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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

17
Jan23

“‘Fora STF’ nasceu com lava jato”, diz pesquisador que estudou posts de Deltan no Facebook

Talis Andrade

 

 

Levantamento de pesquisador da Universidade de Oklahoma mostra construção de discurso conservador entre Deltan Dallagnol e seus seguidores


* Fábio Sá e Silva encontrou mensagens sobre Deus e rechaço ao STF
* “Essa combinação é explosiva para a democracia”, diz o pesquisador
* Dallagnol candidato a deputado federal pelo Paraná

 

por Natalia Viana /Agência Pública

“Essa foi uma das conclusões mais indigestas que surgiram da pesquisa”, diz o professor e pesquisador Fábio Sá e Silva, da Universidade de Oklahoma. Ao analisar 756 postagens no Facebook que citavam o ex-chefe da Força-Tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol, ele detectou que o “fora STF” que se tornou uma das principais bandeiras dos apoiadores do governo nasceu com o discurso dos procuradores. Segundo ele, Bolsonaro só abraçou a pauta em 2020, quando a Lava-Jato já estava em baixa. 

Essas são algumas conclusões de um estudo recém-publicado na prestigiosa revista Law & Society Review que analisou também postagens e comentários na página do então colega de Deltan, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Sá e Silva detectou ainda que a Lava-Jato tinha um forte tom religioso, com diversos seguidores de Deltan, assim como ele próprio, dizendo que os procuradores eram “enviados de Deus”. Essas mensagens eram propagadas por meio de redes sociais, como parte de uma estratégia mais ampla. Como resultado, Dallagnol angariou milhões de seguidores [830 mil no Facebook e 1,4 milhão no Twitter] e hoje é candidato a deputado federal pelo Paraná.  

Para Sá e Silva, o método usado pelos procuradores se assemelha ao depois usado pelo bolsonarismo em uma “combinação explosiva para a democracia, pois colocava a Lava Jato acima da lei, ao mesmo tempo em que fragilizava as bases da convivência democrática”. 

“A questão não é a composição do Congresso ou a interpretação que o Supremo dá a uma lei, mas sim o próprio constrangimento representado pela existência do Congresso ou do Supremo para que a posição do presidente – ou, lá atrás, dos procuradores –prevaleça”, observa. 

Brasileiro radicado nos EUA e professor de estudos brasileiros em Oklahoma, Sá e Silva também é professor afiliado à escola de Direito em Harvard e se dedica a estudar o papel que profissionais do Direito desempenham na democracia brasileira. 

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Fábio Sá e Silva, professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma

 

Natalia Viana entrevista Fábio Sá e Silva

 

Primeiro, uma pergunta metodológica. Por que você escolheu analisar essas duas páginas, de Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, e por que esse recorte temporal, entre outubro de 2017 e outubro de 2019? 

O recorte temporal foi um produto da limitação no acesso aos dados. Como, desde o escândalo da Cambridge Analytica, o Facebook não permite mais fazer download de postagens e comentários, tive que recorrer a alguns serviços de monitoramento de redes que conseguiam fazer a captura desses dados, mas mesmo esses serviços só conseguiam voltar dois anos no tempo. Mesmo assim, esse período envolve diversos eventos significativos na Lava Jato, tais como a condenação e prisão de Lula, a prisão de Temer, as eleições e, depois, a ida de Moro para o governo e a Vaza Jato.

Meu objetivo inicial era analisar uma amostra do conjunto das postagens e comentários no período a partir do impacto destes. Entre 2017 e 2019 houve 75 mil postagens com comentários que se referiam à Lava Jato; o total de comentários ultrapassava 2,9 milhões. Minha ideia era pegar o 1% disso com maior impacto, ou seja, 750 postagens, as quais tiveram mais de 122 mil comentários. Ao olhar as fontes dessas postagens, ficou claro o impacto dos procuradores, especialmente de Dallagnol. Da página dele vinha o maior número de postagens da amostra e ele encabeçava as estatísticas nos dois anos. 

Como sempre tive grande interesse no papel que profissionais do direito desempenham nas democracias, não tive como não olhar para isso mais de perto. 

 

Como o público respondia a essas colocações?

Busquei entender o discurso sobre a Lava Jato e a luta anticorrupção, nesses dados, como uma construção coletiva de Dallagnol e de seus seguidores ou visitantes na página. Então não é bem que Dallagnol falava e o público respondia; às vezes a fala do público também informa os discursos de Dallagnol. 

Por exemplo, esses dias, por ocasião do triste falecimento de Jô Soares, as pessoas resgataram o vídeo no qual Dallagnol, no programa do Jô, aparentemente toma uma balde de água fria ao ver o ceticismo da plateia quanto à operação. A maioria ali dizia entender que a Lava Jato não muda o país. A partir dali, Dallagnol muda o discurso e passa a dizer que, justamente porque a Lava Jato não muda o país, era preciso fazer mudanças na lei. E vem o pacote das 10 medidas Contra a Corrupção [projeto de lei fortemente promovido pelos membros da Força-Tarefa em 2015]. 

Ou seja, a relação entre Dallagnol e o público é mais dialética; ele testa discursos e encampa aquilo que dá mais ressonância, segundo seus interesses estratégicos.

 

O que mais te chamou a atenção em relação ao discurso usado por ambos para falar do papel da operação Lava Jato e da luta contra a corrupção?

Há dois grandes blocos de sentido. O primeiro está relacionado a uma glorificação da Lava Jato e seus agentes. Há uma infinidade de comentários em que, ao trabalho dos procuradores e do juiz Sérgio Moro, é atribuído um caráter sobre-humano ou até mesmo divino. 

Diversos usuários, por várias vezes, chegam a dizer que eles foram enviados por Deus. Aliás, “Deus” é uma das palavras que aparecem com maior frequência no conjunto de comentários. 

O segundo bloco de sentido diz respeito ao envolvimento da “sociedade” na luta anticorrupção. Isso é algo que Dallagnol estimula o tempo todo e que até poderia ter uma conotação saudável, mas que vai se traduzindo em ataques às instituições (Congresso e, em especial, STF), idênticos aos que depois vamos ver sob Bolsonaro. 

Essa combinação é explosiva para a democracia, pois coloca a Lava Jato acima da lei, ao mesmo tempo em que fragiliza as bases da convivência democrática. 

Por exemplo, a aura sobre-humana ou divina que foi construída em torno dos procuradores e de Moro, e que era visível fora das redes sociais, quando estes eram representados como super-heróis em protestos, é o que gera uma interdição no debate sobre as condutas reveladas pela Vaza Jato e, depois, pela Operação Spoofing da Polícia Federal. 

Quando Dallagnol é cobrado a dar explicações pelos primeiros chats vazados, seus seguidores rapidamente respondem dizendo que ele não precisa dar explicação nenhuma, que ele goza da total confiança, que Deus irá protegê-lo. Ora, nada disso é compatível com um “governo de leis”, onde quem exerce poder deve estar sob permanente escrutínio. Mas também sabemos que o “governo de leis” não se aplica a super-heróis, não é? O Batman ou o Superman não abordam ninguém com um mandado judicial.

Nesse sentido, Dallagnol e Moro venderam ao público uma versão falsificada do que é “estado de direto”, que visa conter o poder de agentes públicos para que o exercício desse poder não se converta em arbítrio. Moro e Dallagnol querem legitimar o arbítrio.

