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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

15
Jan24

Jornalista Ivan Maurício

Talis Andrade
 
 

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Morreu em Olinda, no dia 2 último, o jornalista pernambucano Ivan Maurício. Ele tinha 72 anos e, ao longo de mais de 50 anos de carreira, passou por diversos veículos de comunicação do estado e foi secretário de imprensa do governo de Pernambuco, além de diretor de comunicação da Câmara Municipal de Olinda

O jornalista morreu em casa. Em agosto de 2023, ele sofreu um edema pulmonar causado por uma crise hipertensiva. Depois, também teve uma infecção urinária grave. Ivan Maurício passou 42 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Ivan Maurício trabalhou no antigo Diario da Noite e foi chefe do Jornal Vanguarda, de Caruaru, no Agreste. Também foi diretor-geral do Diario de Pernambuco.

Foi secretário de imprensa do ex-governador João Lyra Neto (PSDB), em 2014, no período em que Eduardo Campos (PSB) deixou o governo para disputar a presidência do Brasil.

Além de jornalista, ele também foi político e chegou a disputar as eleições para o Senado pelo PSD, em 1985, e a vereador de Olinda pelo MDB, em 2020.

O velório e sepultamento de Ivan Maurício aconteceram no Cemitério de Santo Amaro, no Centro do Recife.

 

Repercussão

 

A governadora Raquel Lyra (PSDB), que é filha do ex-governador João Lyra Neto, emitiu uma nota de pesar e disse que recebeu com tristeza a notícia da morte de Ivan Maurício, "com quem convivi mais de perto no período em que foi secretário de imprensa do governo João Lyra".

O prefeito de Olinda, Professor Lupércio (PSD), disse que "Ivan Maurício foi referência no jornalismo pernambucano. Passou pelos principais veículos de comunicação e teve destaque pelo grande comprometimento com a informação".

Afirmou, também, que recebeu com tristeza a notícia da morte do jornalista e pediu "que Deus conforte a família e os amigos neste momento tão difícil".

João Lyra Neto, também por meio de nota, lamentou a morte do jornalista: "O meu abraço de solidariedade à família e inúmeros amigos de Ivan Maurício, que nos deixou ontem, 02. Ivan foi jornalista competente em todos os projetos profissionais que abraçou, tanto na longa carreira nos veículos de comunicação, como também como secretário de Imprensa, quando tive a honra de governar o nosso Estado. 

Ivan deixa também em seu legado um defensor, incansável, da democracia. Pernambuco se despede de um de seus jornalistas mais respeitados e eu, particularmente, de um amigo de muitos anos. Que Deus console a todos!".

Apesar das campanhas eleitorais, Ivan nunca foi um político, e sim um estudioso da sociedade e do povo, um jornalista por vocação, um cientista político, um artista, e uma alma de santo franciscano.

07
Nov23

Vaquinha do ICL para Núcleo Periférico de Renato Freitas

Talis Andrade

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O deputado Renato Freitas (PT) recebeu nesta segunda-feira (30) o fundador do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Eduardo Moreira.

Pela manhã, o empresário e economista Eduardo Moreira, com anos de atuação no sistema financeiro, visitou a sede do Núcleo Periférico de Curitiba, projeto idealizado por Freitas há 10 anos. À tarde, o empresário acompanhou parte da sessão plenária na Assembleia Legislativa do Paraná, quando recebeu uma homenagem do deputado.

“Aqui nessa tribuna ouvimos pessoas mentirem e destilarem todo o tipo de ódio para depois, subirem aqui e dizer: - “Eu? Eu nunca menti”. E assim, vociferam mais uma mentira”, lamenta Renato.

De acordo com o deputado, para combater as fake News que ameaçam a democracia brasileira é necessário, além do sufrágio universal, da garantia do voto a cada dois anos, o povo precisa de informação. “As pessoas têm o direito de saber quem são aqueles que se dizem representantes públicos, mas, diferente da maioria do povo, não frequentam a unidade de saúde, não usam transporte público e não estudam nas escolas da rede estadual ou municipal de ensino”, explicou o deputado.

Para ele, “A mídia tem um papel fundamental na democracia brasileira, mas não a mídia monopolizada, nas mãos de cinco famílias, e sim a mídia independente, como o Instituto Conhecimento Liberta, o ICL. E presto nesse momento, uma homenagem ao Eduardo Moreira que visita esta casa de leis e faz jornalismo com o mais alto grau de qualidade.

 

Quem é Eduardo Moreira

Um dos principais apoiadores do Núcleo Periférico, Moreira doou um forno industrial, com capacidade de produzir 1.000 pães diariamente, e ontem, participou da primeira fornada. “As pessoas falam muito em pão “nosso”, mas a gente vive em um modelo de sociedade na qual só tem o pão “meu”. E aqui no Núcleo Periférico, podemos ver que o pão é realmente nosso, que mata a fome, que dá esperança, qualificação profissional para que as pessoas saiam daqui mais fortes para enfrentar esse mundo repleto de obstáculos”, afirmou.

“Todo mundo enfrenta dificuldades na vida, mas as pessoas não têm ideia dos obstáculos percorridos por quem é atendido aqui, situações que elas passam desde que nasceram, são histórias de abuso de toda a ordem. Então, reconhecer que essas pessoas vivem com dificuldades muito além das outras, é o primeiro passo para nos oferecermos para ajudar”, disse.

Ex-banqueiro, Eduardo foi eleito um dos três melhores economistas do Brasil pela Revista Investidor Institucional, foi reconhecido como o melhor aluno do Curso de Economia da Universidade da Califórnia nos últimos 15 anos e, entre outras honrarias recebidas, Moreira foi o primeiro brasileiro a ser condecorado pela Rainha Elizabeth II por seu esforço para eliminar o uso da violência no treinamento de cavalos no Brasil.

 

Como funciona o Núcleo Periférico de Curitiba

O Núcleo Periférico oferece apoio para quem está em situação de rua, dependentes químicos e quem já teve passagem pelo sistema penitenciário e não tem condições sequer de buscar um emprego. As atividades oferecidas são: aulas de capoeira, de dança, de yoga, muay-thai, cursos de corte e costura, criminologia, panificação, serigrafia e de cinema. Além dos cursos, o núcleo oferece também acolhimento para orientação jurídica, psicológica e assistência social. O atendimento é feito de segunda à sexta-feira, das 9h às 20h.

