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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

02
Out23

Em conversa com Deltan, Bruno Brandão diretor de ong estrangeira chamou parte do Congresso de 'corja'

Talis Andrade

Por Alex Tajra

Em diálogos apreendidos pela operação "spoofing", e aos quais a revista Consultor Jurídico teve acesso, o diretor da "ONG" Transparência Internacional, Bruno Brandão, chama parte do Congresso de "corja" e deixa claro, mais uma vez, a intenção da instituição de abocanhar recursos provenientes dos acordos de leniência firmados pela finada "lava jato". Nas mensagens, o então procurador também orienta a TI a entrar com ações públicas para favorecer determinados interesses do lavajatismo. 

Em 11 de janeiro de 2017, Brandão aciona o ex-procurador pelo Telegram para falar sobre um caso em que a TI iria divulgar uma nota, em meio a uma suposta ameaça feita por homens a mando de um deputado federal na cidade de Parambu (CE). Ele pede a opinião de Deltan sobre o texto. Neste contexto, diz Brandão:

"Quis lhe mostrar isso porque a realidade desse pessoal é essa cotidianamente. Temos que dar muita foça pra essa gente, eles ficam completamente expostos e desassistidos (fazem muita loucura também). Nós temos um projeto muito importante para isso — depois queria falar com vc sobre isso. Nós temos que fortalecer a luta contra a corrupção na base — é lá que aquela corja no congresso encontra sustentação." As grafias originais foram mantidas pela reportagem.

Em outro momento, ainda em janeiro de 2017, Brandão e Dallagnol conversam sobre a situação no Peru, país que também enfrentava turbulência política por conta do lavajatismo. Brandão cita preocupação com o fato de a crise poder influenciar a derrocada do governo e, consequentemente, fomentar a volta do fujimorismo ao poder.

O diálogo se dá no contexto da divulgação de uma lista com 200 nomes da política peruana que teriam recebido propina da construtora Odebrecht, em um enredo semelhante ao que ocorreu no Brasil.

"É furada. Boato, até onde eu sei", responde Deltan ao diretor da "ONG".

Ambos também discutiram a execução provisória da pena, pauta que naquele ano tramitava no Supremo, ainda sem definição. Deltan publicou texto em suas redes sociais defendendo a medida, no contexto da indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal, cuja aprovação foi referendada pelo Senado em 22 de março daquele ano.

"Moraes tem posição nesse sentido, favorável à execução. Em off, parece-me um nome que pode ser positivo", diz Deltan na conversa.

Brandão responde: "Bom saber que dá pra ter esperança. Tomara que não entre com fatura para quitar."

Os diálogos reforçam a interferência da "ONG" no trabalho do Ministério Público Federal no Paraná, além da sua contaminação em outros questões das autointituladas forças-tarefa que emergiram após o início da "lava jato". Um ponto aventado mais de uma vez é a destinação dos recursos para "prevenção e controle social" — o eufemismo é utilizado para falar dos fundos nebulosos que a "lava jato" queria criar para receber valores altíssimos provenientes dos acordos de leniência. 

Em outras conversas, a "ONG" já havia demonstrado interesse em receber parte desses recursos. As conversas também mostram como a TI influenciou nas diretrizes para se construir os acordos de leniência firmados com as empresas investigadas na "lava jato", em especial o firmado com a J&F. 

"Estou pensando em ir a Curitiba na semana que vem para conversar com a Secretária Executiva da 13a Vara e apresentar os projetos que gostaríamos de pedir a designação de recursos. Vc vai estar por aí? Se vc tiver tempo, poderíamos marcar um almoço ou uma reunião rápida? Eu poderia tentar organizar no dia que for mais conveniente pra vc. Abç!", escreveu Brandão em 30 de janeiro de 2017.

Deltan também sugeriu, em outros trechos, que a TI ajuizasse ações civis públicas que poderiam beneficiar a "lava jato". Uma delas envolve o acesso de dados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Em outra mensagem, de 22 de março de 2017, o deputado cassado afirma:

"Bruno, outra ação para ajuizar, em potencial....que tal? o Temer indicou indivíduos despreparados tecnicamente (políticos) para cargos em Itaipu Binacional e na Nuclep, desrespeitando os princípios da Lei de Responsabilidade das Estatais. E aí, o que acontece? A Lei prevê alguma sanção? Não.", escreve Deltan. 

Brandão também se compromete com Deltan a escrever uma carta de apoio, em nome da Transparência Internacional, para que o MPF concorresse a um prêmio de "Excelência no Serviço Público" promovido pela ONU. O diretor da "ONG" afirma que já havia escrito um texto "em ingês para a FGV usar", mas que iria pedir para a TI adaptá-lo para indicar toda a ação do MPF para o prêmio. 

Deltan pede celeridade, pois as inscrições acabariam alguns dias depois daquela conversa. "Vou dar um jeito. Se eles não puderem correr com isto em Berlim [sede da Transparência Internacional], fazemos daqui", responde Brandão. 

 

Condução coercitiva de jornalista

Em 21 de março de 2017, o jornalista Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, teve sua condução coercitiva determinada pelo então juiz Sergio Moro. Ele também ordenou a apreensão de todos os documentos, mídias, computadores, etc, para pressionar Guimarães a revelar suas fontes. O inquérito investigava "violação de sigilo profissional". 

Deltan envia a Brandão, neste mesmo dia, a nota que seria publicada pela "lava jato" para se defender das críticas que a operação sofria por conta da referida condução coercitiva. Brandão opina que algo na nota "não fica claro", e Deltan a redige novamente. "A ascom trocou 'jornalista' por 'blogueiro'", diz Deltan a Brandão em meio à discussão.

Na mesma conversa, o diretor da TI diz, preocupado com a repercussão: "O problema é que vai perdendo apoio de formadores de opinião que são mais equilibrados, como Gaspari, Kennedy Alencar e outros. Nessa guerra que a coisa está isso conta muito. A esquerda radical vcs nunca vão agradar, mas tem um campo mais neutro que tem que ser cuidado...Gente na nossa própria equipe na TI já ficou à tarde inteira me pressionando para falarmos e deixar claro qeu nosso apio não é irrestrito e acrítico. Mas com a informação nova que a nota de vcs traz, vão reavaliar com certeza."

Deltan agradece: "Caro, obrigado por avisar e apontar com franqueza as críticas. Sem isso, não teríamos prestado esclarecimentos adequados."

