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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

06
Ago23

CPI do MST esqueceu as chacinas dos povos indígenas e das ligas camponesas

Talis Andrade

Movimento indígena está muito mais organizado e representa uma ameaça ao avanço da direita, dizem especialistas; jurista Carlos Marés afirma que matança entre etnias durante a ditadura soma bem mais do que 8 mil, número que consta de relatório da Comissão Nacional da Verdade.

A reportagem é de Julia Dolce, publicada por De Olho nos Ruralistas, 01-04-2019.

Professor de Direito da Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito Agrário, o jurista Carlos Frederico Marés considera que o golpe de 1964 foi dado “contra as organizações do campo: indígenas e camponesas”. Ele diz que é impossível calcular quantas pessoas foram assassinadas. Segundo ele, foram bem mais do que 8 mil, faixa que consta do relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

– A direita militarizada tem horror a muitas coisas, mas, principalmente, à organização social, e mais ainda, à organização social no campo. A visibilidade dos camponeses incomodava demais. Então é visível que, apesar de termos a visão que a repressão da ditadura aconteceu mais fortemente nas cidades, em qualquer conta que se faça a repressão no campo foi exponencialmente maior. O campo foi dizimado.

Marés falou durante a mesa “Indigenismo: da Ditadura ao Cenário Atual, Perspectivas de Futuro”, encerrando o evento de comemoração dos 40 anos do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), na Universidade de São Paulo (USP). O órgão atua em terras indígenas elaborando projetos que buscam contribuir para a autonomia dos povos, orientando sobre seus direitos constitucionais, entre outras ações. A mesa foi aberta pela indígena Ângela Kaxuyana e contou com a presença de pesquisadores indigenistas de diferentes órgãos.

23
Abr23

As crianças Munduruku que não brincam e podem estar contaminadas por mercúrio

Talis Andrade
 
Maria Leusa coordena a Associação de Mulheres Wakaborun e é ameaçada de morte por empresários do garimpo e garimpeiros devido à resistência aos invasores

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Isaías, de 11 anos, não anda, não fala e é carregado no colo pelo pai, que esculpiu em madeira uma poltrona para suprir a falta de cadeira de rodas. Os irmãos Hélio, 12, Vandir, 8, e Juliana, 5, também não andam, nem falam. Seus braços e pernas são atrofiados, e os joelhos estão inchados e com arranhões de tanto se arrastarem no chão.

Médicos, agentes de saúde e familiares buscam há anos explicação para um fenômeno que faz das aldeias habitadas pelos indígenas do povo Munduruku, na divisa entre Pará e Mato Grosso, as que mais solicitam cadeira de rodas na comparação com outras terras indígenas. Além de crianças nascidas com malformações e atrasos no desenvolvimento, adultos estão cegos e relatam tremores e fraqueza.

Valdenilson Oyoy construiu um suporte para o filho, Isaías, enquanto aguarda o envio de uma cadeira de rodas pela Sesai

 

A principal suspeita é que eles estejam sofrendo as consequências da contaminação pelo mercúrio. Com população estimada em 14 mil pessoas, os Munduruku vivem em um território invadido ilegalmente pelo garimpo de ouro desde a década de 1980. A sanha pelo minério explodiu a partir de 2016 e não encontrou resistência do governo federal na gestão de Jair Bolsonaro. Com isso, aumentou também o consumo de mercúrio, que é usado para separar o ouro de impurezas, mas descartado sem qualquer preocupação ambiental.

“A cabeça das crianças está ficando mole e as mãos assim [retorcidas]”, afirma o cacique José Edilson Akay, da aldeia Nova Trairão, dobrando os dedos da mão direita. “Cabeça mole é criança doente por mercúrio. A gente fica com medo”, explica outro cacique, Luciano Saw, da aldeia Patawazal.

Leia também: 
Exclusivo: Apple, Google, Microsoft e Amazon usaram ouro ilegal de terras indígenas brasileiras

Quem está por trás do lobby pelo garimpo ilegal de ouro nas terras dos Munduruku

Hélio, Vandir e Juliana nasceram com malformação congênita. Juliana tem dificuldade para sustentar o pescoço, Vandir tem os dedos da mão contraídos e Hélio, os pés atrofiados

 

A contaminação por mercúrio ocorre principalmente pelo consumo de peixes, base da alimentação do povo Munduruku. O metal é despejado em rios e no solo pelo garimpo, ou então é queimado e evaporado durante o processo de separação do ouro, retornando por meio de chuvas. Nas mulheres grávidas, o mercúrio ultrapassa a placenta e contamina o feto em desenvolvimento até sete vezes mais do que as outras pessoas, causando danos irreversíveis.

