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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

20
Set22

Sem surpresa no ataque à Serra do Curral

Talis Andrade

Parque da Serra do Curral: um respiro de natureza com uma vista  deslumbrante em BH – blog da kikacastroEstrada para o mirante 3 – Foto de Parque Da Serra Do Curral, Belo  Horizonte - Tripadvisor

Estrada para o Mirante 3 e Parque da Serra do Curral, fotos de Cristina Moreno de Castro (Blog da KICACASTRO)

 

Texto escrito por José de Souza Castro:

 

Às três horas da madrugada do último sábado, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), ao fim de mais de 18 horas de reunião virtual, aprovou por oito votos a quatro, o licenciamento total para o Complexo Mineral Serra do Taquaril.

É mais um ataque à Serra do Curral, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Pouca surpresa para alguém, como eu, que já escreveu tanto sobre esses ataques a essa serra rica em minério de ferro.

Talvez eu pudesse me surpreender pela hora (três da madrugada, quando boa parte das aves que moram ali estão dormindo) em que os esforçados burocratas do governo de Minas encerraram o processo de votação. Num sábado!

Não faço ideia de quem os esporeou – ou de quanto ganharam de bônus pelo trabalho extra. Há empresários que sabem recompensar bem seus subordinados, quando o lucro possibilitado pela dedicação e empenho de um grupo de oito pessoas é previsivelmente muito grande.

Mas tem gente que trabalha até de graça…

Também não me surpreendi, nem um pouco, ao ler que o representante da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) votou a favor da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa).

Se a Fiemg me surpreendeu alguma vez, foi na época em que seu presidente era o esloveno Stefan Bogdan Salej. Me surpreendeu tanto, que me animei a contar a história dele num livro disponível para baixar de graça na biblioteca deste blog. Ecologia e meio ambiente eram conceitos corriqueiros naquele tempo em que havia “Um estranho no ninho do peleguismo empresarial brasileiro”.

 

Charge O TEMPO 02-05-2022 | O TEMPO

 

Estou curioso para ler no blog de Salej a reação dele a mais um ataque à Serra do Curral.

Por outro lado, ando descrente da possibilidade de que a Justiça impeça que esse novo ataque que se fez sob as bênçãos do governador Romeu Zema – um empresário bem sucedido – se concretize.

Enfim, boa sorte aos ambientalistas e políticos que vão tentar a empreitada de reverter a decisão do Copam em ano eleitoral.

 

Charge de Genin - Vila de Utopia

14
Abr18

Carta a Lula da Silva

Talis Andrade




 


Texto escrito por José de Souza Castro:

 

Está difícil escrever sobre tudo o que assisti e li hoje, mas essa carta de Eugênio Aragão, o último ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, diz muito do que estou sentindo neste momento, depois de ver Lula saindo a pé do Sindicato dos Metalúrgicos, onde uma multidão impediu que ele saísse de carro, para se entregar à Polícia Federal e ao juiz Moro. Tirei a carta e a foto do Diário do Centro do Mundo, enquanto escuto, no meu bairro, o espocar de foguetes e o som estridente de buzinas...

lula nos braços do povo no dia da prisão.jpg 

Foto: Paulo Pinto/ FotosPublicas

À carta:

“Lula, sem querermos incorrer na rasa pieguice, precisamos dizê-lo hoje mais do que nunca: você fez muito para nós, brasileiras e brasileiros. Você mostrou que há um Brasil inclusivo possível, um Brasil onde todas e todos cabem, sem distinção de gênero, renda, origem, cor, credo ou opção sexual. Um Brasil generoso que nem você, que a maioria de nós só imaginava em sonho. Você tornou um pouco desse sonho real.

Você ensinou tolerância, respeito aos que pensam diferente, amor aos que dele carecem. Onde passa, você cativa, abraça e beija. E o faz com sinceridade, mostrando que a empatia não é uma mercadoria só encontradiça em campanha eleitoral.

Você irradiou esperança, sem iludir ninguém. Nunca se perdeu pelo caminho fácil dos rótulos e chavões. Foi sincero e verdadeiro, coisa que é tão rara de se encontrar num meio onde o poder é disputado sorrateiramente, com quimeras e mentiras. Você não hostilizou os hipócritas, mas não se rebaixou a eles.

 

lula no dia da prisão.jpg

Foto: Paulo Pinto. Lula discursa antes de se entregar

 

Acusaram-no de ter confiado demais nos políticos da tradição patrimonialista, o que não é verdade. Você precisou de base para governar e criou um consenso parlamentar inédito para isso. Só com ele foi possível atender à dívida secular com a massa de excluídos deste país. Não pôde barrar ninguém que se dispusesse a lhe dar apoio nessa empreitada, ainda que, depois, muitos vieram a traí-lo.