 

Vaquinha do ICL para o Núcleo Periférico de Curitiba

Em Curitiba, Moreira disse que está preocupado com as ameaças que Renato Freitas vem sofrendo e com a perseguição que o deputado petista tem que enfrentar na Assembleia Legislativa do Paraná, onde frequentemente os adversários cogitam cassar o seu mandato.

O principal trabalho social mantido por Renato é o Núcleo periférico, que atende a pessoas de rua e em risco alimentar, onde são oferecidos cursos e servida alimentação e espaço para banho.

Mas por falta de recursos a iniciativa não consegue atender à demanda. Foi aí que, no programa ICL Notícias – 1ª Edição de hoje (31), Eduardo pediu à comunidade do ICL que ajudasse. “O tempo inteiro o poder público conservador de Curitiba tenta desmobilizar o trabalho que o Renato faz em Curitiba, mas saiba, irmão, que você vai montar um centro de referência e esses caras vão ter de se curvar à vontade do povo e a energia da mudança. O sonho vira verdade porque o povo comprou a sua ideia e a briga agora é nossa”, disse Moreira.

“Vamos fazer um centro de referência no país, que ofereça um serviço melhor que o da Prefeitura, que tem nojo de pobre. Vai oferecer um serviço mais digno que os deputados que têm ódio de pobre. Com esse centro sendo referência e as pessoas encontrando ofício, com as oficinas, com a padaria, com os cursos de corte e costura, com a parte de serigrafia, professores de artes marciais e outros cursos tudo isso funcionando de maneira exemplar, ninguém vai querer te matar, Renato. Porque te matar vai ter um custo alto”.

“Atendemos mais de 300 pessoas diariamente. Alguns estão há dias sem tomar banho e a gente oferece uma ducha, dá um kit de higiene, toma café da manhã, passa por enfermeiros, advogados e serviço social”, explica Renato Freitas. Ele lembra que o prefeito Rafael Greca (PSD) tentou criminalizar e punir qualquer que oferecesse uma quentinha para os moradores de rua. Sem o apoio do poder público, centro social mantido por ele tem alcance limitado. Greca é o político profissional que declarou ter " nojo de pobre".

O Núcleo Periférico oferece apoio para quem está em situação de rua, dependentes químicos e quem já teve passagem pelo sistema penitenciário e não tem condições sequer de buscar um emprego. As atividades oferecidas são: aulas de capoeira, de dança, de yoga, muay-thai, cursos de corte e costura, criminologia, panificação, serigrafia e de cinema. Além dos cursos, o núcleo oferece também acolhimento para orientação jurídica, psicológica e assistência social. O atendimento é feito de segunda à sexta-feira, das 9h às 20h.

Para participar, acesse: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/urgente-ajude-o-renato-freitas-a-construir-um-centro-de-referencia-para-pessoas-em-situacao-de-rua-em-curitiba ou clique aqui

Disse Renato Freitas: Hipócritas, distorcem minhas palavras e editam minhas ações nos bastidores dos jornais comprados e tendenciosos da mídia especializada em lavagem cerebral. O protesto pacífico pela vida, com mensagem de amor e justiça, é passado pelos jornais como vandalismo criminoso que merece ser preso e ter a casa invadida e revirada às 6h da manhã de um dia qualquer. Assim as “autoridades” como Matheus Laiola estão acostumados a lidar com nóis, “pé na porta, mão na cabeça, cadê a droga, cadê a arma? Como assim não é bandido? Melhor confessar, senão vai ser pior!” E fazem isso porque contam com a cumplicidade da mídia, que pertence ao próprio governador, como no exemplo aqui do Paraná com o filho do Ratinho, o Júnior. Por isso a importância fundamental do ICL Notícias para o que resta da democracia e dos democratas brasileiros. O conhecimento liberta.

Renato Freitas: Fui censurado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, que me interrompeu e cortou meu microfone porque eu critiquei os hipócritas religiosos que se escondem atrás da bíblia para pregar o ódio, a vingança e a morte. Ironicamente, Ademar Traiano, presidente da casa e deputado há mais de 30 anos, vestiu a carapuça e passou a se comportar como um rei esnobe frente aos súditos. Já não é a primeira vez que esse coronel da velha política tenta me silenciar com ameaças de cassação, as últimas foram arquivadas, já que infundadas. A verdade é que ele não consegue ver em mim um deputado igual a ele, talvez porque eu não seja mesmo, mas em direitos e deveres eu sou, e exijo respeito!

Discurso de Renato Freitas no dia da Cassação do seu Mandato de Vereador

29
Out23

Jornalismo não é propaganda

Talis Andrade

Genocídio em Gaza!

 

Não existe imparcialidade na atividade jornalística, é claro, mas se trata de uma área que precisa estar pautada pela objetividade e diversidade. A questão palestina e o estado colonial de Israel

 

por BRENO ALTMAN, Opera Mundi

Algumas pessoas - umas de modo gentil, outras nem tanto - estão criticando Opera Mundi e a mim pela entrevista que está marcada com Raphael Machado, do grupo Nova Resistência, acerca do pensamento de Alexandr Dugin, para a próxima quinta-feira, 21 de setembro, às 11h

Argumentam que seria incabível um canal de esquerda entrevistar alguém com o perfil ideológico de um duguinista ou até que essa conversa seria prova de aproximação minha em direção a essa corrente. 

Todos e todas tem o óbvio direito de criticar o que fazemos ou deixamos de fazer, e provavelmente essas críticas estarão certas muitas vezes. Mas não se pode confundir jornalismo com propaganda e militância, apesar dos pontos de encontro. 

Não existe imparcialidade na atividade jornalística, é claro, mas se trata de uma área que precisa estar pautada pela objetividade. Isso não significa abdicar de opiniões ou sequer abraçar uma fantasiosa isenção, mas ter compromisso com a apresentação dos mais diversos pontos de vista.

Esse é o grande serviço que deve ser prestado pelo jornalismo, principalmente o de esquerda: permitir a leitores e espectadores terem acesso ao máximo de informações e análises, para poderem elevar seu próprio grau de conhecimento e consciência sobre a realidade. 

A base do pensamento crítico está na materialidade dos fatos e na articulação de seu desenvolvimento histórico, a partir de estudos e debates. Quanto mais se conhece, mais crítico se pode ser. Quanto menos se sabe, maior a vulnerabilidade diante da propaganda e da manipulação. 

Mas vamos ao grão. 

