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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

12
Jan23

“Acabar com a democracia para salvá-la nunca funcionou”, diz brasilianista americano sobre bolsonaristas

Talis Andrade
 
Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro.
Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro. AP - Eraldo Peres

Os atos antidemocráticos de domingo (8) evidenciaram o radicalismo da oposição bolsonarista ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tendem a marginalizar ainda mais a extrema direita, avalia o cientista político Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. Os ataques contra os Três Poderes poderão até "ajudar" no projeto de reconciliação nacional do novo governo, mas a pacificação provavelmente não virá no tempo de um mandato, avalia o estudioso. 

O respeitado brasilianista anglo-americano acompanha a política brasileira desde a redemocratização e vê o movimento formado em frente aos quartéis brasileiros, para pedir uma intervenção militar mesmo após a posse de Lula, como integrado por pessoas com “uma perspectiva um tanto esquisita da história".

"Não é somente uma evocação do regime militar, mas uma afinidade com uma parcela desse regime, a mais linha dura, autoritária e intolerante, representada por pessoas como o general Sylvio Frota, que enfrentou Ernesto Geisel para manter um regime forte e repressivo, na fase da liberalização”, observa Pereira, em entrevista à RFI. “É também uma reflexão sobre o desespero com a democracia: a ideia de que ela é tão corrupta e disfuncional que seria necessário limpar o terreno para começar de novo. Mas acabar com democracia para salvá-la nunca funcionou”, salienta. "Você não vai melhorar a democracia acabando com as instituições democráticas, incluindo eleições legítimas.”

 

Risco político da antidemocracia

O cientista político nota que Jair Bolsonaro, ao se manter passivo diante das manifestações golpistas desde a eleição e dissuadir as Forças Armadas de dissipá-las em meio à ameaça crescente de atentados terroristas na posse de Lula, seguiu o exemplo “infeliz” de Donald Trump nos Estados Unidos. Bolsonaro e seus aliados, que também se recusaram a transmitir o cargo ao novo presidente e seu governo, "provavelmente receberam conselhos" de pessoas como o guru americano da extrema direita Steve Bannon.

"Talvez seja ingenuidade da minha parte, mas apesar dos danos e do choque das imagens, talvez isso vá ajudar no projeto de reconciliação. Muitas pessoas que apoiaram o Bolsonaro na eleição se juntaram àqueles que condenaram os atos de vandalismo e enfatizar que o Brasil terá eleições em 2024 e em 2026 – e esse é o canal legítimo para expressar as divergências políticas", afirma o pesquisador em Harvard. "O efeito de tudo será, talvez, marginalizar ainda mais a ala radical do bolsonarismo, porque essas pessoas não tem lugar no espaçol público democrático. 

Pereira ressalta que "havia outros exemplo melhores a seguir" no campo da direita latinoamericana, como José Antonio Kast, que ao perder para o Gabriel Boric no Chile, foi ao escritório do rival e o parabenizou. Rodolfo Hernández, embora seja apelidado de 'Trump colombiano’, também saudou o opositor nas urnas. Em ambos os países, a cultura democrática se mostrou forte apesar do avanço da extrema direita. 

"Você não pode ser a favor da democracia em outros lugares e apoiar alguém que tentou derrubar a democracia no seu próprio país. Acho que Bolsonaro agora está entrando nesse terreno”, avalia o pesquisador, fundador do Instituto de Estudos Brasileiros no King’s College de Londres.

Pereira frisa ainda que, diferentemente do ex-colega americano, Bolsonaro nunca contou com uma máquina como a do Partido Republicano. Ele avalia que as omissões do ex-presidente deixam o caminho aberto para outras lideranças emergidas no bolsonarismo, como o ex-vice Hamilton Mourão ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ocuparem o espaço na oposição nos próximos meses e anos.

 

Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida.
Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. © Arquivo Pessoal

 

Alianças para base aliada não significam reconciliação nacional

Enquanto isso, Lula se esforça em acomodar as forças políticas aliadas, mas também divergentes, como o União Brasil, em um novo governo com 37 ministérios. Pereira observa que, ao trazer Geraldo Alckmin e outras pessoas associadas a Fernando Henrique Cardoso, como Pedro Malan e Armínio Fraga, o petista "colapsou" o antigo eixo PSDB-PT e consolidou a frente anti-Bolsonaro.