 

Você entende que o uso das redes sociais pelos dois procuradores fazia parte da estratégia mais ampla da Força Tarefa? 

Disso nunca tive dúvida; o próprio Dallagnol, em entrevistas ou palestras anteriores, disse que um dos “pilares” da operação era a “transparência”, o que envolvia coletivas de imprensa, divulgação de vídeos e documentos, mas também esse ativismo digital. 

Um exemplo é o uso sistemático de hashtags como #lavajato por Dallagnol e outros procuradores. Talvez a inspiração disso tenha vindo do próprio Sergio Moro que, em 2004, escreveu um artigo dizendo que o sucesso da operação “Mãos Limpas,” na Itália, derivava das conexões entre os juízes e a mídia e dos vazamentos sistemáticos de documentos e informações para jornais. Dallagnol parece ter construído uma versão 2.0 do receituário de Moro. E, embora emulado por outros procuradores, como o próprio Santos Lima, foi claramente o mais bem sucedido nisso. Juntou grande número de seguidores no Facebook [830 mil] e no Twitter [1,4 milhão] e fazia grande investimento em postagens. Hoje transformou isso numa plataforma mais claramente política. 

 

O uso de expressões religiosas foi uma “inovação” dos procuradores? 

Se formos comparar com operações anticorrupção lideradas por agentes jurídicos em todo o mundo, tenho dificuldade de lembrar de alguma outra em que o combate à corrupção tenha adquirido esses contornos de luta do bem contra o mal. 

Talvez seja reflexo do nosso tempo e certamente é um reflexo da personalidade do próprio Dallagnol que, certa vez, disse que, desde sua cosmovisão cristã, entendia que Lava Jato era produto de uma intervenção divina. 

 

O seu artigo argumenta que os procuradores propagaram uma visão “anti-STF” e “anti-política”. Você pode explicar um pouco melhor? E há exemplos concretos? 

Essa foi uma das conclusões mais indigestas que surgiram da pesquisa, ter percebido que o “fora STF” nasceu com a Lava Jato, ainda muito antes de Bolsonaro ter encampado essa pauta, o que só aconteceu em 2020, em meio à pandemia. 

Os dados mostram que, num dado momento, Dallagnol resolve direcionar seu ativismo digital para o Congresso e, especialmente, para o STF. Por exemplo, em 2019 ele interfere diretamente na eleição da mesa do Senado, fazendo campanha virtual pela não eleição de Renan Calheiros. Ele critica o voto secreto para a eleição da mesa, o que diminuiria a chance de Calheiros. Calheiros, afinal, perde a eleição. 

Mas o ativismo de Dallagnol em relação ao STF é muito mais intenso e muito mais difícil de ser defendido a partir de um registro democrático. Onze dos 53 posts do ex-procurador entre 2017 e 2019 na minha amostra tratam do STF ou diretamente de ministros – os principais alvos são Toffoli, Gilmar e Lewandovski. Esses posts são em geral escritos em tom alarmista, na linha de que “se o Tribunal tomar a decisão X, é o fim do combate à corrupção, a corrupção vai reinar no país”. 

O ponto alto desses embates é o Decreto de Indulto do ex-presidente Temer, que Dallagnol chamou de um “feirão de Natal para os corruptos” e que Barroso, um notório apoiador da Lava Jato, acabou suspendendo. 

A hashtag #indultonão é uma das que mais aparece em toda a amostra, o que indica a ressonância dessa campanha junto ao público de Dallagnol. 

Porém o que assusta é o tom das respostas, que vão escalando. O público agora passa a falar no “fim do STF”, a chamar o tribunal de “o maior inimigo do país”, a pedir por “intervenção militar” no Tribunal ou pelo “impeachment de Ministros”. 

Isso, repito, ainda em 2019, muito antes de Bolsonaro ter iniciado os seus ataques ao STF. Bolsonaro parece apenas ter ativado algo que já estava disponível e que surgiu no seio da Lava Jato.

Um dado interessante observado na pesquisa sobre o qual eu não falo no artigo são as páginas que tiveram maior impacto nas postagens sobre a Lava Jato no período. 

São quase todas páginas de políticos da base bolsonarista e de extrema direita; ou seja, quem de fato capitalizou em cima da Lava Jato foi a extrema direita. 

Já quando olhamos para as falas contemporâneas de Dallagnol, Moro e Rosângela, podemos perceber que, sobretudo depois que entraram para a política eleitoral, eles foram assumindo personas conservadoras e continuam fazendo ataques ao STF. 

Em suma, hoje não há como negar que, se há diferença entre o que restou da Lava Jato no espaço público e Bolsonaro, é quando muito de estilo. Os valores e as estratégias de atuação são muito parecidos.

 

Você vê um discurso anti-política nas postagens? 

Por outro lado, acho que precisamos qualificar o sentido da expressão anti-política que você usou. No passado recente, isso era usado para desqualificar a classe política, ou seja, para sugerir que a classe política deveria ser renovada, uma vez que já não mais atenderia as necessidades do povo, mas apenas os seus próprios interesses. 

Esse já é um discurso ruim, porque abre espaço para outsiders como Trump e como o próprio Bolsonaro, que embora não viesse de fora da classe política, sempre ocupou uma posição de marginalidade. A “anti-política” que vivemos sob Bolsonaro e que, meus dados sugerem, teve início na Lava-Jato, não mira apenas a classe política, mas sim a institucionalidade democrática de modo mais amplo. 

A questão não é a composição do Congresso ou a interpretação que o Supremo dá a uma lei, mas sim o próprio constrangimento representado pela existência do Congresso ou do Supremo para que a posição do presidente – ou, lá atrás, dos procuradores – prevaleça.

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14
Set22

Prisão de Cancellier, que cometeu suicídio após ser preso sem provas em desdobramento da Lava Jato, completa 5 anos nesta quarta

Talis Andrade
www.brasil247.com - Luiz Carlos Cancellier de Olivo
Luiz Carlos Cancellier de Olivo (Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

 

Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC, suicidou-se em um shopping de Florianópolis dezoito dias após ser preso de forma arbitrária e sem provas pela Polícia Federal

 

247 - O dia 14 de outubro de 2022 marca exatos cinco anos da prisão arbitrária e injusta de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele se suicidou dezoito dias após ser preso, sem provas, no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, um desdobramento da Lava Jato deflagrada pela Polícia Federal no dia 2 de outubro para apurar um suposto desvio de recursos públicos em cursos de educação a distância. 

Embora não fosse o alvo central das acusações, a suspeita era de que o reitor havia interferido nas investigações na corregedoria da universidade. A suposta interferência, porém, nunca foi comprovada. 

Afastado do cargo e exposto à humilhação pública, Cancellier jogou-se do alto de uma escada do Beiramar Shopping, em Florianópolis, caindo no vão central do centro comercial. “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”, escreveu ele em bilhete encontrado pela polícia e divulgado pela família.

A ação arbitrária da operação que levou Cancellier à morte expôs as arbitrariedades praticadas pelo MInistério Público e pela Polícia Federal, com a conivência da mídia corporativa, em meio às centenas de denúncias infundadas que se seguiram à Operação Lava Jato.

A tragédia do Reitor Cancellier na fachada do Cic em Florianópolis |  Jornalistas Livres

 

Quem matou Luiz Carlos Cancellier de Olivo?