Sou militante comunista de três gerações, por ascendência paterna e materna. Dedico-me, desde praticamente criança, ao que entendo ser a causa revolucionária e à luta pelo socialismo, dentro dos modestos limites que me foram estabelecidos pela vida. 

Não tenho simpatia ou proximidade com o duguinismo, cujos referenciais teóricos e práticos me parecem despropositados. No entanto, sou profissionalmente um jornalista. Não um propagandista ou um educador, ainda que eventualmente desempenhe tarefas nessas frentes, mas um jornalista.

Convidamos aos nossos programas pessoas com as quais concordo em quase tudo e outras com quem tenho divergências insuperáveis. Esforço-me para que as entrevistas sejam difíceis, explorando contradições, colocando em xeque esquemas de raciocínio, encurtando espaços para divagações ou sofismas. 

Não importa o alinhamento político-ideológico, os convidados e convidadas de Opera Mundi são tratados com respeito e cortesia, mas também com firmeza e rigor. Minha obrigação é tentar desnuda-los, para que o público possa conhecê-los melhor. 

Quem quiser estabelecer algo tão irrelevante como o que penso ou deixo de pensar, a partir das entrevistas que faço, irá apenas perder tempo. Na condição de jornalista, meu empenho é oferecer a mais vasta gama possível de vozes. 

Por fim, sugiro que os críticos ao convite a Raphael Machado se façam a seguinte pergunta: terão mais ou menos informações para batalhar contra o duguinismo depois de uma entrevista que eventualmente amplie o conhecimento das ideias que esse grupo defende?

Espero que tenha deixado claro meu ponto de vista sobre a atividade profissional que desempenho e a orientação editorial de Opera Mundi. 

Fora da polêmica, da diversidade e do direito à opinião, o jornalismo seria um cemitério.

Vídeo: Breno Altman, jornalista e fundador do site Opera Mundi, que é judeu, faz duras críticas ao que classificou de ‘Estado colonial de Israel’ e as consequências para o povo palestino na Faixa de Gaza e Cisjordânia. A questão da Palestina na pauta do programa Revista Brasil TVT.

20
Set23

Além da pauta: como a campanha #Chacina11doCurió contribui para qualificar a cobertura do caso

Talis Andrade

Imagem: Samuel Setubal/Jornal O Povo

A campanha  

Passados oito anos desde a chacina, a primeira sessão do julgamento dos 44 réus (todos policiais militares) estava marcada para 21 de junho de 2023. Em meados de abril, as equipes de comunicação da Defensoria Pública do Estado, do Ministério Público do Ceará, do Comitê de Prevenção e Combate a Violência da Assembleia Legislativa e do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/Ceará) se reuniram. “Era preciso unificar a comunicação e criar uma unidade visual que retratasse os crimes”, conforme texto disponível no site da Defensoria, a fim de mobilizar a sociedade para buscar a responsabilização dos crimes. 

Além de um site que reconta os fatos daquela noite trágica e resgata as histórias de cada um dos 11, a campanha incluiu um perfil no Instagram e uma identidade visual que se estenderia em banners, adesivos, camisas e faixas usados por aqueles que se uniam às mães para pedir justiça para as vítimas do Curió. O bairro, curiosamente, leva o nome de um pássaro. “É um canto bonito este que se une em solidariedade e em rede por justiça. Embora cheias de dores e de ausências, essas Mães conseguiram selar na história – graças a sua mobilização – o nome dos 11 do Curió, em favor da justiça. Assim como elas se reuniram, as instituições também se unem para um somatório de forças”, continuam em nota os assessores que assinam as peças. 

 

Além das inserções na mídia

Em 12 de maio, o perfil na rede social foi lançado e, de forma inteiramente orgânica, chegou a alcançar quase 60 mil contas em 30 dias. Entre os conteúdos, a história das vítimas, mobilização de parceiros, a cobrança por justiça, orientações para quem pretendia acompanhar presencialmente o julgamento e um balanço diário do júri. A iniciativa passou a concentrar as informações sobre o caso, unificando a comunicação e fortalecendo a mobilização social, sempre na perspectiva das mães das vítimas e não de uma ou outra instituição. 

A imprensa, especialmente a local, que acompanhava o caso com grande atenção desde 2015, ganhou um novo fôlego para a cobertura. Mais do que revigorar a pauta, que com o início dos julgamentos seria naturalmente retomada, a campanha deu mais visibilidade ao caso — contabilizando mais de 60 reportagens em menos de 15 dias, incluindo reportagens no Fantástico e no Jornal Nacional — e ampliou o debate para além dos 11 do Curió, localizando a tragédia dentro de um contexto nacional vivido nas periferias do País. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, entre as 47.508 mortes violentas ocorridas em 2022, 91,4% das vítimas eram do sexo masculino, 76,9% eram pessoas negras e 50,2% tinham entre 12 e 29 anos. Somente no ano passado, 6.429 pessoas foram mortas em intervenções policiais, uma média de 17 por dia. 

No último sábado (16), saiu a sentença do terceiro julgamento da Chacina do Curió. Até agora, seis policiais foram condenados à prisão e 14 foram absolvidos. No primeiro Tribunal do Júri, as penas de quatro réus somaram 1.103 anos e 8 meses de reclusão, com regime inicial de cumprimento fechado, e neste último julgamento as penas chegaram a 223 anos. Ainda restam cerca de 30 réus a serem julgados e não há novas datas para os julgamentos. 

A campanha #11doCurió deve seguir acompanhando a luta de familiares, mães e sobreviventes da chacina, colocando na prática aquela ideia aparentemente ingênua de quem ainda acredita que é possível transformar a realidade, partindo dos instrumentos do ofício para dar protagonismo a quem e ao que de fato precisa ser colocado em evidência.

24
Ago23

Parabéns, Celso Marconi. Ou uma vida de cinema

Talis Andrade
Celso Marconi
Celso Marconi (Foto: Reprodução/Vermelho)

 

Aos 93 anos completados nesse 23 de agosto de 2023, Celso Marconi ainda é o mais jovem crítico de cinema do Brasil

 

por Urariano Mota

- - -

Nessa quarta-feira 23 de agosto de 2023, Celso Marconi completou 93 anos de vida. Então eu vou ao texto que escrevi para o seu aniversário antes, quando ele era quatro anos mais novo. Não escrevo isso por graça, e procurarei explicar.