“Por que esse fenômeno está acontecendo com tanta intensidade e frequência aqui na região do rio Tapajós?”, questiona o médico e pesquisador da Fiocruz Paulo Basta. “Está mais evidente do que nunca que a presença do garimpo no território tem provocado alterações importantes na saúde da população”, diz ele, que coordena um estudo sobre os efeitos do mercúrio em mulheres Munduruku grávidas e em seus filhos. A equipe vai monitorar gestantes e bebês por três anos, acompanhando ao todo 250 recém-nascidos de dez aldeias diferentes.

O tempo dos Munduruku, contudo, é mais urgente que o tempo da ciência. Eles não podem esperar enquanto suas crianças adoecem com a exploração de ouro. O território é o segundo mais afetado pelo garimpo ilegal no Brasil, atrás apenas da Terra Indígena Kayapó e à frente do território Yanomami.

 

A Repórter Brasil recebeu autorização de lideranças Munduruku, durante encontro da Associação de Mulheres Wakaborun, em março, para visitar cinco aldeias do Alto Tapajós e entrevistar indígenas adoecidos e seus familiares. O nome das crianças foi alterado para preservar suas identidades.

Por uma semana, a reportagem percorreu os rios Kabitutu, Kadiriri e Tapajós acompanhada de caciques e guerreiros do povo Munduruku – ameaçados de morte pelos garimpeiros por resistirem à exploração. A cada desembarque, chamou atenção o número de pessoas com problemas motoras ou neurológicas em pequenas aldeias, como Karo Muybu, Jardim Kaburuá, Curimã, Pombal e Saw Bimuybu.

Daniel Karu (no alto), de 5 anos, é mudo. Diogo Poxo (acima), 8, também não fala, nem consegue escrever na escola. Quando tenta brincar, cai no chão

 

“É a primeira vez que uma equipe de reportagem vem aqui”, disse o agente indígena de saúde Amarildo Kaba, da aldeia Jardim Kaburuá. O próprio Amarildo sente dores que se assemelham às características da contaminação por mercúrio. “Muita cãibra nas pernas, fui ficando sem força, passou um tempo comecei a amolecer. Não descobri o que é até hoje”.

Os sintomas são semelhantes aos narrados por Josiel Poxo a respeito do filho, Diogo Poxo, 8 anos. “Ele começou a chorar e não levantou mais. Ficava contraindo as mãos e a perna foi afinando. Não conseguia brincar”, recorda o pai. O menino chegou a ficar três meses deitado o dia inteiro, mas voltou a andar. “Só que ele não consegue escrever na escola e não consegue falar. Hoje, ele até brinca, mas cai”, descreve Josiel.

Na mesma aldeia, Rosita Tawe diz que o filho, Daniel Karo, de 5 anos, não fala nada. “Tem alguma coisa na garganta que deixa ele assim”. O menino já foi atendido por um médico, mas a mãe não sabe o que provoca a mudez.

As traduções das entrevistas são feitas pelas jovens de coletivos audiovisuais Wakabourun e Daok, de diferentes regiões da Mundurukânia – como eles se referem ao território formado pelas Terras Indígenas (TIs) Sai Cinza, Munduruku, Sawre Muybu, Sawre Bap´in. Praia do Índio e Praia do Mangue no vale do rio Tapajós, que se estende do norte do Mato Grosso ao Pará.

As jovens são o braço armado – com câmeras, celulares e drones – da resistência ao garimpo. Estão produzindo um documentário sobre a contaminação por mercúrio cujo título é “Awaydip Tip Imutaxipi”, ou “A floresta doente”, em português. Não há síntese melhor.

Jovens dos coletivos audiovisuais Wakaborun e Daok denunciam a invasão do território com câmeras, celulares e drones. Estão produzindo documentário sobre a contaminação por mercúrio
 
20
Mar22

75% da população de Santarém (PA) está contaminada por mercúrio do garimpo

Talis Andrade

 

 

Texto e fotos Julia Dolce / InfoAmazônia/Jornalistas Livres

 

Pesquisa inédita indica que, mesmo a cerca de 300 km dos garimpos ilegais do rio Tapajós, mais da metade dos moradores da zona urbana de Santarém apresenta níveis de contaminação por mercúrio até quatro vezes superior ao limite recomendado pela Organização Muncial de Saúde (OMS). Entre os ribeirinhos, a contaminação chega a 90%.