 

Desgraçadamente no Brasil a presunção de inocência que decorre do processo penal democrático foi abandonada – inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em nome da fúria punitivista, do falacioso discurso de combate à impunidade e do Estado Penal

 

por Leonardo Yarochewski

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Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO foi encontrado morto na manhã da segunda-feira 3 de outubro de 2017, no Beiramar Shopping, em Florianópolis. Segundo investigação preliminar, a hipótese é de suicídio.

No dia 14 de setembro, o reitor CANCELLIER foi preso em decorrência da Operação “Ouvidos Moucos”, da Polícia Federal (PF), por suspeita de desvio de recursos dos cursos de Educação a Distância (EaD). Segundo a PF, o reitor CANCELLIER nomeou professores “que mantiveram a política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas do EaD”. Ainda, de acordo com a PF, o reitor “procurou obstaculizar as investigações internas sobre as irregularidades na gestão do EaD”.

Embora tenha sido solto no dia seguinte à prisão, o reitor, 60 anos, estava afastado da UFSC por decisão judicial. CANCELLIER era doutor em direito pela UFSC e professor da universidade desde 2005.

Um bilhete foi encontrado no bolso da calça de LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO com os seguintes dizeres: “Minha morte foi decretada no dia do meu afastamento da universidade”.

Em carta publicada no jornal O Globo, o reitor CANCELLIER revela o caráter humilhante da sua prisão e de seus colegas da UFSC:

Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia.

A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.[1]

Hodiernamente, em nome de um ilusório combate a criminalidade e como forma de antecipação da tutela penal, a prisão provisória vem sendo decretada a rodo – notadamente nas operações espetaculosas das forças tarefas que unem a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal – em assalto aos direitos e garantias fundamentais. Não é sem razão que cerca de 40% das pessoas que estão presas no Brasil são de presos provisórios (prisão preventiva) e que ainda não foram julgadas nem na primeira instância.

MICHEL FOUCAULT já se referia ao suplício como forma de ritual para um grandioso espetáculo. “Na forma lembrada explicitamente do açougue, a destruição infinitesimal do corpo equivale aqui a um espetáculo: cada pedaço é exposto no balcão”.[2] Mais adiante, FOUCAULT observa que “há também alguma coisa de desafio e de justa na cerimônia do suplício. Se o carrasco triunfa, se consegue fazer saltar com um golpe a cabeça que lhe mandaram abater, ele a mostra ao povo, põe-se no chão e saúda em seguida o público que o ovaciona muito, batendo palmas”.[3]

Independente da acusação, a Operação Ouvidos Moucos – que culminou com a decretação da prisão do reitor da UFSC – foi mais uma, entre tantas outras, eivada de ilegalidade e arbitrariedade. Desgraçadamente no Brasil a presunção de inocência que decorre do processo penal democrático foi abandonada – inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em nome da fúria punitivista, do falacioso discurso de combate à impunidade e do Estado Penal.

A prisão provisória (cautelar) que deveria ser decretada apenas e tão somente em casos extremos e excepcionais – e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (Lei 12.403/11) – se converteu em regra. Em seu instigante e indispensável “Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos”, ALEXANDRE MORAIS DA ROSA a partir da teoria dos jogos assevera que “as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura”. [4]

No Estado Penal prende-se primeiro – sem direito a defesa – para depois apurar. As prisões são filmadas, noticiadas e exibidas pelos abutres da grande mídia que transformam a desgraça alheia em mercadoria e o processo em espetáculo.

No espetáculo midiático – braço do Estado Penal -, LUANA MAGALHÃES DE ARAÚJO CUNHA observa que “as dúvidas acerca do delito, circunstâncias e autoria são transformadas em certezas. O possível autor do fato criminoso é tratado como culpado e julgado pela opinião pública que cuida de impor ao indivíduo a pena da estigmatização”. [5] NILO BATISTA nota que “a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo”. [6]

No Estado Penal, a defesa é relegada ao segundo plano, quando não considerada estorvo para as investigações. No Estado Penal, promotores de Justiça e procuradores da República se transformam em acusadores e paladinos da justiça. Os juízes, no Estado Penal, se travestem em verdugos, e alguns em “super-heróis”. No Estado Penal, a Constituição da República é dilacerada e com ela são triturados os direitos e garantias do Estado Constitucional.

RUBENS CASARA, referindo-se ao Estado Pós-democrático, observa que “no momento em que direitos e garantias individuais são afastados com naturalidade por serem percebidos como empecilhos ao livre desenvolvimento do mercado e à eficiência punitiva do Estado, lamenta-se a ausência de debates sobre o agigantamento do Estado Penal. Lamenta-se a ausência de debates que tratem da amplitude e importância do valor liberdade”.[7]

No Estado democrático de direito fundado, realmente, em bases democráticas – democracia material – deve prevalecer o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência. A prisão cautelar como medida drástica e de exceção somente deveria ser decretada como remédio extremo, como ultima ratio. Em caso da imperiosa necessidade de decretação de alguma medida cautelar, que seja feita a opção pela menos gravosa e menos aflitiva ao acusado. Por fim, que seja sempre evitada à prisão e que a liberdade sempre prevaleça.

Na verdade, nua e crua, o reitor LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO não se suicidou, foi “suicidado”, foi “suicidado” sem direito a defesa e com emprego de meio cruel, por todos aqueles que representam e agem em nome do Estado Penal, que massacram diuturnamente a dignidade da pessoa humana, postulado do Estado democrático de direito.

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Nota deste correspondente: Os assassinos do reitor LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO, assassinos nazistas, todos eles foram levados por Sérgio Moro, pago por Bolsonaro, pela prisão do candidato Lula da Silva, para ocupar cargos no Ministério da Justiça e Segurança Pública no ano de 2019. Todos os assassinos, assassinos fascistas, foram bem recompensados. Chegou a hora da punição. Do julgamento do povo. 

Morte do reitor Cancellier após abuso da PF é tema de documentário da GGN 

Nota de Combate: Dois meses após a morte de Cancellier, Marena foi designada para a Superintendência Regional da PF em Sergipe. Quando assumiu o Ministério da Justiça de Bolsonaro, Moro a nomeou para a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Foi exonerada em 2020, depois da saída do ex-juiz da Lava Jato.

Na Conjur

Um dia antes de se suicidar, o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, foi ao cinema. Naquele 1º de outubro de 2017, estava em cartaz o filme “Polícia Federal: a lei é para todos”, com um enredo que glamourizava o trabalho da delegada Erika Marena na operação “lava jato”.

Esse e outros episódios são apresentadas no documentário “Levaram o reitor: Quando o modelo lava jato adentrou uma Universidade”, da GGN, desnudando a série de erros e abusos que precipitaram o fim trágico da vida de Cancellier e deixaram marcas indeléveis nas vidas dos envolvidos — exceto, até agora, para os perpetradores da violência institucional.

Cancellier foi preso em julho de 2017, junto com outros seis professores universitários, sob acusação de chefiar uma quadrilha que teria desviado R$ 80 milhões de dinheiro público da educação. A cifra, divulgada com estardalhaço, na verdade, correspondia ao total dos repasses para um programa de EaD ao longo de oito anos. Os supostos desvios, depois foi esclarecido, não chegavam a R$ 2,5 milhões. 