Todos sabemos que agora é mais difícil para ele, quando enxerga com dificuldade. Mas com o auxílio da sobrinha Trude e de uma curiosidade invencível, ele resiste. Então observo primeiro que Celso Marconi tem sido o crítico brasileiro de cinema com maior longevidade. Desconfio que não só no Brasil. Hoje e antes, não se tem notícia de críticos de cinema com a sua idade. Quero dizer, críticos de cinema em ação, a escrever e publicar todas as semanas, como ele veio fazendo até o vigor dos seus 92 anos.

A segunda observação é que aos 93 anos completados nesse 23 de agosto de 2023, Celso Marconi ainda é o mais jovem crítico de cinema do Brasil. Parece até um paradoxo, mas explico. Quem acompanha as mais recentes críticas, que ele tem publicado nas suas colunas do Vermelho, sabe do que estou falando. Lembro o texto-aula “O pioneiro filme crônica de um verão”, e este “Face a Face de Bergman”, em que ele volta ao clássico e relata a mais atual e revoltada percepção em julho de 2019:

 

Face a Face é melhor ser visto num aparelho individual, numa TV grande, mas de maneira que você possa parar quando estiver cansado, prostrado, e sair para comer um chocolate ou tomar um café antes de continuar. Penso que, se eu estivesse vendo esse filme de Ernst Ingmar Bergman hoje numa sala de cinema, eu gritaria para que parassem pra gente descansar um pouco....

A grande sequência do filme ocorre enquanto a doutora está internada no hospital e vive inúmeros momentos de alucinação. O diretor faz as cenas acontecerem em termos realistas, embora sejam todas verdadeiros sonhos. Dessa maneira, o espectador vivencia como se estivesse ele mesmo dentro da mente da personagem – e ele próprio vivendo todo o drama. A atriz Liv Ullmann, com a direção de Ingmar Bergman, consegue isso. Certamente hoje são poucas as pessoas que conhecem o cinema de Ingmar Bergman e isso se justifica pelo fato de que o atual presidente do País (em 2019) não tem a menor noção do que é Cultura, e sem dúvida nunca viu nem um filme de Ingrid Bergman – quanto mais de Ingmar! É uma pena. Com tantos elementos novos e fundamentais para mudarmos a nossa vida e podermos conhecer melhor o que é uma vida amadurecida, é lamentável que estejamos vivendo esse dilema de moralismos inúteis”

24
Jul23

Carol Cospe Fogo (1983-2023): veja 50 charges deste talento de BH

Talis Andrade

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BLOG DA KIKACASTRO

Para leitores pensantes.

Primeira mulher a receber o Troféu Angelo Agostini como melhor cartunista do Brasil, em 2019, Carol Andrade também era designer, e trabalhou em agências de publicidade como diretora de arte e ilustradora.

Apesar de também ser de BH e de trabalhar com muitos designers na minha vida de jornalista, eu não conhecia Carol Cospe Fogo pessoalmente. Era apenas mais uma dentre os milhares de fãs do trabalho dela, que eu acompanhava pelo Instagram (onde ela tinha mais de 15 mil seguidores) e Twitter.

Deixo, a seguir, algumas charges da Carol Cospe Fogo, que encontrei eu seu Instagram e Twitter, para que possam ser sempre reencontradas e espalhadas por aí. Vocês vão ver que a maioria é bastante politizada e crítica às atrocidades do (des)governo Bolsonaro. Ou seja, artes NECESSÁRIAS.

Fica sendo minha pequena homenagem à minha conterrânea, tão fera nas charges capazes de “cuspir fogo” em quem merece.

Clique sobre qualquer imagem para ver todas em tamanho maior

18
Abr23

“O Brasil vai ter de se refazer por inteiro”

Talis Andrade
 
 
 
UERJ | RESENHA: Antes de Nascer o Mundo, de Mia Couto - YouTube
 

“Sou ainda um poeta que vai de visita pela prosa”, diz Mia Couto, um dos mais reconhecidos escritores africanos contemporâneos. O autor moçambicano vem ao Brasil para uma homenagem no Clube de Leitura do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 12 de abril, quando fará uma leitura de Antes de nascer o mundo (1999).

Em entrevista à Cult, ele fala sobre as expectativas com o governo Lula, lamenta a falta de maior intercâmbio literário entre o Brasil e o continente africano e faz críticas ao monopólio da informação. “Há gente preocupada com que acabem os jornais impressos. O meu medo é que o jornalismo já tenha acabado”, diz.

Luís Costa entrevista Mia Couto

 
 

Luís Costa/ Cult - É sua primeira visita ao Brasil após o início do terceiro mandato de Lula, a quem declarou apoio nas eleições. Como tem acompanhado o desenrolar desses primeiros meses pós-Bolsonaro?

Mia Couto - Acompanho com muita esperança e mantenho-me o mais possível informado. Eu acho que esta é a fase da euforia, estamos ainda vivendo o que era sonhado numa espécie de estado de graça. É evidente que irão ocorrer aquilo que podemos chamar os pequenos choques da realidade. Por muito que nos guiemos por desejos de ruptura, governar é gerir o possível, é negociar diferenças e fazer cedências que nem sempre nos surgem claras a nós que não estamos no governo. Mas é importante pensar que o Brasil não vai ter apenas um novo governo. Vai ter de se refazer por inteiro e isso é obra que pede uma entrega e um entendimento de todos.

A construção de uma rede de diálogo onde havia apenas um rasgão da incomunicabilidade é talvez o maior desafio para a nação brasileira. Vivemos isso depois do final da guerra civil em Moçambique. Parecia impossível depois de tanto ódio acumulado. O grande desafio era como escutar o outro e como reumanizarmos todos juntos a nossa casa comum.

 

O primeiro governo Lula foi marcado por uma política de aproximação com os países do hemisfério sul, especialmente da África. O que espera desse novo governo?

Não espero, tenho a certeza de que essa tendência de aproximação recíproca vai ser retomada. Aliás, o presidente Lula já anunciou visitas a países africanos que deverão acontecer em breve. Mas não apenas as visitas. As mudanças serão, espero, bem mais profundas do que isso. O que não vai continuar a acontecer é esse virar de costas com os africanos que marcou a governação anterior.

 

Escritores brasileiros estão mais e mais mergulhando em literatura africana contemporânea e descobrindo clássicos do continente. Você considera esse movimento recíproco?

