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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Out22

Na caça ao voto religioso, uma guerra santa irrompe

Talis Andrade

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por Juan Arias

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O segundo turno das eleições brasileiras começou com uma guerra religiosa na qual Bolsonaro acusa Lula nas redes de ter um pacto com o diabo enquanto é acusado de flertar com a Maçonaria. Tudo isso para disputar o voto religioso que poderia decidir o resultado final.

Os dois candidatos a chefe de Estado não esperaram um único dia para se engajar em uma briga para desacreditar um ao outro diante do grande eleitorado cristão, que é aquele que pode decidir o resultado final das eleições. Nesta terça-feira, festa de São Francisco de Assis, Lula aproveitou para bajular os católicos ao postar uma oração no Twitter em que recolhe as palavras do santo: “Onde há dúvida, põe fé”, e apareceu em vídeo com um grupo dos frades franciscanos, enquanto sua mulher, Janja, segurava nas mãos uma estátua do santo. O candidato da esquerda confessou aos religiosos: “Levo muito a sério minha fé religiosa. Para mim, a fé é algo muito sagrado. Eu levo minha espiritualidade muito a sério.”

Lula acabara de ser acusado nas redes sociais bolsonaristas de ter feito um pacto com o diabo e que, se eleito, fecharia igrejas evangélicas e perseguiria católicos, como está fazendo seu amigo Daniel Ortega na Nicarágua.

Por sua vez, nas redes lulista, foi postado um vídeo em que Bolsonaro, anos atrás, fala em uma loja da Maçonaria, algo que assusta os evangélicos. O poderoso pastor Silas Malafaia imediatamente saiu em defesa de Bolsonaro para tentar frear uma possível rejeição por parte dos evangélicos ao presidente, que é católico, mas que também se batizou novamente por um pastor evangélico em Israel.

O pastor lembrou que Bolsonaro “é o presidente de todos” e que para ele frequentar a Igreja Evangélica, a Igreja Católica, outras religiões ou a Maçonaria é assunto dele. “Eles não vão manipular os evangélicos. Por que essas mesmas pessoas se recusam a apresentar um vídeo em que Lula aparece em um ritual satânico?” A guerra está aberta sem que ninguém possa saber se todas essas acusações e vídeos são verdadeiras ou encenadas.

O que importa é demonizar, sim, alguns fiéis ou outros para ganhar os votos dos crentes, já que no Brasil eles representam 90% ou mais da população. Por parte dos evangélicos, a mulher de Bolsonaro, Michelle, uma evangélica fervorosa e mística que, depois de ter sido durante todos esses anos relegada a segundo plano, agora aparece em público de joelhos como se estivesse possuída por Deus. Ela afirma que as eleições são “uma luta de Deus contra as trevas”, e refere-se a Lula como alguém “contra a palavra de Deus”, ao mesmo tempo em que pede atenção aos seus correligionários evangélicos que sofrem “de uma cegueira espiritual”.

Bolsonaro, por sua vez, usa a seu favor uma série de referências religiosas e atribui sua eleição a um “desígnio de Deus”. E referindo-se a Lula, afirmou que “lugar de ladrão é cadeia”. Tudo vai servir nas próximas semanas de campanha para tentar ganhar o que chamam de “voto cristão”, que pode condicionar o resultado do concurso.

Sabe-se que os católicos votam esmagadoramente em Lula, enquanto 80% dos evangélicos são seguidores fanáticos de Bolsonaro, instruídos nos templos em ódio aberto contra o que chamam de “comunistas” ou “reino do mal”. Para os bolsonaristas de raiz, os católicos tomaram conta do Brasil em que se trava uma verdadeira batalha entre o bem e o mal, entre Deus e o diabo.

Nessa luta pela conquista do voto religioso, já parece claro que tudo pode dar certo e que uma batalha suja de fake news vai se intensificar nas redes sociais, em que os bolsonaristas são mestres. Foram eles que decidiram a vitória de Bolsonaro em 2018. O jornal O Globo destacou em sua primeira página que uma “guerra santa” começou no segundo turno.

A preocupação com as questões reais e sangrentas que estrangulam milhões de pobres fica para depois, enquanto tentam hipnotizá-los com a miragem da religião e o medo dos demônios.

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15
Ago22

Empresários e trabalhadores, unidos pela democracia

Talis Andrade

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Diversas iniciativas públicas reúnem setores muito diversos da sociedade sob um único slogan: pare com os abusos autoritários, Bolsonaro

 

por Juan Arias

Enquanto o presidente de extrema-direita continua seus ataques e ameaça abertamente com um golpe autoritário, milhares de brasileiros lançaram um grito neste fim de semana em defesa da democracia. Pela primeira vez, empresários e trabalhadores, sindicalistas, juízes e advogados, pessoas de todas as religiões e de todas as raças foram vistos juntos, unidos contra a extrema-direita de Jair Bolsonaro.

As manifestações e os diversos documentos lidos a favor da democracia foram uma resposta ao vergonhoso encontro de Bolsonaro dias atrás com dezenas de embaixadores de todos os países, em que o presidente questionou o sistema eleitoral do Brasil, justamente com o qual ele e três de seus filhos foram eleitos em 2018. A situação ficou muito bem definida no editorial de hoje do jornal O Estado de São Paulo: “Se o presidente Bolsonaro envergonhou profundamente o país ao difamar a democracia brasileira perante os embaixadores no Brasil, a resposta da sociedade em defesa das eleições e da democracia fez com que o país se sentisse orgulhoso e animado”.

O ex-ministro da Justiça, José Carlos Días, que leu o manifesto de empresários e banqueiros, afirmou: “Hoje é um momento brilhante em que capital e trabalho se unem em defesa da democracia”. E acrescentou: “Estamos aqui celebrando com alegria, com entusiasmo, o hino da democracia”.

