As primeiras condenações dos participantes dos ataques contra os Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro repercutem na imprensa internacional. Nesta quinta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou a penas de até 17 anos de prisão os três primeiros réus, por tentativa de golpe de Estado e outros crimes.
por RFI Rádio França Internacional
O diário francêsLe Parisiencita que a maioria dos 11 magistrados do STF considerou Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho culpados das cinco acusações, entre elas tentativa de golpe de Estado, associação criminosa e deterioração do patrimônio público.
Em todos os casos, as sentenças que prevaleceram foram as mais duras propostas entre os 11 ministros da corte.
“AJustiça brasileira não teve mão molepara incriminar os manifestantes bolsonaristas que destruíram a Praça dos Três Poderes de Brasília”, nota o jornalLes Echos. “Mas a polarização permanece: dois dos magistrados nomeados à Supremo Tribunal Federal descartaram qualquer intenção golpista por parte dos manifestantes, e recomendaram penas menores – sem sucesso”, complementa o diário econômico francês.
O espanholEl Paístambém destaca que a corte buscou “enviar uma mensagem contundente na sua primeira sentença, dar uma punição exemplar" para o primeiro caso. No total, 1,3 mil acusados – entre eles os 232 réus julgados agora –, em uma investigação que atinge também o ex-presidente Jair Bolsonaro é investigado.
Segundo a reportagem, os juízes argumentaram que os acusados se incriminaram ao gravar e transmitir vídeos nos quais ameaçavam depredar instalações do Senado. O texto explica que mais de 200 acusados do golpe continuam presos aguardando julgamento, além dos mais de mil que estão em liberdade condicional.
'Fanático de extrema direita'
O jornal inglêsThe Guardianescreve: "fanático de extrema direita é condenado a 17 anos por participação na tentativa de golpe no Brasil". Segundo o texto, Aécio Lúcio Costa Pereira "é o primeiro manifestante a ser julgado pelo ataque em janeiro à maior democracia da América Latina".
O diário acrescenta que "outras centenas de pessoas estarão no banco dos réus nos próximos meses para enfrentar acusações pelo que a presidente do STF, a ministra Rosa Weber, chamou de 'dia da desgraça' do Brasil". ParaThe Guardian, "críticos acusam o populista de extrema direita Jair Bolsonaro de incitar o levante contra o governo Lula, na tentativa de manter o poder depois de perder as eleições de outubro passado", fato que o ex-presidente nega.
Os Cid: pai e filho protagonizam novela que envolve a alta cúpula do Exército e compromete a credibilidade das Forças Armadas sobre participação em ilicitudes políticas como poucas vezes na história (Crédito:Fátima Meira/Futura Press/Folhapress; Fernando Souza/AFP) Tal pai, tal filhote que chama Bolsonaro de tio
Marechal de contracheque embolsa salário de contrabandista de joia, de latifundiário grileiro de terras, de empresário minerador de ouro e pedras preciosas na Amazônia, de militar chefe de embaixada nos Estados Unidos e Europa, e de leiloeiro de empresas estatais do Brasil sem lei. Publica Istoé:
É até surpreendente a facilidade com que o capitãoJair Bolsonaroconseguiu cooptar setores militares para seu movimento golpista. Ele precisou demitir a cúpula das Forças Armadas em março de 2021 na maior crise na caserna desde a redemocratização, mas em seguida conseguiu um comando mais dócil noMinistério da Defesa, que inclusive o ajudou a questionar a integridade das urnas eletrônicas. O festival de acampamentos golpistas em frente aos quartéis até janeiro mostrou que a adesão não era limitada e nem silenciosa.
Os ataques de 8 de janeiro colocaram em xeque a adesão dos fardados ao golpe. Oito meses depois, porém, a despolitização da caserna ainda é um sonho distante e asrevelações da PF comprometem cada vez mais militares na miríade de ilicitudes do ex-presidente.
O mais recente constrangimentocaiu como uma bomba no Alto-Comando do Exército:a revelação de que o general reformado Mauro Lourena Cid participou da venda nos EUA de joias recebidas por Bolsonaro.
Antigo colega de Bolsonaro naAcademia Militar das Agulhas Negras, Lourena Cid foi escolhido pelo então presidente para chefiar o escritório daApexem Miami. Seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid, é o notório ex-ajudante de ordens do capitão.
Essa família castrense mergulhou a instituição numa crise que parece não ter fim.
Lourena Cid não era um general qualquer. Quatro estrelas, integrou o Alto-Comando do Exército. Nos últimos meses, vinha exercendo sua influência em uma peregrinação junto a integrantes da cúpula do Exército para interceder pelo filho preso.