Infelizmente não tanto como deveria ser. É verdade que os brasileiros conhecem hoje muito mais as literaturas africanas (acho que é importante respeitar o plural quando se fala de África). Mas falta que esse conhecimento não fique preso ao que o mercado e as modas constroem. Os africanos também necessitam de ter mais acesso ao que se produz no Brasil. Não existe uma troca. O que existe (e é pouco e irregular) depende exclusivamente de entidades comerciais que são as editoras. Há um espaço dinâmico que são associações cívicas dos dois lados do oceano. Muito pouco é feito pelos governos.

 

Você é um leitor de clássicos brasileiros. É conhecida sua relação com a literatura de Guimarães Rosa. Você tem lido escritores brasileiros recentes?

O que é curioso e triste é que na década de 1960 e até meados dos anos 1970 (em que prevaleciam regimes ditatoriais no Brasil e em Portugal e nas suas colônias africanas) existia uma maior ligação com os escritores do Brasil do que agora. Hoje não chegam livros brasileiros a Moçambique. Assim sendo, tudo o que listar entre autores novos do Brasil fica sujeito a erros e omissões da minha parte. De qualquer modo, tocaram-me muito livros que chegaram a meu conhecimento de autores e autoras como Carla Madeira, Itamar Vieira Júnior, Ricardo Aleixo, Julian Fuks, Aline Bei, Jeferson Tenório, Socorro Acioli, Conceição Evaristo. Acho importante realçar que esse leque de autores mantém e amplifica a enorme diversidade de escolas, estilos e correntes. Essa literatura traduz as vozes tão díspares que compõem as culturas do Brasil.

 

Sua estreia literária foi como poeta e você é leitor voraz de poesia. Por que decidiu pela prosa?

Sou ainda um poeta que vai de visita pela prosa. Para dizer a verdade, faço de conta que acredito nessas fronteiras. Fomos aprendendo a arrumar o mundo, mas essa arrumação nem sempre é a mesma nas diferentes culturas. Em Moçambique, a lógica da metáfora poética contagia todo tipo de pensamento. Não existe nas filosofias indígenas de Moçambique fronteiras que separem o sonho do pensamento, a objetividade impessoal da entidade relacional. Do mesmo modo não se separa o vivo do que não é vivo, o orgânico do inorgânico. Não existe fronteira entre mortos dos viventes. Essa cosmologia tomou posse de mim como de todos os outros escritores moçambicanos.

 

O que tem de método de poesia na sua escrita de prosa?

Tem tudo. Sobretudo, a ausência de método. Essa ausência é bem visível num momento inicial, que é esse momento encantado em que tudo é possível. A história é ainda uma semente, não se sabe que árvore se esconde nela. Depois, a prosa pede escolhas radicais como se, ao podar a árvore, ela mudasse de natureza. O que nasceu como cerejeira pode vir um pé de ipê quando se lhe corta ou acrescenta um ramo. Como se cada galho fosse uma semente e nele morasse todas as potencialidades. Disse na resposta anterior que sou um poeta que, de quando em quando, emigra da oralidade para a nação da escrita em prosa. Mas o que pretendo no texto é sentir que devolvi à palavra escrita as vozes que a fizeram nascer.

 

E o que tem de jornalismo, ofício que exerceu por mais de uma década?

Sempre procurei no jornalismo aquilo que era mais do domínio da subjetividade e, por isso, os meus gêneros eram a crônica e a reportagem. O padrão da objetividade e da linguagem padronizada não exercia nenhum fascínio em mim. Nos dias de hoje, o jornalismo foi assaltado por uma vulgarização muito empobrecedora. Existem vozes e focos que resistem, mas esses nichos contam-se pelos dedos. Isto não tem de nostalgia passadista. Mas existe hoje um monopólio que reduziu a vitalidade e a pluralidade das versões que devem compor o retrato que fazemos do mundo. Há gente preocupada com que acabem os jornais impressos. O meu medo é que o jornalismo já tenha acabado.

 

No Brasil, você fará a leitura de Antes de nascer o mundo (1999), uma trama mágica sobre um refazimento do mundo. Mais de duas décadas depois, como você volta a esse romance a partir de sua leitura do mundo hoje?

Existe no romance um pai que se tornou insano por razões íntimas, mas que também deixou, como todos nós, de reconhecer o mundo como sendo dele, deixou de ser capaz de se sentir em casa e na família alargada que dizem que somos como humanidade. Esse pai tirano não interdita apenas ideias. Ele proíbe as lembranças, os sonhos, as rezas, as canções. Contudo, ele sabe que há no silêncio a gestação de toda a música. E é nesse nicho de falsas ausências que ele reconstitui a sua humanidade.

Esse livro foi escrito em 2009 e havia nessa altura, em Moçambique, a terrível herança de um conflito violentíssimo que dilacerou famílias e a nação inteira. Mas será que esse cenário mudou assim tanto mesmo depois de mais de duas décadas de paz? Quantas guerras nos continuam dilacerando em Moçambique e no mundo e que não são visíveis porque as notícias são produzidas com o fito de vender e de ocultar essas outras violências. Uma das guerras (talvez a mais grave) que está no livro e que permanece inalterada até hoje é a guerra contra as mulheres.

 

Moçambique enfrenta agora uma nova crise de cólera, agravada pela destruição causada pelo ciclone Freddy. Em 2019, o ciclone Idai já tinha arrasado Beira, sua cidade natal. Como você absorve esses desastres e essa permanência de uma tragédia que se renova?

Moçambique é uma das nações mais pobres do mundo. Enfrenta uma crise estrutural que é a miséria cotidiana que se reproduz em mais miséria. Não são apenas esses eventos episódicos que se tornam notícia internacional que temos de superar. Recordo-me que, na nossa guerra civil que durou 16 anos e fez um milhão de mortos, metade do país foi forçada a fugir e a refugiar-se nos países vizinhos, que são também pobres. Sete milhões de refugiados. Isso foi notícia nos media internacionais? Não.

Os ciclones possuem um efeito de espetáculo dramático, mas de efeito pontual como se, na rotina do cotidiano, tudo decorresse sem drama. É preciso, apesar de tudo, admitir que os ciclones em Moçambique serão muito provavelmente mais frequentes e intensos. Acontecerão com regularidade que os tornará menos propensos a serem noticiados. O que há a fazer? Uma vez mais, teremos de internamente arregaçar as mangas e lutar para prevenir e remediar de forma mais eficaz. Necessitamos de contar com a solidariedade internacional sem nunca ficarmos dependentes dela. Quatro anos depois da tragédia do ciclone Idai estamos ainda à espera de grande parte da ajuda prometida.