A operação foi chefiada pela mesma Erika Marena que é endeusada no filme sobre a PF. A prisão foi determinada pela juíza Janaína Cassol Machado, que saiu de licença um dia após a decisão. No dia seguinte, a juíza substituta Marjôrie Cristina Freiberger decidiu soltá-lo imediatamente por falta de provas. 

Mesmo solto, o professor continuou sem o direito de pisar na universidade durante o inquérito. Ele cometeu suicídio logo em seguida, em outubro de 2017. O inquérito, por outro lado, não apresentou qualquer prova até o momento.

O ato extremo do reitor colocou em xeque o método de investigação que havia se tornado praxe no Brasil: prende-se e humilha-se primeiro; ouve-se depois. Sob aplausos acríticos da maior parte da imprensa brasileira, era esse o modus operandi da comemorada “lava jato”, replicado na investigação sobre supostos desvios de dinheiro público na UFSC.

O documentário foi concluído após 5 meses de investigação, pré-produção, produção, entrevistas feitas por videochamadas, edição e imagens. Os produtores analisaram milhares de páginas de peças judiciais de diversos órgãos — Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), o inquérito da Polícia Federal, as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) e os despachos da Justiça Federal, além de documentos de Fundações e outros obtidos pela investigação.

20
Set21

O grande mistério de Fachin: por que homologou a delação de Léo Pinheiro

Talis Andrade

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Como ousou convalidar a trama da Lava Jato contra Lula com uma delação frágil? Onde estava o jurista sofisticado, defensor dos direitos, arauto da cidadania?

24
Mar21

Bonat tenta atuar como revisor do Supremo, diz defesa de Lula

Talis Andrade

Luiz Antonio Bonat tenta usar decisão que não lhe diz respeito para desobedecer ordem do Supremo, segundo defesa de Lula

 

JOÃO SEM BRAÇO

Por Luiza Calegari

Ao suspender a remessa dos autos dos processos envolvendo o ex-presidente Lula para Brasília, o juiz Luiz Antonio Bonat tenta atuar como revisor do Supremo Tribunal Federal, segundo o advogado Cristiano Zanin, responsável pela defesa do ex-presidente.

Após o julgamento da 2ª Turma do Supremo que decidiu pela suspeição de Sérgio Moro, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba emitiu um despacho suspendendo o envio de dois processos envolvendo Lula para o Distrito Federal.

Acontece que o envio dos processos foi determinado em outro pedido de Habeas Corpus, no qual Luiz Edson Fachin declarou o juízo incompetente para julgar os casos de Lula, anulando todas as condenações e ordenando a remessa para o Distrito Federal.

A defesa de Lula afirma que, desde essa determinação de Fachin, o juiz não poderia tomar mais nenhuma decisão, pois foi declarado incompetente. No entanto, ele continua afrontando o Supremo.

"Ele já afrontou o Supremo ao proferir novas decisões para manter o bloqueio dos bens e para selecionar os processos que iria remeter para Brasília, que foi considerado o juízo competente. E agora, ao manter o processo em Curitiba, ele está mais uma vez afrontando a autoridade da decisão, buscando se transformar numa espécie de revisor do Supremo Tribunal Federal", afirma Zanin.

Ele adiantou ainda que a defesa vai recorrer para impugnar a nova decisão de Bonat. Defendem o ex-presidente os advogados Cristiano ZaninValeska MartinsEliakin Tatsuo e Maria de Lourdes Lopes.

Entenda o caso

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No início de março, Fachin deu provimento a um pedido de Habeas Corpus da defesa de Lula e considerou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos do ex-presidente, anulando suas condenações e ordenando a remessa dos autos para a Justiça Federal do Distrito Federal.

Ato contínuo, tentou declarar prejudicado um outro pedido de HC que tratava da suspeição do ex-juiz Sergio Moro. A intenção era "sacrificar" as condenações de Lula para tentar salvar a "lava jato", admitindo a incompetência para não ter que declarar a suspeição. A manobra não funcionou: imediatamente depois da decisão de Fachin, o presidente da 2ª Turma, Gilmar Mendes, pautou o HC que tratava da suspeição no colegiado.

Fachin chegou a sugerir que o caso fosse levado ao Plenário, em vez da Turma, e pediu manifestação de Fux. Em votação na 2ª Turma, os ministros decidiram que era o próprio órgão fracionário, e não o Plenário, o responsável pela análise do recurso. Assim, vencido Fachin, o pedido de suspeição foi examinado pelos ministros.

Até esse momento, Fachin e Cármen Lúcia tinham votado por negar o pedido de suspeição, ainda em 2018. No voto-vista, Gilmar votou por declarar a suspeição, e foi seguido por Ricardo Lewandowski. Nunes Marques pediu vista, e o julgamento foi retomado na terça, dia 23.

Nunes Marques votou por negar a suspeição, alegando que em Habeas Corpus não se admite reexame de provas nem se garante direito ao contraditório. Além disso, afirmou que as mensagens hackeadas de autoridades não poderiam servir como prova para declarar a suspeição, pois eram produto de crime e não tinham autenticidade reconhecida.

Foi rebatido ponto a ponto por Gilmar Mendes e Lewandowski: o primeiro destacou ampla jurisprudência do Supremo para declarar suspeição em sede de Habeas Corpus e ressaltou que as mensagens hackeadas não fundamentaram seu voto. O segundo, por sua vez, lembrou que a própria Polícia Federal periciou o material obtido com os hackers, e que inclusive as mensagens sustentam a denúncia contra eles.

Depois disso, a ministra Cármen Lúcia mudou de entendimento, com base em novos fatos, um ato que é permitido e prestigia a essência do julgamento colegiado: possibilitar que, diante dos argumentos dos demais magistrados, um deles possa rever sua avaliação anterior. Assim, a suspeição foi declarada, por 3 votos a 2.

Clique aqui para ler o despacho de Bonat
Processo 5063130-17.2016.4.04.7000
Processo 5044305-83.2020.4.04.7000

No Supremo
HC 164.493 (suspeição)
HC 193.726 (incompetência)

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27
Fev21

Delgatti passa duas horas preso em Araraquara por “erro do sistema”, com base em mandado antigo

Talis Andrade

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Por Joaquim de Carvalho

O hacker Walter Delgatti Neto, que acessou e divulgou as mensagens que revelam os crimes da Lava Jato, passou duas horas preso em uma delegacia da Polícia Civil em Araraquara nesta quinta-feira (25/02).

Ele foi abordado por policiais por volta das 18 horas, depois que participou de uma audiência por videoconferência com a Justiça Federal em Brasília, onde responde à acusação por crime digital e foi denunciado com base em artigos do Código Penal e do Código de Processo Penal que têm penas somadas superiores a 300 anos.

A prisão em Araraquara e a audiência em Brasília não têm ligação entre si, exceto que sejam eventos que podem ser interpretados como perseguição ao hacker. O Ministério Público Federal pediu sua prisão depois da entrevista dele ao Brasil 247, na terça-feira da semana passada (16/02).

O juiz Ricardo Pereira não concedeu no primeiro momento, mas marcou a audiência hoje, em que ouviu seu advogado e o MPF.

A prisão ocorreu uma hora e meia depois dessa audiência. O juiz federal negou o pedido de prisão, mas proibiu Walter Delgatti Neto de voltar a dar entrevista, uma pena adicional às medidas cautelares impostos a ele em setembro do ano passado, depois de passar um ano e três meses preso. 