Um desses vários manifestos alcançou, enquanto se celebrava, um milhão de assinaturas das mais diversas sociedades: professores, estudantes, empregadas domésticas, magistrados e advogados, taxistas, médicos, enfermeiros, polícias, banqueiros, industriais, pessoas do classe social, mídia e favelas. Ao final da cerimônia que aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com milhares de pessoas do lado de fora do prédio, todos cantaram juntos o hino nacional.

Foi uma iniciativa inédita, semelhante às manifestações de ‘Diretas, Já’, dos tempos da ditadura e a favor das instituições democráticas hoje ameaçadas. O editorial de O Estado de São Paulo conclui: “Apesar de toda a escalada de violência e ameaças de Bolsonaro contra a democracia, continua existindo um país altivo que não quer ser refém dos autoritários e que lutará para defender suas instituições, as suas eleições e a sua democracia. Esse é o Brasil profundo e verdadeiro.” O jornal Folha de São Paulo destaca que os atos a favor da democracia foram “o pacto plural de diferentes gerações que reuniu pela primeira vez desde estudantes de 19 anos a um professor de direito de 97 anos que esteve presente no ato”.

Na reunião da Faculdade de Direito de São Paulo, Manuela Morais destacou que o Brasil continua lutando por uma democracia madura: “Nós, que éramos os outros, agora fazemos parte desta carta aos brasileiros. Somos jovens, negros, periféricos, uma nova intelectualidade que é produto da escola pública, dos barrancos e das favelas.”

As várias cartas a favor da democracia ameaçada chegam num momento decisivo. A grande distância que existia até ontem entre os dois candidatos presidenciais, Bolsonaro e o ex-presidente Lula da Silva, começou a diminuir, o que preocupa as forças progressistas. Bolsonaro tem a máquina estatal e começou a usar bilhões de reais como incentivo para votar nele.

A estagnação no apoio a Lula, que durante meses não fez nada além de crescer nas pesquisas, está preocupando os organizadores de uma campanha que começa em poucos dias e que já parece uma luta titânica. As redes sociais se encheram de ataques impiedosos contra Lula, que hoje chamam de “ladrão” e “ex-presidiário”. Cristãos evangélicos, que apoiam majoritariamente Bolsonaro, tiram a poeira de vídeos antigos do ex-presidente – que se declara católico praticante – participando de um rito religioso da Umbanda Africana em que é abençoado. A imagem gera muita polêmica considerando que a mulher de Bolsonaro, que é uma evangélica fervorosa, realiza seus próprios ritos no palácio presidencial para “expulsar os demônios” daquelas salas que já foram “ocupadas por comunistas”.

Em sua própria campanha, Bolsonaro busca convencer que é o maior defensor da liberdade de expressão e que a mídia está “a serviço do capital”. Bolsonaro promete ser o porta-estandarte na luta do bem contra o mal, em que o mal que assola o Brasil seria o comunismo, leia-se Lula. Segundo o presidente, o grande erro da ditadura militar foi não ter matado mais 30 mil pessoas, referindo-se à esquerda que aparece em seus olhos como os demônios que envenenam o país.

Às cartas lidas no domingo em todo o país a favor dos valores da democracia, o presidente reagiu com escárnio, chamando-as de “cartinhas” e dizendo que sua única carta é a Constituição. Uma falácia, pois é justamente ele que não perde a oportunidade de atacar a Carta Magna, que pretende modificar para acabar com seu caráter laico e transformá-la em uma Constituição evangélica. O lema bolsonarista é “Deus acima de tudo”. A grande questão é quem é esse deus que o inspira quando anseia pela ditadura, defende a tortura, semeia o ódio contra o país, despreza as mulheres e os diferentes, e destrói a cultura, a educação e a ciência, enquanto ele e sua mulher vêem demônios vivos em tudo o que traz a marca dos valores da liberdade de crença e pensamento.

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05
Fev22

“Não me matem”

Talis Andrade

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O grito de um jovem congolês linchado na praia do Rio de Janeiro pode ajudar os brasileiros a decidirem devolver a felicidade ao país

 

por Juan Arias /El País

Seu nome era Moise Mugenyi Kabagambe, o congolês de 24 anos que foi linchado na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em frente ao quiosque Tropicália em 24 de janeiro. Apesar de os brasileiros estarem tristemente acostumados a conviver com uma das maiores taxas de homicídios do mundo, desta vez, a severidade do crime comoveu o país inteiro. O grito do jovem antes de morrer, “Não me mate!”, continua a ressoar nas redes sociais e na consciência de quem, apesar de tudo, aposta e trabalha todos os dias a favor da paz e da harmonia.

De acordo com o promotor que analisa o caso, que foi gravado pelas câmeras de segurança do quiosque, “constata-se uma ação do mais alto grau de crueldade, perversidade, desprezo pela vida”. O jovem que trabalhava como garçom no quiosque é descrito pelos clientes como “alegre e educado”. Ele perdeu a vida apenas por ter pedido ao dono do bar da praia que lhe pagasse 200 reais (33 euros ou pouco menos de 38 dólares) que lhe devia.

O jovem que gritava para não ser morto foi linchado por cinco homens com chutes, socos e golpes de madeira. De acordo com exames médicos, Moise entrou em agonia 10 minutos antes de morrer e foi encontrado com as mãos e os pés amarrados, com os olhos ainda abertos.

Talvez a execução brutal realizada na areia da bela praia do Rio, a inveja do mundo, esteja causando dupla indignação na sociedade e tenha explodido nas redes sociais porque o país vive politicamente em um clima onde o governo do fascista Jair Bolsonaro tem como lema que o “melhor bandido é o bandido morto”. Se for executado, melhor ainda.

O presidente é defensor da tortura e da pena de morte. Sua política, seus gostos, seus esportes estão todos relacionados às armas, cujo mercado facilitou porque seu sonho é que todo o país esteja armado. Seu gesto favorito é simular com as mãos o ato de disparar um revólver. Durante a campanha eleitoral, uma cena em que o candidato a presidente do país pega uma menina de cinco anos nos braços e a ensina a imitar, rindo alegremente, o ato de disparar uma arma com a mão inocente, foi ultrajante.

