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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

27
Out23

“Você fazia uma matéria crítica e o resto da imprensa caía para proteger Moro”, diz Mônica Bergamo

Talis Andrade

Para a jornalista, pior momento da cobertura da Lava Jato foi quando alguns meios defenderam censura prévia à entrevista de Lula na prisão

01
Out23

Especialistas em ética jornalística denunciam problemas na cobertura da Lava Jato

Talis Andrade
 
Em determinadas conjunturas, o interesse público é ameaçado pelos interesses políticos e econômicos das empresas
Em determinadas conjunturas, o interesse público é ameaçado pelos interesses políticos e econômicos das empresas - Charge: Carlos Latuff

 

Concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias interfere no noticiário sobre a operação

Daniel Giovanaz
 

O artigo Considerações sobre a mani pulite, escrito por Sérgio Moro em 2004, é um elogio à operação Mãos Limpas, investigação judicial que aconteceu na Itália na década de 1990. Principal inspiração da Lava Jato, a Mãos Limpas teve um resultado desastroso sob os pontos de vista político e econômico: a Itália tem um dos índices de corrupção mais altos da Europa, e o PIB é praticamente o mesmo de 12 anos atrás. Naquele texto, o juiz paranaense afirma que a mídia teve um papel decisivo durante a operação: “minar” a imagem dos réus junto à opinião pública, deslegitimando os argumentos da defesa.
“A investigação da mani pulite [Mãos Limpas] vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes”, descreve Moro na terceira página do artigo. “Os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. (...) O processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite”.


Olhos abertos
A exemplo do que Sérgio Moro constatou sobre a operação Mãos Limpas, a imprensa brasileira também contribui para o avanço da operação Lava Jato. Ao alimentar boatos sem a devida checagem, promover vazamentos seletivos e “condenar” os réus antes mesmo da sentença judicial, o noticiário brasileiro têm sido um prato cheio para pesquisadores especializados em ética jornalística.
Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) aposentada em 2016, Sylvia Moretzsohn estuda as relações entre a ética e os dilemas do jornalismo. Segundo ela, é natural que os interesses das empresas de comunicação interfiram nas coberturas, mas os jornais deveriam preservar o senso crítico e a checagem rigorosa das informações.
“O jornalismo não se justifica se não defender causas. O problema é como as defende, se é panfletário ou não. É preciso conciliar isso com uma postura rigorosa na apuração, na divulgação, e não é isso que a gente está vendo”, analisa a pesquisadora. “A mídia passou a reproduzir a ideia de que ‘nunca se roubou tanto’ quanto nos governos PT. E a intenção foi clara: derrubar o governo [Dilma] e fazer um acordo em favor de interesses [econômicos] que estavam sendo suavemente contrariados”, completa.


Superficialidade
Questionada sobre a cobertura da Lava Jato após o golpe de 2016, Moretzsohn afirma que a “fórmula” é a mesma desde 2005, quando veio à tona o caso Mensalão. “É a partir daí que a coisa começa a degringolar de maneira escandalosa: a espetacularização da Justiça, a proeminência do Judiciário como ator político”, critica. “O Mensalão já tem a figura do juiz ‘salvador da pátria’, que foi o Joaquim Barbosa, mas a Lava Jato radicaliza isso, principalmente devido ao juiz de primeira instância, que mais de uma vez optou por condenar sem provas – como no caso do [José] Dirceu. Ele [Moro] está seguindo rigorosamente o script que descreveu no artigo em 2004, de usar a mídia em favor da operação”.
Em meio ao “fla-flu” ideológico, a pesquisadora lamenta que o jornalismo brasileiro apenas reforce o senso comum, apostando em colunistas políticos que associam a Lava Jato a uma luta “do bem contra o mal” – que supostamente levaria ao fim da corrupção. “A responsabilidade de qualquer jornal que não seja fascista é não dar espaço a essas vozes superficiais, que só reproduzem ódio”, acrescenta a pesquisadora. “O respeito à ética é importante, mas não temos um conselho de ética com poder efetivo. Seria interessante se houvesse uma legislação de imprensa que garantisse a liberdade e punisse gravemente essas práticas, que se avolumam na nossa história recente”.
O Observatório da Ética Jornalística (ObjETHOS), vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), possui uma equipe de vinte pesquisadores, responsáveis por publicar dossiês, artigos e comentários semanais sobre a cobertura da imprensa brasileira e internacional. A operação Lava Jato é um tema recorrente no portal do Observatório, justamente por ocupar a maior parte do noticiário político do país desde 2015.
Um dos professores responsáveis pelo ObjETHOS, Rogério Christofoletti afirma que os jornais brasileiros estão “perdidos” na cobertura da Lava Jato. “O tempo da mídia é diferente do tempo do Judiciário. A checagem dos fatos, das informações, é algo que atrasa a publicação. Mas essa é a função do jornalismo”, ressalta. “A mídia precisa questionar o que são provas e o que são indícios, precisa questionar o porquê de todos esses vazamentos”.

Problema estrutural
No dia 11 de maio, Christofoletti publicou um texto crítico à cobertura do jornal paranaense Gazeta do Povo sobre o depoimento do ex-presidente Lula (PT) em Curitiba. Dois dias antes de Moro receber o petista na sede da Justiça Federal, o jornal havia chamado atenção para a importância do evento que estava por vir; na edição de véspera, porém, a capa anunciava que era “muito barulho por (quase) nada”. “É muito cinismo da imprensa!”, descreve o pesquisador no título do artigo.
As revistas semanais de circulação nacional também deslizaram naquela cobertura, segundo Christofoletti, estampando na capa um suposto duelo entre Sérgio Moro e o ex-presidente. A analogia é incorreta porque juiz e réu não são adversários em um tribunal. “Eu não acredito que uma revista como a Veja desconheça a função de um juiz em um processo. Mesmo assim, eles reproduzem essa lógica adversarial porque é algo que chama a atenção do público”, analisa. “Problemas técnicos muitas vezes são, também, desvios éticos”.
Sylvia Moretzsohn compartilha dessa interpretação e reafirma que, desde 2005, a mídia brasileira tem violado princípios básicos do jornalismo, como a checagem das informações antes da publicação de uma manchete: “Os títulos são desmentidas pelo próprio texto. E isso não é só erro de revisão”, concorda.  Para Christofoletti, “a queda da Dilma e a Lava Jato são questões conjunturais, mas o problema do jornalismo brasileiro é estrutural: a mídia brasileira é oligopolizada [está nas mãos de poucas pessoas]”.
O pesquisador do ObjETHOS explica que seis famílias são donas da maior parte das empresas de comunicação do país, cujos vínculos políticos e econômicos nem sempre estão evidentes para o público: “Os meios de comunicação são atores políticos. Se a gente não esquecer disso, será bom para a democracia, bom para o jornalismo, e bom para o público”. Afinal, os interesses das empresas que apoiam a Lava Jato nem sempre coincidem com o interesse da maioria da população: “A gente não pode esquecer que, na Itália, um dos resultados da operação Mãos Limpas foi o [ex-primeiro ministro Silvio] Berlusconi, que, além da questão do autoritarismo e da corrupção, tinha uma relação muito próxima com a mídia corporativa”.
Paralelamente a um processo de democratização da propriedade dos meios de comunicação no Brasil, Christofoletti aposta na transparência como compromisso ético: “O leitor precisa saber de que lado o jornal está, quais os interesses que estão jogo em uma cobertura, saber onde está pisando. Mas a mídia brasileira tem dificuldade de abandonar o discurso da isenção, mesmo que na prática as coisas se mostrem bem diferentes, como no caso da Lava Jato”.