Ele passou a usar tornozeleira eletrônica e foi proibido de acessar a rede mundial de computadores.

Delgatti não havia sido proibido de dar entrevista, já que a liberdade de expressão é um direito fundamental assegurado pela Constituição. Mas agora foi.

Depois que deixou a prisão, Walter deu entrevista à CNN e à revista Veja, mas sem nenhuma consequência.

Na entrevista à TV 247, ao vivo e sem cortes, Walter contou por que hackeou as mensagens e disse que agiu “em legítima defesa da sociedade”, por entender que os abusos da Lava Jato violavam a Constituição.

Estudante de Direito, ele deu alguns exemplos de abusos, mas não quis entrar nos detalhes das mensagens, por entender que isso poderia levá-lo de volta à prisão.

Na entrevista, no entanto, ele revelou que teve ideia de acessar o Telegram depois que foi vítima de perseguição por parte de um delegado e de um promotor da cidade, em 2017.

Foi acusado de tráfico de drogas, com base na apreensão de três caixas de remédios controlados, que ele usa desde criança, para tratar transtorno de déficit de atenção, que lhe causa ansiedade.

Foi absolvido da acusação de tráfico, depois que provou que os remédios tinha sido prescritos por médico e vendidos por farmacêuticos. 

Acabou condenado com base na apreensão de uma carteirinha de estudante da USP, que ele diz ter falsificado aos 19 anos de idade, para impressionar as meninas.

A prisão hoje em Araraquara é estranha e, certamente, não tem relação com o processo em Brasília, aberto depois da Operação Spoofing, desencadeada quando Sergio Moro era ministro da Justiça.

Moro aparece nas mensagens em ação interpretada por juízes como de flagrante ilegalidade, como combinando com procuradores operações e estratégia de acusação.

Walter pode estar sendo alvo de uma ação orquestrada para silenciá-lo, já que ele teve acesso às mensagens que revelam a podridão se setores que ocupam postos no sistema de justiça.

Por volta das 20 horas, uma advogado que trabalha com Ariovaldo Moreira entrou em contato para dizer que ele havia conseguido liberar Delgatti.

O mandado de prisão era antigo, referente àquela acusação de 2017, e não tinha sido tirada do sistema.

Mais tarde, o próprio Ariovaldo explicou. Segundo ele, Delgatti foi abordado pela Polícia quando voltava para casa, depois de participar da audiência por videoconferência em seu escritório.

Ele foi levado para a Delegacia preso. Por quê? “Mandado de prisão ainda estava no sistema”, disse o advogado.

Não é muito coincidência? Não acha que é perseguição. Ariovaldo Moreira preferiu não responder.

- - -

 Assista ao trecho da audiência em que o juiz proíbe Delgatti de dar entrevistas:

16
Mar20

Vazajato apresenta a prova final da corrupção da Lava Jato

Talis Andrade

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por Lui Nassif

A última manipulação da Lava Jato, tirando do fundo do baú uma “delação espontânea” de Sérgio Cabral incriminando Lulinha, foi tão fora de prumo que não foi aceita até pelo principal desembargador aliado da operação, João Pedro Gebran Neto.

Como sempre acontece quando está sob ameaça, a Lava Jato tira da cartola uma acusação qualquer contra Lula, esperando recompor a blindagem junto à mídia.

A ameaça, no caso, veio das duas reportagens de APublica-The Intercept, sobre as negociações dos procuradores com o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) visando se apropriar de parte das multas para a Fundação a ser administrada pelos próprios procuradores.

Trata-se da reportagem mais bem estruturada da Vazajato, e prova mais contundente, até agora, sobre a corrupção da operação. Até então, a palavra corrupção era empregada para descrever os métodos pouco ortodoxos de atuação da Lava Jato. Com a constituição da tal Fundação (cuja existência foi denunciada pelo GGN, em primeira mão), e das informações sobre a tentativa de Deltan Dallagnol, Roberto Pozzobon e Rosângela Moro, de montar empresas especializadas em palestras, ficou mais evidente ainda.

Agora, na melhor reportagem da série sobre a Vazajato, APublica e The Intercept revelam, com base nas conversas do Telegram, a prova definitiva da corrupção da Lava Jato: os acordos ocultos com o Departamento de Justiça e procuradores americanos, com o objetivo de negociar parte das multas, definir sua aplicação e receber sua parte na forma de palestras pagas.

São duas reportagens extensas, “Como a Lava Jato escondeu do governo federal vista do FBI e procuradores americanos” e “Desde 2015, Lava Jato discutia repartir multa da Petrobras com americanos

As duas reportagens confirmam o que o Jornal GGN vinha alertando desde 2015, quando o Procurador Geral da República Rodrigo Janot desembarcou nos EUA com uma tropa de procuradores: a Lava Jato estava rifando a Petrobras para atender seus interesses políticos. Com a fundação, ficou claro que havia também interesses financeiros pessoais envolvidos.

Mas a cobertura transformou jornalistas dos grupos de mídia em meros repassadores de release da Lava Jato e, assim, as denúncias ficaram no ar, enquanto a Lava Jato completava os crimes de lesa-pátria.

Houve a intenção deliberada – da mídia e do STF – em inviabilizar as denúncias que vinham dos portais, para permitir a continuidade de uma ação claramente anti interesse nacional. (Continua) 

16
Dez19

A história da richa entre Gilmar Mendes e Deltan Dallagnol, que virou processo judicial

Talis Andrade

 

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No dia 2 de dezembro, o procurador da República Deltan Dallagnol entrou com uma ação na Justiça Federal no Paraná contra a União. Ele pede uma indenização de R$ 59 mil por danos morais, supostamente provocados por falas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso está agora a cargo do juiz federal substituto Flávio Antônio da Cruz, da 11ª Vara de Curitiba.

O processo relaciona entrevistas e discussões no plenário do STF nas quais Mendes chama Deltan e os outros integrantes da Lava Jato de "cretinos", "organização criminosa" e "covardes".

Mas qual é a origem da cizânia entre Gilmar Mendes e a Lava Jato, que chega agora à barra dos tribunais?

Críticos do ministro (inclusive colegas de Deltan) dizem que ele passou a atacar a operação no fim de 2016 e no começo de 2017 - e atribuem a suposta mudança de posição ao fato de a investigação ter extrapolado nomes do PT e alcançado políticos de centro e de direita, no MDB e no PSDB.

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O ministro do STF nega esta versão. Em entrevista recente à BBC News Brasil, Mendes disse que uma suposta mudança de posição sua em relação à Lava Jato é "lenda urbana". Ele afirma que sempre foi crítico de técnicas empregadas pelos investigadores de Curitiba, como o uso de prisões preventivas.

Ainda segundo procuradores, a disposição do ministro com a Lava Jato teria piorado no episódio da delação de Joesley Batista, em maio de 2017 - o que o próprio Gilmar admite. O episódio envolvendo Joesley foi "marcante", diz ele, e a delação do empresário foi homologada de forma "ilegal".

Outro fator de desgaste teria sido a relação de Gilmar com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot - o ex-PGR, inclusive, costumava rebater falas de Gilmar no plenário do STF durante reuniões privadas com outros procuradores.

A BBC News Brasil procurou Gilmar Mendes por meio de mensagens de texto, mas ele não fez novos comentários até o momento.