O consumo de pescados contaminados pelos garimpos ilegais, do alto e médio rio Tapajós, é apontado como origem da presença de altos índices de mercúrio no sangue da população de cerca de 306 mil habitantes do município de Santarém, no Pará. É o que revela o artigo publicado em 28 de fevereiro no International Journal of Environmental Research and Public Health.

O estudo, realizado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF, coletou o sangue de 462 pessoas entre 2015 e 2019 e concluiu que todos os participantes da pesquisa apresentam níveis elevados de mercúrio no sangue, sendo que 75,6% deles apresentaram concentrações do metal acima do limite de 10 μg/L (microgramas por litro) recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A média da concentração na população santarena é quase quatro vezes superior ao limite seguro da OMS.

Barcos no porto de Santarém 

 

A estudante de nutrição Larissa Neves, moradora da cidade, se surpreendeu com a pesquisa. “Eu sabia que a água estava contaminada, porque sempre que me banho no Tapajós fico com coceira no corpo, mas eu não tinha me tocado da contaminação dos peixes”, afirma. 

A estudante trabalha com a venda de marmitas e afirma que seria difícil reduzir o consumo praticamente diário de peixes. “Todo domingo na minha casa é sagrado peixe assado, porque meu pai pesca, leva peixe para casa e a gente prepara nas marmitas pelo menos outras duas vezes por semana, não tem como eu deixar de comer”, pondera.

Todo domingo na minha casa é sagrado peixe assado, porque meu pai pesca, leva peixe para casa.

Larissa Neves, estudante de nutrição

Dos participantes do estudo, 203 são moradores da área urbana de Santarém e 259 vivem em oito comunidades ribeirinhas do município paraense, sete delas localizadas nas margens do rio Tapajós e uma nas margens do rio Amazonas. Entre a população ribeirinha, a alta exposição de mercúrio, usado na separação de ouro pelos garimpos ilegais, chega a mais de 90%.

Mapa com a localização do centro urbano de Santarém e as 8 comunidades ribeirinhas que participaram do estudo. Imagem: PMC

 

Outros estudos já tinham apontado a contaminação por mercúrio de populações que vivem às margens do Tapajós, como o povo indígena Munduruku, que nos últimos anos vêm travando uma crescente disputa contra garimpos clandestinos em seu território. Agora, a pesquisa Mercury Contamination: A Growing Threat to Riverine and Urban Communities in the Brazilian Amazon (em livre tradução, Contaminação por mercúrio: uma ameaça crescente para comunidades ribeirinhas e urbanas na Amazônia brasileira), apresenta dados da contaminação que atinge também a população no centro urbano, a mais de 300km da região onde há concentração de garimpos.

A investigação conclui que 57,1% dos participantes moradores da área urbana de Santarém apresentam taxas de mercúrio no sangue acima do considerado seguro pela OMS, e que a exposição ao mercúrio não se restringe às áreas dos garimpos, “mas pode ocorrer em grande parte da bacia hidrográfica que é bastante impactada pela atividade garimpeira”. https://flo.uri.sh/visualisation/8941803/embed?auto=1A Flourish chart

Participantes da pesquisa que declararam consumo diário de pescados apresentaram maiores taxas de mercúrio no sangue. Os dados indicam que este hábito alimentar  está relacionado a diferentes marcadores sociais, como local de residência e escolaridade. O maior nível de mercúrio foi detectado no grupo de analfabetos (45,8 a 50,9 μg/L) e o menor entre os  com ensino superior (17,3 a 31,6 μg/L).https://flo.uri.sh/visualisation/8941660/embed?auto=1A Flourish chart

Segundo o artigo, a dependência dos pescados e falta de acesso a outras variedades de proteína, acentuada pela crise econômica e social desencadeada pela pandemia, além da preferência cultural por esse consumo, é um fator de maior vulnerabilidade para a contaminação. https://flo.uri.sh/visualisation/8941772/embed?auto=1A Flourish chart

Homens apresentaram maiores concentrações de mercúrio do que mulheres, e participantes com idade entre 41 e 60 anos apresentaram níveis mais elevados do que o grupo mais jovem, composto por pessoas entre 21 e 40 anos.https://flo.uri.sh/visualisation/8941601/embed?auto=1A Flourish charthttps://flo.uri.sh/visualisation/8941368/embed?auto=1A Flourish chart

A prevalência da exposição ao mercúrio também é maior entre os ribeirinhos que vivem às margens do rio Tapajós (59,5%) em comparação aos moradores da margem do rio Amazonas (40,5%). 