"Essa coligação, me parece, não vai ser igual às maiorias que ele teve nos anos 2000, quando Lula chegou a ter 80% dos votos favoráveis no Congresso. Mas pelo menos ele vai conseguir chegar a uma maioria básica para passar projetos ordinários”, aposta Pereira.

Entretanto, se, por um lado, a construção da base aliada no Congresso parece encaminhada, por outro a diminuição da rejeição que Lula enfrenta junto aos mais de 58 milhões de eleitores que preferiram Bolsonaro na última eleição se anuncia uma missão mais difícil.

“Apesar de as pesquisas mostrarem que Bolsonaro tem um índice maior de rejeição do que Lula, é por pouco. Vai ser difícil convencer a parte do eleitorado que associa Lula ao Petrolão e à corrupção sistemática”, sublinha. “Se você olha a questão das restrições de orçamento do novo governo, é pouco provável que todas as ansiedades da população brasileira, como a questão social, a inflação, o emprego, serão resolvidas. Duvido que o governo Lula vá solucionar todos esses problemas em quatro anos.”

01
Ago22

Suspenso pela Justiça, projeto de empresa turca ameaça área de botos e mangues no Rio

Talis Andrade
 
Usina flutuante da Karpowership na Gâmbia. Empresa turca tem ampliado a atuação em países em desenvolvimento.
Usina flutuante da Karpowership na Gâmbia. Empresa turca tem ampliado a atuação em países em desenvolvimento. © RFI/Romain Chanson

 

PLANETA VERDE

 

 

Aprovado a toque de caixa em 2021, um polêmico projeto de instalação de quatro termelétricas flutuantes na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, foi embargado pela Justiça estadual. O empreendimento, da companhia turca KPS (Karpowership), ameaça um ecossistema rico em fauna marinha e manguezais.

A empresa foi a vencedora de um leilão emergencial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em outubro passado, na esteira da crise energética no país provocada pela seca em 2021. Entretanto, apesar de planejar se instalar em uma área onde vive a maior população de botos-cinza do Estado, o projeto foi dispensado de um estudo de impactos ambientais pelo governo estadual, por se tratar de uma obra "estratégica".

A decisão desagradou ambientalistas e levou a ONG Instituto Internacional Arayara a protocolar uma ação judicial para questionar o procedimento. Na sexta-feira (22), a Justiça determinou a imediata suspensão das obras e das instalações das usinas a gás, que funcionam sobre balsas que estavam prontas para serem posicionadas na baía.

“É uma área de grande importância ecológica, com mangues bem preservados, criadouro de peixes e crustáceos, além do boto-cinza, uma espécie ameaçada de extinção. Ali, nós temos a maior de população do Estado: são de 500 a mil indivíduos”, explica a professora Helena de Godoy Bergallo, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “As linhas de transmissão serão instaladas em 14 quilômetros de extensão e já destruíram 7 hectares de mangue, que é um berçário de vida marinha e Mata Atlântica. Ou seja, o impacto é muito grande, não só na água, como na terra.”

Impacto ambiental

 

A KPS afirma que o projeto, inédito no país, tem capacidade de gerar 560 megawatts de energia e “atende aos mais rigorosos requisitos ambientais brasileiros e internacionais”. Mas uma instalação de tamanha magnitude exige estudos mais aprofundados, garante a professora da UERJ. 

“Temos de ter também o princípio de precaução. É um empreendimento novo no mundo inteiro, não só no Brasil”, ressalta Bergallo. “A gente ainda não conhece todos os seus impactos, e não temos sequer respostas para muitas dúvidas que a gente têm, sobre os impactos que poderão vir, inclusive na sociedade que vive no entorno. São pescadores, marisqueiros e quilombolas que vivem na região”, frisa a especialista em ecologia. 