Toda essa paixão pelas armas do chefe de Estado vem criando um clima no país em que a violência e as execuções sumárias se tornaram normal. Eu diria desportivo, se o adjetivo não me machucasse na boca.

Alguns teorizam que o Brasil sempre foi um país violento. É apenas parcialmente verdade. É que hoje essa violência é institucional, alimentada pelos instintos de morte de um presidente que zomba, por exemplo, daqueles que se protegem da pandemia, considerando-os “covardes”.

Estou neste país há 20 anos e sou testemunha de que a violência de hoje mudou de cara porque é alimentada por quem está no poder com o desprezo pela vida e a exaltação da ditadura militar. Hoje, talvez como reação a esse clima de morte que se instalou, cresce um movimento de solidariedade sem precedentes em todo o país, com o aumento de moradores de rua que vivem e morrem na rua.

Talvez o excesso de falta de humanidade do presidente esteja despertando na sociedade um movimento de defesa da vida, de acolher os deixados à própria sorte pela grave crise econômica. Aquele Brasil que reage à violência com sentimentos de compaixão e ajuda os que ficaram para trás na vida lembra-me a cena que presenciei quando cheguei aqui. Foi na praia de Copacabana, no Rio, quando uma idosa caiu inconsciente. Em poucos segundos, uma dezena de pessoas se reuniu com seus celulares na mão chamando uma ambulância. No Consulado me disseram então que os espanhóis que vieram para o Brasil queriam ficar. Eles comentaram que aqui “as pessoas são gentis, alegres e solidárias”.

Hoje, essa alegria e esse espírito acolhedor se perdem em meio à fumaça dos sentimentos de hostilidade, desconfiança e violência instigados por quem está no poder. Como disse o ex-presidente Lula da Silva, que aparece nas pesquisas como o candidato mais forte para derrotar Bolsonaro, “o Brasil precisa recuperar a alegria perdida”.

O grito do jovem trabalhador congolês de “Não me mate!” que continua ressoando na areia branca das praias do Rio onde foi executado vilmente e morreu de olhos abertos, talvez sirva, um triste paradoxo, para que quando chegar a hora de ir às urnas, os brasileiros decidam desta vez devolver ao país a felicidade perdida depois de ter se libertado do pesadelo do que já é considerado o pior e mais violento dos governos democráticos deste país.

 

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10
Jan22

O Brasil está cada vez distante da América Latina

Talis Andrade

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por Juan Arias /El País

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A rejeição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro à oferta de ajuda do governo argentino ao Brasil devido às graves enchentes que atingiram o Estado da Bahia com dezenas de mortos e mais de meio milhão sem abrigo em pleno Natal, são mais um sintoma de como o Bolsonaro está distanciando o seu país da América Latina e do mundo em geral. A desculpa dada pelo Chefe do Estado é que o governo argentino “é de esquerda”.

Neste momento em que o Brasil parece estar mais centrado nas suas origens coloniais portuguesas com as classes altas comprando uma segunda casa lá e com visitas mais frequentes ao local, o jornalista de 73 anos Carlos Fino, uma das figuras mais proeminentes do jornalismo português, acaba de lançar o livro “Portugal Brasil: Raízes do Estranhamento” para mostrar que a chamada Russofobia está crescendo ao contrário no Brasil, alimentada por uma visão negativa de Portugal presente na imprensa, em livros e até em filmes e novelas. “O Brasil tem vergonha da herança de Portugal” e isso “parte das elites mais iluminadas”.

Se a isso se somar o fato de que Bolsonaro nada fez, pelo contrário, para estreitar os laços do Brasil com o resto da América Latina, nem mesmo com a América do Sul, fica mais claro o perigo de o país tornar-se cada vez mais isolado do mundo e trancado em si mesmo.

Quando cheguei ao Brasil, há 20 anos, o que mais me impressionou foi ver que entre as pessoas comuns e os estudantes pouco ou nada se sabia a respeito do resto do continente americano. E quando perguntei aos intelectuais como eles se sentiam no mundo, me olharam de forma estranha e responderam: “Brasileiros”. Poucas elites falavam espanhol e durante dez anos houve uma batalha no Congresso para tornar o ensino da língua Cervantes obrigatório nas escolas. Foi inútil. A lei foi esquecida sob a desculpa de que não havia professores suficientes e que eles ganhavam menos do que em outras partes do mundo.

A isso se somam as pouquíssimas informações que os grandes meios de comunicação, com raras exceções, oferecem sobre a América Latina, o que explica por que os brasileiros se sentem apenas brasileiros, donos de um império próprio, cientes de sua grande riqueza, de ser o quinto maior território do planeta que detém 16% da água potável do mundo. Isso junto com a incrível diversidade da Amazônia que este governo está fazendo tudo para destruí-la e dar lugar à pecuária e ao cultivo da soja, sacrificando se necessário os povos indígenas que sempre foram os donos desses territórios.

Este ano, o Brasil vai celebrar os 200 anos da Independência de Portugal, e com este governo encerrado no seu culposo isolamento que empobrece cada vez mais o país, em vez de fazer da data um momento de reflexão para saber de onde veio e aonde quer chegar, vive angustiado com ameaças de falência de sua democracia, acossado por um governo golpista cujo presidente em seus três anos de mandato não visitou a Europa ou a América Latina. Bolsonaro só está interessado em manter boas relações com o ultradireitista americano Trump na esperança de que ele volte ao poder.

Segundo estudo do Instituto Cervantes, apenas 6,7% conhecem ou estudam espanhol no Brasil e 3%, até mesmo dos professores, não sabem quais países fazem parte da América Latina. Sem embargo, assim como o Prêmio Nobel de Literatura, o português José Saramago, ironizou que os espanhóis continuavam a manter Portugal no mapa porque se o retirassem sentiriam um “complexo de castração” e o mapa ficaria muito feio, da mesma forma eu poderia falar do Brasil e do resto do continente. Se da América Latina isolássemos o Brasil, que faz fronteira com dez de seus países, o mapa ficaria muito feio dos dois lados.