 

Está escrevendo ou planejando escrever um novo livro?

Sim. Estou desde há um ano a trabalhar num novo romance que tem como ponto de partida o início da Primeira Guerra Mundial em Moçambique. Este ano será publicada no Brasil uma antologia de contos intitulada As pequenas doenças da eternidade.

 

09
Mar23

JORNALISTAS Três pedras no nosso caminho

Talis Andrade

 

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É possível enfrentar as questões atuais do jornalismo e ainda encontrar equilíbrio? Foto: Rawpixel.com /post-image /Autor: Rogerio Christofoletti

 

por Carlos Castilho /objETHOS

Este texto é uma proposta de reflexão sobre três temas que já estão mudando a nossa visão do que é o jornalismo e qual a sua função dentro da realidade digital que começa a contagiar o mundo em que vivemos. A nova relação do jornalismo e dos jornalistas com a sociedade, as comunidades de trabalho como forma de exercício da atividade jornalística e a notícia vinculada à produção são três questões fundamentais no conjunto de novas práticas e teorias que já estão definindo a forma como a produção noticiosa é desenvolvida atualmente.

Notem que uso a expressão “atividade” em vez de “profissão” porque esta diferença está ligada à nova relação dos jornalistas com as comunidades que o cercam. A distinção é importante porque o termo “profissão”, dentro do campo do jornalismo, foi associado à condição de assalariado de uma corporação ou de alguém que vende trabalho físico ou produção intelectual.

A atividade jornalística na era digital começa a perder seu caráter fundamentalmente empregatício para assumir uma função social e isto não é apenas o resultado de uma opção ideológica, política ou humanitária. É sobretudo uma consequência do fato de que a produção de notícias está deixando de ser financiada por publicidade paga para se dependente do apoio de pessoas que necessitam de dados e fatos para tomarem decisões que afetam o seu dia a dia e sua sobrevivência.

Trata-se de uma mudança fundamental na atividade noticiosa porque até agora a maioria esmagadora dos jornalistas tinha em mente o establishment e os seus patrões na hora de produzir uma notícia, comentário, entrevista ou investigação. A prioridade no relacionamento com as pessoas ainda é um comportamento pouco presente na atividade jornalística, mas as redes virtuais ampliaram consideravelmente o alcance dos novos ecossistemas informativos (1) forçando o surgimento de pautas noticiosas mais vinculadas aos interesses dos segmentos tradicionalmente excluídos do debate público.

Há uma rápida multiplicação de softwares e estruturas de engajamento entre jornalistas e comunidades, o que reforça a tendência à inovação no âmbito das novas práticas do jornalismo contemporâneo. Há necessidade de que os cursos de jornalismo, tanto os presenciais como os a distância, levem esta discussão para as salas de aula, no mínimo para incentivar a interatividade entre professores e alunos sobre uma realidade que afeta ambas as partes. Há urgência na abertura de fóruns dentro das redações e fora delas para que repórteres, editores, comentaristas, programadores e designers percebam como os ecossistemas informativos estão mudando no Brasil e no mundo.

 

São Sebastião: O vácuo noticioso local

 

As fontes do jornalista estão deixando de priorizar os especialistas, dirigentes empresariais, governantes ou líderes políticos para, cada vez mais, recorrerem às personagens comuns que frequentam supermercados, farmácias, lojas, escolas e clínicas médicas. São estas pessoas que enfrentam problemas à espera de soluções que, em sua maioria, dependem de informações para serem alcançadas. São indivíduos que dependem das informações publicadas por jornalistas em blogs, páginas noticiosas locais ou redes sociais para decidirem o que fazer na sua rua, bairro, casa, transporte, educação ou saúde.

A agenda de Brasília concentrada nas polêmicas sobre teto de gastos, equilíbro fiscal e desoneração da gasolina continua relevante, mas perde o espaço na agenda jornalística local para questões como a solução do problema dos desabrigados pela tragédia de São Sebastião, no litoral de São Paulo. Alguém acha que as centenas de pessoas afetadas pela enchente do Carnaval está preocupada em ler a Folha ou o Estadão para saber se o Congresso nacional vai ou não votar o teto de gastos públicos?

Todas as atenções dos moradores de São Sebastião estão voltadas para os problemas de uma cidade que não tem canais de informação jornalística local e hiperlocal. É apenas um exemplo dramático de como o jornalismo local tem uma função social insubstituível numa situação extrema. Você, leitor, não acha que se houvessem jornalistas no local, informando sobre o local para moradores da região, todos teriam interesse direto na sobrevivência financeira desta iniciativa? Isto mostra como as pessoas podem vir a sustentar um jornal local desde que ele se torne indispensável para o bem-estar da população.

 

As comunidades jornalísticas de prática

 

O segundo tema desta proposta de reflexão é o trabalho coletivo dentro da atividade jornalística. Até agora predominou o esforço individual como motivação principal do trabalho noticioso. Há razões tecnológicas, funcionais e contextuais que explicam este comportamento, mas desde que as tecnologias digitais empurraram o jornalismo para o uso de múltiplas mídias, o exercício da atividade se complicou. A visão individualista ainda é majoritária no exercício do jornalismo, mas ele depende cada vez mais da interdisciplinaridade para produzir, por exemplo, noticiários mais envolventes graças ao uso combinado de texto, imagens (fotos, vídeos e animações), sons, dados e interatividade com outras pessoas. Na era analógica, já era necessária uma boa dose de trabalho em equipe, especialmente na televisão e no cinema. No ambiente digital, esta exigência se tornou ainda mais intensa e imprescindível.

O jornalismo online multimídia, o jornalismo do futuro, depende de equipes de trabalho onde as funções de complementam e se somam. Os softwares mudam constantemente o que obriga a atualização permanente dos envolvidos em atividades jornalísticas. Não dá para uma só pessoa estar permanentemente atualizada em todos os aspetos da multimídia o que impõe uma integração forçada dos encarregados de cada função e é aí que ocorre o conflito entre os comportamentos, regras e valores associados ao individualismo e as rotinas do trabalho coletivo. Esta mudança de comportamento não ocorre da noite para o dia e nem de forma espontânea. Ela precisa ser induzida pelo debate teórico e por instrumentos como as comunidades de prática (2). O trabalho coletivo em equipe é condição básica para a inovação informativa, algo que é permanente e estrutural na atividade jornalística.