A companhia turca tem buscado ampliar a atuação em países em desenvolvimento, em especial africanos. A empresa já teve um projeto semelhante cancelado na África do Sul e outro projeto, no Líbano, foi denunciado por envolvimento em corrupção.

 
30
Dez21

Enchentes na Bahia são claro alerta das mudanças climáticas no Brasil

Talis Andrade

 

Menina circula em meio às ruas inundadas de Itapetinga, próximo onde duas barragens se romperam devido às fortes chuvas na Bahia.
Menina circula em meio às ruas inundadas de Itapetinga, próximo onde duas barragens se romperam devido às fortes chuvas na Bahia. AP - Raphael Muller
20
Jul21

Cientista política: foto de Bolsonaro no hospital “é apelação” contra queda nas pesquisas

Talis Andrade

A imagem do presidente sem camisa e com semblante desgastado sobre a cama, divulgada pelo próprio Bolsonaro em suas redes sociais, busca remobilizar a sua base.

A imagem do presidente sem camisa e com semblante desgastado sobre a cama, divulgada pelo próprio Bolsonaro em suas redes sociais, busca remobilizar a sua base. © INSTAGRAM @jairmessiasbolsonaro via REUTERS
22
Mai21

Exposição "Amazônia": Sebastião Salgado denuncia "falta de honestidade” de consumidores face ao desmatamento

Talis Andrade

Sebastião Salgado: “Foi dito que eu fazia estética da miséria. Ridículo!  Fotografo meu mundo” | EL PAÍS Semanal | EL PAÍS Brasil

No momento em que os números do desmatamento da Amazônia batem recorde atrás de recorde, uma exposição inédita do fotógrafo Sebastião Salgado traz à luz toda a riqueza de um dos maiores patrimônios naturais da humanidade. “Amazônia" foi aberta nesta quarta-feira (19), na França, com mais de 200 fotos clicadas ao longo de quase 50 expedições ao coração da floresta.

No lugar de fogo, a imensidão das árvores em pé. Em vez de fumaça, tribos indígenas no seu habitat. Em oposição à terra arrasada, descobertas muitas vezes inéditas para a maioria dos brasileiros, como as montanhas mais altas do país, na Serra do Imeri. A mostra, exposta na Filarmônica de Paris, busca a sensibilização do público para a preservação da floresta pela sua beleza.

"Trabalhamos sete anos para poder mostrar exatamente o que é a Amazônia, principalmente para os brasileiros, que não a conhecem direito. Eles imaginam que a Amazônia só tem rios, florestas e que tudo é plano. O brasileiro tem que saber disso para a gente poder proteger”, explica a comissária e idealizadora da exposição, Lélia Wanick Salgado – companheira do fotógrafo na vida e nesta aventura.

O trabalho pode ser considerado uma sequência da obra majestosa Genesis do fotógrafo, agora com foco na mata brasileira. Nos últimos sete anos, Salgado pôde acompanhar de perto a aceleração da degradação da maior floresta tropical do mundo.

"Cada vez que eu volto na Amazônia, eu tenho a constatação de que a destruição é permanente lá. Nós perdemos praticamente tudo o que nós perdemos da Amazônia nos últimos 40 anos”, observa à RFI.

"O que nos falta [para protegê-la] é honestidade planetária. É claro que o governo Bolsonaro é predador, mas a destruição da Amazônia não começou com este governo: ela acontece por causa da sociedade consumo. Quando vemos a madeira amazônica, o ipê amazônico, nos prédios de Paris, vemos esse comércio de madeira que sai de lá e vai para todo o mundo. Quando vemos que a grande maioria da destruição da Amazônia é para produzir carne e soja que vem para cá para engordar os rebanhos franceses, vemos que tudo isso acontece para atender a um enorme mercado internacional”, denuncia, em uma conversa com a imprensa internacional na avant-première do evento.

Lélia Wanick Salgado é a comissária da exposição Amazônia, de Sebastião Salgado.
Lélia Wanick Salgado é a comissária da exposição Amazônia, de Sebastião Salgado. © Lúcia Müzell/ RFI

 

Acordo comercial UE-Mercosul

Para Salgado, o acordo comercial acertado entre a União Europeia e o Mercosul tem tudo para acentuar o avanço ainda maior da agricultura sobre a floresta, ao facilitar a exportação de produtos agrícolas brasileiros para o continente europeu, a preços competitivos.   