O Brasil só será a potência geográfica e econômica que representa se enxertado no continente e só poderá ser visto como uma força mundial dentro do continente se as ideias mais abertas de alguns políticos brasileiros iluminados do passado que sonharam com um continente rico e unido forem resgatadas, com uma moeda única, uma espécie de Estados Unidos da América Latina.

Se a desunião dos povos só cria pobreza, violência e deserto, pelo contrário, a união dos povos acaba enriquecendo a todos. A experiência da União Europeia pode ser criticada, mas a verdade é que, enquanto antes da união o continente sempre viveu em guerras, hoje, desde então, nunca houve um conflito violento entre os seus Estados, e eles tem uma moeda forte.

Bolsonaro chegou ao poder com o vírus da separação, ódio e isolamento do Brasil do resto do mundo. Hoje, a única possibilidade de se voltar a sonhar com um Brasil dentro do mundo, especialmente da América Latina, é que este, que será o segundo centenário de sua independência, seja também o da sua libertação do que já é considerado o “pior governo”, o mais empobrecedor e isolacionista de sua história.

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19
Dez21

Os jovens brasileiros descobrem o livro de papel

Talis Andrade

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Surpreende o comparecimento à Bienal do Livro do Rio quando temos um presidente que deprecia a cultura

 

 

por Juan Arias /El País

Tradução Ricado Noblat

 

A tradicional Bienal do Livro do Rio, que acaba de celebrar sua vigésima edição, foi uma surpresa para seus organizadores e para a sociedade em geral porque há desmentiu muitos dos mitos atuais, como o de que os jovens já não se entusiasmam pelos livros de papel. Eles seriam somente os filhos da era digital.

Surpreendem os números desta Bienal, a primeira que se celebra de maneira presencial e virtual. Apesar de que não era fácil acessar o lugar, no bairro da Tijuca, compareceram presencialmente 250 mil pessoas, 80% de jovens de idade entre 18 e 25 anos. Foram vendidos dois milhões de livros. “As vendas foram surpreendentes”, comentou feliz Marcos Veiga Pereira, do Sindicato Nacional de Editores de Livros. Mais de um milhão de pessoas assistiram aos atos presenciais com autores.

A Bienal foi seguida virtualmente por 750 mil pessoas, a maioria jovens. Todos os autores sublinharam o entusiasmo deles ao tocar no livro físico e poder conhecer os escritores pessoalmente. Um dos espaços mais visitados foi o dedicado a novos títulos da literatura LGBTI.

À Bienal assistiram 70 mil estudantes das escolas públicas com seus 5 mil professores. As cifras não deixam de chamar atenção porque o Brasil vive um momento trágico na cultura provocado por um presidente, Jair Bolsonaro, que não dá importância ao conhecimento, inclusive o deprecia. Há alguns dias, Bolsonaro deu uma amostra a mais do desapreço que professa à cultura e, sobretudo, à leitura. Conversando com um grupo dos seus seguidores mais fanáticos, um deles lhe ofereceu um livro. O presidente recusou e disse: “Eu não leio livros. Faz três anos que não leio nada”. De fato, ele fala e escreve mal o português. Sobre os livros e sua força cultural tem opinado todos os grandes pensadores desde a Antiguidade. É unânime e significativo o ódio aos livros e a cultura de todos os tiranos da história. A célebre frase do poeta alemão Heinrich Heine “ali onde se queimam os livros se acaba queimando os homens”, como nas fogueiras feitas com livros que precederam o Holocausto, se casa hoje com a de Vargas Llosa quando afirma que “aprender a ler é o mais importante que aconteceu em minha vida”.

Os jovens de hoje que se entusiasmaram com a Bienal do Livro do Rio e parece terem descoberto o valor do tato, talvez em mais alguns anos não possam fazer isso porque o papel poderá deixar de existir. Mas nunca esquecerão a felicidade de acariciar o livro físico, de pedir um autógrafo ao seu autor. E, sobretudo, o prazer da leitura que amplia a mente e permite descobrir as dobras mais escondidas da alma humana.

Nunca esquecerei que meu pai, que foi professor rural na Galícia, Espanha, nos tempos de escassez e do pós-guerra, onde as crianças, entre elas meus irmãos menores e eu, tínhamos um só livro para todo o curso primário, nos reuniu ao lado de sua cama para dar-nos seu último conselho. Eram tempos em que se ia preso ou se era fuzilado não por ser criminoso, mas por terem-se ideias contrárias às do ditador. “Quando forem maiores, vocês já terão muitos livros”, nos disse, e acrescentou: “Não esqueçam nunca que até numa prisão se é menos infeliz os que gostam de ler”.

Meu pai, que inventava testes de inteligência e nos dava a maioria das lições nas ruas, acabou castigado pelo regime franquista a vários meses sem salário porque diziam que as crianças que saíam da escola rural para cursar a secundária “faziam demasiadas perguntas” aos professores ao invés de escutar em silêncio.

Sim, os livros, a leitura, a reflexão, a curiosidade do saber são os eixos de nossa riqueza cultural cada dia mais depreciada em um mundo acossado pela nefasta cultura das fakes news e do aplauso a vulgaridade proclamada por negacionistas que se nutrem nos esgotos da ignorância.

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29
Nov21

Se depois da CPI Bolsonaro ficar impune, será um escárnio

Talis Andrade

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por Juan Arias /El País

Os brasileiros estão acostumados com que as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) acabem sempre em nada, ou em “em pizza”, como se costuma dizer. Contudo, esperava-se que a CPI da Pandemia fosse uma exceção. Não se tem memória, por certo, de outra CPI que tenha sido tão seguida pela opinião pública com o fervor e paixão de um campeonato de futebol. O Senado ficou paralisado durante seis meses. Fez estremecer o país depois de ter descoberto as feridas abertas de um escândalo de corrupção, de negligência e de negacionismo por parte do presidente Jair Bolsonaro e deu seu Governo, que por um momento se viram encurralados.