Dias depois, Moro voltou atrás em relação a várias determinações que havia feito contra Guimarães. As acusações contra Guimarães, neste processo, não perseveraram, e o instrumento da condução coercitiva, amplamente utilizado pela "lava jato", foi declarado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal em junho de 2018. 

 

30
Set23

Precisamos falar sobre Moro

Talis Andrade

 

Espião Jorge Hardt pai da juíza Gabriela Hardt parceira de Moro

 

por Miguel Paiva (texto e charge)

 

Continuar vivendo numa democracia e vendo o ex-juiz Sérgio Moro circulando impune é uma contradição. Para uma pessoa mais sensível como eu, ele nunca enganou ninguém. Desde que recebeu o prêmio Faz Diferença do jornal o Globo criou em mim uma certa desconfiança. Juiz não recebe prêmio pela sua atuação. Não é mais do que obrigação, mas ali, a vaidade, foi o primeiro sinal. Depois vieram outros. Ele foi vestido com camisa grafite escura e grava preta. Além do extremo mau gosto demonstrava, pelo menos na minha cabeça, uma estética beirando o fascismo. Não gostei. Fiquei ressabiado.  

Depois começaram a surgir os boatos sobre seu envolvimento com a CIA, suas idas frequentes aos Estados Unidos e seu interesse na Petrobrás. Mas havia um empecilho. Lula, depois de Dilma era o candidato mais forte à reeleição. Isso iria atrapalhar todos os planos de Moro e a turma que estava com ele. Nesta época ainda não se sabia ao certo e Moro criou uma imagem de paladino, de salvador da pátria que enganou a muitos. Virou bloco de carnaval com o aplauso inclusive de parte da classe artística e daí em diante o caminho ficou mais apoiado e facilitado. Julgou e prendeu Lula sem provas e liberou o caminho para a volta ao poder da turma liberal e do mercado de capitais.  

A ideia, mesmo golpista disfarçada, era esta. E muita gente continuou caindo. Só não contavam com a eleição de Bolsonaro que acabou escapando do planejamento. A direita institucional não tinha candidato. Bolsonaro foi lá e pimba. Mas a turma topou. O mercado de capitais fechou os olhos para a truculência do capitão e apostou no Paulo Guedes. Meu deus, que aposta! Claro que não deu certo e com esta anuência a gandaia autoritária se estabeleceu. O mercado demorou a acordar e não gostar do panorama sobretudo enquanto Moro batia na corrupção.  

Corrupção é a palavra chave. É o que a direita, coincidência ou não, mais detesta. Mas é o que mais faz. O Não Roubar é o mandamento mais seguido porque fala da propriedade privada e sua manutenção, princípio sagrado para os neoliberais. Note-se que Lula estava sendo acusado sem provas de se apossar de duas propriedades privadas, o tríplex no Guarujá e o sírio em Atibaia. Aí ficou fácil. Era como cometer pecado mortal na frente da cruz. Todos caíram e Sérgio Moro não resistiu. Virou candidato de Bolsonaro ao Ministério da Justiça, abandonou a carreira de juiz e começou a se dar mal.  

Entrou a verdade histórica e suas consequências implacáveis. Ainda demorou para a elite aceitar, mas até o próprio STF, reconhecendo seu erro desfez toda a tramoia. Absolveu Lula e Dilma, suspeitou de Moro e sua galera e facilitou com isso que Lula voltasse a brigar pela eleição. Foi duro. Bolsonaro ainda usou, e hoje a gente comprova, todas as ilegalidades que podia, mas assim mesmo perdeu.

Com Lula eleito ficou mais fácil de se descobrir que era na verdade Sérgio Moro. Um ninguém cheio de planos. Aliás, cada vez mais comum este personagem na nossa política. Um ninguém cheio de planos. Virou senador da república, sabe-se lá como e junto com outros, inclusive o parceiro Dallagnol tentou entrar para a política e se estabelecer. Dallagnol já foi cassado, agora as sujeiras de Moro que de um certo modo explicam seu sucesso, vão aparecendo. É uma questão de tempo para a História se manifestar. Depois do depoimento do General Heleno na CPMI, Moro se aproximar junto com Damares para felicitar o depoente foi por sí só uma confissão de culpa.  

Moro é um conservador de direita, radical, capaz de adulterar a democracia para cumprir suas metas. Aquela camisa escura com gravata preta mostrou quem ele era, queira ou não queira. O Brasil vai retomando seu caminho apesar dos entulhos deixados na estrada e Moro vai desaparecendo no espelho retrovisor. Para sempre, espero.

 Vídeo: Assim como no México, no Brasil a espionagem ilegal foi amplamente usada, na operação Lava Jato, com tecnologia de última geração. Agora, isso precisa ser analisado pela Justiça, a partir de denúncia da defesa do ex-presidente Lula. #CarolProner

Deputado Renato Freitas explica espionagem na Petrobras feita por Jorge Hardt

27
Set23

Reacionários da 'devastidão' se assanham contra o STF; e a última coluna

Talis Andrade

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Deputado Pastor Sargento Isidório resolve rivalizar com Eliot sobre 'o que é um clássico'

 

por Reinaldo Azevedo

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Esta é minha última coluna na Folha. Volto ao ponto no último parágrafo, como sempre. O país primeiro.

O Congresso tem aprovado pautas econômicas importantes. Tais matérias, com frequência, dizem respeito também a interesses dos patronos dos votantes. É do jogo. Exceção feita ao bolsonarismo fanático e a alguns vaidosos, chateados porque suas previsões estão sistematicamente erradas, ninguém torce para que o país desande. O Parlamento que aí está é, sim, o mais atrasado desde a redemocratização — quiçá o pior da história. Um novo surto de estupidificação, também a sincera, está em curso e tem como alvo o Supremo, justamente o ente que decide o destino dos golpistas. É retaliação. Infelizmente, até uma figura sempre ponderada, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, houve por bem disputar o coração dos dinossauros.

Evitei acima uma palavra, recusando o clichê "corações e mentes". Como ensina Francisco Torrinha, no "Dicionário Latino Português", "mens, mentis" designa "o princípio pensante", o "espírito", "a inteligência". E não reconheço tais manifestações na "devastidão" — termo que se esqueceu de acontecer — bolsonariana. "Devastação" não expressa a razia havida. O senador resolveu dar pipoca à ignorância. Patrocina uma PEC que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. Quer, assim, fazer frente a um STF que estaria a legislar no caso da maconha. A iniciativa ficaria bem num Tiranossauro Rex a se fingir de herbívoro boa-praça. Advogado, ele sabe que os presídios estão abarrotados de jovens, pretos e pobres em razão da aplicação porca de uma lei ruim. Se sua PEC prospera, tudo piora. Quem dá bola, senhor, para "a lágrima clara sobre a pele escura"?