“Precisamos do apoio do planeta inteiro, da pressão política de todos os países, da pressão econômica sobre o governo brasileiro para que a gente consiga proteger esse bioma”, clama Salgado. "A Amazônia é brasileira e isso não se discute. Mas a necessidade de proteção do bioma é planetária, porque a distribuição de umidade no planeta vem através dos rios aéreos que saem da Amazônia e vão para o planeta inteiro. A destruição hoje da floresta, através do fogo, é uma liberação de uma quantidade incrível de CO2, verdadeiras bombas atômicas de carbono que o governo brasileiro está provocando. Então, a contribuição hoje do governo do senhor Bolsonaro ao aquecimento global talvez seja a maior jamais feita na história da humanidade”, avalia.

"Quando você vai nas comunidades indígenas, você percebe que está diante da pré-história da humanidade", diz Salgado, que fez quase 50 viagens à Amazônia desde o início da carreira.
"Quando você vai nas comunidades indígenas, você percebe que está diante da pré-história da humanidade", diz Salgado, que fez quase 50 viagens à Amazônia desde o início da carreira. © Sebastião Salgado/ RFI

 

A flexibilização de regras ambientais, o desmonte de estruturas de fiscalização e o incentivo, pelo próprio presidente da República, de atividades ilegais como o garimpo e a grilagem terminam de  desfigurarar a parte leste da Amazônia, cobiçada e apropriada pela agricultura intensiva. Para as suas viagens à floresta, Salgado dialoga há décadas com as instituições ambientalistas encarregadas da proteção da região, como o Ibama e a Funai. Entretanto, sob o atual governo, essas entidades se descaracterizaram em proveito do agronegócio, acusa o fotógrafo.

“O número de multas é o menor que já existiu na Amazônia. O Ibama não funciona mais na Amazônia, não tem mais nenhuma capacidade de pressão e de controle e proteção do bioma”, aponta. "A Funai hoje é uma instituição de proteção do agronegócio agressivo, destruidor. Antes, a Funai sempre teve grandes sociólogos, antropólogos na direção. Teve até um general e, hoje, é um policial federal. É um policial sem nenhuma formação para o cargo, de forma alguma preparado para essa função. É uma correia transmissora de destruição do bioma amazônico”, critica.

Indígenas “representam o paraíso na Terra”

A viagem à floresta pelas lentes de Salgado tem trilha sonora de Villa-Lobos com verdadeiros sons da floresta, coletados desde os anos 1950 e armazenados no Museu Etnográfico de Genebra, parceiro do evento. A composição é do francês Jean-Michel Jarre, considerado um dos pais da música eletrônica. A exposição conta ainda com depoimentos de 10 povos indígenas – que expõem um verdadeiro pedido de socorro diante do avanços dos tratores sobre as suas terras.

"Quando você vai nas comunidades indígenas, você percebe que está diante da pré-história da humanidade. Eles não têm maldade, não têm mentira, não conhecem a repressão nem a competição. Eles vivem de uma maneira tão pura que eles representam, talvez, um conceito que para nós, no mundo cristão, marca o início da nossa história: o paraíso. O paraíso existe na Terra e ele está lá”, analisa o fotógrafo. “Eles são como nós. É fenomenal reencontrar esse início da nossa história, e é por isso que precisamos respeitá-los."

Sebastião Salgado, Lélia Wanick Salgado e o compositor Jean-Michel Jarre, que compôs a trilha sonora da exposição Amazônia para a Filarmônica de Paris.
Sebastião Salgado, Lélia Wanick Salgado e o compositor Jean-Michel Jarre, que compôs a trilha sonora da exposição Amazônia para a Filarmônica de Paris. © Lúcia Müzell/ RFI

 

A exposição Amazônia será itinerante – passará por Roma, Londres, São Paulo e Rio de Janeiro nos próximos meses – num roteiro que ainda pode ser ampliado.