Mesmo traído, nunca quis mal aos traidores. Estendeu-lhes a mão, mostrando que o interesse do país é maior que as emoções pessoais. Não cultivou ressentimentos e mostrou a nós que política se faz com a cabeça e o coração, mas jamais com o fígado e a bílis.

Apesar de injustiçado, fez questão de honrar todas as vias processuais, todas as instâncias decisórias para reverter uma sentença sórdida, politiqueira, corporativa e meganhocrata. Mostrou paciência e respeito pelas instituições, mesmo quando, irritadas e açodadas, não o respeitaram. Esgotou todos os meios e mostrou uma fé inquebrantável na Constituição que jurou cumprir como presidente da República.

Você é muito maior que os que o ousaram julgar, não pelos cânones legais, mas por vaidade ou pusilanimidade, por preconceitos falso-moralistas, por arrogância ou prepotência, por ambição e por interesse político indisfarçável. E está firme, consolando a todas e todos que neste momento de seu padecimento público querem-no prantear. Você não nos deixa cair na autocomiseração e nem no pessimismo, mas nos levanta e ensina a aceitar a eventual derrota como mero percalço no caminho da vitória inexorável.

Por tudo isso, Lula da Silva, nós agradecemos e assumimos o dever de continuar sua luta, que é a luta de todos nós. Você voltará nos braços das multidões e ensinará a seus detratores que não há força maior que a verdade e a justiça, mesmo que estas não se encontrem nas mãos de uns burocratas regiamente pagos e, sim, na soberania popular em que, não pífias virtudes concurseiras, mas o voto de confiança merecida do povo que o elegeu é que vale.

Obrigado, Lula da Silva”

Que a prisão lhe seja leve...

 

lula nos braços do povo antes de ser preso.jpg

Foto: Ricardo Stuckert 

16
Jul17

Contradições, omissões e obscuridades na sentença do juiz Moro

Talis Andrade

dukelula_julz.jpg

Texto escrito por José de Souza Castro:

 

Os advogados do ex-presidente Lula entraram na sexta-feira (14) com embargos declaratórios à sentença do juiz Sérgio Moro que condenou o ex-presidente da República a nove anos e seis meses de prisão. Para eles, a sentença contém contradições, omissões e obscuridades.

 

“A ausência de imparcialidade”, afirmam os advogados Cristiano Zanin Martins, Roberto Teixeira, José Roberto Batochio e Valeska Teixeira Martins, “ficou ainda mais evidente pelo teor da sentença proferida no dia 12.07.2017 — com as indevidas considerações feitas em relação ao EX-PRESIDENTE LULA e à sua Defesa”.

 

O documento de 67 páginas talvez nem seja lido pelo juiz, mas quem se interessar pode acessá-lo AQUI. Os advogados já se preparam para entrar na segunda instância, em Porto Alegre, com o recurso de apelação.

 

Eles sintetizam as omissões, contradições e obscuridades encontradas na sentença:

 

1. Omissão no tocante às afirmações feitas pelo juízo em relação ao ex-presidente Lula e sua defesa;


2. Omissão e contradição no tocante à negativa de juntada da íntegra dos procedimentos licitatórios, contratos e anexos discutidos na ação (item 192) e o reconhecimento de vícios e ilegalidades em relação à contratação envolvendo a Petrobras e os Consórcios Conpar e Conest/Rnest com base em documentos selecionados pelo Ministério Público Federal na apresentação da denúncia, com manifesto cerceamento de defesa e violação à garantia da paridade de armas;


3. Omissão, contradição e obscuridade quanto à desqualificação das declarações prestadas por testemunhas que corroboram a tese defensiva, estas de ilibada reputação e que ocuparam – ou ainda ocupam – relevantes cargos na Administração Pública enquanto, convenientemente, se deu desproporcional (e indevido) valor probatório às declarações do corréu Léo Pinheiro, a delatores e candidatos a delatores e, ainda, a reportagens jornalísticas;


4. Contradição ao desqualificar os diversos instrumentos e as instituições de auditoria, de controle interno e externo, que não detectaram atos de corrupção ligados ao ex-presidente Lula, e reconhecer, ato contínuo, existência de corrupção como “regra do jogo” e relacioná-la ao ex-presidente Lula;


5. Omissão em relação aos fatos efetivamente relacionados à transferência do empreendimento Mar Cantábrico à OAS Empreendimentos Ltda. pela Bancoop e seus desdobramentos;