Quer o quê? Sei lá. Ocorre-me, por exemplo, que Davi Alcolumbre (União-AP), seu antecessor no cargo e aliado, já é pré-candidato de novo à presidência da Casa. Estarão de olho nos votos dos "conservadores"? "Conservadorismo" é o vocábulo mais malbaratado da política nativa. Quem quer manter inalteradas as iniquidades ou extremá-las não "conserva" coisa nenhuma. Ao contrário: faz degenerar o tecido social, as leis e a Justiça. É um anticonservador. É um reacionário.

Há outra ação que mira o tribunal: o projeto de lei que define a Constituição de 1988 como o ano de referência para a demarcação de terras indígenas. O texto já foi aprovado pelos deputados. É grande o risco de ser piorado pelos senadores. Leiam o conjunto dos direitos assegurados àquela população e constatarão que a limitação temporal é inconstitucional. Uma lei não se sobrepõe à Carta.

Na Câmara, ensaia-se a tentativa de tornar ilegais futuras uniões homoafetivas, matéria já julgada pela corte. Não vai prosperar, eles sabem. O "Deputado Pastor Sargento" Isidório (Avante-BA) acredita ter a síntese definitiva sobre o caso: "Todo mundo sabe da minha fala clássica de que, é uma fala, inclusive, universal: o homem nasce como homem, com binga, portanto, com pinto, com pênis. Mulher nasce com sua cocota, sua ‘tcheca’, com sua vagina, mesmo com o direito à fantasia. Homem, mesmo cortando a binga, não vai ser mulher. Mulher, tapando a cocota, se for possível, não será homem, todo mundo sabe". O "Peçanha da genitália alheia" resolveu fazer sombra ao poeta Eliot na definição do que é um clássico...

Segue a sanha dos reaças contra o tribunal. O ódio aos ministros aumentou com a volta, vitoriosa, de Lula ao jogo eleitoral, com a resistência oferecida às sandices do biltre durante a pandemia e com a disposição de punir o golpismo. Nove meses depois daquele 8 de janeiro, dar corda e cartaz ao primitivismo mais abjeto sob o pretexto de enfrentar o ativismo dos magistrados é apostar na "devastidão" em que o "Deputado Pastor Sargento Isidório" nos revela o seu pensamento "clássico" e "universal" sobre binga e pepeca. É esse o caminho, Pacheco?

E agora o fim. Esta era a minha terceira jornada nesta Folha. Chega ao fim. Por quê? Não é por falta de leitores, sabemos todos. Recomendo que ouçam "Quereres", de Caetano. Eu e o jornal nos olhamos e nos dissemos: "Eu te quero (e não queres) como sou/ Não te quero (e não queres) como és". Vêm novidades por aí. Beijos.

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17
Jul23

Coronel kid preto Lawand Júnior é desmascarado ao negar tentativa de golpe de Estado com Mauro Cid

Talis Andrade

golpista de celular e emprego nos EEUU.png

 

 

Mais um golpista foi emparedado pela verdade dos fatos na sessão da CPMI desta terça-feira (27), no Congresso Nacional. Na oitiva, o coronel Jean Lawand Júnior recorreu à criatividade para explicar sua participação no planejamento de um golpe de Estado, manifestado nos atos de terrorismo que se sucederam ao resultado das eleições presidenciais e que desencadearam o 8 de janeiro. A data marca o fatídico dia em que as sedes dos Três Poderes foram atacadas por vândalos e terroristas em uma tentativa frustrada de ruptura institucional no país. 

Identificado como um dos conspiradores contra a democracia, a partir de conversas interceptadas pela Polícia Federal no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, Lawand investiu no universo lúdico para convencer os parlamentares de que, ao invés de incentivar um golpe, articulou para que o presidente “apaziguasse” o país. A peça de ficção do coronel, que estava amparado por um habeas corpus para não se incriminar, baseou-se em “pedidos” para que Cid orientasse Bolsonaro a dispersar golpistas que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército desde o dia 2 de novembro. Não convenceu nem parlamentares da oposição.

LEIA MAIS: Saiba quem é Jean Lawand Júnior, o coronel golpista

O que a troca de mensagens com Cid no mês de dezembro de 2022 mostra foi o contrário: nelas, Lawand suplica a Cid para que convença o então presidente a ordenar uma intervenção militar no país e impedir a posse de Lula. “Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem! Se a cúpula do Exército não está com ele, de divisão pra baixo está. Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus”, implorou, em uma das mensagens trocadas com o então ajudante de ordens de Bolsonaro, hoje preso por, entre outros crimes, fraudar o cartão de vacinação de Bolsonaro.

 

O deputado Rogério Correia (PT-MG) afirmou que o coronel, ao mentir sobre uma suposta tentativa de apaziguar o ambiente político, denunciou Bolsonaro por não “ter dado a ordem” para pacificar o país. “O senhor está querendo realmente culpar o presidente pelo que aconteceu depois – veio o dia 12 [ de dezembro], o dia 8 [de janeiro], veio o atentado no dia 24, no qual queriam estourar um caminhão com querosene para botar fogo em Brasília, no aeroporto, nós já ouvimos aqui o terrorista”, lembrou Correia.

“Essa é a denúncia que o senhor está fazendo a respeito do ex-presidente Jair Bolsonaro, é o que vamos tirar do seu depoimento”, disse. “O senhor está mentindo e vou provar que está mentindo”, assegurou. Correia então citou os pedidos de Lawand para que Mauro Cid adquirisse outro aparelho para que os dois pudessem conversar: o temor era de que o celular estivesse grampeado.

“Por que precisa de cuidado com isso se o senhor vai dizer que [a conversa] é para apaziguar o país?”, indagou o deputado. “Não tem lógica, não é verdade o que o senhor está dizendo”.

 

“O senhor mente escandalosamente”

O deputado acusou tanto Lawand, quanto Cid, além do coronel Elcio Franco, de tramarem um golpe de Estado e a prisão do ministro Alexandre de Morais. E frisou que Bolsonaro não deu a ordem para as Forças Armadas quebrarem a ordem institucional porque não confiava no Alto Comando, e não porque é um democrata. “O senhor mente, e mente escandalosamente”, reforçou Correia.