Foram seis meses de trabalho de uma CPI que, no final, produziu um documento acusatório de mais de 1.000 páginas. Entre os acusados, estão o presidente e outras 79 pessoas, entre elas ministros, ex-ministros, políticos e empresários. Bolsonaro foi acusado de cometer crimes comuns, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade.

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O documento indicou quantas vidas poderiam ter sido salvas sem os crimes políticos cometidos, abrindo a possibilidade de que o presidente poderia acabar retirado de seu cargo. Ressoou no Senado o grito de “genocida” contra ele. Foi um momento de esperança da sociedade de vingar a morte de seus entes e deixar o pesadelo de um Governo desprestigiado mundialmente.

documento acusatório foi apresentado pela CPI ao procurador-geral Augusto Aras há um mês. E apenas agora, depois de ter sido chamado por senadores para prestar esclarecimentos, ele afirmou que irá se pronunciar sobre as providências que pretende tomar. É verdade que Aras é conhecido como amigo pessoal do presidente, a quem tenta sempre proteger, mas desta vez trata-se de algo grave demais, que diz respeito a toda sociedade. Estão em jogo as esperanças de se fazer justiça às vítimas da pandemia.

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Se todos os esforços da CPI do Senado que foram elogiados pela opinião pública e vistos como uma reparação pelos excessos cometidos acabarem em fumaça, seria uma grande frustração nacional e até internacional, já que a investigação também foi seguida no exterior com interesse e preocupação. Que a CPI possa não dar em nada se intui pela desenvoltura com a qual Bolsonaro, denunciado inclusive aos tribunais internacionais, está zombado das acusações que recaem sobre ele, assim como pelo silêncio do Congresso Nacional, que poderia ter aberto um processo de impeachment contra o presidente.

O Brasil foi gravemente ferido pela pandemia em grande parte devido à negligência de seus governantes, e isso é duplamente grave porque pode aumentar, se possível, a desconfiança da sociedade em seus políticos e juízes que acabam se protegendo sem nunca serem processados.

Essa foi a única vez que a opinião pública, dada a comoção que o documento final do Senado produziu com suas graves acusações contra Bolsonaro e seu Governo, passou a esperar que servisse para tirar do poder aquele que é considerado o pior presidente da democracia. Democracia que ele tentou minar por todos os meios, ameaçando várias vezes com um golpe.

A gravidade de uma possível frustração dos resultados da CPI da Pandemia poderia ter graves repercussões nas próximas eleições presidenciais, nas quais se esperava poder libertar o país de um dos maiores pesadelos autoritários de sua história, com graves consequências na economia e na convivência do país devido à semeadura do ódio por parte de um presidente.

A responsabilidade pelo fracasso do trabalho da CPI da Pandemia significaria a sobrevivência política de Bolsonaro. O novo triunfo da extrema direita golpista seria um desastre para uma economia já gravemente fragilizada e deixaria no poder as forças reacionárias que fizeram deste país, que já foi a sexta potência econômica mundial e uma democracia consolidada aprovada por 70% da população, uma imitação das chamadas repúblicas das bananas.

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A responsabilidade do Senado, caso se resigne em que a CPI que criou tantas esperanças acabe em nada e faça ressurgir o genocida Bolsonaro com ainda mais força, acabará não só manchando a memória dos mortos da pandemia mas também zombando da dor das famílias que perderam seus entes queridos.

Os mais interessados em garantir que o trabalho da CPI não acabe frustrado e sem consequências condenatórias concretas, sem esperar anos, devem ser os vários candidatos a disputar as próximas eleições presidenciais. Se é difícil para um presidente não ganhar a reeleição, já que tem toda a máquina do Estado à sua disposição, neste caso uma vitória de Bolsonaro incólume das graves acusações da CPI da Pandemia significaria uma triste derrota para a democracia.

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09
Nov21

Facada em Bolsonaro volta ao jogo em clima eleitoral

Talis Andrade

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Estranho que justo agora, quando a reeleição do presidente parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso

 
por Juan Arias /El País
 
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, acaba de reabrir, de surpresa, o processo sobre a facada contra Jair Bolsonaro, algo que já tinha sido encerrado duas vezes. Antes, decidiu-se que o agressor, Adélio Bispo, deveria ser absolvido por se tratar de uma pessoa com problemas psicológicos e que havia agido sozinho —ou seja, sem mandantes. Hoje, é consenso entre os analistas políticos que foi a facada desferida em Bolsonaro durante a campanha eleitoral que o ajudou em sua eleição, por dois motivos: primeiro, porque o transformou em um mártir, um mito protegido por um Deus que o salvou; também, porque o impediu de participar dos debates eleitorais com os demais candidatos. Algo decisivo, já que são conhecidas as dificuldades naturais do capitão.
 

O caso parecia encerrado, embora Bolsonaro e sua família nunca tivessem aceitado as investigações e continuassem com o sonho de poder provar que um terceiro —que seria um político e de esquerda— teria participado do atentado.

Não é difícil entender por que justo agora, já em plena campanha pela reeleição, voltem a ressuscitar a misteriosa facada sobre a qual se criou até a fantasia de que seria um falso ataque criado pelos seguidores do então candidato Bolsonaro. Tudo para criar a imagem do mártir, que teria, depois, milhões de votos dos evangélicos.

E não deixa de causar estranheza que, justo agora, quando a reeleição de Bolsonaro parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso para tentar investigar se havia ou não um mandante e se era alguém de esquerda. Ao mesmo tempo, o recente documentário do jornalista Joaquim de Carvalho, Uma facada no coração do Brasil, desenterrou a inusitada hipótese de que o atentado foi apenas uma ficção criada pelos seguidores de Bolsonaro para mitificá-lo. E para provar isso difundiu-se a teoria de que não existe uma única foto de sua barriga ensanguentada depois do esfaqueamento e de que houve uma suposta cumplicidade entre os médicos que o atenderam e operaram.