Seis anos de oposição
Em março de 2010, na sede da Fecomércio, a então diretora-superintendente da empresa Folha da Manhã S.A. – que edita o jornal Folha de S. Paulo –, Maria Judith de Brito, declarou: “Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos”. Maria Judith de Brito presidia, na ocasião, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Seis anos depois, Dilma Rousseff (PT) sofreu um golpe de Estado legitimado pela mídia comercial.
A pesquisadora Sylvia Moretzsohn interpreta a declaração de março de 2010 como uma síntese dos desvios éticos cometidos pelos jornais brasileiros nos últimos anos. “Isso é realmente escandaloso, porque os jornais assumem através de sua porta-voz máxima que estão fazendo oposição”, afirma Moretzsohn. “Não estão fiscalizando os três poderes, como seria até desejável dentro do conceito de ‘quarto poder’, para impedir abusos, mas se colocam na luta política como um partido”, completa. “E fazer oposição é muito diferente de fazer crítica”. In Brasil de Fato, 16 de Junho de 2017

Vídeo: "Lógica da Lava Jato era a mesma das milícias e do esquadrão da morte" 
 

Vídeo: O jornalista e escritor Mário Magalhães disse, em entrevista ao "Jornalistas e Etc" publicada no canal UOL, que a cobertura da Operação Lava Jato foi um dos piores momentos da imprensa brasileira. "Acho que foi feito pouco jornalismo e muita propaganda. Um dos piores momentos do jornalismo brasileiro, que veio sucedido de um grande momento, que foi a cobertura da pandemia, contra um governo de comensais da morte [nome dado aos seguidores de Lord Voldemort, vilão da série Harry Potter]", analisou.
 
 

Vídeo: O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol negociou em sigilo com as autoridades norte-americanas um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades por causa da corrupção. Procurado, Deltan não respondeu aos pedidos da reportagem, realizada em uma parceria entre o UOL e a newsletter A Grande Guerra, conta a reportagem de Jamil Chade e Leandro Demori
 
20
Set23

Caso Eldorado mostra os riscos de manter o Ministério Público como poder avulso e pouco controle

Talis Andrade
Eldorado, Josmar, Deltan e Bruno Brandão
Eldorado, Josmar, Deltan e Bruno Brandão 

 

Conjur revelou que acordo de leniência da J&F teve influência de executivo a serviço de empresa estrangeira interessada na compra da fábrica de celulose

 

por Joaquim de Carvaho

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No dia em que o jornalista Merval Pereira, do Globo, defende que o próximo procurador-geral seja alguém que represente o Ministério Público Federal, leio estudo sobre a operação Greenfield e as mensagens acessadas por Walter Delgatti sobre a fábrica de celulose Eldorado. O site Conjur também tratou do tema na reportagem de "Venda da Eldorado foi assessorada por executivo que iria dirigir a empresa".

Ao contrário do que Merval e outros jornalistas da Globo que ele influencia sugerem, o Ministério Público não é uma instituição acima de qualquer suspeita. Pelo contrário. Na Lava Jato, ficou claro que havia um projeto de poder, que resultou no impeachment de Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade, na prisão política de Lula e na eleição de Jair Bolsonaro. Na área econômica, também produziu estragos gigantescos.

A negociação para a venda da Eldorado para o grupo indonésio Paper Excellence é um caso nebuloso que uniu Ministério Público e a Transparência Internacional, ONG que tem sede em Berlim e uma franquia no Brasil. Vista na superfície, essa aliança poderia aparentar a vitória da sociedade civil contra empresários brasileiros inescrupulosos. Conhecido o seu subterrâneo, essa aliança revela o que pode ser um projeto de desnacionalização da atividade empresarial de grande porte.

Os bastidores da negociação foram encontrados pela Polícia Federal no notebook de Delgatti, em 23 de julho de 2019, quando foi deflagrada a operação Spoofing. No computador de Delgatti estavam as mensagens trocadas por Deltan Dallagnol no aplicativo Telegram entre 2014 e 2019. Em uma delas, o coordenador da força-tarefa orienta um assessor do Ministério Público Federal em Curitiba sobre a criação de uma fundação de direito privado com dinheiro arrecadado junto à Petrobras, em um acordo nos EUA.

“Temos agora que começar os passos pra constituir a fundação. Precisamos expedir ofícios", afirmou Deltan Dallagnol. A mensagem, com a grafia mantida na versão original, foi enviada em 30 de janeiro de 2019. O plano de Dallagnol era que a fundação tivesse conselho curador com representantes de entidades "com reputação ilibada", e ele sugere a Transparência Internacional e a Amarribo ("Os amigos de Ribeirão Bonito").

O dinheiro que Deltan Dallagnol tinha em seu poder para constituir a fundação já era, em si, fruto de irregularidades, como apontou o relatório parcial da Corregedoria Nacional de Justiça sobre a correição na 13a. Vara Federal de Curitiba, divulgado na semana passada. Sobre a Transparência Internacional e a Amarribo, a imagem de "reputação ilibada" não resiste a uma apuração mais rigorosa.

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Como apontou o Conjur, por trás das duas entidades está a figura do executivo Josmar Verillo. Ele foi presidente da fábrica de papel e celulose Klabin, fundou a Amarribo e ajudou a trazer para o Brasil a Transparência Internacional. Na Amarribo, ganhou fama de combatente da corrupção, graças a reportagens de alcance nacional veiculadas pela TV Globo. 

Seus alvos eram prefeitos e vereadores de pequenas cidades. "Verillo controla a Amarribo, uma ONG com métodos controvertidos, cuja missão é denunciar a corrupção de pequenas prefeituras. De estilo truculento, a Amarribo montou uma estratégia de criminalização de meras irregularidades administrativas", escreveu Luis Nassif, no GGN.

Com o endosso da Transparência Internacional, a partir da Lava Jato Verillo voltou seus tanques contra a empresa nacional J&F, e, como consultor, encomendou um livro para difamar os empresários Joesley e Wesley Batista. Por trás dessa ação, estão os interesses da Paper Excellence. 