“Independentemente do local de residência, a exposição humana ao mercúrio pode ocorrer, pois depende dos hábitos alimentares, mas também das próprias características individuais”, explica Heloisa do Nascimento Moura Menezes, pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Ufopa e coordenadora do estudo. “Todos aqueles que têm o hábito de consumir peixe frequentemente estão sob risco de exposição ao mercúrio”, completa.

Independentemente do local de residência, todos aqueles que têm o hábito de consumir peixe frequentemente estão sob risco de exposição ao mercúrio.

Heloisa do Nascimento Moura Menezes, pesquisadora Ufopa


De acordo com a pesquisadora, alguns participantes que vivem na região urbana do município apresentam índices tão altos quanto os das populações ribeirinhas e o crescimento desenfreado da atividade garimpeira pode piorar este quadro. 

O artigo explica que o uso “generalizado, não regulamentado e descontrolado” do mercúrio na atividade garimpeira já liberou milhares de toneladas de resíduos contendo o metal tóxico no bioma amazônico. “Na Amazônia brasileira, o garimpo foi considerado responsável pela contaminação ambiental, bem como pela exposição da vida selvagem e humana ao longo dos anos; no entanto, a magnitude da exposição permanece incerta devido à ilegalidade do setor, dificultando dados credíveis sobre a quantidade de mercúrio liberada no ambiente”. 

Consumidores compram peixe na orla de Santarém. A atividade garimpeira já liberou milhares de toneladas do metal tóxico no Tapajós. Fotos: Julia Dolce

 

Riscos para a saúde

 

A pesquisa avaliou também alterações nos indicadores de saúde. O mercúrio é um metal pesado tóxico, frequentemente associado a danos nos tecidos e deficiências na saúde mental, além de alterações comportamentais, imunológicas, hormonais e reprodutivas. Alterações nos rins e nos fígados foram registradas entre os participantes santarenos, sendo que marcadores mais altos foram registrados segundo a concentração de mercúrio. 

Segundo a coordenadora do estudo, a literatura científica sobre a contaminação por mercúrio mostra que, em geral, pessoas com níveis mais altos do metal apresentam sintomas mais graves, mas sintomas são observados também desde níveis baixos de contaminação. “Por isso é importante identificar precocemente a exposição ao mercúrio, para que os sintomas não se agravem”, pondera.

Segundo o médico Fábio Tozzi, coordenador do Programa Saúde Comunitária do Projeto Saúde e Alegria (PSA) em Santarém, estão aparecendo cada vez mais pacientes que trabalham em garimpo ou que sofrem diretamente as consequências do uso do mercúrio na atividade, apresentando sintomas neurológicos, digestivos, psiquiátricos e respiratórios. No entanto, segundo ele, a contaminação por mercúrio ainda é uma doença muito subnotificada. “O diagnóstico é pouco utilizado, mas pela grande quantidade de garimpos da região isso começa sim a ser um alerta muito grande e o sistema de saúde precisa ter resposta para as populações”.

Incluir a testagem dos níveis de mercúrio nos exames da atenção básica de saúde é uma medida apontada pelo médico para enfrentar o problema. “Os gestores devem estar preparados para identificar e mitigar os efeitos da presença do mercúrio na água e nos peixes”, afirma Tozzi, que atua no desenvolvimento de modelos de atenção básica para populações ribeirinhas em uma parceria entre o PSA, a Ufopa e a Secretaria Municipal de Saúde de Santarém. 

 

Impacto socioeconômico

 

Um dos mais antigos feirantes de Santarém limpa o peixe antes de ser comercializado 

 

Diante dos resultados da pesquisa, os vendedores de peixes no Mercadão 2000, localizado na orla de Santarém, se apressam para afirmar que seus peixes não estão contaminados. “Esse peixe aqui é de criação, não é do rio não”, afirmou o vendedor Valdenir da Silva Lima, enquanto limpava um tambaqui. Ele destaca os impactos econômicos que o setor teve com a preocupação da população santarena em relação à doença da “urina preta”, nome popular da Doença de Haff, que no segundo semestre de 2021 foi relacionada a uma toxina presente nos peixes. “Atrapalhou muito, ficamos quase um mês vendendo pouco”, revela. 

Outro vendedor, que preferiu não se identificar mas revela ser um dos mais antigos do mercado, afirma que seus peixes vêm dos lagos da várzea do rio Amazonas e também lembra os impactos das notícias sobre a “urina preta”. “Acabou para nós aqui, tivemos que jogar um monte de peixe fora, doamos, agora que estamos voltando a vender”.