“Eu não sou presidente, não posso dar ordem de prisão, mas, se coubesse a mim, o senhor não sairia daqui solto depois dessas mentiras. O povo brasileiro não é trouxa para o senhor ficar aqui, insinuando uma mentira dessas”, completou Correia.

 

Carvalho lembra o golpismo que marcou mandato de Bolsonaro

Na sessão, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) traçou um panorama de todos os riscos institucionais e ameaças de ruptura que marcaram o mandato de Bolsonaro para contextualizar o papel de Lawand na trama golpista. “Várias crises e ameaças à democracia e ao Estado Democrático de Direito foram perpetradas pelo governo”, apontou o senador, ao esclarecer a atuação de Lawand.

“As manifestações de Vossa Senhoria comprovam a organização de um golpe”, disse o senador. “O senhor era o mais ativo, o mais desesperado, para convencer o presidente a dar o golpe”, acusou Carvalho, diante da narrativa inverídica apresentada pelo coronel.

“O senhor pediu por Deus para que Cid lhe atendesse, pediu por Jesus, para que o coronel convencesse o presidente a dar a ordem do golpe. Ele não deu ordem mas tramou junto com o senhor, com Cid, [general] Villas-Bôas, [general] Heleno, vários que envergonham essa instituição chamada Exército brasileiro, as Forças Armadas”, vociferou o senador.

 

“O lixo das Forças Armadas”

“Vocês são o lixo das Forças Armadas brasileiras, porque deveriam estar subordinados aos interesses da democracia e do Estado Democrático de Direito”, lamentou. “Quando o presidente não deu a ordem, vocês orquestraram o 8 de janeiro para criar o caos”.

Carvalho ressaltou ainda que os golpistas defenderam uma tese inconstitucional, a de que as Forças Armadas seriam um poder moderador no país. “Não existe poder moderador no Brasil, existem Três Poderes que se equilibram”, esclareceu. “Portanto”, prosseguiu Carvalho, “é preciso que a Justiça faça uma limpeza, exclua todas as laranjas podres que tentaram um golpe contra o Brasil e contra a democracia”.

O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) registrou que Lawand deveria prestar depoimento como investigado e não como testemunha por sua atuação golpista. Em seguida, o deputado explicou como foi a chamada “engenharia do golpe”, dividida em três tentativas. “A primeira, através de uma GLO, pelo Exército, a que o senhor mais forçou”, observou Júnior. “A segunda, através de uma bomba no aeroporto de Brasília”.

“A terceira tentativa”, anunciou: “Invasão da sede dos Três Poderes”. Rubens Júnior descreveu as principais mensagens no celular do coronel para amparar sua linha de argumentação. “Cidão, pelo amor de Deus, cara, ele [Bolsonaro] dê a ordem, que o povo está com ele. Acaba o Exército brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo”, lembrou o deputado, em uma das passagens lidas.

“A sua atuação está tipificada no Código Penal, o senhor foi descoberto há pouco tempo, a partir da interceptação do celular do Mauro Cid”, insistiu Júnior. “Vão lhe tipificar, estou lhe informando agora, coronel”, destacou, citando o artigo 359L do Código Penal, que trata do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático, “com emprego de violência ou grave ameaça”.

“O senhor acha mesmo que o Judiciário vai acreditar nessa sua versão, com a evidência dos fatos e do diálogo seu e do Mauro Cid?”, perguntou Rubens Júnior. “A condenação é de 4 a 12 anos”, alertou. O deputado aconselhou ao coronel confessar a tentativa de golpe, para que a situação não piore. “Infelizmente, o senhor perde uma gigantesca oportunidade de se defender”, concluiu o deputado, sugerindo ainda à CPMI que ouça Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro deve ser ouvido pela comissão na próxima terça-feira (4).

27
Jun23

Motivação golpista general kid preto conheceu de perto a corrupção do Ministério da Saúde de Bolsonaro

Talis Andrade

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Por Jessyca Alexandrino, no DCM

No dia 8 de janeiro, data em que manifestantes golpistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, um kid preto que dirigiu o setor de Logística do Ministério da Saúde no governo de Jair Bolsonaro, gravou um vídeo em que aparece festejando enrolado em uma bandeira do Brasil. “Quero dizer que eu tô arrepiado aqui”, disse, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Kids Pretos” é o apelido dado a especialistas em operações especiais do Exército, que são altamente treinados em, por exemplo, ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular, as chamadas “operações de guerra irregular. Também intitulados “forças especiais”, eles compõe a elite de combate do Exército.

Além de Fernandes, que mesmo com os olhos irritados pelo efeito do gás lacrimogêneo da Polícia Militar elogiou a corporação, outros dois kids pretos da reserva comentaram o que acontecia na capital do Brasil. “O Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade. O senhor sempre teve e tem o meu respeito. Força”, disse o coronel José Placídio Matias dos Santos, se dirigindo ao então general Operação Lava Jato está morta e enterrada? Quem responde a pergunta é o advogado Marco Aurélio de Carvalho em entrevista a Breno Altman no programa 20 MINUTOS desta segunda-feira (26/06). A cassação de Deltan Dallagnol e a escalada de denúncias contra Sérgio Moro parecem dinamitar o que resta da Operação Lava Jato, que também vai perdendo terreno nas decisões das cortes superiores, paulatinamente revisando todas as sentenças que foram proferidas na 13ª Vara da Justiça Federal, sediada em Curitiba. As forças de esquerda, que antes criticavam a cúpula do Poder Judiciário por proteger a República de Curitiba e ser cúmplice do golpe de 2016, agora vibram com as seguidas ações contra o lava-jatismo e a turma de Bolsonaro. A extrema-direita, por sua vez, agora arremete contra o sistema de justiça, acusando-se de perseguição ao ex-presidente e seus aliados. Para debater os novos ares nos tribunais brasileiros, vou entrevistar o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, organização que esteve na vanguarda da crítica à Operação Lava Jato. Formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, também é um dos fundadores da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Cesar de Arruda, no Twitter.

“Patriotas brasileiros, ignorem a grande imprensa nacional e internacional. Qualquer manifestação contra o establishment será sempre apresentada como atos antidemocráticos. Façam o que deve ser feito”, incentivou o coronel Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro, outro kid preto, de Portugal, onde vive.