O ministro, porém, encaminhou à reportagem o link de um texto de opinião do site especializado Conjur, segundo o qual Deltan teria iniciado o processo de danos morais para desviar a atenção de sua iniciativa recente de criar uma fundação de direito privado com a multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras.

"A cortina de fumaça (o processo por danos morais) é bem vinda para quem foi denunciado pela própria Procuradoria-Geral da República por fraudar acordo internacional (no caso da fundação), com dinheiro dos brasileiros", diz o texto, assinado pelo editor do Conjur, Márcio Chaer.

'Virou a chave'

"Gilmar virou a chave (contra a Lava Jato) porque não esperava que (a investigação) chegasse no PSDB e no PMDB. Isso é claro", diz à BBC News Brasil um procurador próximo ao caso, sob condição de anonimato.

"Numa entrevista dele (Gilmar) isso ficou claro. Referindo-se ao dinheiro que o PT tinha da corrupção, ele fala 'eles', como se fossem opositores", diz o procurador. Ele se refere a uma declaração do ministro em setembro de 2015, na qual Gilmar diz que as investigações revelaram "um modelo de governança corrupta" de parte do PT.

"A Lava Jato revelou o quê? (...) R$ 6,8 bilhões destinaram-se à propina. Se um terço disso foi para o partido, o partido têm algo em torno de R$ 2 bilhões, de caixa. É fácil disputar eleição com isto", diz Gilmar, na gravação.

Aécio Neves
Procurador disse que ataques de Gilmar começaram quando Lava Jato começou a ir atrás de Aécio Neves (foto) e Sérgio Cabral

 

Segundo o procurador, a Lava Jato começou a chegar a atingir políticos de outros partidos com mais força no fim de 2016 e no começo de 2017. Outro investigador reafirma a tese.

Os ataques de Gilmar começaram quando percebeu-se que a Lava Jato "não era simplesmente contra o PT, mas contra uma forma de fazer política, da qual ele é um representante. Como começamos a ir atrás de corrupção de Aécio e Cabral, houve a mudança", sustenta este segundo procurador, também sob anonimato.

Em novembro de 2016, o próprio Supremo Tribunal Federal homologou a delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht, na qual diversos políticos da cúpula do PSDB são mencionados.

Uma das principais acusações dos executivos era a de que a empreiteira teria custeado despesas de campanha do hoje senador José Serra (SP), em 2010 - o que o tucano nega.

Outro antigo cacique da legenda, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, aparece nos arquivos da empreiteira sob o codinome "Santo".

Gilmar Mendes nega esta interpretação. No começo de outubro, a BBC News Brasil questionou o ministro sobre o assunto - ele diz que é "lenda urbana" a mudança de posição sobre o tema.

"Existe uma disputa em termos de lenda urbana, dizendo 'ah, o ministro Gilmar apoiava a Lava Jato, depois deixou de apoiar', e acho que são duas questões que temos que tratar de maneira clara e explícita. Uma coisa é reconhecer os méritos da operação, que de fato existem. (...) De fato isso (corrupção) tinha chegado a determinados limites", disse ele, à época.

"Agora, eu, já em 2014, 2015, começo a questionar, por exemplo, os excessos das prisões provisórias. Até cunhei uma expressão dizendo: 'nós temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba' e percebi que elas estavam sendo usadas para induzir delações", disse Gilmar.

Em maio de 2017, mais um episódio fez Gilmar elevar o tom contra a Lava Jato, segundo procuradores: veio a público a colaboração de Joesley Batista, envolvendo diversos políticos de vários partidos.

O episódio ficou célebre graças a uma frase dita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) a Joesley Batista, durante um encontro dos dois no Palácio do Jaburu em Brasília, fora da agenda oficial.

Depois de ouvir sobre a relação entre Joesley e o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, Temer diz ao empresário: "Tem que manter isso aí, viu?". Para os investigadores, Temer se referia a pagamentos de Joesley a Cunha - o que não foi comprovado, e Temer nega.

Na época, Gilmar questionou a "benevolência" do Ministério Público para com os delatores - os acordos de delação de Joesley e de seu irmão, Wesley Batista, foram cancelados em 2018, na gestão da ex-PGR Raquel Dodge.

"Eu falei claramente no plenário do Supremo que aquilo (o acordo) era ilegal e que nós não deveríamos referendar aquele tipo de prática", disse Gilmar à BBC, sobre a delação de Joesley.

Revelações do Intercept e investigação da Receita

Se Gilmar Mendes já estava irritado com a Lava Jato, dois acontecimentos em 2019 contribuíram para que o ministro se tornasse ainda mais crítico da operação: o vazamento de uma investigação da Receita federal e reportagens publicadas como parte da série que ficou conhecida como Vaza Jato, iniciada pelo site The Intercept Brasil.

Em fevereiro deste ano, um vazamento Receita Federal trouxe a público um procedimento que mirava o próprio Gilmar e também sua esposa, a advogada Guiomar Mendes.

Na verdade, segundo um profissional da Receita ouvido pela BBC News Brasil, tratava-se de uma investigação mais ampla, envolvendo os CPFs de 134 "pessoas politicamente expostas", ou "PEPs", como são chamadas autoridades, políticos e pessoas ligadas a eles no jargão do Fisco.

O material relativo a Gilmar foi enviado por engano a uma pessoa que não tinha relação com o caso, e que foi responsável pelo vazamento, segundo o servidor da Receita.

Quando o assunto veio a público, Mendes enviou ofício ao presidente do STF, Dias Toffoli, cobrando providências. Também disse que a apuração era "esdrúxula e inusitada".

"De fato é uma coisa preocupante, não por mim, mas por um conjunto de pessoas. No caso, listam como 17 pessoas agregadas, ligadas a mim, que deveriam ser investigadas, inclusive minha mãe que morreu em 2007", disse ele, à época.

"A mim me parece que aqui há um tipo de aparelhamento para outras finalidades, precisa realmente verificar", disse Gilmar.

Em suas falas mais recentes contra os procedimentos da Lava Jato, Gilmar cita com frequência supostas conversas de procuradores no aplicativo de mensagens Telegram. O material veio à público na série publicada pelo The Intercept Brasil e, posteriormente, por outros veículos.

Dois textos atingiram diretamente o ministro.

Uma das reportagens, publicada em agosto pelo El País, afirma que Deltan e outros procuradores discutiram a possibilidade de iniciar uma investigação contra Gilmar - a lei brasileira não permite a procuradores que atuam na primeira instância investigar ministros do Supremo.

Gilmar Mendes

Em entrevista à BBC, Mendes disse que uma suposta mudança de posição sua em relação à Lava Jato é 'lenda urbana'

 

As conversas teriam ocorrido em fevereiro deste ano, e os integrantes da Lava Jato teriam cogitado inclusive contatar investigadores da Suíça, para procurar indícios sobre o ministro.

Os procuradores negam o ocorrido - e não reconhecem a legitimidade das mensagens da Vaza Jato.

A outra reportagem que diz respeito a Gilmar foi divulgada em setembro pelo jornalista Reinaldo Azevedo.

A suposta troca de mensagens mostraria a procuradora Thaméa Danelon, que chegou a coordenar a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, dizendo a Deltan que ajudaria o advogado Modesto Carvalhosa a redigir um pedido de impeachment de Gilmar Mendes.