6. Omissão quanto ao exercício das faculdades inerentes à propriedade da unidade 164-A do Condomínio Solaris do Município do Guarujá/SP, pela OAS e pela desconsideração dos fartos elementos de prova que mostram que o ex-presidente Lula jamais teve a propriedade ou a posse do imóvel;


7. Omissão e contradição quanto à origem dos valores utilizados no custeio do empreendimento e das melhorias na unidade 164-A e, ainda, da importância conferida às palavras isoladas de um corréu após a negativa da prova pericial requerida pela Defesa;


8. Contradição ao defender sua imparcialidade desrespeitando diversas vezes o ex-presidente-Lula e sua defesa;


9. Omissão quanto aos evidentes equívocos apresentados na reportagem do “Globo”, apontados nas alegações finais do ex-presidente Lula;


10. Omissões quanto à pena aplicada.


As 62 páginas seguintes são dedicadas a esmiuçar cada um desses itens. Entre as conclusões dos advogados, destaco as seguintes:

 

“A lógica adotada por este juízo é deveras contraditória: quando se faz uma menção favorável à acusação, considera-se que as declarações estão abrangidas no objeto da denúncia – como feito com Delcídio do Amaral e Pedro Corrêa – e são relevantes para o processo. Todavia, quando há depoimentos que desconstroem o “contexto”, rechaçando a versão do órgão acusador, no entendimento deste juízo tais depoimentos apenas “tangenciariam os fatos do processo”.

 

“A sentença embargada dedica longos parágrafos — número muito superior aos 5 dedicados para análise de relevantes provas ofertadas pela Defesa nas alegações finais após exaustivas diligências (813/817) — para promover ataques contra o ex-presidente Lula e seus defensores. Segundo o “decisum” teriam sido adotadas “táticas bastante questionáveis”, “de intimidação”, além da prática de “diversionismo”. Reporta-se, frequentemente, às ações promovidas contra os agentes públicos da Operação Lava Jato, ainda pendentes de julgamento ou de decisão final. Na verdade, ao fazer tais afirmações, o juízo deixou de levar em consideração (omissão), dentre outras coisas, que: (i) qualquer autoridade pode ter os seus atos questionados no regime republicano, na esteira do ditado citado pelo próprio “decisum” no item 9613 ; (ii) o juízo confunde a atuação combativa da Defesa, indispensável à administração da Justiça (CF/88), com aviltamento da sua autoridade; (iii) o juízo fez considerações absolutamente inapropriadas à Defesa ao longo das audiências”.

 

“O real conteúdo da prova testemunhal colhida durante a instrução processual — foram 73 testemunhas ouvidas em 24 audiências — foi verdadeiramente ignorado por este juízo. (…) O depoimento de José Sérgio Gabrielli, pessoa de reputação ilibada e carreira profissional exemplar, que ocupou, relembre-se, a presidência da Petrobras de 2005 a 2012, é um perfeito exemplo disso. Qual o critério para se dar total credibilidade a um coacusado buscando redução de pena e se descartar a veracidade das afirmações de um ex-presidente da Petrobras, de indubitável lisura e probidade — ouvido sob o compromisso de dizer a verdade?”

 

Vou parar por aqui. Os advogados devem estar sendo bem remunerados por seu trabalho e, portanto, precisam ir em frente. Não é o meu caso e, certamente, não o dos leitores.

 

 

20
Jun17

A crise atual de um capitalismo tão duro quanto o do século 18

Talis Andrade

por José de Souza Castro

 

capitalismo Nayer.jpg

 

 

 

No momento em que a maioria entre nós parece desalentada com a situação política e econômica em que vive, ouvi e li nos últimos dias dois velhos pensadores – um político paranaense e um professor português – que indicam uma porta de saída para os brasileiros submetidos ao governo Temer.

 

Começando com o político e a crise brasileira, que pode ser ouvido aqui, numa entrevista dada ao site “Diarinho”. O mais importante são os quatro minutos iniciais. O senador Roberto Requião, do PMDB, é um crítico de seu partido no governo e defensor das Diretas Já. Ele governou o Paraná em dois mandatos, pelo PMDB.

 

Em resumo, Requião explica porque criticava a política econômica de Lula orientada pelo então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que presidiu a Associação de Bancos Estrangeiros no Brasil. E a de Dilma, que escolheu Joaquim Levi ministro da Fazenda ao ser reeleita. Escolhas inadequadas de dois banqueiros para um projeto de nação brasileira. “Mas Dilma fez um acordo conosco de convocar eleições gerais no Brasil se o impeachment não passasse”, afirma o senador.