Procurados pela revista Piauí, que fez uma reportagem sobre os indícios da participação dos kids pretos nos ataques de 8 de janeiro, os três apresentaram posturas diferentes. O general Ridauto Fernandes não quis comentar sua presença no meio dos bolsonaristas e limitou-se a dizer que sempre pautou sua conduta “pela legalidade, que está embutida no conceito da disciplina”.

O coronel Placídio negou que tenha publicado as postagens golpistas no Twitter: “Eu não incentivei [o golpe]. Ao contrário, repudio veementemente as depredações que ocorreram naquele dia. Eu não estava em Brasília e soube do ocorrido pelas notícias. Além disso, havia várias postagens na minha conta [do Twitter] que definitivamente não foram de minha autoria”. Já o coronel Montenegro não retornou o contato da reportagem.

Os vídeos da tentativa de golpe mostram ações de quem teve treinamento militar. Os bolsonaristas, que ao chegar na Praça dos Três Poderes se depararam com grades que os impediam de avançar, se coordenaram e se organizaram para empurrar a barriera ao mesmo tempo. “É pura tática militar”, disse um oficial do Exército ligado aos FE que preferiu não ser identificado.

Os baderneiros também se dividiram entre quem cuidava do enfrentamento direto com a polícia e quem distribuía água mineral para ajudar na diminuição dos efeitos do gás lacrimogêneo e do gás de pimenta no rosto. “Assim que invadiram o Senado, percebemos que eles logo procuravam as mangueiras anti-incêndio para espalhar pelo ambiente e minimizar os efeitos do gás”, contou um policial do Senado.

“Enquanto expele o gás, esse dispositivo fica muito aquecido e só pode ser recolhido com luvas. Um civil sem treinamento dificilmente se prepararia para isso”, completou, sobre o fato de que alguns dos vândalos utilizaram luvas de couro para atirar as bombas de volta. A dica do uso do acessório não constava nas postagens golpistas que faziam convocação para a manifestação.

No Senado, aconteceu o caso mais grave. Golpistas atiraram uma granada do tipo GL-310, apelidada de “bailarina” por saltitar no chão enquanto dispara o gás lacrimogêneo, o que evita que o alvo a capture e lance de volta: “O estranho é que as polícias do Senado e da Câmara não têm esse tipo de granada. Então isso veio de fora”.

Saúde nomeia general Ridauto Fernandes como diretor de logística no lugar de um comedor de bola


Roberto Dias, agora ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde — Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Roberto Dias, agora ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde — Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Pediu US$ 1 de propina por dose de vacina para fechar contrato

Por Filipe Matoso, G1

No final de junho de 2022, o governo exonerou o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias. A decisão, anunciada na noite de noite de terça-feira (29), foi publicada no "Diário Oficial da União" desta quarta (30) e é assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.

Ao jornal "Folha de S.Paulo", o representante da Davati Medical Supply no Brasil, Luiz Paulo Dominguetti, disse que o diretor pediu propina de US$ 1 por dose de vacina para a empresa assinar contrato com o ministério. De acordo com a "Folha", Dominguetti procurou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca.

Ao repórter Nilson Klava, da GloboNews, Roberto Dias se disse alvo de retaliação por ter cobrado de Dominguetti que comprovasse representar a AstraZeneca, o que, segundo o diretor, nunca aconteceu. Dias afirmou também que divulgará uma nota sobre o assunto.

Trecho do 'Diário Oficial da União' em que foi publicada a exoneração de Roberto Dias — Foto: Reprodução/Diário Oficial da União

Trecho do 'Diário Oficial da União' em que foi publicada a exoneração de Roberto Dias — Foto: Reprodução/Diário Oficial da União

Na nota divulgada na noite desta terça, o ministério não explicou o motivo da exoneração de Roberto Dias. Disse somente que a decisão foi tomada no período da manhã.

"O Ministério da Saúde informa que a exoneração de Roberto Dias do cargo de Diretor de Logística da pasta sairá na edição do Diário Oficial da União desta quarta-feira (30). A decisão foi tomada na manhã desta terça-feira (29)", informou o ministério.

O general Ridauto foi nomeado para apagar o fogo (transcrevi trecho. Leia mais aqui). Não puniu nenhum ladrão. Convocou coroneis para a militarizaçao do Ministerio da Saude.

 
27
Jun23

Elite do Exército, 'kids pretos' quase levaram o país a uma guerra civil

Talis Andrade

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Ônibus e carros foram queimados em Brasília após diplomação de Lula em 12 de dezembro de 2022. 

Imagem: Evaristo Sá/AFP

 

Matheus Pichonelli 

Colunista do UOL

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Uma das muitas lendas espalhadas antes e depois das eleições de 2018 dizia que Jair Bolsonaro, ex-capitão expulso do Exército após se insurgir contra superiores e planejar explodir bombas em unidades militares, é que seus antigos colegas de farda funcionariam, durante seu governo, como garantia de contenção a suas eventuais recaídas incendiárias.

Eleito, Bolsonaro se cercou de militares e espalhou minas terrestres por onde passou.

As constantes ameaças de intervenção, como as proferidas em 7 de Setembro de 2021, eram chamadas de "atos impensados", tomados por um "desequilibrado", no calor da hora, nos momentos do recuo. E, ao menos para o grosso da opinião pública, nunca ficou muito clara a paternidade de atos cometidos por seus seguidores, sobretudo no período entre a eleição de Lula (PT) e as invasões de 8 de janeiro, classificadas por apoiadores como obra de tresloucados ou inimigos infiltrados.

Nessa conta entrava uma tentativa de atentado a bomba em um caminhão de combustível à entrada do Aeroporto de Brasília, em dezembro de 2022. E também a quebradeira promovida por bolsonaristas no dia da diplomação do petista, no mesmo mês, quando cinco ônibus, três automóveis e uma viatura do Corpo de Bombeiros foram incendiados na capital do país.

Observados assim, os atos golpistas pareciam expor o fracasso de militares em trancar um touro, preso junto a seus seguidores mais radicais em uma loja de cristais protegida por defensores da lei e da ordem.

Mas, conforme avançam as investigações sobre os dias que antecederam o 8 de janeiro, cai um pouco a cada dia a lenda do cavalo eleito presidente que precisava ser moderado para não botar fogo no parquinho.