"Ele (Carvalhosa) pediu para eu minutar (escrever um esboço) para ele", teria dito a procuradora, no dia 3 de maio de 2017. "Sensacional, Tamis!", responde Deltan, conforme a reportagem. O coordenador da Lava Jato paranaense vai além, e se oferece para corrigir o texto para Thaméa. "Se quiser olhamos depois de vc redigir", teria escrito ele.

"Eba!!! Obrigado!!! Já estou escrevendo!!! Quero sim!!! Lógico!! Obrigada!!", teria dito Thaméa, numa sequência de mensagens.

O pedido de impeachment de Gilmar, com 150 páginas, foi finalmente protocolado por Carvalhosa no Senado em março deste ano, mas se encontra parado.

Troca de acusações

Em seu pedido à Justiça, Deltan relaciona quatro falas específicas de Gilmar Mendes: uma entrevista à Rádio Gaúcha, da rede RBS, no dia 07 de agosto deste ano; falas do ministro no plenário do STF, em março e fevereiro de 2019; e uma entrevista de Gilmar ao Uol, em setembro.

Em outubro, durante o julgamento de um habeas corpus no STF, Gilmar se referiu à força-tarefa como "organização criminosa de Curitiba", que estaria usando "uma verdadeira máquina de provas ilícitas", inclusive para "enganar o Judiciário e o próprio Supremo Tribunal Federal".

 

Deltan Dellagnol
Advogado de Deltan disse à BBC News Brasil esperar que o caso tenha um desfecho, na primeira instância, ainda em 2020

 

O advogado de Deltan, Francisco Otávio Xavier, disse à BBC News Brasil esperar que o caso tenha um desfecho, na primeira instância, ainda em 2020. "Tudo que o ministro disse está documentado. Não é preciso perícia e nem a produção de outras provas", disse ele.

A norma no direito brasileiro é que a União responda pelos atos dos agentes públicos, explica o advogado - é por isso que o processo se dirige ao Estado brasileiro, não à pessoa física de Gilmar Mendes.

"Mas a União, caso seja obrigada a indenizar (Deltan), tem depois o dever de entrar com o que chamamos de 'ação de regresso' contra o agente público (Gilmar Mendes, no caso). Depois de reembolsar o particular, tem de ir atrás do agente público e cobrar que ele pague", diz o advogado.

"Se for realmente o caso, e espero que seja, ficaremos muito atentos para garantir que se faça essa cobrança (a Gilmar Mendes) e não saia a indenização, no final das contas, do erário (dos cofres públicos)", diz Xavier.

A ação judicial movida por Deltan é apenas o último passo na série de atritos entre pessoas ligadas à Lava Jato - especialmente no Paraná - e o grupo de ministros do Supremo que criticam os métodos da operação e costumam votar contra os pleitos da Lava Jato no STF, do qual Gilmar Mendes é um dos integrantes.

No fim de novembro, por exemplo, Deltan foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por uma entrevista a uma rádio, concedida em agosto de 2018.

Naquela ocasião, ele disse que os ministros não-alinhados à Lava Jato (às vezes chamados de "garantistas") integravam uma "panelinha" e tomavam decisões que tinham uma mensagem "muito forte de leniência a favor da corrupção".

A fala rendeu a Deltan uma advertência do CNMP, aprovada por 8 votos a 3. Trata-se da sanção mais leve que um procurador pode receber.

 

 

 

06
Dez19

Xadrez do réquiem da Lava Jato, por Luis Nassif

Talis Andrade

Os abusos serão contidos de forma mais que proporcional: o MPF perderá poder até para as ações legítimas de combate aos crimes dos poderosos.

Peça 2 – as investidas contra a Lava Jato

A troco de quê esses dois movimentos: o de lançar Moro como político e o de enfatizar os elogios de Moro ao seu chefe?

A explicação estava em três movimentos que tendem a enquadrar definitivamente a Lava Jato, constituindo-se na maior ameaça à imagem pública da corporação.

O primeiro foi o caso Januário Paludo e a abertura de investigação penal que rompe definitivamente a blindagem da mídia – até então, apenas a UOL havia se referido ao caso, suspeitas de recebimento de propina pagas pelo doleiro Dario Messer. Hoje, FolhaValor entraram no tema.

Como se sabe, o pacto de blindagem da Lava Jato – incluindo mídia, PGR, CNJ, STJ – consiste em acatar apenas denúncias endossadas pelos principais jornais. Foi a maneira de fugirem às reportagens levantadas por outros veículos de imprensa, especialmente online.

O Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob responsabilidade do subprocurador-geral Onofre Martins. Ao mesmo tempo, a Corregedoria do MPF abriu sindicância para analisar os fatos da ótica ético-disciplinar. É cedo para qualquer conclusão definitiva, mas é um precedente relevante. Especialmente porque, segundo as primeiras informações, pretende-se avançar para as denúncias do advogado Tacla Duran – que envolvem procuradores da Lava Jato e a família Moro, devido à proximidade com o principal suspeito, Carlos Zucolotto.

Não ficou nisso. No dia 22 de novembro passado foi aberta uma correição extraordinária visando apurar a regularidade no serviço, pontualidade, o cumprimento das obrigações legais de membros do MPF alocados em forças tarefas, assim como recursos e necessidades. A responsável é a procuradora Raquel Branquinho, uma das reservas morais do MPF, insuspeita de corporativismo.

Nos três casos, significa um tiro nas pretensões do grande comandante da Lava Jato, Ministro Sérgio Moro. É óbvio que essas investidas do PGR contaram com o respaldo amplo de Bolsonaro. Daí a insistência de Moro em apregoar lealdade ao chefe e cobri-lo de elogios. Só faltou beijo na boca.

Peça 3 – a escalada do MPF

O MPF saiu da Constituinte como a grande esperança de poder em defesa dos interesses difusos da população. Apesar de alguns exageros, cumpriu adequadamente com suas obrigações até a gestão Cláudio Fontelles – em que pese o período Geraldo Brindeiro.

A partir de Antônio Fernando de Souza começou a degringolada, muito em função da pusilanimidade com que o poder foi tratado pelos governos do PT – Lula e Dilma – ao mesmo tempo em que, mundialmente, o sistema judicial tentava se apropriar das prerrogativas políticas, avançando sobre as vulnerabilidades do sistema político.

A decisão de escolher para PGR o mais votado pela categoria foi fatal. O MPF passou a se ver como um poder independente, o primeiro lance da tomada do poder pelas corporações públicas, em um ensaio da invasão corporativa dos anos seguintes.

Antônio Fernando rompeu um pacto, de PGR não procurar a reeleição. E, com o “mensalão” deu início a esse processo que devolveu às corporações públicas, sem voto, o poder político dos tempos da ditadura – com outros atores.

Como já escrevi exaustivamente aqui, o ponto central da denúncia – o tal desvio de R$ 75 milhões da Visanet – nunca ocorreu. Mesmo se tivesse ocorrido, a Visanet não era uma empresa pública, portanto não poderia fundamentar o crime de corrupção.

O “mensalão” foi uma criação exclusiva do MPF, na figura de Antonio Fernando de Souza, do sucessor Roberto Gurgel, do ex-colega Joaquim Barbosa e de todos os assessores da PGR que convalidaram a farsa da Visanet.