“A floresta é indescritível, de tão imensa, tão fantástica. Ver a chuva na Amazônia é como assistir a uma explosão atômica diante de nós. É inacreditável”, descreve. "Eu tenho uma grande esperança que essa imensa destruição provocada pelo governo Bolsonaro está causando, ao mesmo tempo, uma enorme frente de resistência. O primeiro lugar de frente de resistência que está sendo criada é dentro do Brasil mesmo. Até um ano e meio atrás, os brasileiros não tinham nenhuma preocupação com a Amazônia. As comunidades indígenas nunca foram ameaçadas como agora, mas jamais foram tão organizadas como estão agora.”

 

 

16
Fev21

Livro detalha participação do Brasil em golpe e repressão no Chile, inclusive contra brasileiros

Talis Andrade

Resultado de imagem para 'O Brasil contra a Democracia: A Ditadura, o Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul'

 

Por Lúcia Müzell /RFI
 

Qual foi o papel do Brasil no golpe de Estado no Chile, em 1973, e na permanência no poder de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina? De que maneira Brasília, que também vivia sob o comando militar, se esforçou para melhorar a imagem de Santiago no exterior? Uma página sombria da diplomacia brasileira é revelada no livro 'O Brasil contra a Democracia: A Ditadura, o Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul', que o analista internacional Roberto Simon acaba de lançar, pela editora Companhia das Letras.

A pesquisa do autor, ex-jornalista, durou sete anos. Entre Brasil, Chile e Estados Unidos, onde reside, Simon teve acesso a milhares de documentos diplomáticos da época, dos quais muitos inéditos.

“O livro mostra como o Itamaraty era, na verdade, uma parte fundamental no aparato de repressão a brasileiros fora do Brasil”, resume o pesquisador.

"Esse episódio da história diplomática sempre foi contado de modo lateral. Mas, na realidade, o Itamaraty tinha agências de repressão internas – o Centro de Informações do Exterior (Ciex) e a Divisão de Segurança e Informação –, cuja missão era monitorar exilados, lutar contra a campanha de denúncia à tortura no Brasil. Em pelo menos uma ocasião, informações obtidas pelo Itamaraty através de informantes em Santiago levaram à morte de um exilado brasileiro, que foi capturado no aeroporto de Ezeiza, na Argentina”, destaca o autor.

 

Atuação para consolidar e normalizar o golpe de Pinochet

A obra revela o quanto Brasília se envolveu, desde o princípio, na desestabilização daquela que era a mais sólida democracia da América Latina. A vitória do socialista Salvador Allende, em 1970, não foi tolerada pelo regime militar brasileiro, sob as ordens do general Emílio Médici. Em plena “caça aos comunistas”, sob a tensão da Guerra Fria, o presidente via na ascensão do novo líder do Chile uma ameaça aos governos militares de direita, no poder em vários países da região.

"O Brasil desempenhou um papel importante tanto de oposição ao governo socialista de Salvador Allende, quanto no momento do golpe e, por fim, um certo protagonismo na ajuda à construção do regime militar chileno – com apoio político, diplomático, econômico e na repressão chilena”, assinala Simon. "Atuou para identificar militares chilenos que se opunham a Allende e poderiam liderar o golpe golpe, passou a apoiar grupos de extrema direita no Chile, como o Patria y Libertad, desempenhou uma campanha internacional para isolar o Chile, ajudou a treinar agentes da polícia política chilena e muito mais.”

Não que o golpe pudesse ter sido evitado sem a colaboração do Brasil – porém, naqueles anos de "milagre econômico brasileiro” e índices de crescimento extraordinários, o país desfrutava de um peso geopolítico importante na região. O apoio, portanto, foi determinante para a consolidação de Pinochet no poder.

“O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a junta militar chilena e, um mês após o golpe, tínhamos agentes da ditadura brasileira atuando no Estádio Nacional, que se transformou numa prisão”, observa Simon. No exterior, o Itamaraty trabalhou para “normalizar" o que acontecia no Chile, inclusive a violenta repressão aos opositores do general Pinochet.