Em uma reportagem publicada na quarta-feira (6) no site da revista piauí, o repórter Allan de Abreu apontou as digitais de forças militares especiais antes, durante e depois da depredação dos prédios dos Três Poderes. Conhecidos como "kids pretos", esses militares compõem a elite do Exército brasileiro e, segundo a reportagem, são treinados para ações de sabotagem e insurgência popular, conhecidas como "operações de guerra irregular". Alguns deles ocuparam posição de destaque na gestão Bolsonaro, que em seus tempos de Exército alimentou o sonho de se tornar também um membro da força especial.

Não conseguiu, mas se tornou o chefe de ao menos 26 "kids pretos" — entre eles os ex-ministros Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Eduardo Pazuello (Saúde), e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, hoje preso.

Mensagens interceptadas no celular de Mauro Cid expuseram as pressões de amigos e auxiliares diretos de Bolsonaro para que o Exército tomasse a dianteira numa tentativa de golpe de Estado, gestado em minutas golpistas e insurreições que poderiam levar a um sonhado decreto de Lei de Garantia e Ordem e deixassem como os militares a missão de administrar a bagunça. Um desses subordinados era o coronel Elcio Franco Filho, um "kid preto" que atuou como número 2 da Saúde e da Casa Civil.

A apuração se debruçou sobre detalhes do 8 de janeiro que exigiam treinamento em ações de sabotagem e insurgência, como uso de granadas, luvas especiais, táticas para derrubada de portões e resistência contra bombas de gás lacrimogêneo, o que demonstra um método nas invasões que não poderia ser assimilado por uma multidão em fúria e desorganizada, como era de se esperar em situações do tipo.

Um dos muitos "kids pretos" presentes na ação era o próprio chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, que mal havia assumido e caiu após aparecer em vídeos internos distribuindo água e orientando os golpistas.

Ainda a ser esclarecido, o interesse do grupo em empurrar o país à beira de uma guerra civil parece, a cada dia, mais evidente: inviabilizar o governo que poderia frear o processo de militarização e tutela das estruturas civis (o que se traduziu, sob Bolsonaro, em expansão de privilégios, cargos, recursos e picanha).

Era isso o que parte das tropas queria quando, lá em 2018, dizia-se que eles apenas toleravam a ideia de ver um insubordinado passar a dar ordens para generais de quatro estrelas.

"Esse cara está nas nossas mãos", disse aos amigos, segundo a piauí, o general Luiz Eduardo Ramos, após telefonar para um então obscuro deputado do baixo clero em março de 2018. Era Jair Bolsonaro.

O cavalão, como era conhecido em seus tempos de militar, era na verdade o Cavalo de Troia de um grupo de elite que, tudo leva a crer, orientou e seguiu orientando planos de sabotagem até mesmo quando o agora ex-presidente saiu de cena e já não tinha utilidade.

Que Bolsonaro tem na sua manga uma parcela dos militares, isso todo mundo sabe. O que ninguém entendia era como um militar rebelde como Bolsonaro poderia fazer isso. A chave pra responder a essa dúvida pode estar nos Kids Pretos, uma força militar especializada em criar confusão. 

 

 

26
Jun23

Anais da Intentona bolsonarista OS KIDS PRETOS

Talis Andrade
Jair Bolsonaro e o então comandante de Operações Especiais, general Mário Fernandes. - Isac Nóbrega/PR
 

 

O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas

 

por Allan de Abreu

- - -

O assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República, Mario Fernandes, general da reserva do Exército, estava indignado com a derrota de Jair Bolsonaro na eleição. Em meados de novembro, quando centenas de bolsonaristas clamavam por um golpe reunidos em frente aos quartéis pelo país afora, Fernandes decidiu fazer uma conclamação. No grupo de WhatsApp que reunia colegas militares, mandou uma carta endereçada ao então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, que não estava no grupo, mas recebera a mensagem do próprio Fernandes minutos antes. Ele escreveu:

– É agora ou nunca mais, comandante, temos que agir! E não existe motivação maior do que a proteção e o futuro desta grande nação e de seus filhos… Os nossos filhos!

A ação que o general pedia era um “evento disparador” capaz de deflagrar a virada de mesa. Ele não diz com todas as letras o que vinha a ser o tal evento, mas explica que deveria ocorrer “a partir da ação das forças de segurança contra as massas populares, com o uso de artefatos como gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral” e, em seguida, dá sugestões de local. “Tudo isso bem próximo ou em nossas áreas militares!” No Brasil, não é raro aparecer generais de pijama, como são chamados os aposentados que não têm comando de nada, desfraldando bandeiras golpistas, com uma verve meio amalucada.

O apelo de Mario Fernandes, no entanto, recorria a um elo comum: ele e o então comandante são “kids pretos”, o apelido dado aos especialistas em operações especiais do Exército, que são altamente treinados, entre outras técnicas, em ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular – as chamadas “operações de guerra irregular”. Os kids pretos são, também, chamados de “forças especiais”. Eles compõem a elite de combate do Exército. Em sua mensagem, Fernandes sempre se refere a Freire Gomes como comandante, em letras maiúsculas. Mas, no final do texto, reforçando a camaradagem, chama-o de kid preto, também com maiúsculas.

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Bolsonaro e o general Mario Fernandes, um dos kids pretos – Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

 

Essa turma forma o grupo preferido de Bolsonaro na corporação. Nos tempos de Academia Militar das Agulhas Negra (Aman), Bolsonaro queria ser um força especial, também conhecidos como FE. Fez o curso de paraquedismo, a primeira etapa da formação, e submeteu-se à prova de ingresso duas vezes – foi reprovado em ambas. Três décadas depois de amargar uma expulsão branca do Exército, em razão de ter planejado um atentado a bomba no sistema de abastecimento de água do Rio, Bolsonaro chegou ao poder em Brasília e cercou-se dos kids pretos – única força em que Bolsonaro dizia confiar plenamente.

Um deles era o general Luiz Eduardo Ramos, que foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e, também, da Casa Civil. Outro era o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro que se encontra preso e, certamente, é o militar mais enrolado nas falcatruas do governo, do contrabando das joias sauditas à falsificação da carteira de vacinação contra a Covid, passando por toda sorte de manipulação com dinheiro vivo dentro do palácio. (Na operação pega-joia, houve o envolvimento de outros dois kids pretos: Cleiton Henrique Holzschuk, que tentou registrar as joias como bem privado de Bolsonaro, e Marcelo da Costa Câmara, que gerenciava o acervo particular do ex-presidente.)