Agora, segundo o jornal O Globo, o que se deseja com a investigação é saber se, além do veredicto dos que conduziram o caso (que insistiram que Adélio agiu sem cúmplices), houve algum mandante que forjou o atentado, usando uma pessoa que aparentemente havia pertencido ao PSOL. Agora que já se respiram ares eleitorais, Bolsonaro e seus filhos insistem que a família precisa saber se houve ou não alguém que planejou tudo. E o sonho dos Bolsonaros e seus seguidores sempre foi tentar provar que o mandante foi algum militante de esquerda para mudar o rumo das eleições.

O último gesto de mau gosto de Bolsonaro sobre o atentado ocorreu dias atrás, por ocasião da morte da jovem cantora Marília Mendonça, amada por todo o Brasil. O presidente, sem nomear a morte da artista, referindo-se apenas à dor de um filho que ficava órfão, aproveitou para relembrar seu atentado, algo que desencadeou uma lista de críticas nas redes sociais, condenando sua já conhecida falta de sensibilidade.

Quem também apareceu foi o polêmico advogado de Bolsonaro e de sua família, Frederick Wassef. Ele voltou ao jogo nos últimos dias para defender a tese de que houve um mandante do atentado. Segundo ele, “há fortes indícios e um conjunto robusto de provas de que a esquerda brasileira ordenou a morte do presidente”. Para ele e para a família Bolsonaro, as duas investigações realizadas pela polícia, que convergiam para a tese de que o agressor agiu sozinho, não teriam mais valor.

Parece não haver dúvida de que há um interesse especial em tentar provar neste momento que o agressor agiu instigado por um político de esquerda, já que, segundo todas as pesquisas, Lula poderia derrotar Bolsonaro ainda no primeiro turno. Seria, portanto, um sonho para o presidente que antes da data da reeleição a polícia descobrisse que o verdadeiro mandante era alguém à esquerda, o que se tornaria o tema central de todas as discussões eleitorais. Como escreveu o jornalista Ricardo Noblat em seu blog, se alguém está interessado hoje em desenterrar a já desmentida hipótese de que o atentado foi organizado pela esquerda, esse alguém é Bolsonaro.

As forças democráticas precisam estar atentas para que esse sonho de Bolsonaro e sua família seja abortado o mais rápido possível para que não obscureça uma eleição já carregada de ameaças. A última é a chegada de Sérgio Moro, considerado uma esfinge difícil de decifrar e que continua a acrescentar ambiguidade e confusão extra às eleições.

O fantasma que Bolsonaro deseja desenterrar justo neste momento de tensão pré-eleitoral pode ser, sem dúvida, um elemento novo e perigoso que acrescenta dramaticidade e intriga à já complexa eleição que ocupa o interesse de toda a vida política, enquanto se agrava a crise econômica, que, como sempre, afeta os mais desfavorecidos, que os políticos usam somente na hora de tentar comprar voto.

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21
Out21

A invenção do “Bolsonaro paz e amor” é uma zombaria

Talis Andrade

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por Juan Arias

Só um cínico acredita que a confissão feita dias atrás pelo presidente Bolsonaro, de que “chora sozinho no banheiro” para que sua mulher não o veja, pode enganar os ingênuos, como se de repente o machista e homofóbico tivesse se transformado no personagem “paz e amor” da direita fascista.

Às vésperas de a CPI da Covid acusar o capitão reformado de uma dezena de crimes graves, o bolsonarismo tenta retirar de Lula a capa de político “paz e amor” para cobrir com ela o psicopata Bolsonaro, cuja essência é a violência, o ódio, a morte e a mentira. É algo que parece grotesco e se revela uma tentativa de amansar a fera para que não perca as próximas eleições.

É algo que interessa não apenas ao mundo do dinheiro, que ainda continua acreditando ingenuamente na vocação liberal conservadora do capitão, que acaba de anunciar que pensa em privatizar a Petrobras. Trata-se, na verdade, de um disfarce para atrair o capitalismo raiz. O Bolsonaro real, com seu histórico de 30 anos de obscuro deputado do baixo clero, é o que só aparecia em cena para exalar suas grosserias de cunho sexista ou de instintos de morte e violência ou suas obsessões de defesa e fascinação pela tortura e as ditaduras.

Bolsonaro é tudo menos o cordeirinho paz e amor, já que evoca, mais propriamente, a dura passagem evangélica do lobo disfarçado com pele de ovelha. Acredito, por isso, na ingenuidade das formações políticas que estão usando Bolsonaro e seu poder para tirar dele o maior proveito possível e evitar a volta de Lula. A nova tática de rebatizá-lo com a nova versão do político paz e amor para que não perca as eleições e, ao mesmo tempo, desarmá-lo de seus instintos golpistas.

O que esses políticos querem é um Bolsonaro domesticado, de quem possam usar e abusar em seus projetos de permanência no poder. Só assim se explica que o Congresso tenha se negado a analisar os 120 pedidos de impeachment que dormem sonhos tranquilos.

As forças mais conservadoras das instituições, por mais estranho que possa parecer, preferem, contra 70% dos brasileiros, o Bolsonaro fascista e incapaz de governar a uma solução democrática e moderna, capaz de colocar o Brasil no lugar que lhe pertence no mundo e que o bolsonarismo desbaratou.

O sonho de que Bolsonaro tenha de repente se convertido aos valores da democracia – porque há mais de um mês que não ameaça com um golpe de Estado, porque já não ameaça fechar o Supremo e prender os magistrados, ou, ainda, fechar os meios de comunicação, significando que ele tenha tido uma revelação divina que o fez cair do cavalo, como Paulo a caminho de Damasco – é de uma ingenuidade que beira imbecilidade.

Hoje, nem os mais pobres, e menos ainda a nova massa de famintos, são capazes de acreditar no Bolsonaro convertido à paz e à concórdia, e que tenha dominado de repente seus instintos violentos e destruidores. Assim revelou profeticamente uma mulher simples do campo que, dia 12 passado, festa de Nossa Senhora da Aparecida, ao ver o presidente entrar no Santuário da Virgem para participar da cerimônia litúrgica, lançou um grito espontâneo: “Não, você aqui, não”.