O fato de ele próprio ter sido enredado no escândalo (com foto e tudo dele segurando um kit de joias para ser negociado) escandalizou os colegas e trouxe inquietação.
Um militar ligado ao Alto-Comando diz que o sentimento é detraição.
“Ele era recebido e ouvido sempre que nos procurava. Mas o fato de ter omitido que tinha emprestado a conta bancária lhe fechou as portas. O sentimento é de quebra de confiança. Pior: já não sabemos mais o que esperar. Pode ser que ele esteja ainda mais envolvido do que sabemos até o momento”, afirmou.
E acrescentou: “Estamos com opé atrás. Seguimos respeitando o posto do general Lourena Cid. Isso não dá para deixar de ter.Mas ele está sozinho”.
Esse oficial defende o “expurgo” para quem fere a “honra militar” e diz queé dado como certo que Mauro Cid deve perder a patente após a condenação na Justiça. “A probabilidade é gigantesca”, afirma.
Mesmo encarcerado, o tenente-coronel mantém corrida e exercícios diários, sempre sob vigilância de policial do Exército (Crédito:Cristiano Mariz)
Encarcerados civis amontoados sem banho de sol e sem banho de lua e sem banho de chuva e chuveiro
Mauro Cidestá preso no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília desde o dia 3 de maio, onde segue uma rotina de exercícios físicos diários e leituras, inclusive dosseis inquéritos em que é investigado.
A primeira dor de cabeça do tenente-coronel veio com sua participação na divulgação ilegal de uma investigação sigilosa da PF sobre um ataque hacker ao TSE.Bolsonarousou os documentos em uma live para tentar desacreditar as urnas.
O inquérito vazado havia sido divulgado em um site bolsonarista por outro membro do clã, o irmão de Mauro,Daniel Cid. Daniel atua na área de segurança digital na Califórnia, onde comprou uma mansão avaliada em mais de R$ 8,5 milhões.
A família tem uma empresa registrada no país, aCid Family Trust. ACPMI dos Atos Golpistas já aprovou requerimentos para investigar quais empresas o pai e os dois filhos têm no exterior.
Mas essa pista ainda está travada. O presidente da comissão,Arthur Maia, não permitiu a votação do requerimento que estenderia essa apuração àmulher de Mauro Cid,Gabriela Santiago Ribeiro Cid, além de outros membros da família.
Sobre as volumosas movimentações bancárias de Mauro Cid depois de sua prisão, elas teriam sido realizadas por Gabriela, pois trata-se decontas conjuntas.
Walter Delgatti teve o sigilo quebrado a pedido da CPI dos Atos Golpistas, que em ato contínuo reconvocou Mauro Cid (Crédito:Mateus Bonomi )
Visitas
O dia a dia de Mauro Cid no Batalhão não é exatamente espartano. Tem um quarto com TV e frigobar. Chegou a receber 73 visitas até junho, boa parte de apoiadores do ex-presidente, como os generaisEduardo PazuelloeHamilton Mourão.
Mas os negócios com joias e Rolex complicaram tudo. Ele agora só pode receber parentes.O pai, general Mauro Lourena Cid, perdeu o direito de visitar o filho.
Esse último desdobramento também fez Mauro Cid trocar o defensor. Seu novo advogado,Cezar Bitencourt, chegou a sugerir que o cliente iria fazer uma confissão e apontar Bolsonaro como mandante do esquema de venda de joias. Depois, se desdisse e passou a dar versões contraditórias.
Agora, planeja uma audiência com o ministroAlexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF, para tentar melhorar a situação do cliente.
À ISTOÉ, ele disse que só tinha tido duas conversas com o cliente até a última segunda-feira, em que sequer o tema da confissão foi tratado.
Também afirmou que fará a defesa do pai de Mauro Cid, caso seja aberto alguma ação contra ele.
Militares apontam que o general Lourena Cid pode até mesmo ter sua aposentadoria cassada pelo Superior Tribunal Militar (STM). E a mesma corte pode cassar o posto e a patente de Mauro Cid.
Mas, para os militares, essapenalização na esfera militardepende primeiro da condenação naJustiça criminal.
O generalCarlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, diz que nunca trabalhou diretamente com Lourena Cid, mas elogia o companheiro de farda. “Sempre foi um militar com boa performance profissional. Em processos de merecimento e escolha percorreu todos os postos da carreira.”
Já o filho, para ele, “é um rapaz de conduta profissional de destaque. Como Ajudante de Ordens, sempre se mostrou um rapaz educado, atencioso.”
