "ilegalidade flagrante" nas decisões de Moro, e por isso não havia motivos para a concessão da liminar. A decisão é do dia 15 de março deste ano, e também pede informações à autoproclamada força-tarefa da "lava jato".

O atual titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Luiz Antônio Bonat, repetiu a Fachin os argumentos de seu antecessor: franquear o acesso aos autos do acordo prejudicaria investigações em andamento. Ele acrescenta que os documentos que Lula quer ver, "em princípio, correspondem a informações que não teriam maior relevância". "Entretanto, não é de se verificar óbice ao fornecimento dessa informação", conclui Bonat, no ofício.

Em resposta, a defesa de Lula pediu que Fachin reconsiderasse a decisão anterior e que sobrestasse o andamento da ação penal contra o ex-presidente, no caso do apartamento. "É possível garantir que a versão de fatos da Odebrecht nos autos de acordo de leniência é a mesma que vem apresentando nas ações judiciais? Ou que os elementos contidos nos autos que tal acordo fora homologado não são relevantes para a Defesa do Peticionário?"

Clique aqui para ler o acordo da Odebrecht com o MPF
Clique aqui para ler o acordo da Odebrecht com o DoJ, em inglês
Clique aqui para ler a reclamação de Lula para ter acesso aos autos do acordo

Clique aqui para ler a liminar do ministro Fachin na reclamação de Lula
Clique aqui para ler o ofício do juiz Luiz Antônio Bonat ao Supremo sobre a leniência da Odebrecht
Clique aqui para ler o pedido de reconsideração apresentado ao ministro Fachin

Reclamação 33.543
Ação Penal 5063130-17.2016.4.04.7000, na Justiça Federal no Paraná

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ACORDO DE VIRA-LATA, POR DEBAIXO DOS PANOS, DE REPUBLIQUETA DE BANANA, QUE A JUSTIÇA BRASILEIRA EMBALA COMO SE FOSSE UM NOVO TRATADO DE TORDESILHAS. TINHA QUE ROLAR DINHEIRO PROS SAFADOS 

Nota deste correspondente: Este acordo de leniência, na versão em inglês, num cartório de São Paulo, é assinado por um único diretor da Odebrecht, Adriano Chaves Jucá Rolim, empresa sediada em Salvador, com procuradores da República do Brasil em Curitiba, e procuradores da República ... (não cita o país, vide primeira e única página da versão em português). Também é estranho que nenhum procurador da Lava Jato assinou. Nem Moro.

A versão em inglês traz as assinaturas de (falta reconhecer se verdadeiras e com que representatividade e autoridade):

Adriano Chaves Jucá Rolim, pela Odebrecht in Salvador, Bahia;

pela Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan, LLP Counsel to Odebrecht S.A. deveriam assinar William Burck, Richard Smith e Eric Lyttle (apenas aparece uma única e indesinável rubrica)

pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos:

Os espaços destinados a Robert Capers e Andrew Weissmann não estão assinados.

Os espaços destinados a Alexandra Smith e Julia Nestor tem apenas a legível assinatura de Julia Nestor.

Os espaços designados para Christopher Cestaro, David Last, David Fuhr, Lorinda Laryea, Kevin Gingras. Apenas um signatário, possivelmente Lorinda Laryea.

Pela Procuradoria-Geral da Justiça da Suíça nenhuma assinatura. 

A Suíça não é uma republiqueta de bananas.

A assinatura de acordos dos Estados Unidos com outros países segue um ritual que passa pela chancelaria de ministérios. Muitas vezes com as assinaturas dos presidentes em atos solenes. 

Este acordo, da autodenominada Liga da Justiça da República de Curitiba, parece que assinado nas coxas, cousa de prisão sob vara de delegacia de polícia do interior, e na lei da chibata.  

Este acordo safado saiu das mãos de Sergio Moro juiz...

e hoje está nas mãos de Sergio Moro sócio-diretor da Alvarez & Marsal. 

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