Muitos ainda perguntam se nessas condições o diploma de jornalismo é indispensável para o exercício da atividade noticiosa. O diploma como pedaço de papel não vale nada. O que conta é a competência de quem participa da produção de conhecimentos e informações vinculadas ao interesse social em pequenas e médias comunidades. Isto é facilmente detectável pela prática tanto da convivência social com o público alvo como pela habilidade no manejo de programas e equipamentos eletrônicos. A nova conjuntura torna inevitável uma atualização e revisão dos currículos universitários do jornalismo em instituições de ensino superior, tanto na modalidade presencial como online. Mais ainda quando começa a ficar claro que as faculdades de jornalismo não produzem mais mão-de-obra para o mercado corporativo, mas promovem a formação de especialistas em informação para atuação em comunidades.

 

A falácia da notícia velha

 

E por último, o terceiro ponto a refletir é sobre o novo caráter da notícia. Ela perde o caráter de commodity comercializável na troca por publicidade e passa a ser um elemento fundamental na produção de conhecimentos, principalmente das pessoas comuns. Não se trata de um desejo, mas de uma realidade criada pelo fato de a internet ter gerado a publicação de uma superabundância de dados, fatos e eventos que reduziram a quase zero o valor econômico da notícia. Em compensação, aumentou a sua importância social porque as pessoas passaram a poder tomar decisões mais acertadas por disporem de mais opções de escolha.

Além disso, as novas tecnologias digitais de informação e comunicação acabaram com o conceito de notícia velha. O que temos hoje é a notícia não atualizada porque a produção noticiosa tornou-se um processo contínuo, dependente apenas do interesse e recursos de jornalistas investigativos. Os formatos clássicos de apresentação das notícias, como o uso da pirâmide invertida já não tem mais a relevância que tinham antes por que as narrativas se diversificaram em função da enorme variedade de produtores de informações viabilizada pelas redes sociais. A padronização de estilos imposta pelas limitações tecnológicas da era digital na hora de publicar notícias estão cedendo espaço para formatos tipo contador/a de histórias, especialmente quando a narrativa usa recursos multimidia e não linearidade.

Os três temas mencionados neste texto não são novos. Muitos de vocês talvez já tenham lido a respeito. O que ganha cada vez mais urgência é o fato de que estamos sendo atropelados pelas mudanças tecnológicas como a que já está em agenda como o uso da inteligência artificial para produção de conteúdos jornalísticos e a chegada em breve da computação quântica. A inovação tecnológica move-se por uma dinâmica própria e o jornalismo precisa assumir que o seu papel é de mediador entre a tecnologia da informação e as necessidades das pessoas. Não conseguiremos cumprir esta missão sem remover antes as três pedras colocadas em nosso caminho.

São muitos os enfoques e abordagens que podem ser adotados no debate sobre os três pontos que levantei. Eles não são definitivos e nem muito menos completos, porque o máximo que podem pretender é motivar interações no ambiente acadêmico.

 

Notas

  1. Ecossistema informativo é um conceito novo e que expressa o amplo conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, geográficos e culturais que condicionam os fluxos de dados, fatos e eventos a que estão expostos os membros de comunidades locais e hiperlocais. Um ecossistema não se restringe aos limites municipais ou distritais e nem ao tipo de veículo noticioso predominante na região, porque no ambiente digital as fronteiras físicas se tornaram fluidas e nebulosas.
  2. Comunidades de prática são estruturas formadas por pessoas com interesses comuns na busca de soluções de problemas, através da produção coletiva de conhecimentos. O elemento fundamental numa comunidade de prática é a adesão voluntaria e incondicional à proposta do grupo, porque disto depende a interatividade e criatividade na e

 

25
Nov22

Jornalismo, uma profissão que expulsa mulheres

Talis Andrade

jornalistas juniao.jpeg

Em curso um possível processo de "desfeminilização" no jornalismo, mesmo com maioria feminina.

 

por Dairan Paul /objETHOS

Escrevi, em meu último comentário para o objETHOS, sobre o custo emocional de ser jornalista. O argumento central do texto relacionava as condições precárias da profissão às rotinas e valores que orientam o jornalismo. Parte disso envolvia um imaginário de sacerdócio e missão inerente à figura do repórter, disponível a trabalhar 24 horas em nome de sua “causa”.

Neste texto, desdobro uma nova discussão para aprofundar os aspectos de gênero que sustentam a cultura “heroica” do jornalismo. São valores que acabam condicionando o acesso, permanência e ascensão de mulheres jornalistas em suas carreiras.

Em “News stories about fallen journalists”, Raymond McCaffrey, professor de ética na Universidade de Maryland, argumenta que a figura do jornalista como “herói” é um mito histórico. Advém de uma cultura das redações que recompensa comportamentos de risco, masculinos, em detrimento daqueles que expressam emoções – caso de coberturas duras, como guerras e acontecimentos traumáticos. “Na superfície, esse ethos não se relaciona diretamente aos princípios do jornalismo, como verdade, equilíbrio, independência e imparcialidade”, explica o pesquisador. No entanto, normas profissionais podem derivar de mitos que reforçam qualidades ausentes dos códigos profissionais, como a coragem e a propensão a tomar riscos. Assemelha-se ao discurso religioso do jornalista-sacerdote, acrescido de valores masculinistas que exaltam uma ideia de “força” e “poder”.

Tal conjunto de valores é apenas um dos fatores que explicam os entraves à permanência de mulheres no jornalismo. Indo mais além, recorro à diferença entre dois importantes conceitos, feminilização e feminização.

Neste artigo, Andressa Kikuti, Jacques Mick e Paula Melani da Rocha explicam que o aumento numérico da mão de obra feminina denomina-se feminilização. Feminização, por outro lado, refere-se às mudanças nas condições de trabalho por conta da inserção de mulheres no campo profissional. São as alterações que efetivamente põe em xeque as relações de poder sob domínio dos homens, impactando, por exemplo, as tomadas de decisão e cargos de chefia das redações.

Estes dois conceitos ajudam a explicar uma situação que, à primeira vista, poderia soar contraditória: como mulheres não recebem tratamento igualitário nas redações se o jornalismo brasileiro é uma profissão exercida majoritariamente por elas?