"Sabia-se que Verillo estava predestinado a dirigir a Eldorado, caso a Paper pagasse a segunda metade da compra. O que não se sabia era que ele trabalhou junto ao Ministério Público Federal na costura que levou a J&F a vender a empresa à Paper", escreveu o Conjur.

Em um diálogo dos procuradores apreendido na operação Spoofing, em 30 de outubro de 2017, um procurador da força-tarefa em Curitiba, de nome Paulo, retransmite mensagem do procurador Anselmo Lopes, que conduzia a operação Greenfield, sobre um encontro do Tribunal de Contas da União para discutir acordo de leniência da J&F.

A Transparência Internacional é citada. "Chegando nossa vez de falar, fizemos uma narração geral de todo o histórico do acordo de leniência e de suas principais cláusulas, bem como explicamos a ideia dos projetos sociais como reparação social, ideia compartilhada pela Transparência Internacional", afirmou Anselmo.

Como revelaram outras mensagens acessadas por Delgatti, a TI funcionou como braço de apoio do projeto de Deltan Dallagnol. Além de participar da formatação da fundação com dinheiro da Petrobras, o diretor-executivo da entidade, Bruno Brandão, que é aliado de Josmar Verillo,  foi mobilizado por Deltan Dallagnol em pelo menos duas situações de vulnerabilidade da Lava Jato.

Em uma delas, para responder aos críticos de que a Lava Jato estava arruinando empresas, Deltan pediu que Bruno Brandão se posicionasse em apoio ao Ministério Público. O diretor-executivo da TI publicou artigo no jornal Valor Econômico, com título “Legado de combate à corrupção será positivo para a economia”, e compartilhou com o coordenador da força-tarefa.

Em outra situação, Bruno Brandão publicou no Facebook da entidade um artigo para defender o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima de um procedimento instaurado no Conselho Nacional do Ministério Público. Brandão sabia que Deltan Dallagnol usaria o texto para fazer pressão política junto ao CNMP.

 "Não precisa ter repercussão. Faremos chegar a quem importa", disse Dallagnol a Bruno Brandão. A pressão deu certo. 

"Bruno, hoje foi julgado o caso do Carlos Fernando e, por 7 votos a 7, o Conselho não referendou a instauração do PAD contra Carlos Fernando, com base na preliminar de falta de representação do suposto ofendido (Temer) (...) Mais uma vez, gostaria de reconhecer sua importante e corajosa contribuição", disse Deltan, em outra mensagem encontrada pela Polícia Federal na operação Spoofing.

Os números sobre a ruína econômica provocada pela Lava Jato foram apresentados em um estudo do Dieese de 2021: 4,4 milhões de empregos cancelados e R$ 172 bilhões de desinvestimento. 

É um prejuízo causado pela atuação – controversa, para não dizer irresponsável – de servidores públicos alçados à condição de quase inimputáveis.

Com um Ministério Público dirigido por um procurador-geral que represente a corporação, como quer Merval Pereira, será mais difícil corrigir essa distorção. 

Em países como EUA e Inglaterra, a promotoria é dirigida por quadro da confiança do presidente da república ou primeiro-ministro. Afinal, se todo poder emana do povo, por que uma corporação precisa estar acima dele?

O presidente da república foi eleito diretamente e sua indicação para a Procuradoria-Geral da República precisa ser aprovada pelos senadores, também eleitos diretamente.

O Ministério Público, formado por servidores aprovados em teste de conhecimento, pode ter apoio de entidades como a Transparência Brasil e da velha imprensa,  mas não está acima dos três poderes da república.

O caminho apontado por Merval Pereira é o que resulta na manipulação que tanto prejuízo causou aos brasileiros e foi revelado pelo Dieese.

 

 

10
Set23

É preciso passar a limpo os crimes e o legado nefasto da Lava Jato

Talis Andrade

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Responsável pela queda de até 85% do faturamento das construtoras brasileiras e perda de mais de quatro milhões de empregos diretos e indiretos em todo o país

 

por Milton Alves

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, na última quarta-feira (6), abriu um novo capítulo no processo em curso sobre a operação Lava Jato ao anular todas as provas obtidas a partir do acordo de leniência com a empreiteira Odebrecht. O ministro Toffoli declarou “em definitivo e com efeitos erga omnes [vale para todos], a imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do acordo de leniência, celebrado pela Odebrecht”.

Segundo o ministro do STF, a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários da história do país. “Uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [contrário à lei]”, escreveu Toffoli em sua decisão de 135 páginas.

Toffoli registrou ainda que os membros da força-tarefa violaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora da área de competência, atropelando, em toda linha, os ditames do Estado de Direito.

A decisão de Dias Toffoli representa a mais séria e profunda revisão do STF sobre a natureza e o caráter da Lava Jato, um salto qualitativo na compreensão do papel criminoso da operação e da monstruosa farsa judicial, que criminalizou a atividade política e empresarial, atingindo parlamentares, partidos políticos e empresas.

Uma das consequências práticas da decisão do STF, é a possibilidade da responsabilização criminal de Sergio Moro, atual senador do União Brasil, e do ex-deputado Deltan Dallagnol e dos demais integrantes da força-tarefa, que foi sediada em Curitiba.

Lavajatismo’ é o fascismo de toga - Ao traçarmos uma linha do tempo da operação iniciada em março de 2014, é inevitável a constatação de que a Lava Jato contribuiu de forma decisiva para a subversão da institucionalidade pactuada na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, praticando um modelo importado de justiça, de caráter punitivista, autoritário, de exceção – violando todas as regras consagradas no chamado estado de direito.

Uma avaliação mais geral do contexto do surgimento da operação Lava Jato aponta para uma ação sintonizada com a política implementada pelo Departamento de Estado (DoS) norte-americano: Após o colapso do estado soviético e o fim das guerrilhas marxistas em El Salvador e Guatemala, os Estados Unidos iniciaram na América Latina e no Caribe, nos anos 90, a “guerra contra as drogas”, uma operação de interferência direta nos países da região.

Em um novo giro na política imperialista, depois da chamada “guerra contra o terror” dos anos 2000, a agenda de combate à corrupção também pautou as ações do Departamento de Estado e demais agências norte-americanas de inteligência e espionagem, um instrumento a serviço da desestabilização de governos democráticos e progressistas do continente. Brasil, Equador, Argentina e Peru, em graus diferenciados, foram os alvos de campanhas “anticorrupção”, com o estímulo, suporte e participação direta de agências estadunidenses.

Portanto, um dos maiores crimes praticados no curso da operação Lava Jato foi a colaboração clandestina com agências e autoridades dos EUA e da Suíça, uma grave lesão aos interesses do país que precisa ser devidamente apurada.

Os danos institucionais, econômicos e sociais gerados pela Lava Jato devem ser examinados cuidadosamente pela lupa do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional, PGR, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio Ministério Público Federal, definindo os crimes e a responsabilização dos envolvidos.