Sobre o argumento de que Mauro Cid teria apenas cumprido ordens, Santos Cruz, um dos fardados que romperam com Bolsonaro, é bastante crítico.“Acho os fatos lamentáveis. Se o presidente sabia ou não das iniciativas dos seus subordinados diretos, é necessário uma conclusão das investigações. Mesmo que se considere difícil ou improvável um subordinado tomar certas iniciativas sem o conhecimento do seu chefe, isso precisa ser esclarecido e comprovado”, afirma.
Como os colegas, ele tentaseparar a instituição dos elementos que mancharam a Força. “É importante separar as coisas. Os fatos são de responsabilidade individual e não de responsabilidade institucional.”
Outro oficial que atua com o Alto-Comando cerra fileiras com o mesmo argumento:“Ordem ilegal ou absurda não se cumpre”.
Para esse militar, “a forma como Mauro Cid agiu na Ajudância de Ordens não é adequada,aquela subserviência toda não é papel de militar, não nos serve.” (continua)
Mais um golpista foi emparedado pela verdade dos fatos na sessão da CPMI desta terça-feira (27), no Congresso Nacional. Na oitiva, o coronel Jean Lawand Júnior recorreu à criatividade para explicar sua participação no planejamento de um golpe de Estado, manifestado nos atos de terrorismo que se sucederam ao resultado das eleições presidenciais e que desencadearam o 8 de janeiro. A data marca o fatídico dia em que as sedes dos Três Poderes foram atacadas por vândalos e terroristas em uma tentativa frustrada de ruptura institucional no país.
Identificado como um dos conspiradores contra a democracia, a partir de conversas interceptadas pela Polícia Federal no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, Lawand investiu no universo lúdico para convencer os parlamentares de que, ao invés de incentivar um golpe, articulou para que o presidente “apaziguasse” o país. A peça de ficção do coronel, que estava amparado por um habeas corpus para não se incriminar, baseou-se em “pedidos” para que Cid orientasse Bolsonaro a dispersar golpistas que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército desde o dia 2 de novembro. Não convenceu nem parlamentares da oposição.
O que a troca de mensagens com Cid no mês de dezembro de 2022 mostra foi o contrário: nelas, Lawand suplica a Cid para que convença o então presidente a ordenar uma intervenção militar no país e impedir a posse de Lula. “Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem! Se a cúpula do Exército não está com ele, de divisão pra baixo está. Assessore e dê-lhe coragem. Pelo amor de Deus”, implorou, em uma das mensagens trocadas com o então ajudante de ordens de Bolsonaro, hoje preso por, entre outros crimes, fraudar o cartão de vacinação de Bolsonaro.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) afirmou que o coronel, ao mentir sobre uma suposta tentativa de apaziguar o ambiente político, denunciou Bolsonaro por não “ter dado a ordem” para pacificar o país. “O senhor está querendo realmente culpar o presidente pelo que aconteceu depois – veio o dia 12 [ de dezembro], o dia 8 [de janeiro], veio o atentado no dia 24, no qual queriam estourar um caminhão com querosene para botar fogo em Brasília, no aeroporto, nós já ouvimos aqui o terrorista”, lembrou Correia.
“Essa é a denúncia que o senhor está fazendo a respeito do ex-presidente Jair Bolsonaro, é o que vamos tirar do seu depoimento”, disse. “O senhor está mentindo e vou provar que está mentindo”, assegurou. Correia então citou os pedidos de Lawand para que Mauro Cid adquirisse outro aparelho para que os dois pudessem conversar: o temor era de que o celular estivesse grampeado.
“Por que precisa de cuidado com isso se o senhor vai dizer que [a conversa] é para apaziguar o país?”, indagou o deputado. “Não tem lógica, não é verdade o que o senhor está dizendo”.
“O senhor mente escandalosamente”
O deputado acusou tanto Lawand, quanto Cid, além do coronel Elcio Franco, de tramarem um golpe de Estado e a prisão do ministro Alexandre de Morais. E frisou que Bolsonaro não deu a ordem para as Forças Armadas quebrarem a ordem institucional porque não confiava no Alto Comando, e não porque é um democrata. “O senhor mente, e mente escandalosamente”, reforçou Correia.
“Eu não sou presidente, não posso dar ordem de prisão, mas, se coubesse a mim, o senhor não sairia daqui solto depois dessas mentiras. O povo brasileiro não é trouxa para o senhor ficar aqui, insinuando uma mentira dessas”, completou Correia.