 

O impeachment passou e veio Michel Temer com a “Ponte para o futuro”, plano econômico feito pelos bancos, diz Requião. “Uma proposta de extrema direita num mundo que não aceita mais o liberalismo econômico”, acrescenta.

 

Segundo ele, trata-se de uma proposta de dependência do Brasil num momento em que o mundo começa a rejeitá-la e em que o único país que está conseguindo alguma coisa de sinal de saída para essa crise é Portugal, que está com um governo socialista. “Portugal abandonou a austeridade fiscal, aumentou o salário dos aposentados, aumentou o salário mínimo e está fazendo investimentos públicos”, afirma.

 

Parêntesis: Sobre o que ocorre em Portugal após as eleições gerais de 2015, quando a esquerda reconquistou o poder, vale ler a entrevista do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, 76 anos, professor da Universidade de Coimbra, publicada domingo pela “Folha de S.Paulo“. Trecho: “Tornou-se o único governo de esquerda na Europa a governar à esquerda. Promove o fim dos cortes em pensões e salários, reverte a precarização dos contratos de trabalho, torna o sistema fiscal mais justo, reforça a educação pública. E a economia começa a crescer. Neste momento, a economia portuguesa é uma das que mais crescem na Europa, mais de 2%. O desemprego está nos níveis dos anos 1990, 9%. O déficit público está a diminuir”.

 

Requião lembra que o mundo já saiu de crises piores, e exemplifica: o presidente Roosevelt tirou os Estados Unidos da crise, diminuindo a carga horária do trabalhador e aumentando o salário mínimo, com grandes investimentos públicos. A saída foi proposta ao presidente por um empresário, Henry Ford, o criador da linha de montagem na indústria norte-americana e que foi copiada, na Alemanha, por um banqueiro: o ministro da Economia Hjalmar Schacht, que também cortou juros da rolagem da dívida, entre outras medidas postas em prática durante o governo Hitler.

 

Conforme Requião, Schacht, numa associação com grandes empresas alemãs, abriu a possibilidade de investimentos em infraestrutura. “Com isso, acabou com o lucro estéril da rolagem da dívida e garantiu uma rentabilidade para grandes projetos, recuperando a economia a partir de investimentos do Estado”. Ao imitar Ford e sua linha de montagem, conseguiu também acelerar a produção industrial alemã, deixando Ford apreensivo. Conta o senador:

 

“Roosevelt quis condecorar Ford, e ele não aceitou a condecoração. ‘Você vai me condecorar enquanto eu estou quebrando a economia americana?’, ele disse. E Roosevelt pergunta o motivo. ‘Porque essa produtividade está sendo copiada pelas empresas industriais alemãs. Estamos aumentando a produtividade e não tem consumo. Nós vamos explodir’, respondeu. E o presidente pergunta: ‘Então, o que eu faço?’. ‘Você diminui a carga horária e aumenta os salários e depois disso faça grandes investimentos públicos’, sugeriu Ford. Exatamente o contrário do que esse pessoal tá fazendo no Brasil hoje e já estava fazendo no governo do PT.”

 

Michel Temer, suponho, deve estar fazendo por ignorância ou, simplesmente, para agradar a Donald Trump, cada vez mais ameaçador, a exemplo de Hitler.

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A crise do capitalismo global

 

O segundo entrevistado é o português António José Avelãs Nunes. É doutor em Direito e professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, da qual foi vice-reitor, depois de ter participado dos cinco governos que se seguiram à Revolução dos Cravos (1974) que pôs fim à ditadura Salazar. Esteve neste ano no Brasil há um mês, para o lançamento de seu último livro: “A Revolução Francesa na História do Capitalismo”.

 

Em entrevista ao Conversa Afiada, Avelãs Nunes faz um resumo de apenas 24 páginas de seu pensamento sobre a crise atual do capitalismo. Pode-se ler em pouco tempo. É um texto claro, sem a inconveniência do sotaque português da linguagem oral que por vezes nos confunde. Apesar disso, vou fazer um brevíssimo apanhado.

 

Vivemos, diz ele, na “Europa alemã”, desde a criação da União Europeia, do euro, do Banco Central Europeu. E das regras destinadas a impor o deutsche euro como instrumento de domínio da Alemanha sobre os restantes países da zona do euro, cujos dirigentes se sujeitam ao papel de governadores das províncias ou colônias “do império alemão em que transformaram os estados ditos soberanos que integram a eurozona”.