Legado nefasto - Órgãos da mídia corporativa – TV Globo e Folha de São Paulo – tentam relativizar os crimes e impactos negativos da Lava Jato na vida nacional. O esforço atual da mídia pró-Lava Jato é apresentar os crimes como simples desvios da “rota positiva” da operação no combate à corrupção no interior do estado brasileiro.

Segundo os órfãos da Lava Jato, a experiência foi positiva e que um balanço da operação não pode abrir caminho para a volta da impunidade dos agentes públicos. Ou seja, o mesmo discurso favorável ao lavajatismo, reciclado por um tom mais defensivo diante das montanhas de denúncias, que revelam os métodos criminosos praticados pelo ex-juiz e senador Sérgio Moro e por Deltan Dallagnol, deputado cassado e ativista da extrema direita.

Além disso, é impossível não estabelecer o nexo entre Operação Lava Jato e a vitória eleitoral, em 2018, do cleptofascista e genocida Jair Bolsonaro, que conduziu um governo desastroso. O lavajatismo foi um importante estuário para ação política da extrema direita, que com muita demagogia e o apoio da imprensa dominante, empolgou vastos setores da população e do eleitorado.

Os métodos da Lava Jato desembocaram na criminalização dos partidos e de lideranças políticas, que teve como maior expressão a campanha inédita de lawfare contra um líder político brasileiro – o atual presidente Lula -, condenado e preso sem provas por 580 dias. O encarceramento “preventivo” de executivos de empresas privadas e públicas, as delações forjadas, as conduções coercitivas ilegais, as prisões filmadas, os vazamentos seletivos para a Rede Globo, a falsificação de documentos e a espionagem de advogados de defesa dos acusados foram alguns dos mecanismos criminosos utilizados pela operação.

A Lava Jato também legou um enorme passivo na economia do país. Sob o pretexto do combate à corrupção, provocou a implosão de setores inteiros da economia nacional, afetando a indústria da construção civil e de infraestrutura pesada, a indústria naval, o setor químico e a cadeia produtiva de petróleo e gás.

Segundo estudo do Corecon [Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro], a Lava Jato foi um fator importante no agravamento do quadro de recessão na economia entre os anos de 2015 a 2018 e foi a responsável pela queda de até 85% do faturamento das construtoras brasileiras, o que acabou gerando a perda de mais de quatro milhões de empregos diretos e indiretos em todo o país.

A eliminação dos mecanismos criminosos do lavajatismo no interior do Sistema de Justiça, é fundamental para abrir caminho na direção de uma reforma profunda das instituições judiciais e do próprio Ministério Público.

08
Set23

Mais uma sentença de morte tardia da Lava Jato

Talis Andrade
 
 
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por Jeferson Miola

- - -

A Lava Jato vem sofrendo mortes sucessivas desde que em junho de 2019 vieram a público os diálogos da gangue de Curitiba no aplicativo Telegram.

A decisão do ministro do STF Dias Toffoli [6/9] é mais uma sentença de morte da Lava Jato. Como as antecedentes, também mais uma sentença tardia de morte.

A rigor, no entanto, Toffoli não apresenta absolutamente nenhuma novidade em relação aos abusos e ilegalidades da Lava Jato que se denunciava desde, pelo menos, o ano de 2015 e que, se o STF de Toffoli’s da vida não tivesse sucumbido à tentação fascista-antipestista, teria esmagado na origem o ovo da serpente que ele citou na decisão.

O acordo clandestino da Lava Jato com o Departamento de Justiça dos EUA, por exemplo, foi denunciado no extinto portal da Carta Maior ainda em 23 de dezembro de 2016. O STF sabia disso.

Na Suprema Corte, antes – durante a onda lavajatista no judiciário, na mídia e na sociedade – Toffoli se posicionou contra inúmeras apelações da defesa do presidente Lula que, nesta sua última decisão, na prática ele voltou atrás – porém, com oito anos de atraso, e depois da brutal devastação acontecida no país.

Finalmente agora Toffoli tornou “nulas todas e quaisquer provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B utilizadas a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato”.

Porém, a nulidade que ele hoje reconhece poderia ter sido reconhecida por ele pelo menos em janeiro de 2018, quando a defesa do presidente Lula requereu ao STF o acesso aos sistemas Drousys e My Web Day B para exercer o direito de defesa.

Naquela ocasião, contudo, o STF – com a complacência de Toffoli – foi conivente com a mentira da gangue de Curitiba, que alegou falso “extravio” das senhas dos sistemas para impedir o acesso da defesa do Lula à prova falsa pela qual a Lava Jato operava a condenação farsesca daquele que venceria com tranquilidade a eleição presidencial de 2018.

Portanto, a decisão do Toffoli não tem nada de heróica.

E não pode apagar a memória sobre o papel nefasto que ele desempenhou neste ciclo trágico da história do país – da traição no impeachment fraudulento da presidente Dilma à colaboração decisiva para a tutela militar e o ascenso fascista, cujo saldo é dramaticamente terrível para o povo brasileiro.

Não faltou crueldade, inumanidade e perversão a Toffoli, como bem testemunha a provação que ele impôs a Lula nas perdas dolorosas do irmão Vavá e do netinho Arthur.

Toffoli não é um herói. Ele é apenas o Toffoli, o navegador sempre a favor da maré. Uma gosma, portanto.

Como disse o jornalista Mauro Lopes, “caiu o pano”: “Toffoli serviu a Lula em seu primeiro e segundo mandatos, até ser indicado ao STF; no STF serviu à Lava Jato, aos militares e a Bolsonaro; agora volta a prestar reverência a Lula. Alguém duvida que ele será prestador de serviço no próximo giro da roda do poder?”.

Em entrevista a Kennedy Alencar [13/6/2019] na masmorra de Curitiba, com a certeza própria de inocentes, Lula sentenciou, que

“o país finalmente vai conhecer a verdade. Eu sempre disse que o Moro é mentiroso, é mentiroso. Eu disse no primeiro depoimento que fiz, está gravado, que ele estava condenado a me condenar.

O Dallagnol é tão mentiroso, que depois de ficar uma hora e meia na televisão mostrando um PowerPoint, ele consegue dizer para a sociedade: ‘Não me peçam provas, só tenho convicções’. Ele deveria ter sido preso ali”.

É muito estranho, por isso tudo, Toffoli só saber hoje [!] tudo aquilo que já se denunciava desde o início da Lava Jato – quando o ovo da serpente citado por ele ainda não tinha espocado.

Esta nova decisão do STF chega, portanto, com pelo menos oito anos de atraso. Toffoli se mostraria corajoso e honesto se, além de decidir como decidiu, também tivesse pedido desculpas a Lula e ao povo brasileiro.

É improvável, contudo, que ele faça autocrítica. Mas isso, no entanto, não diminui em nada o impacto ruinoso que a decisão proferida significará para Moro, Dallagnol & comparsas.