Aquele santuário era um lugar de paz e amor, onde a diminuta estátua de Maria, negra, na qual milhões de pobres e marginalizados depositam suas esperanças, revela, como bem disse o arcebispo, que “o Brasil amado não é o Brasil armado”.

Talvez a mulher que considerava um sacrilégio ver entrar naquele lugar de paz e de encontro o político que encarna os piores instintos de morte fosse uma das 600 mil famílias que tiveram de sofrer a perda de um familiarna pandemia, da qual zombou o presidente, e cuja dor pelas vítimas nunca arrancaria dele uma lágrima de compaixão e dor. Por que chorará agora escondido no banheiro? Até agora ele se apressou em dizer, para não decepcionar seus seguidores mais aguerridos, que não tentou deixar de ser um machão. Apenas também sabe chorar, ainda que sejam lágrimas de crocodilo.

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Quem então se interessa em espalhar a ideia de que o amigo e admirador de torturadores e golpistas esteja se transformando no novo pacificador do país?

Tudo por medo de que seja eleito alguém que acredita de verdade nos valores da democracia?

De qualquer modo, ter começado a lançar a ideia da repentina conversão de Bolsonaro, que teria trocado suas ameaças golpistas pelas lágrimas de arrependimento, mesmo que sejam no segredo do banheiro, parece mais um teatro do absurdo ou uma fantasia carnavalesca. A realidade, nua e crua, é que a cruel psicologia de morte e de ausência de compaixão e empatia diante da dor alheia o capitão frustrado levará consigo ao túmulo.

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14
Out21

O desprezo pelos mais pobres no governo Bolsonaro

Talis Andrade

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por Juan Arias

Nunca os mais pobres do Brasil foram a prioridade de nenhum Governo. São considerados apenas um estorvo. Servem somente em época de eleição, em especial para o voto. Poucas vezes, porém, os pobres foram tão desprezados como hoje, sob este Governo golpista. São uma espécie de mortos-vivos que só atrapalham.

E se esses pobres são mulheres, a dose de desprezo do presidente misógino é dupla: dias atrás, agrediu e ofendeu uma mulher anônima que tentou contestá-lo: “Tenho certeza que você nem sabe quanto é 7 vezes 8″, respondeu mal-humorado, para humilhá-la.

Para as mulheres que ainda menstruam e não têm condições financeiras de comprar absorventes, como jovens estudantes, presas pobres ou moradoras de rua, cerca de 4 milhões, a quem o Estado oferecia gratuitamente esses produtos de higiene pessoal, havia amparo legal. E Bolsonaro vetou essa lei. E, diante das críticas, reagiu com raiva, avisando que nesse caso descontará a despesa dos gastos com educação.

Se a inflação está nas nuvens e corrói a economia dos pobres, não há problema. Se não podem comprar carne, essa que o Brasil exporta para meio mundo, que peguem os ossos que os mercados jogam no lixo. Se o arroz aumenta, que comam só a casca, que é mais barata, ou feijão quebrado, que antes nem se vendia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, cuja fortuna que esconde em paraísos fiscais foi descoberta, dança em uníssono com o presidente no desprezo pelos pobres. Ele sugeriu, por exemplo, que aqueles que podem comer todos os dias deem os restos de seus pratos aos pobres em vez de jogá-los no lixo. E ironiza as empregadas domésticas que também querer viajar para Miami.

O fato de os mais pobres terem sido os que mais morreram na pandemia pouco importa, pois eles são um peso-morto. Só são úteis na hora de vender o voto por alguns quilos de comida.

E se diante do flagelo da inflação o preço da gasolina disparou, que os pobres se desloquem a pé ou de bicicleta. Se o preço do gás de cozinha dobrar de preço, que cozinhem com lenha como antigamente. E se o preço da energia aumentar, o que esses pobres fazem? O ministro da Economia deu a eles uma receita: que tomem banho com água fria. Ou que desliguem a televisão. Teria também a vantagem de que não se informariam sobre a corrupção dos políticos, aqueles que, como o ministro, escondem seu dinheiro para não pagar impostos.

Mas para que nos preocuparmos tanto com as penúrias desses pobres se eles são resistentes ao desalento? Os pobres, dizem os muito ricos, são sofridos e sabem esperar e esquecer. E ainda mais se forem negros, triste herança da escravidão. Bolsonaro chegou a dizer que pesam arrobas e que não servem nem para procriar.

E, no entanto, sem esses milhões de pobres os mais ricos não poderiam viver felizes. São os novos escravos da civilização moderna e tecnológica. São o alívio de quem tem tudo de sobra.

Em todos os governos do mundo, os pobres ou migrantes, os novos proletários, sempre recebem apenas os restos da opulência. Hoje, no Brasil, o abandono dos mais pobres é mais sangrento do que nunca. Fazia muito tempo desde o fim da ditadura que não havia tantos milhões não só de pobres, mas de famintos.

Quando se pensa às vezes que a democracia é coisa de ricos, é preciso lembrá-los de que a pobreza e a miséria crescem em proporção direta com os governos autoritários e ditatoriais. Não existe política de justiça social nas ditaduras. Durante a ditadura franquista na Espanha, que durou 40 anos, a fome voltou e os ricos ficaram ainda mais ricos. Pensem, aqui mais perto, por exemplo, na Venezuela ou em Cuba.

Talvez o mais positivo no Brasil no momento, segundo as pesquisas, seja que 70% da população prefira a democracia às ditaduras. Isso quer dizer que mesmo os menos cultos compreenderam que a opressão e a falta de liberdade estão em proporção direta com o agravamento da pobreza e que, no final, os afeta mais do que a ninguém.

Tudo isso até que essa massa de mortos-vivos que são ignorados como se não existissem, descubra que existem, que são importantes, que também eles têm dignidade, que são mais do que objetos e que passem a conta aos satisfeitos e donos do poder e da riqueza, um território para o qual eles ainda não têm passaporte.