O motorista particular Ninito José Miranda de Souza tinha acabado de comprar uma peça de pirarucu, quando conversou com a reportagem. “Se tiver, eu como peixe  o dia inteiro”, revela. No entanto, com o resultado da pesquisa, ele afirma que irá reduzir o consumo. “Vou ter que dar um tempo, se tá fazendo mal não posso ficar no erro”. 

Na sacola, o motorista particular Ninito José carrega sua peça de Pirarucu 

 

Já a aposentada Noêmia Pereira Duarte, natural de Itaituba (PA) e moradora da vila santarena de Alter do Chão, que também saía da feira do pescado após comprar pacu e acará, desconfia da pesquisa. “Toda a vida eu comprei peixe, não tem mercúrio nenhum, isso é mentira”, afirma.

Toda a vida eu comprei peixe, não tem mercúrio nenhum.

Noêmia Pereira, aposentada

A pesquisadora Heloisa do Nascimento Moura Menezes afirma que o estudo não tem como objetivo trazer impacto negativo para pescadores e feirantes. “Somos solidários a todos aqueles que direta ou indiretamente dependem da pesca. Não estou aqui para criar alarde, mas sim para trazer à tona uma discussão necessária e urgente”, explica.

Segundo Menezes, o resultado não indica que a população deva deixar de consumir peixe, uma vez que existem formas alternativas de se reduzir a exposição ao mercúrio. “Nossa recomendação não é restringir o consumo de peixes, o que sugerimos é uma mudança de hábitos alimentares, justamente porque temos a preocupação com todos aqueles que dependem da pesca para sobreviver”, explica. 

De acordo com a pesquisadora, a população pode variar o tipo de peixe consumido, uma vez que alguns peixes, como os carnívoros, têm mais mercúrio do que os demais, reduzir as porções consumidas e a frequência de consumo e introduzir mais frutas, legumes e alimentos antioxidantes na alimentação. “O conhecimento é uma ferramenta preciosa quando se pensa em prevenção”, completa. 

Menezes aponta também que o objetivo do estudo é promover uma discussão sobre práticas mais sustentáveis para redução do mercúrio no ambiente. “A redução da contaminação do rio e dos peixes pode levar anos, portanto, precisamos não só acabar com as atividades que liberam mercúrio no ambiente, como também buscar formas de proteger a saúde das populações que vivem na região amazônica e que ainda irão conviver por muitos anos com as consequências da exposição mercurial existente hoje”, conclui. 

Desde que a fase de coleta das amostragens da pesquisa foi concluída, em 2019, o garimpo ilegal no rio Tapajós cresceu significativamente. De acordo com um levantamento do Instituto Socioambiental, apenas entre janeiro de 2019 e maio de 2021, a área devastada pelo garimpo dentro da Terra Indígena Munduruku, localizada no médio Tapajós, cresceu em 363%.MARCADO: garimpomercúriomineração ilegalouropescario Tapajós

03
Jul20

Denúncias de abuso contra idosos aumentaram 500% durante pandemia

Talis Andrade

 

 

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III - “Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice"

Julia Dolce entrevista Mirian Goldenberg

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Pública - O posicionamento negacionista do governo Bolsonaro em relação à Covid-19 vem alarmando o mundo todo. Em diversas ocasiões o presidente deu a entender que não havia o que ser feito por parte do governo para frear a pandemia e que “quem tem que morrer vai morrer”. Como você acha que isso afeta o comportamento da sociedade em relação aos idosos?

Eu tenho acompanhado tudo que está acontecendo no mundo, ouvindo rádio e vendo televisão do mundo todo. O que tenho visto aqui no Brasil é diferente de alguns países onde a pandemia foi encarada com mais responsabilidade, com mais cuidado e mais preocupação com a vida de todas as idades. Esses países, de certa forma, conseguiram que toda a população encarasse o desafio com mais senso de coletividade.

Isso funcionou? Não sabemos ainda, porque vamos ver outras ondas do vírus, e também as sequelas físicas, econômicas, psicológicas e mentais. Mas, neste momento, o fato de você ter posturas das autoridades que mostram que a intenção e a luta é para salvar vidas deu a cada um esse sentimento de coletividade e responsabilidade.

Aqui no Brasil nós assistimos horrorizados inúmeras autoridades e até não-autoridades negando não só a pandemia, mas a necessidade de salvar, se possível, todas as vidas, sem classificar hierarquicamente quem vale e quem não vale. Isso provoca mais impotência, sofrimento e insegurança, porque percebemos que nossa vida ou de quem a gente ama vale menos.