Ganham, com mais esta decisão mesmo tardia do STF, a justiça e a democracia brasileira. E perdem com ela os procuradores, delegados, desembargadores, ministros de tribunais superiores, políticos, empresários, mídia & associados do escândalo mundialmente considerado o maior esquema de corrupção judicial da história.

Vale lembrar: a Lava Jato é um acontecimento de significado histórico equivalente ao famoso caso Dreyfus, fonte central dos estudos da historiadora Hannah Arendt sobre as origens do fascismo e do nazismo.

Por esta razão, enterrar em definitivo a Lava Jato é uma medida vital para a democracia. Mesmo que realizada tardiamente, mas desde, porém, que a tempo de impedir sua ressurreição. Uma justiça de transição seria o melhor remédio.

27
Ago23

A Lava Jato uma quadrilha que roubou bilhões que sumiram pelos paraísos dos ladrões de toga - II

Talis Andrade

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O desafio é saber onde foi parar o dinheiro arrecadado com multas e que foi depositado em contas designadas pelo então juiz Moro & sócios 

 

por Márcio Chaer

19
Ago23

A conta das Forças Armadas

Talis Andrade
 
 
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O esforço de isolar o Bolsonaro dos generais que estiveram por trás de sua aventura golpista não condiz com os fatos. Desde Temer, eles atuaram para que o ex-capitão fosse a face do projeto de poder dos militares. Agora que gorou, querem descartá-lo

09
Ago23

Brasil fez uma revolução em 1930 para acabar com a Política 'Café com Leite' que Zema pretende ressuscitar 

Talis Andrade

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Zema quer ping-pong nas eleições presidenciais 

 

A Política do Café com Leite, como ficou conhecida popularmente a dominação paulista e mineira do governo federal, só terminou com a Revolução de 1930, que destruiu as instituições políticas da República Velha. Observe que o nome da política refere-se ao café, de São Paulo e o leite, de Minas Gerais. Isso Romeu Zema chama de 'novo' na política, o acordo que marcou a República Velha

Escreve Vitor Amorim de Angelo:

A política do café-com-leite foi um acordo firmado entre as oligarquias estaduais e o governo federal durante a República Velha para que os presidentes da República fossem escolhidos entre os políticos de São Paulo e Minas Gerais. Portanto, ora o presidente seria paulista, ora mineiro.

O nome desse acordo era uma alusão à economia de São Paulo e Minas, grandes produtores, respectivamente, de café e leite. Além disso, eram estados bastante populosos, fortes politicamente e berços de duas das principais legendas republicanas: o Partido Republicano Paulista e o Partido Republicano Mineiro.

A política do café-com-leite só pode ser entendida quando analisada dentro do quadro político-econômico da Republica Velha. Afinal, a prerrogativa dos paulistas e mineiros para a escolha dos presidentes correspondia, de outro lado, aos benefícios garantidos pelo governo federal às oligarquias das demais províncias - não se chamavam estados, na época.

Em troca da autonomia local e da não interferência do governo federal nas questões provinciais, as elites estaduais garantiam o apoio das suas bancadas ao presidente da República. Essa era a essência de um outro acordo mais amplo que a política do café-com-leite e no qual esta se encaixava: a política dos governadores. Dentro desse contexto, São Paulo e Minas Gerais controlaram o processo sucessório nacional justamente em razão do seu peso econômico, demográfico e político.

Alternância no poder

Formalmente, a política do café-com-leite teve início em 1898, no governo do paulista Manuel Ferraz de Campos Salles, e encerrou-se em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Da Proclamação da República, em 1889, até o início do governo Campos Sales, o Brasil teve dois presidentes militares: os marechais Deodoro da Fonseca, que governou o país até 1891, e Floriano Peixoto, que ocupou a Presidência até 1894.

Naquele ano, 1894, foi eleito o primeiro presidente civil da história republicana brasileira - Prudente de Moraes. Herdando do antecessor uma grave crise política, provocada por divergências entre os governos federal e provincial em torno dos rumos da nascente República, Prudente de Moraes enfrentou ainda algumas tensões político-sociais, como a revolta em Canudos, na Bahia, e a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul.

Com a derrota dos seguidores de Antônio Conselheiro e dos federalistas gaúchos, restou ao sucessor de Prudente de Moraes, Campos Salles, a tarefa de estabilizar a relação do poder central com as províncias. Seu governo conseguiu equacionar as divergências provocadas pelas estruturas de dominação locais, abrindo um novo momento político na história do país, denominado de República Oligárquica.

Durante os mais de 30 anos em que perdurou a política do café-com-leite, o Brasil elegeu 11 presidentes da República, sendo 6 paulistas - incluindo Prudente de Moraes e Campos Salles - e 3 mineiros. Dois vice-presidentes assumiram o posto do titular ao longo desse período: o fluminense Nilo Peçanha, no lugar de Afonso Pena, falecido em 1909; e o mineiro Delfim Moreira, substituindo o paulista Rodrigues Alves, morto em 1918, antes mesmo de tomar posse naquele que seria seu segundo mandato como presidente.

 

Cisões na política do café-com-leite

Embora, no geral, o acordo entre São Paulo e Minas Gerais visasse a ocupação da Presidência da República pelos dois estados, houve momentos de grande tensão na aliança paulista e mineira, levando à escolha de candidatos de outras regiões do país. Este foi o caso, por exemplo, do gaúcho Hermes da Fonseca e do paraibano Epitácio Pessoa.

Em 1909, diante de divergências entre políticos mineiros quanto à escolha do candidato à sucessão presidencial, Pinheiro Machado, expressiva liderança política do Rio Grande do Sul, lançou o nome de Hermes da Fonseca. No caso de Epitácio Pessoa, sua eleição, em 1919, para suceder Delfim Moreira, que se afastara do cargo, foi um desdobramento dos problemas causados pela Primeira Guerra Mundial na economia brasileira.

De qualquer forma, mesmo nos momentos de crise, a eleição presidencial contou com o apoio das províncias de São Paulo e Minas Gerais. Isso é, ainda que não elegessem um paulista ou mineiro, as duas províncias sempre participavam das articulações para a escolha do novo presidente. Por outro lado, as divergências que envolviam o processo sucessório demonstravam que outras províncias, de importância menor, também aspiravam ao poder central.

A evolução dessa crise política acabaria levando ao movimento de 1930, liderado pela oligarquia gaúcha - tendo à frente Vargas - com o apoio da Paraíba, a quem foi dado o cargo de vice na chapa de Getúlio, e Minas Gerais, que abandonara a aliança com São Paulo quando o paulista Washington Luís optou pela indicação do também paulista Júlio Prestes. Embora vitorioso, nem mesmo chegou a tomar posse, atropelado pela intensa movimentação política que culminaria na instalação de um governo provisório, em novembro de 1930.

Zema queima largada para 2026

covarde zema.jpg

 

por Miguel do Rosário

Peixe morre pela boca, diz o ditado popular, que se encaixa perfeitamente nessa entrevista do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, ao Estadão.