Carvalho lembra o golpismo que marcou mandato de Bolsonaro
Na sessão, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) traçou um panorama de todos os riscos institucionais e ameaças de ruptura que marcaram o mandato de Bolsonaro para contextualizar o papel de Lawand na trama golpista. “Várias crises e ameaças à democracia e ao Estado Democrático de Direito foram perpetradas pelo governo”, apontou o senador, ao esclarecer a atuação de Lawand.
“As manifestações de Vossa Senhoria comprovam a organização de um golpe”, disse o senador. “O senhor era o mais ativo, o mais desesperado, para convencer o presidente a dar o golpe”, acusou Carvalho, diante da narrativa inverídica apresentada pelo coronel.
“O senhor pediu por Deus para que Cid lhe atendesse, pediu por Jesus, para que o coronel convencesse o presidente a dar a ordem do golpe. Ele não deu ordem mas tramou junto com o senhor, com Cid, [general] Villas-Bôas, [general] Heleno, vários que envergonham essa instituição chamada Exército brasileiro, as Forças Armadas”, vociferou o senador.
“O lixo das Forças Armadas”
“Vocês são o lixo das Forças Armadas brasileiras, porque deveriam estar subordinados aos interesses da democracia e do Estado Democrático de Direito”, lamentou. “Quando o presidente não deu a ordem, vocês orquestraram o 8 de janeiro para criar o caos”.
Carvalho ressaltou ainda que os golpistas defenderam uma tese inconstitucional, a de que as Forças Armadas seriam um poder moderador no país. “Não existe poder moderador no Brasil, existem Três Poderes que se equilibram”, esclareceu. “Portanto”, prosseguiu Carvalho, “é preciso que a Justiça faça uma limpeza, exclua todas as laranjas podres que tentaram um golpe contra o Brasil e contra a democracia”.
O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) registrou que Lawand deveria prestar depoimento como investigado e não como testemunha por sua atuação golpista. Em seguida, o deputado explicou como foi a chamada “engenharia do golpe”, dividida em três tentativas. “A primeira, através de uma GLO, pelo Exército, a que o senhor mais forçou”, observou Júnior. “A segunda, através de uma bomba no aeroporto de Brasília”.
“A terceira tentativa”, anunciou: “Invasão da sede dos Três Poderes”. Rubens Júnior descreveu as principais mensagens no celular do coronel para amparar sua linha de argumentação. “Cidão, pelo amor de Deus, cara, ele [Bolsonaro] dê a ordem, que o povo está com ele. Acaba o Exército brasileiro se esses caras não cumprirem a ordem do Comandante Supremo”, lembrou o deputado, em uma das passagens lidas.
“A sua atuação está tipificada no Código Penal, o senhor foi descoberto há pouco tempo, a partir da interceptação do celular do Mauro Cid”, insistiu Júnior. “Vão lhe tipificar, estou lhe informando agora, coronel”, destacou, citando o artigo 359L do Código Penal, que trata do crime de tentativa de abolição do Estado Democrático, “com emprego de violência ou grave ameaça”.
“O senhor acha mesmo que o Judiciário vai acreditar nessa sua versão, com a evidência dos fatos e do diálogo seu e do Mauro Cid?”, perguntou Rubens Júnior. “A condenação é de 4 a 12 anos”, alertou. O deputado aconselhou ao coronel confessar a tentativa de golpe, para que a situação não piore. “Infelizmente, o senhor perde uma gigantesca oportunidade de se defender”, concluiu o deputado, sugerindo ainda à CPMI que ouça Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro deve ser ouvido pela comissão na próxima terça-feira (4).
RED - Durante os quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro convocou pelo menos 26 militares altamente treinados especialistas em operações especiais, chamados de kids pretos ou “forças especiais” (FE), que foram a elite de combate do Exército. A atuação do grupo antes das Eleições de 2018, durante o governo e na tentativa de golpe foi revelada pela reportagem da revista Piauí.
A relação do ex-presidente com o grupo é antiga. Quando era do Exército, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro queria fazer parte da força especial. Fez o curso de paraquedismo, primeira etapa de formação, e duas provas de ingresso, mas foi reprovado em ambas.
Expulso da corporação, Bolsonaro chegou ao poder três décadas depois e cercou-se dos integrantes dos kids pretos, afirmando serem os únicos em quem confia plenamente. Sua eleição já era chancelada pelo grupo em março de 2018. Segundo a reportagem, o general Luiz Eduardo Ramos – que viria a ser ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e da Casa Civil – telefonou para Bolsonaro durante um jantar com outros militares. Após a conversa, ele afirmou: “Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele”.