Ainda que os dados do Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 apontem uma leve redução de 6% no número de profissionais mulheres (de 64% em 2012 para 58% no estudo mais recente), o jornalismo continua sendo uma profissão bastante feminina. Ser maioria, entretanto, não implica mudanças automáticas na cultura machista das redações ou mesmo na ascensão de carreira das profissionais. Em outras palavras, o processo de feminilização não leva necessariamente à feminização.

É por isso que Kikuti, Mick e Rocha, ao analisarem as duas pesquisas (de 2021 e 2012), identificam uma possível “desfeminilização” no jornalismo – mesmo com uma maioria numérica na profissão. Percebem, quando se debruçam sobre os dados da survey nacional realizada no ano passado, que há uma queda no número de mulheres ainda atuantes na mídia, principalmente em cargos de editoras e repórteres. É o contrário dos homens, que permanecem atuando no jornalismo e, de quebra, detêm faixas de renda mais elevadas, superando dez salários mínimos. Daí a conclusão: o aumento de mulheres não implica automaticamente em maior equidade na divisão sexual do trabalho. Kikuti, Mick e Rocha afirmam que “a mídia brasileira mandou parte das mulheres para casa” – ao menos no jornalismo mainstream, nos quais cargos de chefia ainda são exceções para elas.

Essa percepção também é ratificada em outro estudo que investigou mudanças na carreira de 517 jornalistas brasileiros, cinco anos após participarem do Perfil de 2012. Camilla Tavares, Cintia Xavier e Felipe Pontes identificam que mulheres estão entre a maioria a deixar a profissão para exercer outras atividades, como assessoria de imprensa ou docência. O alto número de mulheres que não trabalham mais com jornalismo e estão desempregadas, 60%, é um possível indício das dificuldades estruturais de gênero no mercado de trabalho, afirmam as autoras.

O dilema entre vida social e profissional também contribui para a expulsão de mulheres no jornalismo brasileiro. Conforme atesta Felipe Pontes, “o jornalismo é uma profissão que tende a privilegiar os solteiros. E esse filtro dos que permanecem no jornalismo é mais estreito para as mulheres”. Isso porque o salário baixo reduz as expectativas de que constituam famílias; quando conseguem, isso se torna um problema, já que “[elas] tendem a não ver espaço nas hierarquias mais bem remuneradas do jornalismo – simbólica e materialmente dominada por homens”.

Diante desse quadro, afirmar que o jornalismo expulsa mulheres não parece soar tão exagerado. Embora não seja exclusividade da profissão, mas parte de um problema estrutural, busquei ressaltar neste texto alguns aspectos do jornalismo que contribuem para um entendimento masculinizado da profissão. Essa compreensão se dá a partir de valores que, por sua vez, representam horizontes desejáveis a determinados padrões de conduta para um jornalismo de “excelência” – como a coragem heroica e propensa a tomar riscos. E, a partir dessa qualidade estipulada, tomam-se decisões organizacionais que, eventualmente, barram a entrada e permanência daqueles(as) que não estão “aptos” ao ethos das redações.

24
Out22

Covarde agressor de cinegrafista durante prisão de Roberto Jefferson é identificado e exonerado do cargo de assessor de vereador

Talis Andrade

Imagem com montagem das fotos do assessor Diogo Lincoln Resende e do cinegrafista Rogério de Paula

Diogo Lincoln Resende, ex-assessor parlamentar, e Rogério de Paula, cinegrafista da Globo 

 

247 - A Câmara de Vereadores de Três Rios (RJ) exonerou o assessor parlamentar Diogo Lincoln Resende, que foi filmado agredindo o cinegrafista Rogério de Paula, da Inter TV Serramar, afiliada da Rede Globo, durante a cobertura  da prisão do ex-deputado bolsonarista e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, na tarde do domingo (23), no município de Comendador Levy Gasparian. Lincoln era assessor do vereador da cidade de Três Rios Robson Souza (PSDB), conhecido como Robson Dentista.

Segundo o G1, a Câmara de Vereadores de Três Rios divulgou uma nota afirmando que o pedido de imediata exoneração à presidência da Casa foi feito pelo vereador Robson de Souza (Robson Dentista), assim que soube do ocorrido: ‘não teve outra alternativa’.

Diogo Lincoln foi identificado após as imagens em que aparece dando um soco no cinegrafista serem divulgadas nas redes sociais. O cionegrafista também foi jogado ao chão e teve uma crise convulsiva após bater a cabeça contra o piso do local. Até a manhã desta segunda-feira Rogério de Paula permanecia internado na UTI. O quadro de saúde do profissional, porém, é estável

De acordo com a Polícia Civil, o agressor miliciano será indiciado pelo crime de lesão corporal e deverá prestar depoimento nesta segunda-feira (24).

Conforme informações divulgadas pela Inter TV, o cinegrafista Rogério de Paula passou por exames e seu quadro de saúde é estável. Ele deixou a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) na manhã desta segunda (24), mas continua internado no quarto comum do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Três Rio. Ainda de acordo com o G1, a previsão é de que ele receba alta da unidade médica nesta terça (25).

Rogério de Paula completou 31 anos de trabalho na Inter TV na semana passada. No sábado (22), teve seu premiado documentário 14 Bis – Voando pela História exibido no Festival de Cinema de Petrópolis. O repórter cinematográfico da parceria da emissora líder também foi vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo em 2011, pela cobertura da tragédia que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro no mesmo ano.

 

Exonerado bolsonarista admirador de Roberto Jefferson miliciano

 

“Casa Legislativa trirriense vem a público externar repúdio às atitudes do assessor parlamentar Diogo Lincoln Resende, no episódio ocorrido em Comendador Levy Gasparian neste domingo, dia 23.

Essa não é a atitude que se espera de um servidor.

Informamos também, que após ter ciência do ocorrido, o vereador Robson de Souza (Robson dentista) não teve outra alternativa e solicitou à presidência, a exoneração imediata do servidor. Já que o vereador não compactua com qualquer tipo de violência e desrespeito. Ainda mais com um jornalista no exercício da sua função. Ressaltamos que o vereador é a favor da democracia, diálogo e da liberdade de expressão.

O presidente da Câmara de Vereadores, Ercules Rodrigues (Professor Erquinho) – defensor da liberdade de imprensa e do respeito aos profissionais que fazem seu trabalho com responsabilidade – também manifestou-se e repudiou todo e qualquer tipo de agressão seja verbal ou física .

Ao cinegrafista, nossos votos de célere recuperação”

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