A chamada provocativa do jornal, acentuando a parte da entrevista em que o governador efetivamente aposta num confronto entre regiões, também não o ajudou muito.

Antes de analisar a entrevista em si, vale nos perguntarmos: por que cargas d’água o Estadão cometeu o que poderíamos apontar como a chamada mais infeliz do século?

Zema disse isso mesmo?

Sim, Zema realmente afirmou que entende o Cosud, o Consórcio de Integração Sul e Sudeste como uma frente contra o Nordeste, e falaremos disso mais adiante.

O lado curioso, quase engraçado, é que a estupidez de Zema parece ter tocado uma nota sensível no espírito profundamente provinciano do Estadão. Isso explica eles – os editores do jornal – terem aceitado essa manchete. Possivelmente pensaram que estariam ajudando o governador a se cacifar como um grande líder dessas regiões “esquecidas”, “abandonadas”, Sul e Sudeste.  Como se trata de uma entrevista importante, exclusiva, um conteúdo valioso para qualquer periódico, acho difícil que tenha sido um erro casual. Foi um erro muito bem ponderado, nascido de uma cultura de preconceito.

Agora, vamos à análise da entrevista, que nos ajudou muito a entender os projetos da direita brasileira para 2026, e deste personagem em particular, Romeu Zema.

Tiremos a limpo, em mais detalhes, essa história de confronto entre regiões. O que exatamente Zema disse? Reproduzo aqui os trechos em que ele menciona o assunto.

“Temos o Grupo do Cossud. Na verdade, ele já existia, mas nós formalizamos o Consórcio Sul, Sudeste, que reúne os 7 Estados das duas regiões. A cada 90 dias, nós nos encontramos para trabalharmos de forma conjunta. A última reunião foi em Belo Horizonte. Tem muita coisa que um Estado faz melhor que o outro. Também já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político. Outras regiões do Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos. Ficou claro nessa reforma tributária que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um conselho federativo com um voto por Estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos proporcional à população. Por que sete Estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente.

A reforma tributária e a representatividade no Senado. Sempre vamos estar em desvantagem – 27, num total de 81. Temos feito o mesmo trabalho com o senadores de nossos Estados e o que nós queremos é que o Brasil pare de avançar no sentido que avançou nos últimos anos – que é necessário, mas tem um limite – de só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada. A reforma tributária, fizemos outro questionamento. Está sendo criado um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade…Tem, sim. Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta?”

Acima está o trecho completo, para o leitor entender a contextualização. Agora separamos as frases mais emblemáticas:

“Também já decidimos que além do protagonismo econômico que temos, porque representamos 70% da economia brasileira, nós queremos – que é o que nunca tivemos – protagonismo político.”

“(…) queremos é que o Brasil pare de avançar no sentido de (…) só julgar que o Sul e o Sudeste são ricos e só eles têm que contribuir sem poder receber nada.”

“Está sendo criando um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza?”

“Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta?”

São frases que nos obrigam a respirar fundo, de tão repugnantes e desonestas. Pra começar é mentira. Em todos esses anos, os estados que mais receberam recursos do governo federal, bolsa família, obras de infra-estrutura, sempre foram os estados do Sudeste. Em 2023, o estado que receberá, individualmente, mais recursos do Bolsa Família, é… São Paulo, exatamente R$ 1,71 bilhão. Em número de famílias contempladas, São Paulo (2,55 milhões) fica ligeiramente atrás da Bahia (2,56 milhões), porém fica à frente em recursos, porque no estado há mais crianças de zero a seis anos que recebem o benefício.

Se você examinar os benefícios fiscais federais concedidos a grandes empresários, novamente encontrá o Sudeste e Sul à frente.

Historicamente, os estados do Sul e Sudeste sempre receberam muito mais investimento federal em infra-estrutura do que o Nordeste.

A ignorância, ou cinismo, de Zema é abissal: o sul e sudeste sempre tiveram “protagonismo” político do Brasil, desde o início da republica até hoje. A maioria dos ministros do governo são do Sudeste. A maioria dos ministros do STF e STJ são do Sudeste. Já tivemos Vargas, do Rio Grande do Sul, a frente do governo de 1930 a 1945, e depois de 1950 a 1954. Tivemos o período conhecido como república do café com leite, em que lideranças de Minas e São Paulo se revezavam na presidência da república.

O que chama atenção, o que realmente nos causa revolta, é a maldade, o egoísmo, a absoluta falta de espírito nacional.

Uma das razões mais dramáticas pela qual o Nordeste tem enfrentado tantas dificuldades econômicas, ao longo dos últimos cem anos, foi a associação entre uma absurda concentração fundiária, especialmente nas áreas mais férteis e com melhor índice de chuvas, e o clima inóspito, devastado por secas terríveis e periódicas.

Zema se gaba de ter vindo da iniciativa privada. Ele fala isso como se fosse o único. Lula também veio da iniciativa privada, só que ele era torneio mecânico, enquanto Zema nasceu numa das famílias mais ricas do país, proprietária do grupo Zema, do qual tem 30% das ações. Seu patrimônio declarado ao TSE em 2022 foi de R$ 129 milhões.

Além do preconceito, egoísmo e desonestidade, as declarações de Zema também revelam um político inábil, para usar um termo delicado. Na verdade, esse é o lado bom da entrevista. Ela realça um lado do governador que possivelmente muita gente não conhecia. É óbvio que suas declarações não agradarão nem as lideranças nem o povo nordestino. Ou seja, elas agravam um problema da direita, sobretudo em se tratando do voto para presidente da república: a falta de voto no Nordeste. Tampouco me parece que declarações tão antipáticas ajudarão a ampliar o voto conservador do Sul e Sudeste, onde esse espírito “separatista” não é partilhado pela maioria.

Em termos práticos, Zema acaba, portanto, de prestar um grande serviço a Lula, e queimar sua própria largada para 2026.

O governador comete outro erro primário, como um zagueiro que resolve brincar com a bola perto da área de seu time, e acaba dando oportunidade para o atacante adversário fazer um gol. Ao tentar se vender como uma “liderança do Sudeste e do Sul”, em busca de mais investimentos federais, ele esquece que Lula tem tanto ou mais interesse que ele em agradar os eleitores dessas regiões.

Com seu pequeno cérebro provinciano, pensando apenas como “governador”, e não como uma liderança política com horizontes maiores, Zema também ignorou uma matemática básica, a de que o Sudeste foi a região que, em termos de quantidade, sempre deu mais votos a Lula. Em 2022, Lula teve 22,8 milhões de votos no Sudeste, no segundo turno, contra 22,5 milhões no Nordeste. Somando Sul e Sudeste, Lula teve quase 30 milhões de votos no segundo turno, contra 28 milhões de votos de Norte e Nordeste somados.

O berço político de Lula é o estado de São Paulo.