E foi o que aconteceu. Pelos menos 26 militares da elite de combate do Exército estiveram presentes em seu governo. Além do general Ramos, estão: o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército; o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens; Cleiton Henrique Holzschuk que tentou retirar as joias apreendidas pela Receita Federal como bem pessoal de Bolsonaro; Marcelo da Costa Câmara, gerente do acervo particular do ex-presidente; o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde; o coronel Elcio Franco Filho, auxiliar no Ministério da Saúde; e o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chefe do setor de Logística do Ministério da Saúde.
Outro kid preto que esteve presente no governo bolsonarista foi Mario Fernandes, general da reserva que atuou como assessor da Secretaria-Geral da Presidência. Após o resultado das Eleições de 2022, Fernandes mandou uma carta endereçada ao comandante do Exército, general Freire Gomes, exigindo uma ação para reverter a derrota.
“É agora ou nunca mais comandante, temos que agir! E não existe motivação maior que a proteção e o futuro desta grande nação e de seus filhos… Os nossos filhos!”, escreveu Fernandes.
De acordo com a Piauí, o que ele queria era um “evento disparador”, algo que deveria acontecer “a partir da ação das forças de segurança contra as massas populares, com o uso de artefatos como gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral”. Este suposto evento deveria acontecer “bem próximo ou em nossas áreas militares”, detalhou o general da reserva. O comandante do Exército não atendeu o pedido, mas houve mais de um “evento disparador” com a participação dos kids pretos.
O primeiro, em 12 dezembro, dia da diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaristas incendiaram cinco ônibus, três automóveis e uma viatura do Corpo de Bombeiros. Eles também tentaram invadir a sede da Polícia Federal em proposta contra a detenção de um indígena xavante.
De acordo com relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), havia três kids pretos infiltrados entre os xavantes durante o ato. “Tudo indica que os militares usaram esses indígenas como massa de manobra. Isso porque, em alguns casos, o Estatuto do Povos Indígenas atenua a responsabilidade civil e criminal”, afirmou um agente de forma anônima à reportagem.
Outro evento foi os atos golpistas que invadiram e depredaram as sedes do Três Poderes, em Brasília, no dia 08 de janeiro. Desta vez, os militares não se esconderam. O general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes se gravou durante os atos. Outros, como os coronéis José Placídio Matias dos Santos e Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro, usaram o Twitter para comemorar os atos. “Será que o pessoal sabe que na manifestação de ontem e, Brasília havia centenas de militares da ativa?”, questionou o coronel Santos.
Porém, a participação do grupo de elite de combate não ficou somente nisso. Conforme apurado pela revista, a forma que os golpistas se movimentaram mostra treinamento militar. Ação coordenadas, divisão em grupos, presença em diferentes lugares ao longo dos gradis para empurrar ao mesmo tempo e uso dos gradis como escadas indicam o planejamento dos atos.
“A tendência natural de toda multidão é caminhar unida, numa única direção”, disse um militar do Exército à reportagem. Sobre a atuação dos golpistas no Senado, houve uma organização em dois grupos, um de enfrentamento aos policiais e outro de apoio para minimizar os efeitos do gás lacrimogênio.
“Enquanto expele o gás, esse dispositivo fica muito aquecido e só pode ser recolhido com luvas. Um civil sem treinamento dificilmente se prepararia para isso” apontou o militar para um indício de treinamento.
Além do comportamento, os golpistas possuíam uma granada do tipo GL-310, que não tem no Senado, na Câmara ou na Polícia Militar do Distrito Federal, apenas no Exército em treinamentos militares, incluindo no curso dos kids pretos. A presença do artefato ainda não está sendo investigado pela Polícia Federal.
Mas os investigadores suspeitam da participação dos kids pretos na série de sabotagens em torres de transmissão de energia elétrica. Foram quatro torres derrubadas, sendo 3 em Rondônia e 1 no Paraná. Outras 16 foram danificadas: 6 no Paraná, 6 em Rondônia, 3 em São Paulo e 1 em Mato Grosso.
Com a troca de presidente, os kids pretos que aturam no governo Bolsonaro saíram, mas não todos. Um bolsonarista fiel e kid preto, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefia o Comando Militar do Planalto no dia 08 de janeiro. Ele foi afastado em fevereiro e exonerado em abril.
Mas não é próprio do governo Bolsonaro. O general Gonçalves Dias, também um kid preto, trabalhou na segurança do presidente Lula durante seus dois mandatos anteriores e foi nomeado como chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em seu terceiro governo. Ele pediu demissão em abril após imagens do circuito interno do Palácio do Planalto mostrarem sua inação frente aos invasores.