Por outro lado, há uma reação dizendo que todas as vidas merecem ser vividas e que temos que fazer tudo para que não só sobrevivam, mas que não sofram tanto.

Então acho que já mudou a visão social sobre a velhice. A forte reação contra discursos velhofóbicos mostra que já mudou, mas infelizmente não há pesquisa sobre isso. E acho que essa minoria gerou reação tão forte que não pode mais ser pega falando esse tipo de coisas.

 

Acredita que esses posicionamentos podem afetar políticas públicas para idosos para além da pandemia?

Com certeza isso vai refletir em políticas públicas. Já existiam milhares de iniciativas lindas, além do Estatuto do Idoso, em todos os níveis. Mas agora se multiplicaram tanto, desde crianças ligando para idosos que estão sozinhos para contar histórias e ouvir histórias. Não sou otimista, não consigo enxergar nada de bom nesse momento trágico. Mas também não posso deixar de enxergar quem está fazendo o que pode para salvar vidas.

 

Alguns relacionam a noção de que apenas idosos e pessoas doentes vão morrer, e que, “essas pessoas já morreriam de qualquer forma” com uma ideologia eugênica. Você acredita que o comportamento do governo beira à eugenia?

Acho que o governo não está mais falando assim, a sociedade reagiu a esse discurso, então o governo não está podendo adotar esse discurso como uma política de extermínio. Agora, que existem em vários setores da sociedade e do governo discursos de extermínio, existem.

Mas ele está sendo tão combatido que não existe mais a possibilidade de expressar isso publicamente sem uma reação violenta.

Principalmente no início da pandemia, toda a justificativa era econômica. Vamos isolar só os mais velhos, só o grupo de risco, para a economia funcionar. Mas a realidade da pandemia mostrou que isso não funcionava.

Primeiro, os jovens desempregados foram para a casa dos mais velhos. Os velhos não estão sozinhos, tem muitos que estão com os filhos, com os netos, e não porque estão sendo cuidados, mas porque estão cuidando dos filhos e dos netos.

Os jovens também dependem dos velhos. Como fariam, colocar todos dentro de asilos para todos se contaminarem e morrerem, como aconteceu em muitos lugares do mundo? [Quase metade das mortes causadas pelo coronavírus na Europa foi registrada em asilos, segundo a OMS].

 

Você pesquisa o envelhecimento há mais de 15 anos. Nos últimos três passou a fazer parte da faixa etária considerada “idosa” no Brasil.Você acredita que é preciso criar uma divisão entre sexagenários e pessoas mais velhas no Brasil, pensando em direitos e políticas públicas?

Isso já existe no mundo inteiro. Já está sendo discutida [a existência de] “jovens idosos” e idosos mais velhos. Antes as pessoas não viviam até os 100 anos, e muitas não chegavam aos 90. É a faixa etária que mais cresce. E em poucos anos vai ter mais velhos do que jovens no Brasil, que a gente pensa que é um país de jovens.

As pessoas percebem que não dá para falar de velhos como uma coisa só e que não dá para pensar neles com a imagem do século passado. Esses velhos são os mesmos jovens que fizeram a revolução comportamental no século passado e mudaram tudo, então não dá para falar de “velhice” no singular. Depende de tantos critérios financeiros, educacionais, familiares, sociais.

E por isso que lutar contra uma velhofobia é lutar pela nossa própria velhice e dos nossos filhos e netos. Sempre escrevo que no século passado tivemos a revolução das mulheres e neste século teremos a revolução dos velhos, porque foram eles que fizeram as revoluções passadas.

Não acho que a questão é ter uma divisão mais clara formalmente, o mais importante é enxergar e fazer políticas públicas, privadas e individuais percebendo que a velhice não é uma coisa só, investindo para que a velhice seja, para a maior parte dos brasileiros, uma fase da vida com felicidade, liberdade, projetos, para todos.

 

A depressão é uma das doenças mentais que mais atinge os idosos, mas também uma das mais negligenciadas pela população em geral. Há um senso comum de que pessoas idosas são inerentemente tristes?

É uma mentira [esse senso comum], todos os meus nonagenários que estão em ativa, saudáveis, e hoje tenho mais de 100 entre o grupo que pesquiso. Todos têm uma alegria a viver que é contagiante. O problema é pensar quais as condições de vida e sociais que provocam a depressão. As condições sociais, a violência, o abuso, o desrespeito, a crueldade com eles que provocam a depressão. Dentro das casas principalmente.