A primeira capital administrada pelo PT foi Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. E a capital onde o PT venceu mais vezes foi… São Paulo.

Os estados onde o PT tem mais deputados são… São Paulo, onde o partido elegeu 11 deputados, e Minas Gerais, onde elegeu 10.

Tem outros pontos da entrevista que merecem análise.

Um deles é a relação curiosa de Zema com Bolsonaro. Ele o critica pelo negacionismo na pandemia. A propósito, isso é um aspecto positivo do governador. Por mais reacionário e conservador que um político se revele, precisamos sempre elogiar quando se respeita a vida e a ciência.

No entanto, apesar da crítica ao negacionismo de Bolsonaro, que resultou em centenas de milhares de mortes a mais do que poderiam ter ocorrido, Romeu Zema dá nota 8 para seu governo… O que significa que, para Zema, os crimes de Bolsonaro parecem ser apenas um detalhe. Isso é muito revelador, por outro lado, da cultura política da nossa elite. Os escândalos de corrupção, reais, exagerados ou fantasiosos, nos governos do PT, afetam muito mais o seu voto do que o genocídio.

Outro ponto interessante é sua aposta na polarização ideológica. Zema está jogando todas as suas fichas nessa divisão, provavelmente pela leitura que faz da correlação de forças no congresso e na sociedade, especialmente nos setores dominantes. A estratégia de Zema está clara: ele quer o eleitor do Bolsonaro, que preza muito esses rótulos. Mas talvez o governador não enxergue dois efeitos colaterais desse tipo de radicalização retórica. O primeiro é cortar inteiramente o diálogo com setores progressistas. Repare que Lula procura sempre deixar claro sua disposição de estabelecer boas relações com qualquer pessoa, independente dessa dicotomia direita x esquerda. E não porque Lula seja supra-ideológico, mas porque ele faz uma conta matemática simples: a esquerda já está com ele, então ele precisa de apoio – parcial pelo menos – de quem está do outro lado. Talvez Zema entenda que, no caso da direita, por ser maioria no congresso, não precise agir da mesma forma. Mas esse é um erro crasso, que os extremistas, e isso vale também para a esquerda, sempre cometem e que invariavelmente os isolam.

A radicalização retórica reforça a dimensão dialética da política e corta para os dois lados. Ou seja, ao insistir nessa polarização terminológica, Zema acaba empurrando todo mundo que não concorda com ele para o outro lado, a esquerda. Quando uma liderança insiste em bater no peito para afirmar, em alto e bom som, que é de “direita”, ela faz uma  parte importante da sociedade, especialmente o campo popular, abrir os ouvidos para a existência de uma “esquerda”. Naturalmente, tudo vai depender, como o próprio Zema admite, do desempenho da economia brasileira. Como governador de um grande estado, todavia, Zema é obrigado, caso suas ambições políticas de alçar voos maiores sejam autênticas, a fazer uma administração que gere empregos e renda ao máximo possível de mineiros. Ao fazer isso, ele ajuda a economia nacional como um todo. E isso ajuda Lula. E se Lula é de esquerda, então ajuda a esquerda.

A política, especialmente num regime democrático tão competitivo como o nosso, é cheia de sutilezas, armadilhas, reviravoltas dialéticas e desdobramentos irônicos.

A Lava Jato, por exemplo, tentou destruir Lula, o PT e o sistema político como um tudo. O resultado foi um Lula mais forte do que nunca, um PT revigorado, e um sistema político muito mais consciente sobre os perigos de um judiciário descontrolado. A história está repleta de casos similares, e por razões que os darwinistas sérios conhecem bem: para que haja uma evolução biológica ou tecnológica, como o crescimento do cérebro ou a invenção de novas ferramentas, é preciso que exista um obstáculo ou desafio que produza a necessidade de mudança, de modo a assegurar a sobrevivência e a reprodução da espécie.

Sobre o judiciário, a propósito, isso será assunto para outro texto, mas adianto apenas uma ponderação final:  tenho fortes suspeitas de que, passado esse momento de depuração, em que o Supremo Tribunal Federal teve que reagir com muita força a um movimento fascista que tinha apoio militar, as relações entre os poderes emergirão mais cuidadosas e estáveis, por um bom tempo.

22
Jul23

Denúncia não pode ser aceita somente com base em colaboração premiada

Talis Andrade

benett moro delação.jpg

 

Por José Higídio, ConJur

- - -

Conforme o inciso II do §16 do artigo 4º da Lei 12.850/2013, a partir de alteração promovida em 2019 pela lei "anticrime", o recebimento da denúncia não pode se basear somente em relatos obtidos em colaboração premiada.

Assim, a juíza Caroline Vieira Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, rejeitou uma denúncia da "lava jato" fluminense por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa contra Renan Miguel Saad, advogado e procurador do estado do Rio de Janeiro.

A decisão foi tomada após o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anular boa parte das provas apresentadas pelo Ministério Público Federal, pois foram obtidas a partir dos sistemas do chamado "Setor Operações Estruturadas" da construtora Odebrecht.

Histórico

Em 2021, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (hoje aposentado), declarou imprestáveis as provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht com relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As acusações contra Lula na "lava jato" se baseavam tanto no acordo quanto em cópias dos sistemas MyWebDay e Drousys, ambos da construtora. 

O acordo da Odebrecht foi usado contra Lula por iniciativa do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba, o que levou o ministro a desconsiderá-la como prova. Quanto aos sistemas da construtora, há evidências de que as cópias dos dados foram adulteradas e que não houve tratamento adequado em relação ao referido conjunto probatório. 

A decisão de Lewandowski foi posteriormente confirmada pela 2ª Turma do STF. Desde então, vários outros réus em processos que foram abertos com base na análise desses sistemas têm pedido e conseguido o trancamento de ações penais com base no uso dessas provas em seus próprios casos.

Após a aposentadoria de Lewandowski, Toffoli assumiu a relatoria desses casos. No último mês de maio, ele anulou o uso das provas obtidas a partir do sistema Drousys na ação contra Saad. Ele considerou que os elementos usados no processo coincidiam, "ao menos em parte", com os que foram declarados imprestáveis pela 2ª Turma.

O sistema Drousys foi citado diversas vezes na peça que deu origem ao processo e foi base para a principal acusação contra Saad — a de ter mediado pagamento de propina na construção da Linha 4 do Metrô do Rio. Em novo parecer na ação, o MPF indicou outras provas que também embasariam a inicial.

Fundamentação

"O que se tem são meras suposições realizadas pelo MPF a partir dos elementos de prova até então produzidos, nada havendo de concreto que evidencie, sequer, a materialidade delitiva", afirmou a juíza Caroline Figueiredo. Ela também não constatou indícios de autoria e confirmou a ausência de justa causa para prosseguimento do processo.

Segundo a magistrada, o único elemento concreto nos autos era o depoimento de um delator — um ex-diretor de contratos da Odebrecht. Ela ressaltou que isso "não pode servir, unicamente, para inaugurar uma ação penal contra quem quer que seja".