Contradições dos saudosos da ditadura

O Brasil contra a Democracia é lançado num momento em que saudosos da ditadura, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, tentam reescrever a história das ditaduras na América Latina. No contexto atual, a obra ganha uma dimensão diferente da que o autor previa ao iniciar as pesquisas, em 2013 – quando ainda era inimaginável um chefe de Estado vizinho saudar os anos de chumbo no Chile, como fez o presidente brasileiro.

Em setembro de 2019, Bolsonaro reagiu a um comentário de Michelle Bachelet, ex-presidente do país andino e então comissária da ONU para os Direitos Humanos, e afirmou que "se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai [torturado e morto pelo regime], hoje o Chile seria uma Cuba".

“O livro mostra como a gente lidou com essa mitologia em relação às ditaduras e o quanto elas são completamente bizarras. Por exemplo, hoje a gente sabe que o Pinochet foi uma das figuras mais corruptas da histórica do Chile – e isso quem descobriu não foi a esquerda, nem Cuba. Foi o Senado americano”, ressalta Simon. "Acharam contas offshore do Pinochet com milhões de dólares fora do Chile. Pinochet mandou uma pessoa cometer um atentado terrorista em Washington”, comenta o ex-repórter.Resultado de imagem para 'O Brasil contra a Democracia: A Ditadura, o Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul'

Pinochet corrupto

Simon avalia que, ao contrário do Brasil, o Chile acertou as suas contas com o passado ao promover comissões da verdade, levar dirigentes e colaboradores do regime à cadeia e retirar, relativamente rápido, o sigilo dos documentos diplomáticos e de segurança do período. Muitos foram perdidos ou destruídos – mas nada se compara ao desaparecimento do acervo no Brasil, em especial o militar.

"A 'transição lenta, gradual e segura' fez com que a gente nunca tenha lidado diretamente com essas questões. Fizemos um grande acordo à brasileira”, frisa o pesquisador. “Para a gente entender os caminhos do futuro, a gente tem que entender muito bem o passado.”

10
Fev21

“Nada" foi feito para conter a variante da Covid do Brasil que assusta o mundo

Talis Andrade

Funcionários da prefeitura do Rio desinfetam ruas de Santa Marta para conter covid-19

Brasil registra 1.330 mortes por covid-19 em 24 horas

Por DW 

O Brasil registrou oficialmente 59.602 casos confirmados de covid-19 e 1.330 mortes ligadas à doença nesta quarta-feira (10/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.659.167, enquanto os óbitos chegam a 234.850.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O mundo preocupado com a variante da Covid brasileira

 

Por Lúcia Müzell /Rádio França Internacional
 

Enquanto o mundo tenta se prevenir da disseminação de três novas variantes do coronavírus, o Brasil nada fez para investigar e conter a cepa de Manaus. O alerta é da epidemiologista e enfermeira Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). "Os países de fora do Brasil estão mais preocupados com a nossa variante do que nós mesmos”, diz a especialista.

Os problemas relacionados ao aparecimento da "variante brasileira”, como está sendo conhecida no exterior, começaram desde sua descoberta. A linhagem foi identificada não pelas autoridades sanitárias brasileiras, mas sim pelo Japão, que identificou a cepa em viajantes que acabavam de desembarcar de Manaus.

"Imediatamente, deveríamos ter feito uma coisa básica em epidemiologia: o cerco sanitário, com controle de entrada e saída, cancelamento de voos, quarentena, semelhante ao que aconteceu em Wuhan e que os países agora fazem com a gente”, afirma a pós-doutora na área pela Johns Hopkins University, de Washington. "Nós não fizemos nada. Nada. Não teve nenhuma ação. É por isso que a gente acredita que essa variante já se espalhou, porque não houve nenhum controle. Os voos continuaram normalmente”, destaca.

Maciel sublinha que, apesar da descoberta da nova linhagem e do aumento do número de internações e mortes por coronavírus na capital do Amazonas, o Ministério brasileiro da Saúde tampouco aprofundou os conhecimentos sobre o mapeamento genético do vírus. Quase dois meses depois, a cientista diz que "sabe-se pouquíssimo" a respeito da nova cepa, mais contagiosa e que, portanto, coloca em xeque a estratégia de vacinação em curso no país.