Mas a pá de cal, definitivamente, foi Rodrigo Janot. Em seu período ocorrem dois fenômenos. O primeiro, a Lava Jato. O segundo, a expansão desmedida do MPF, com jovens concurseiros de toda parte atraídos por salários iniciais muitíssimo acima dos de mercado.

Ampliou-se o quadro sem que os jovens procuradores fossem formados pelos valores históricos do MPF. Seu modelo passou a ser Deltan Dallagnol e seus companheiros praticando o empreendedorismo no serviço público. O apoio da mídia e do grupo do impeachment conferiu-lhes um poder inédito, a ponto de se transformar em ameaça geral, em instrumento mais explícito da onda fascista que se apoderou do país.

Peça 4 – o futuro do MPF

A queda do MPF foi acelerada por eventos específicos:

1º – A tentativa de criação da Fundação de R$ 2,5 bilhões, administrada pela Lava Jato de Curitiba, destinada a impulsionar iniciativas de disseminação das práticas de compliance.

2º – A revelação de que tanto Dallagnol e Roberto Possobon, como Rosângela Moro, se preparavam para abrir empresas para explorar esse mercado, assim como a disseminação do mercado de palestras de Dallagnol.

3º – A Vazajato revelando as manipulações das investigações e expondo o direito penal do inimigo, da forma mais chocante possível, nas declarações sórdidas em relação a tragédias familiares dos “inimigos”. A banalidade do mal ficou nítida no mais experiente de todos, Januário Paludo. Seu desprezo pela tragédia alheia ajudou a dar visibilidade aos atos concretos de desrespeito aos direitos individuais.

Não é preciso muito tirocínio para prever o futuro do MPF.

Progressivamente, os salários serão rebaixados até se transformar em um êmulo da polícia, mal remunerada e com poucas atribuições.

Os abusos serão contidos de forma mais que proporcional: o MPF perderá poder até para as ações legítimas de combate aos crimes dos poderosos. E também perderá força o trabalho meritório em defesa dos direitos humanos, dos desassistidos e das minorias.

Qualquer analista relativamente preparado, com clareza sobre relações de causalidade, identificará os responsáveis pelo fim do MPF da Constituinte de 1988: Janot, os filhos de Januário, o Ministro Luis Roberto Barroso, todos embarcando nos ventos do momento, aderindo a um modismo, a um poder provisório sem pensar em nenhum momento no futuro da instituição e nas suas responsabilidades para com o país.

Os jovens concurseiros em breve pularão do barco, buscando escritórios de advocacia onde possam aplicar seu conhecimento e praticar o empreendedorismo autêntico.

 

 

14
Nov19

TRF-4 derruba sentença de Gabriela Hardt após cópia de argumentos

Talis Andrade

Hardt também copiou trechos da sentença de Sergio Moro para condenar o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia

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por Giovanna Galvani  


A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região anulou uma sentença proferida pela juíza Gabriela Hardt após constar cópia literal da sentença em relação aos argumentos do Ministério Público. O caso assemelha-se à condenação do ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia, quando foram identificados trechos idênticos aos escritos pelo então juiz Sergio Moro no caso do triplex do Guarujá.

O desembargador Leandro Paulsen pontua, na decisão, que “reproduzir, como seus, argumentos de terceiro, copiando peça processual sem indicação da fonte, não é admissível”, e destaca que a prática vai de encontro com a Constituição Federal. No artigo 93, inciso IX, consta que todos os julgamentos devem ser fundamentados em quaisquer decisões.

Paulsen destacou que a juiza havia copiado partes do texto na íntegra, ou seja, sem alterar nenhuma palavra. “Faço o destaque para que, adiante, não se reproduza o mesmo vício”, escreve ele no final do documento.

No caso do sítio de Atibaia, Gabriela Hardt chegou a escrever a palavra “apartamento” quando fazia referência ao sítio, o que fez com que a defesa do ex-presidente Lula anexasse uma perícia realizada na decisão de Hardt junto ao processo no Supremo Tribunal Federal.

“Os processos não estão sendo propriamente julgados nas instâncias inferiores; ao contrário, ali estão sendo apenas formalizadas decisões condenatórias pré-estabelecidas, inclusive por meio de aproveitamento de sentenças proferidas pelo ex-juiz da Vara”, apontam Cristiano Zanin e Valeska Martins, advogados de Lula.

Na época, Hardt se justificou dizendo que a prática era comum entre juízes. “A gente sempre faz uma sentença em cima da outra. E a gente busca a anterior que mais se aproxima”, disse.

TRF-4 julgará processo de Lula sobre o sítio de Atibaia no dia 27

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Petista foi condenado em 1ª instância no caso do sítio; defesa quer absolvição e MPF pede aumento da pena

 

por Victor Ohana  

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) agendou para 27 de novembro, uma quarta-feira, o julgamento da apelação criminal do processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio de Atibaia (SP). A sessão está marcada para 9 da manhã.

A 8ª Turma do TRF-4 vai analisar, primeiramente, a Questão de Ordem para decidir se a ação sobre o sítio deve ou não voltar para a fase das alegações finais com a anulação da sentença da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Caso o trâmite seja mantido e a ação não volte para as alegações finais, o tribunal segue para a próxima etapa do julgamento: a análise da apelação da defesa. Os advogados de Lula alegam falta de provas no processo do sítio de Atibaia e pedem que a Justiça absolva o ex-presidente.

 

 

14
Nov19

TRF-4 anula sentença “copia de cola” de Gabriela Hardt. E para Lula, vale?

Talis Andrade

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por Fernando Brito

O TRF-4 anulou hoje uma sentença da Juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sergio Moro quando este virou ministro de Jair Bolsonaro e que condenou Lula no processo conhecido como do do “Sítio de Atibaia”.

Em outro caso, sua decisão foi anulada porque ela simplesmente “copiou e colou” posição de terceiros, neste caso do Ministério Público, como ficou comprovado por perícia.

Para os desembargadores, isso viola o princípio de que as decisões judiciais têm de ser fundamentadas e, portanto, não podem “reproduzir, como seus, argumentos de terceiro, copiando peça processual sem indicação da fonte, [o que] não é admissível.

Ocorre que Gabriela Hardt fez o mesmo na sentença com que condenou Lula, desta vez copiando e colando a sentença de Sérgio Moro no caso do triplex, ao ponto de chamar de “apartamento” o sitio de Atibaia.

A alegação de Lula se sustenta, até, em laudo pericial, que diz claramente sobre os trechos copiados:

Essas preambulares, acima reportadas, que prenunciam a unidade dos textos, transforma-se na certeza técnica de que a Sentença do Sítio foi superposta ao arquivo de Texto da Sentença do Triplex, diante das múltiplas e extremamente singulares ‘coincidências’ terminológicas, com fraseologias marcantes repetidas com obediência às mesmas ordenações, dentro dos dois pronunciamentos em comento.”

Em bom português, a sentença de Hardt foi copiada, com adaptações ( e nem sempre, como no caso do sítio que vira apartamento) por alguém que, em outro caso, já mostrou se servir do mesmo expediente fraudulento para mandar pessoas para a cadeia.

o problema é que, para Lula, no TRF-4, argumentos costumam não funcionar.

Mas, depois desta, mesmo que cometam o absurdo de confirmar a sentença, ela está morta no STJ, porque é escandaloso que não valha o “CTRL+C/CRTL+V” para outros, mas para Lula isso sirva.

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