A juíza ainda refutou outros elementos trazidos pelo MPF: mais depoimentos, documentos encontrados por meio de busca e apreensão, e-mails e um suposto contrato fictício de prestação de serviço. Nenhum deles trazia prova do cometimento de atos ilícitos.

Saad foi representado pelo advogado Bruno Fernandes.

Clique aqui para ler a decisão

09
Jul23

Juiz das garantias e interpretação desconforme com a Constituição

Talis Andrade

inquisição Tribunal-penal-na-Idade-Media.jpg

 

Por Lenio Luiz Streck

 

1. Prolegômenos necessários

O texto a seguir deve ser lido despacito. E peço, uma vez mais e de antemão, que cumpramos a norma prevista no "princípio da caridade epistêmica", já trabalhado principalmente no texto intitulado "O STF, a prisão no júri e a decisão equivocada do ministro Barroso".

Hoje desejo falar sobre

(i) o porquê (paradoxalmente) de o juiz das garantias ser necessário,

(ii) ou sobre porque não deveria ser necessário,

(iii) ou sobre como é necessário exatamente porque não deveria ser necessário,

(iv) ou sobre como o sintoma vem para tratar a doença.

Repito aqui o que falei em vários veículos e textos: o juiz das garantias é uma medida urgente e necessária, ainda que pareça estranho que ele seja necessário. Isto porque a imparcialidade deveria ser a regra, como já apregoava a Juíza-Deusa Palas Athena (da peça de Ésquilo). Um juiz das garantias soa como se outros fossem das não-garantias. Claro que não é assim. Mas vamos discutir isso.

 

2. Parcialidades invencíveis? Como lidamos até hoje com o processo penal?

O assunto é complexo. Diz-se que o juiz já fica(ria) comprometido desde a fase anterior. Seria uma "parcialidade invencível"? Se for isso, é porque nos acostumamos com determinadas coisas. Tornamo-las normais. De todo modo, a resposta está no interior da discussão do JG: por tudo o que se vê e se sente todos os dias neste complexo sistema de justiça em que Ministério Público faz agir estratégico e juiz ainda participa da construção da prova (veja-se a dificuldade no cumprimento do artigo 212 do CPP), parece que é quase consenso na comunidade jurídica a necessidade de um novo modelo.

Também virou quase consenso que, se o JG vai trazer (mais) imparcialidade ou menos parcialidade na área criminal, é porque o atual modelo não oferece imparcialidade suficiente. Tertius non datur.

 

3. O juiz das garantias diante do livre convencimento e da livre apreciação

Não deveria ser assim. Mas no Brasil situações como "livre apreciação da prova" (explícita na lei) e "livre convencimento" tornam essas questões de imparcialidade ou parcialidade mais complexas. Afinal, é fato que o próprio sistema admite que a apreciação do juiz é livre. E a maior parte dos processualistas com isso concorda, com o argumento de que isso é bom porque é melhor (supera) a prova tarifada, que, ao que eu lembre, ocorreu no início do século 19, quando não existiam constituições garantísticas e compromissórias e tampouco "boas tarifações", como é o caso do elenco das garantias do artigo 5º. da nossa CF/88. Ora, se a apreciação da prova é livre, por que nos surpreendemos com a "contaminação"?

Daí a necessidade de um parêntesis: para demonstrar o que estou dizendo, basta ver, por exemplo, o voto de um desembargador do Paraná que concede o habeas corpus ao acusado de homicídio porque esse fez uma limpeza, algo como "matou bem". O desembargador não participou da fase anterior do processo. Portanto, estava "descontaminado", se usarmos a linguagem corrente. Mesmo assim, não parece ter agido com imparcialidade. Na mesma linha, o que dizer de tribunais superiores que não seguem seus próprios precedentes? Agora mesmo o ministro Barroso proferiu voto ignorando o precedente das ADCs 43 e 44, sob o argumento de que a soberania dos veredictos vale mais do que o direito a recorrer em liberdade assegurado já por precedente vinculante (demonstrei que o uso da ponderação feita pelo ministro foi equivocada — o link está no primeiro parágrafo desta coluna). Uma adequada imparcialidade faria com que se obedecesse ao artigo 926 do CPC (coerência e integridade). Nem vou falar da desobediência dos artigos 489 do CPC e 315 do CPP.

 

4. O JG como alteração da estrutura e seu impacto simbólico

Desse modo, já que nos acostumamos tanto, o remédio para enfrentar essa "contaminação" parece ser a alteração da estrutura para que talvez tenhamos um juiz minimamente desconectado da fase anterior.

Pode vir a funcionar. Por isso sou a favor. Tenho o senso da realidade. E sei ser pragmático. A alteração pode trazer transformações simbólicas. E isso importa em um país que preza menos a lei do que a jurisprudência.

Isso não me impede de indagar: se na segunda fase o juiz continua a fazer a livre apreciação da prova ou que julgue por livre convencimento, o que garante a sua imparcialidade? Aqui começaria uma nova discussão — que necessariamente passa por uma teoria da decisão judicial.

Estruturalmente, com a aprovação do JG, dependendo do próprio comportamento da doutrina e da compreensão dos juízes, poderemos ter mais garantias para os acusados. O JG, nesse contexto, neste mundo da vida, é necessário em um país com um sistema teimosamente inquisitivo (a prova disso é o modo como se estrutura o processo, em que a livre apreciação está no centro) [1]. Temos de admitir isso. Ou vamos todos para um divã.

 

5. Por que não há qualquer óbice constitucional à implantação do JG

Em termos constitucionais, não há óbice formal ou material para que o STF julgue válido o JG. O legislativo é competente e a Constituição não veda. Simples assim.

Porém, para além da declaração da constitucionalidade, há muita coisa a ser feita. Se não nos dermos conta disso, continuaremos a ter uma coisa com o nome de outra. O meu ponto, permitindo-me um grau de platitude, é que, numa república, todo juiz deveria ser "das garantias".

Acompanhem o raciocínio: todos queremos que juízes sejam imparciais, certo? Imparcialidade não é uma questão de aplicação mecânica ou exegetismo (textualismo). Isso já foi superado há séculos. Mas se o juiz deve ser imparcial, por que precisamos de um juiz das garantias?

Repetindo: sou a favor por razões pragmáticas. Aplaudo. Sou contra o estado de coisas que nos faz precisar do juiz das garantias.

E sou contra esse estado de coisas — e a favor do JG — exatamente por saber que é esse mesmo estado de coisas que não "garante" que o juiz das garantias garanta a solução para o problema da (im)parcialidade.

Quem cuida dos cuidadores? Já é um problema clássico. Hobbes resolvia com o Leviatã. Alguém precisa pôr ordem.

E quando o juiz das garantias age com parcialidade? Criaremos um juiz das garantias do juiz das garantias? E depois outro? E então mais um? (continua)

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