“É claro que, nesse momento, os pesquisadores, da Fiocruz, do [Instituto] Adolfo Lutz e outras universidades e instituições estão intensificando as pesquisas, mas não estamos tendo um direcionamento do Ministério da Saúde", lamenta a professora da UFES. "Hoje, a gente precisa falar para fora do Brasil para as pessoas saberem o que está acontecendo aqui. Estamos com um governo negacionista que, infelizmente, ainda defende tratamento precoce, com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, que sabemos que não funcionam no combate à Covid-19.”

Vacinação ameaçada

Na medida em que os países avançam a vacinação contra o coronavírus, causou desânimo a notícia de que a eficácia da vacina da AstraZeneca contra a variante sul-africana do vírus caiu para apenas 22%, nesse início de semana. A queda não coloca a estratégia de imunização na estaca zero, mas ressalta a importância de um plano nacional, rápido e eficaz de aplicação das doses já existentes.

"A preocupação é não deixar o vírus circular muito para ele não ganhar outras vantagens. Contra essas que ele adquiriu, a gente ainda pode conseguir vencer com o que temos”, explica a pesquisadora. “As fabricantes farão modificações nas vacinas. As de RNA, uma tecnologia muito moderna que veio para ficar, podem ser modificadas muito facilmente, porque é tudo programado por computador.”

Entenda como as novas variantes

“enganam”a vacina

Faz parte da natureza de vírus RNA (ácido ribonucleico) ter muitas mutações – mais de 4 mil já foram registradas no Sars-Cov2 até agora. Entretanto, essas três últimas conhecidas – do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil – geraram mudanças na proteína spike, as “pontinhas" do vírus, que permitem que ele penetre mais facilmente nas células humanas. O problema é que a maioria dos imunizantes desenvolvidos até agora atuam justamente nessa parte do vírus.

"Como ele fez a modificação nesse lugar que as vacinas agem, ele está 'enganando' o sistema imunológico de quem já foi vacinado. A vacina faz o treinamento do nosso organismo para reconhecer e reagir contra o vírus. É como se ela fosse um retrato falado do agressor”, exemplifica a professora. “A variante faz com que o nosso sistema imunológico não esteja mais conseguindo reconhecer tão bem aquele retrato falado.”

A pesquisadora frisa que, por mais que as mutações enfraqueçam a imunização em curso – pelo menos no caso da África do Sul –, a vacina ainda se mostra igualmente eficaz para prevenir formas graves e a morte de doentes de Covid-19. Por conta das deficiências na resposta ao surgimento da variante do Brasil, ainda não há dados sobre a perda ou não da eficiência dos imunizantes contra a cepa brasileira, sublinha Maciel.

“Para o vírus, não é interessante nos causar uma doença mais grave, que leve à morte rapidamente. Ele quer poder se multiplicar para contagiar mais pessoas”, lembra a cientista.

 

30
Jul20

Vídeos com desinformação sobre a pandemia proliferam e causam mortes

Talis Andrade

 

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Lúcia Müzell entrevista Nina Santos
 

A pandemia de coronavírus trouxe à internet uma invasão de informações no mínimo duvidosas sobre a Covid-19, a sua gestão e eventual cura. O ambiente virtual, terreno fértil para as fake news, influencia o comportamento das pessoas neste momento tão delicado da história. O assunto foi tema da pesquisa "Ciência Contaminada”, que analisou mais de 11 mil vídeos disponíveis na rede, a respeito da pandemia.

A pesquisadora de Comunicação Nina Santos e seus colegas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) identificaram quatro principais grupos de publicações no Youtube que incluem a palavra “coronavírus”: vídeos de cunho religioso, complotistas, médicos e de cientistas especializados ou jornalísticos que contêm comentários de especialistas. As conclusões a respeito dos três primeiros grupos são assustadoras. “Eles estão majoritariamente pautados em desinformação, com informações falsas ou imprecisas sobre a doença”, explica a doutora pelo Centro de Análise e Pesquisa Interdisciplinar sobre as Mídias, da Universidade Panthéon-Assas - Sorbonne, na França.