 

Referindo-se ao novo presidente francês, Avelãs Nunes diz que “Macron limitou-se a seguir o exemplo de Hollande, que Perry Anderson classificou como ‘o intendente francês do sistema neoliberal europeu’. O grave é que, agora, os dirigentes sociais-democratas europeus integram as fileiras da Europa de Vichy”. (Vichy foi o presidente francês que submeteu seu país a Hitler, na segunda guerra mundial).

 

Hoje, afirma Avelãs Nunes, há uma crise do capitalismo e, no seio dela, uma crise da Europa, “que não é apenas uma crise financeira, mas também uma crise econômica, política e social, que se apresenta também como uma crise da democracia”.

 

A crise do capitalismo vem de longe, mas agora surgiu um fenômeno novo, a estagflação. Ao contrário do que sempre tinha acontecido até então e contra tudo o que ensinavam os manuais de Economia, explica Avelãs Nunes, “coexistiam agora, no quadro de um capitalismo altamente monopolizado, situações de inflação elevada e crescente e situações de estagnação ou mesmo de regressão da atividade econômica”.

 

Outros fenômenos observados globalmente são a tendência para a baixa da taxa média de lucro no setor produtivo da economia e a financeirização da economia. Com sua hegemonia, o capital financeiro “chama a si uma parte significativa da mais-valia criada nos setores produtivos”.

 

É o capitalismo de cassino que atrai capital “em busca de rendimentos elevados a curto prazo, em prejuízo do investimento (a médio e a longo prazos) nos setores produtivos (aqueles onde se gera a mais-valia)”, diz Avelãs Nunes. Para quem os setores produtivos são forçados a suportar taxas de juro mais elevadas e os bancos comerciais não se distinguem dos bancos de investimento, podendo todos “investir” em atividades especulativas e nos “jogos de cassino”.

 

As tentativas de enfrentamento se frustraram e a situação se agravou após o desmoronamento da União Soviética e da comunidade socialista, quando “os neoliberais de todos os matizes convenceram-se, mais uma vez, de que o capitalismo tinha garantida a eternidade, podendo regressar impunemente ao ‘modelo’ puro e duro do século XVIII. A vitória da ‘contrarrevolução monetarista’ abriu o caminho ao reino do deus-mercado, à sobre-exploração dos trabalhadores, assumindo sem disfarce o genes do capitalismo como a civilização das desigualdades”, analisa Avelãs Nunes.

 

Segundo ele, o neoliberalismo consolidou-se como ideologia dominante e corresponde a uma nova fase na evolução do capitalismo:

 

“O neoliberalismo é o reencontro do capitalismo consigo mesmo, depois de limpar os cremes das máscaras que foi construindo para se disfarçar. O neoliberalismo é o capitalismo puro e duro do século XVIII, mais uma vez convencido da sua eternidade, e convencido de que pode permitir ao capital todas as liberdades, incluindo as que matam as liberdades dos que vivem do rendimento do seu trabalho. O neoliberalismo é o capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades. O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo, hegemonia construída e consolidada com base na ação do estado capitalista, que é hoje, visivelmente, a ditadura do grande capital financeiro”.

 

Vai em frente o pensador português:

“É o neoliberalismo que informa a política de globalização neoliberal, apostada na imposição de um mercado único de capitais à escala mundial, assente na liberdade absoluta da circulação de capitais, que conduziu à supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo e à criação de um mercado mundial da força de trabalho, que trouxe consigo um aumento enorme do exército de reserva de mão de obra.”

 

individualismo capitalismo .jpg

 

 

Alguém duvida que seja esse o problema dos brasileiros que se submetem ao governo Temer?

 

No restante da entrevista, o professor Avelãs Nunes continua na sua análise da crise do capitalismo e tenta dar respostas aos problemas diagnosticados. Mas, depois de tudo que leu até aqui, se não se interessou pela entrevista na íntegra, que pode ser lida aqui, só me resta ir direto ao último parágrafo:

 

“Sabemos muito bem que o trabalho que nos espera é um trabalho longo e difícil. Vale a pena acreditar nos poetas, acreditando que o sonho comanda a vida e que a utopia ajuda a fazer o caminho. Em tempos de (outra) ditadura, Chico Buarque sonhava e cantava o seu “sonho impossível”, porque acreditava nele, apontando-nos o caminho: “Lutar, quando é fácil ceder / (…) Negar, quando a regra é vender / (…) E o mundo vai ver uma flor / Brotar do impossível chão”. Apesar das dificuldades, temos de dar razão a Geraldo Vandré (que o Chico cantou): ‘quem sabe faz a hora, não espera acontecer.’ Porque (ainda o Chico) ‘quem espera nunca alcança'”.

 

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