Em quatro anos, a gestão de Bolsonaro convocou pelo menos 26 kids pretos. Além do general Ramos e do coronel Cid, nomeou o general Eduardo Pazuello, que fez a desastrosa gestão do Ministério da Saúde na pandemia. Seu principal auxiliar era o coronel Elcio Franco Filho, outro kid preto. O coronel ficou conhecido por não ter respondido ao e-mail da Pfizer oferecendo vacinas ao Brasil, depois por ter autorizado a compra de vacina superfaturada e, mais recentemente, por aparecer num áudio em que se discutia a mobilização de 1,5 mil soldados para dar um golpe e devolver o poder a Bolsonaro.

Mesmo antes da vitória de Bolsonaro, os kids pretos sabiam da predileção pelo grupo e já tinham planos de tutelá-lo. Em março de 2018, por exemplo, o general Luiz Eduardo Ramos participava de um jantar com outros militares brasileiros quando resolveu telefonar para o então deputado federal Jair Bolsonaro. Depois de uma rápida conversa, cujo conteúdo a piauí desconhece, Ramos desligou o telefone e confidenciou aos presentes: “Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele.” Coube ao general Ramos a articulação para que Bolsonaro colocasse no comando do Exército o general Freire Gomes, outro kid preto.

O general Freire Gomes não atendeu ao apelo de Mario Fernandes no WhatsApp, mas a crônica do golpe inclui mais de uma tentativa de promover um “evento disparador”. Em 12 de dezembro, dia em que Lula era diplomado como presidente, bolsonaristas incendiaram cinco ônibus, três automóveis e uma viatura do Corpo de Bombeiros, e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília, em protesto contra a detenção de um indígena xavante. Depois, em outro “evento disparador”, depredaram a sede dos três poderes da República, no dia 8 de janeiro.

Três dias antes do protesto de 12 de dezembro, a Agência Brasileira de Inteligência detectou que, entre os xavantes, havia três kids pretos infiltrados. Um agente da Abin, que conversou com a piauí sob anonimato por não ter autorização formal para se manifestar publicamente, disse o seguinte: “Tudo indica que os militares usaram esses indígenas como massa de manobra. Isso porque, em alguns casos, o Estatuto dos Povos Indígenas atenua a responsabilidade civil e criminal.” A informação não foi registrada em relatório e, assim, acabou sendo ignorada. (A prática de não produzir relatórios tornou-se mais comum durante a pandemia. Como Bolsonaro ficava irritado ao saber do avanço da Covid em informes da Abin, os agentes passaram a ignorar o assunto.)

No dia 8 de janeiro, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, um kid preto que dirigiu o setor de Logística do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro, gravou a si mesmo na intentona golpista e divulgou as imagens nas redes sociais. “Quero dizer que eu tô arrepiado aqui”, festejou, enrolado numa bandeira do Brasil, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo com olhos irritados pelo gás lacrimogêneo da Polícia Militar, elogiava a corporação. “O pessoal tá aplaudindo a Polícia Militar, porque a gente sabe que eles cumpriram ordem. […] Tem que ser aplaudidos, sim.”

Outros dois kids pretos da reserva recorreram ao Twitter. O coronel José Placídio Matias dos Santos fez um apelo ao general Júlio Cesar de Arruda, então comandante do Exército (a Polícia Federal ainda não sabe se ele estava ou não na Praça dos Três Poderes): “O Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade. O senhor sempre teve e tem o meu respeito. Força!!” Pouco depois, nova mensagem: “Brasília está agitada com a ação dos patriotas. Excelente oportunidade para as FA entrarem no jogo, desta vez do lado certo.” No dia seguinte, fez uma provocação: “Será que o pessoal sabe que na manifestação de ontem em Brasília havia centenas de militares da ativa?” De Portugal, onde vive, o coronel Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro, outro kid preto, também tentou insuflar os golpistas. “Patriotas brasileiros, ignorem a grande imprensa nacional e internacional. Qualquer manifestação contra o establishment será sempre apresentada como atos antidemocráticos. Façam o que deve ser feito.”

Os três foram procurados pela piauí. O general Ridauto Fernandes não quis falar de sua presença no meio da massa golpista e limitou-se a dizer que sempre pautou sua conduta “pela legalidade, que está embutida no conceito da disciplina”. O coronel Placídio negou que as postagens golpistas no Twitter fossem de sua autoria. “Eu não incentivei [o golpe]. Ao contrário, repudio veementemente as depredações que ocorreram naquele dia. Eu não estava em Brasília e soube do ocorrido pelas notícias. Além disso, havia várias postagens na minha conta [do Twitter] que definitivamente não foram de minha autoria.” O coronel Montenegro não retornou o contato da piauí.

As forças de segurança reagiram ao 8 de janeiro exatamente como previra o general Mario Fernandes na sua conclamação golpista no WhatsApp: com o uso de bombas de efeito moral em área cuja segurança é de responsabilidade militar – no caso, o Palácio do Planalto. “O objetivo desses radicais claramente era causar comoção social e pressionar as Forças Armadas a promover a intervenção militar”, diz Carlos Fico, professor de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de vários livros sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Procurado pela piauí, o general da reserva Mario Fernandes também preferiu não se manifestar. O Exército, por sua vez, informou apenas que quaisquer informações sobre o 8 de janeiro só serão repassadas aos órgãos que investigam os atos golpistas – no caso, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

Os vídeos da intentona golpista mostram ações próprias de quem teve treinamento militar. Antes de chegar à Praça dos Três Poderes, os bolsonaristas se depararam com uma longa fileira de gradis, unidos um ao outro, que os impedia de avançar. Não era possível derrubar os gradis com 1, 2 ou 3 homens. O que se vê na imagem é uma ação coordenada, com vários se postando em lugares diferentes ao longo dos gradis e empurrando-os ao mesmo tempo. “É pura tática militar”, diz um oficial do Exército ligado aos FE que preferiu não ser identificado para não se indispor com os colegas de farda. Depois, em outra tática militar, os gradis são convertidos em escada para que os baderneiros desçam do teto do Congresso até o Salão Verde da Câmara. Ao chegarem à Praça, os golpistas se dividem em três. Um grupo vai em direção ao Congresso, outro se dirige ao STF e um terceiro caminha para o Palácio do Planalto. “Isso denota planejamento. A tendência natural de toda multidão é caminhar unida, numa única direção”, diz o militar.