Entre os religiosos, que têm o pastor Silas Malafaia como principal porta-voz, o foco é atribuir a pandemia a uma “praga ou punição divina”, indica Nina. “Por adotarem esse tipo de discurso, acabam minimizando formas de combater e se prevenir do coronavírus”, nota a pesquisadora.

Médicos vendem produtos

Na segunda rede, estão os adeptos das teorias conspiratórias, seguidamente apoiadas em teorias globalistas. Estes vídeos centram o debate sobre o tema nas implicações políticas internacionais, como a hipótese de que o vírus foi criado propositalmente pela China para dominar o mundo, como de pano de fundo.

Na terceira, são os médicos que tomam a palavra – mas não para reforçar a mensagem majoritariamente adotada pela comunidade científica a respeito do combate à Covid-19, com medidas de isolamento. “Isso nos surpreendeu porque poderia ser uma boa notícia, mas na verdade esses médicos se apropriam desse momento para vender alguma coisa. Eles disseminam um discurso de fortalecimento da imunidade e da vida saudável, como se bastasse para combater a pandemia”, conta a professora. “Nas descrições dos seus vídeos, eles aproveitam para vender coisas: um e-book, um curso, um suplemento alimentar.”

A quarta rede, baseada em informação científica comprovada, é composta pelos veículos jornalísticos, que promovem cobertura e debates a respeito do assunto, com a presença de especialistas reconhecidos. “Algumas personalidades cresceram muito neste período, como Átila Iamarino e outros divulgadores científicos, que ajudam a tornar mais palatável a linguagem médica e da pandemia”, observa Nina.

Próxima etapa: hidroxicloroquina

A equipe da UFBA analisa, agora, um segundo relatório específico sobre a hidroxicloroquina, num momento em que o presidente Jair Bolsonaro utilizou, em ampla escala, a sua própria contaminação para fazer propaganda do medicamento. “Ao falar de fake news, é preciso entender que estamos em um momento de crise epistêmica, ou seja, a crise dos centros da sociedade que são capazes de produzir verdades, conhecimentos aceitos por todos. No momento em que temos uma grande crise entre esses atores, que não conseguem entrar num acordo sobre quem é capaz de decidir a verdade, fica muito difícil conseguirmos construir acordos democráticos”, analisa a pesquisadora, citando o exemplo dos dados oficiais de desmatamento da Amazônica, minimizados pelo próprio governo federal.

“O mais grave é que, numa situação de saúde e, especificamente, dessa pandemia, não apenas a gente tem uma dificuldade de construir acordos, mas a gente tem a defesa de discursos que são graves e notadamente falsos, sem nenhum tipo de sustentação científica. Numa situação de pandemia, isso leva a situações concretas como a morte das pessoas”, adverte Nina.

Uma pesquisa recente mostrou que, nos lugares onde Bolsonaro é mais apoiado, o índice de contágios pelo coronavírus é superior. Além disso, a cada vez que o presidente defende publicamente a reabertura da economia ou se reúne em grupo sem proteção contra o vírus, o número de casos de Covid-19 volta a subir nessas cidades.

Combate às fake news: uma necessidade de difícil aplicação

Nina Santos avalia que o combate às fake news deve vir de várias frentes – institucional, pelos governos e a justiça, mas também pelas próprias plataformas digitais. Entretanto, ela é receosa quanto à possibilidade de “privatização” do controle do que é falso ou verdadeiro na internet.

"As plataformas precisam tomar medidas, mas baseadas numa discussão e em guias do que deve ser considerado falso na rede, num acordo social mais amplo, porque senão a gente perde completamente o controle de como o debate público está sendo construído, do que pode ser incluído ou não”, pontua a professora.

Recentemente, a tese de doutorado de Nina Santos foi premiada como uma das melhores do ano de 2019 da universidade Sorbonne, uma das mais respeitadas da França.

 

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