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08
Out21

Políticos precisam de projeto transformador para o Brasil

Talis Andrade

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É preciso revolucionar a política, começando pela economia, para não transformar o Brasil rico em recursos naturais em um país de famintos

 
 
por Juan Arias
 
O Brasil atravessa uma das maiores crises políticas desde a democratização. As próximas eleições ainda são uma grande incógnita e poderiam evocar novamente a ameaça de um golpe se Jair Bolsonaro visse que poderia perder a reeleição, principalmente se as pesquisas continuarem apontando Lula como vencedor. Qual poderia ser, nesse caso, a reação do Exército?
 

Enquanto isso, os partidos e políticos do arco democrático, diante do deserto de ideias novas para recriar a imagem desgastada de um país cada vez mais cético e desiludido, ainda não conseguiram surpreender a nação com um projeto realista e esperançoso para reconstruir uma nova sociedade que consiga reconquistar a confiança em si mesma.

Para isso, o novo projeto de nação precisaria revolucionar toda a política, começando pela economia, para não transformar o Brasil rico em recursos naturais em um país de famintos e miseráveis. Precisa também repensar toda a questão da educação, já que continua sendo um dos países onde o ensino é desprezado e onde os professores seguem sendo os mais mal pagos e os menos respeitados do mundo moderno. A educação precisa de uma revolução que leve em conta todas as iniciativas de inovação já em andamento nas democracias.

O Brasil precisa urgentemente de uma revolução copernicana na política ambiental, hoje destroçada pelo Governo bolsonarista, algo que preocupa e deixa em alarme até os outros países do mundo.Image

O Brasil precisa repensar urgentemente uma nova política sanitária após a catástrofe e os escândalos que estão aparecendo no Ministério da Saúde, que ficou em má situação com a política de corrupção engendrada durante a pandemia.

Também é preciso resgatar dos escombros a maltratada e desprezada cultura, reduzida a um deserto que envergonha até os menos cultos.

E a política externa, que já foi louvada como uma das mais dinâmicas do mundo? Com quais países queremos andar de mãos dadas em busca do lugar que o Brasil merece por sua importância planetária? Queremos continuar olhando pelo retrovisor ou queremos caminhar olhando para a frente para não perder o passo dos países que já estão vivendo no futuro?

E a ciência? O Brasil continua sem ter nenhum Nobel e, como temos visto na política negacionista da pandemia, a ciência tem sido desprezada até extremos inconcebíveis.

O Brasil ainda caminha aos tropeções, sem um rumo seguro e original, caindo nos mesmos pecados de sempre. Enquanto isso, os partidos − da esquerda à direita ou ao centro − que pretendem substituir um Governo que empobreceu o país em todos os aspectos ainda não conseguiram apresentar, nem individual nem coletivamente, um projeto de nação inovador e confiável para os eleitores.

A única grande preocupação que mais uma vez aparece é como conquistar votos sem explicar o que fazer com eles. Continuam olhando para o próprio umbigo. O que parece lhes importar não é tanto a nação em si nem como retirá-la das ruínas em que a loucura do bolsonarismo destrutivo a transformou. Em vez de os partidos se preocuparem em ver quem apresenta um projeto mais inovador de país, eles parecem interessados em ver quantos senadores ou deputados ou governadores poderão conseguir nas próximas eleições.

É a velha e desgastada política dos interesses próprios, pessoais ou partidários. O interesse do país como nação lhes interessa pouco. O que mais lhes interessa é continuar tirando proveito da política com “p” minúsculo, que se confirma com a visão estreita de quem só sabe olhar para o próprio umbigo.

Nem mesmo o PT de Lula, apontado pelas pesquisas pré-eleitorais como vitorioso contra qualquer outro candidato, apresentou até agora um programa que surja como uma nova visão do país, algo revolucionário para lançar o navio em alto mar rumo à conquista de novos horizontes.

Ao que parece, o próprio Lula, apesar de contar com milhões de votos e em vez de ele e seu partido já terem, juntamente com os outros partidos progressistas, apresentado um projeto revolucionário e transformador, está dedicando suas forças à política pequena de sempre, procurando garantir possíveis candidatos para aumentar suas fileiras no Congresso e nos Estados. Essa é a velha política, que tanto contribuiu para a chegada do novo fascismo bolsonarista.

O que parece difícil de entender é como o PT, partido com tanta história, não consegue encontrar novos dirigentes jovens, com mentalidade de modernidade, alheios à velha política desgastada, capazes de ver o mundo pelos olhos dos o futuro. Jovens capazes de entender que a política também evoluiu e precisa de sangue novo para saber se adaptar à grande revolução mundial.

Hoje se fala também sobre os possíveis candidatos da chamada terceira via para quebrar a luta entre esquerda e extrema direita. Mas o que estamos vendo é uma guerra de egos para se candidatar à presidência, em vez de eles também proporem esse novo projeto de nação capaz não só de garantir a democracia, como de oferecer projetos concretos e críveis que sirvam para resgatar o país da desconfiança e do descrédito geral da política. Um projeto que acabe com o maldito mantra político de que “eles são todos iguais”. Não são, mas precisam ser capazes de convencer os eleitores do contrário com fatos.Image

Pode haver uma surpresa desagradável se, nas próximas eleições, os partidos não golpistas não conseguirem convencer os eleitores de que é possível sair do inferno e da desesperança para os quais foram arrastados pelo bolsonarismo fascista e golpista ou pelo capitão, que demonstrou que nem sabe nem tem interesse em governar em uma democracia e sonha em ter o poder absoluto dos velhos ditadores. Isso significaria perder, por muitos anos mais, a esperança de que é possível esperar algo diferente e melhor da política.

Muito pessimismo? Talvez, mas é que as misteriosas nuvens de poeira que começam a preocupar várias cidades do Brasil poderiam ser o triste simbolismo de uma involução política destinada a contaminar até mesmo as instituições que deveriam garantir a democracia e a modernização do país.

 

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