Esse momento agravou tudo, piorou tudo o que já existia. Escancarou aquilo que era invisível para a sociedade. Muitas violências estão se agravando, contra mulheres, contra crianças, muitos sofrendo mais do que já sofriam.

Por isso eu digo sempre em todos os meus artigos que dentro dos limites que nós temos hoje, o que podemos fazer de concreto dentro e fora de casa? Temos que cuidar da gente para ter uma atitude positiva em relação a uma velhofobia que sempre existiu.

O que mais falta e os mais jovens podem fazer é escutar, escutar, escutar, compreender, compreender, compreender. Eu falo quase 80% do meu tempo no telefone, porque alguns são muito conectados por redes sociais, mas muitos não. Você ligar para uma pessoa, mostrar que ela é importante para você, que você ama essa pessoa e que ela se cuidar bem é ela cuidar de você.

Então acho que o que cada brasileiro pode fazer é ter uma atitude que não é generosa, é obrigatória, para fazer o que pode para cuidar pelo menos de quem ama. E isso é cuidar de si 

 

 

30
Jun20

“Estigmatizar os velhos como os únicos atingidos pelo coronavírus é uma mentira que os dados no Brasil comprovam”

Talis Andrade

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II - “Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice"

Julia Dolce entrevista Mirian Goldenberg

 

Você acredita que houve uma mudança no comportamento social em relação aos idosos nessa pandemia?

O que eu chamo de “velhofobia” são esses preconceitos, abusos psicológicos, estigma que os velhos sofrem desde sempre. Eu acabei de escrever um artigo dizendo que de acordo com o Disque 100, se multiplicou por cinco o abuso de idosos dentro de casa de março a maio [de 2020]. Isso, quem denuncia. Porque a maior parte não consegue denunciar por medo, por não querer falar que são os filhos que estão cometendo a violência, roubando o dinheiro da aposentadoria, destruindo os bens dos velhos.

Essa situação me apavora, porque isso já acontecia antes, e agora se agravou muito. Será que não está acontecendo um verdadeiro “velhocídio” dentro das casas? Isso do ponto de vista da violência física. Mas existe toda uma série de violências acontecendo que estamos testemunhando, horrorizadas. Discursos e comportamentos.

Acabou de ter uma autoridade dentro do Ministério da Economia que vazou um vídeo de uma mulher dizendo que vai ser bom para a Previdência ter esses velhos morrendo. E outros empresários falando “só vão morrer velhinhos doentes, vamos fazer a economia continuar”. Isso do lado mais gritante.

Mas também um monte de brincadeirinhas, memes, “velhinho teimoso”, velhinho saindo de casa, uma grande mentira, porque a maior parte dos velhos está se protegendo e cuidando não só deles mas também dos filhos e netos.

Obviamente existe, sim, uma reação bem evidente da maior parte da sociedade contra a velhofobia. Porque todos nós somos velhos, ou seremos amanhã, ou temos um velho que amamos. Então existe um horror da maior parte da sociedade em relação a esses discurso. Mas o que me preocupa é a quantidade de pessoas que realmente acredita que os velhos são descartáveis, inúteis, improdutivos e que podem morrer.

Não é uma doença de velhos, é uma doença que atinge todas as idades. Estigmatizar os velhos como os únicos atingidos por essa doença é uma mentira que os dados no Brasil comprovam diariamente. Estão morrendo velhos e doentes, mas também jovens, saudáveis e crianças.

E quem não está morrendo está sendo afetado pelo resto da vida, com sequelas, sem contar as sequelas psicológicas, da alma. Quantas pessoas não estão tendo problemas, infarto, depressão e até suicídio? Ou perdendo a vontade de viver em função dessa situação que é mundial mas que adquire contornos muito cruéis e desumanos aqui no Brasil.

 

Em uma de suas colunas, você escreveu que homens e mulheres mais velhos “já experimentam uma espécie de morte simbólica” sendo considerados “inúteis, desnecessários e invisíveis” pela sociedade. Como esse preconceito afeta os idosos e como podemos mudar essa visão?

Essa crueldade está influenciando mentalmente e emocionalmente todos os brasileiros que têm o mínimo de humanidade, sensibilidade e amor no coração. Alguém está totalmente alienado desse sofrimento e dessa crueldade?

O meu primeiro pânico e desespero era pensar no que ia acontecer com essas pessoas que eu amo tanto, todos nonagenários, saudáveis, ativos, produtivos, alegres, com projetos, e que todos os dias saíam, iam ao supermercado, ao banco, à farmácia encontrar os amigos.