Em conversa com a piauí, um policial do Senado contou que os baderneiros estavam divididos em duas linhas. A primeira, formada só por homens, cuidava do enfrentamento direto com a polícia e do arrombamento de portas e janelas do Congresso. A segunda, composta principalmente por idosos, distribuía água mineral para que o “primeiro pelotão” reduzisse os efeitos do gás lacrimogêneo e do gás de pimenta no rosto. “Assim que invadiram o Senado, percebemos que eles logo procuravam as mangueiras anti-incêndio para espalhar pelo ambiente e minimizar os efeitos do gás”, disse o policial.

Pelos vídeos da quebradeira é possível notar que alguns dos vândalos usavam luvas de couro para atirar de volta as bombas de gás. “Enquanto expele o gás, esse dispositivo fica muito aquecido e só pode ser recolhido com luvas. Um civil sem treinamento dificilmente se prepararia para isso”, afirma o militar do Exército. As postagens dos golpistas antes do 8 de janeiro deram algumas dicas, mas não recomendaram o uso de luvas. Exemplo de uma postagem bastante popular que convocava para a manifestação: “Ao ver uma granada de gás lacrimogêneo, não corra para pegá-la. Espere o pino sair, aí sim, pode pegá-la e arremessá-la de volta.”

O caso potencialmente mais grave aconteceu na invasão ao prédio do Senado. Ali, os golpistas atiraram uma granada do tipo GL-310, apelidada de “bailarina” por saltitar no chão enquanto dispara o gás lacrimogêneo, evitando que o alvo a capture e lance o artefato de volta. “O estranho é que as polícias do Senado e da Câmara não têm esse tipo de granada. Então isso veio de fora”, diz o policial do Senado entrevistado pela piauí. Os portais da Transparência da Câmara e do Senado, de fato, não apresentam nenhuma compra desse tipo de granada. A outra força de segurança que participou da contenção dos bolsonaristas, a PM do Distrito Federal, também não usa esse artefato, segundo um oficial ouvido pela reportagem. Já o Exército, esse sim, utiliza a GL-310 em larga escala para treinamentos militares, inclusive nos cursos dos kids pretos. Até agora, os investigadores da Polícia Federal nem sequer estão investigando o aparecimento, em meio aos protestos, de uma arma usada pelo Exército.

Ao contrário do que ocorre no Congresso e no STF, a segurança do Palácio do Planalto fica a cargo do Exército. Dois órgãos executam a tarefa: o Comando Militar do Planalto e o Gabinete de Segurança Institucional. No 8 de janeiro, o CMP estava sob a chefia do general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, um bolsonarista fiel. Já o GSI era comandado pelo general Marco Edson Gonçalves Dias, que trabalhou na segurança de Lula nos dois primeiros mandatos do petista. Por coincidência, os dois generais são kids pretos. O general G.Dias, como é conhecido, pediu demissão do cargo depois que a CNN Brasil divulgou imagens mostrando sua inação diante dos invasores do palácio.  O general Dutra de Menezes foi afastado do Comando Militar do Planalto em fevereiro e exonerado em abril.

Os investigadores suspeitam que a ação dos kids pretos podem ter algum envolvimento com os ataques ocorridos depois do 8 de janeiro. Nos dias subsequentes, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) registrou uma série de sabotagens em torres de transmissão de energia elétrica pelo Brasil. Quatro torres foram derrubadas (3 em Rondônia e 1 no Paraná) e dezesseis, danificadas (6 no Paraná, 3 em São Paulo, 6 em Rondônia, 1 em Mato Grosso). Os ataques a instalações de infraestrutura fazem parte do treinamento das forças especiais, mas não é um ensinamento exclusivo deles.

Apesar da onipresença no governo e as suspeitas de ações subterrâneas, os kids pretos compõem apenas 0,25% do contingente do Exército.

filme Tropa de Elite, de 2007, trouxe a público o sadismo e a crueldade do treinamento dos soldados do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), no Rio de Janeiro. O curso do Bope, na verdade, foi inspirado no treinamento dos kids pretos do Exército, no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói. Ali, os sargentos e oficiais precisam demonstrar resistência física e psicológica extrema ao longo dos doze meses. Se aprovados, passam a integrar um dos quatro batalhões do Comando de Operações Especiais (COpEsp), todos eles instalados em Goiânia, ou a 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus.

É por isso que as “brigadas de operações especiais em Goiânia” aparecem duas vezes nos áudios que vieram a público depois da apreensão do celular de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que está preso desde o dia 2 de maio. Num diálogo obtido pela polícia, Ailton Barros, um ex-paraquedista expulso do Exército nos anos 2000 e muito próximo de Bolsonaro, defende que o golpe, bem como a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, são tarefas para os kids pretos. Diz ele: “Tem que ser dada a missão às Brigadas de Operações Especiais de Goiânia pra prender o Alexandre de Moraes no domingo na casa dele, como ele faz com todo mundo. E na segunda-feira ser lido o decreto de GLO [Garantia da Lei e da Ordem] e botar o Exército pra agir.”

Em outra conversa, dessa vez com Elcio Franco Filho, o militar enrolado com as vacinas da Covid, Ailton Barros volta a radicalizar e a evocar os kids pretos: “Esse Alto Comando de merda que não quer fazer as porras! É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1,5 mil homens.” O comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia era o general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel. Mas, em janeiro, o Exército escolheu outro militar para comandar um dos quatro batalhões de kids pretos em Goiânia. Seu nome: o coronel Mauro Cid. Como se sabe, essa indicação foi a gota d’água: o presidente Lula demitiu o comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda, e nomeou o general Tomás Paiva.

No dia 8 de janeiro, dentro do prédio do Senado, os golpistas atiraram uma granada do tipo GL-310, apelidada de "bailarina" por saltitar no chão enquanto dispara o gás lacrimogêneo, evitando que o alvo a capture e lance o artefato de volta. "O estranho é que as polícias do Senado e da Câmara não têm esse tipo de granada. Então isso veio de fora", diz um policial do Senado entrevistado pela piauí. Os portais da Transparência da Câmara e do Senado, de fato, não apresentam nenhuma compra desse tipo de granada. A granada "bailarina" é usada em larga escala para treinamentos militares do Exército. Na piauí, Allan de Abreu relata os indícios da participação de integrantes das forças especiais do Exército, os kids pretos, nos ataques do 8 de janeiro.

 

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