O horizonte de vida delas, que são quase centenárias, não é o mesmo que o meu ou o seu. Para elas, cada dia é saboreado. Elas sabem que o horizonte delas não é tão longo.

E eu entrei em pânico pensando como eles iam viver dentro de casas, como uma prisão, ouvindo notícias, lendo e assistindo noticiários com essa carga de tragédia. E sem esperança, cada dia estão perdendo mais a esperança. Me ligam desesperados dizendo que só veem caixão, morte, me perguntando se isso vai terminar. Por que, para eles, será que vai terminar?

Acabei de ter um grande amigo meu de 97 anos que ficou 15 dias com a doença e já não tem mais o vírus, mas as sequelas físicas e emocionais são irreparáveis. Ele não tem mais vontade de viver assim como está vivendo.

Acho que é um trauma social, nossa geração vai ficar traumatizada com esse sofrimento. As pessoas falam de um “novo normal”, mas não acredito nessa possibilidade. Somos uma geração traumatizada por essa tragédia.

O que eu tenho tentado fazer é minimizar essas sequelas e esse sofrimento. Então todos os dias passo 10 horas do meu dia fazendo atividades com essas pessoas de mais de 90 anos. Eu escuto que elas estão sofrendo e busco com elas alternativas para elas passarem por tudo isso da melhor forma possível.

Não tem como não sofrer, não ter pânico, não ter depressão. Eu acho que a única saída que temos é tentar fazer alguma coisa construtiva para que as pessoas que a gente ama sobrevivam física e mentalmente. [Continua]

 

 

27
Jun20

“Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice”

Talis Andrade

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por Julia Doce/ Pública

 

O melhor amigo da antropóloga Mirian Goldenberg, 63 anos, é José Guedes, um nonagenário de 97 anos, alegre, animado e fã dos versos de Luís de Camões. Eles se falam todos os dias ao telefone. No dia 15 de março, Guedes ligou para a amiga desesperado com as notícias da pandemia na Itália. Eles então fizeram um pacto, quando Goldenberg, também assustada com o prognóstico mundial, respondeu que embora o amigo não pudesse mudar a situação da pandemia, se ele se dedicasse a conversar com ela todos os dias, estaria cuidando dela. E vice-versa.

“Eu descobri que a única saída para ter o mínimo de equilíbrio e saúde mental seria dedicar meu tempo, energia e criatividade para cuidar das pessoas que eu mais amo”. Desde então, Goldenberg conta que passa pelo menos 10 horas por dia entrando em contato por telefone com seus amigos idosos, desenvolvendo atividades e jogos com eles, e assim, ajudando-os a passar pelo período de isolamento.

Aquele pacto foi uma epifania para a antropóloga, mas o contato com nonagenários já vem de anos. Autora de livros como “A bela velhice”, “Corpo, envelhecimento e felicidade”, e “Liberdade, felicidade e F#da-se!”, há cinco ela pesquisa essa faixa etária, e há pelo menos vinte atua na área da gerontologia, o estudo do envelhecimento.

Em suas palestras e coluna no jornal Folha de S. Paulo, a chamada “velhofobia”, Goldenberg sempre denunciou o preconceito e abusos contra idosos. Porém, ela conta que nunca viu a situação tomar a proporção atual. No Disque 100, canal que recebe denúncias de violações de direitos humanos, o abuso contra idosos quintuplicou entre março e maio deste ano, desde que a Covid-19 chegou ao Brasil.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar algumas vezes que não “existe motivo para pânico” porque, segundo acreditava, iriam morrer apenas idosos e pessoas com deficiência. “Vão morrer alguns pelo vírus? Sim, vão morrer. Se tiver um com deficiência, pegou no contrapé, eu lamento. Minha mãe tá com 92 anos de idade, se pegar nela qualquer coisa, coitada. Mas não podemos deixar esse clima todo que está aí”, declarou, em entrevista ao Programa do Ratinho realizada no dia 20 de março.

Goldenberg ressalta que a sociedade vem reagindo em diversos países contra discursos que ela considera “genocidas”. “O que era invisível para a sociedade se escancarou”, diz.

Grande parte dos idosos está cuidando de seus filhos e netos nessa pandemia, e não o contrário, diz ela. São pessoas que tiveram que voltar para a casa dos mais velhos, principalmente por uma questão de renda. Para ela, ainda falta escuta e compreensão por parte dos mais jovens. “Lutar contra a velhofobia é lutar pela nossa própria velhice”, resume [Continua]

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