Qualquer garimpeiro faz autodeclaração de onde extraíu o ouro que vende a empresas que vendem no exterior, inclusive ao Banco Central de Roberto Capos Neto, o herdeiro da lanterna na popa de vagulume
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Normas frágeis e fiscalização precária permitem que o ouro saia da floresta e chegue até os grandes centros urbanos
por Guilherme Henrique /DW
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O ouro é o principal motivo da tragédia que atinge o povo yanomami, extraído por garimpeiros que deixam um rastro de destruição por onde passam. A atividade ilegal é favorecida por legislação frágil e fiscalização precária, que abrem espaço para que o metal precioso saia dos confins da floresta e seja comercializado em barras ou em joias nos grandes centros urbanos do Brasil e do exterior.
A lei em vigor estipula que o garimpeiro que vende ouro a uma empresa preencha, ele mesmo, uma nota fiscal em papel indicando o local de onde o metal foi extraído. Além disso, segundo a norma é presumida a boa-fé do vendedor, isentando o comprador da necessidade de checar a origem do ouro ou da responsabilidade por eventuais declarações falsas.
Como o Brasil não tem um sistema eficiente de rastreabilidade do ouro, se a Polícia Federal (PF) recebe alguma denúncia ou suspeita de fraude, precisa checar uma a uma as informações indicadas nas notas fiscais e as lavras de onde o ouro supostamente foi retirado – uma investigação difícil de produzir resultado.
Por esse motivo, alguns especialistas ouvidos pela DW afirmam que melhorar o rastreio na comercialização de ouro no Brasil seria, no longo prazo, até mais importante do que impedir a entrada de garimpeiros nas reservas indígenas, como vem sendo feito em caráter emergencial na Terra Indígena (TI) Yanomami.
O caminho do ouro ilegal
Atualmente, o garimpeiro leva o ouro que extraiu a uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), que são empresas autorizadas pelo Banco Central e pela Receita Federal a comprar o metal. Ele indica então na nota fiscal o local de onde o ouro foi extraído, a chamada Permissão de Lavra Garimpeira (PLG).
As lavras garimpeiras são autorizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) a pessoas físicas, com 50 hectares, e jurídicas, com 1.000 hectares. Em ambos os casos, é necessário obter licença ambiental do órgão onde a lavra está situada e um descritivo técnico de como ela será explorada, assinada por um geólogo.
Na teoria, a lavra garimpeira serve para identificar a origem do ouro. Na prática, sua existência no formato atual serve, em muitos casos, para mascarar o metal obtido ilegalmente. É o que se convencionou chamar de "garimpo fantasma", termo cunhado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em um estudo feito em parceria com o Ministério Público Federal e divulgado em agosto de 2020.
Por meio de imagens de satélite, os pesquisadores cruzaram a origem declarada do ouro com a geolocalização das lavras garimpeiras. Eles descobriram que muitas lavras, onde deveria haver extração do metal, só existia mata nativa, sem qualquer intervenção humana. Assim, os especialistas entendem que aquela área serviu para "legalizar" ouro extraído irregularmente – de uma reserva indígena, por exemplo.
O esquema revelado pelos pesquisadores em parceria com o MPF mostrou que, de 2019 a 2020, 6,3 toneladas de ouro produzidas no país vieram de lavras sem garimpo, com movimentação aproximada de R$ 1,2 bilhão. Vender ouro cuja origem é fraudada pode ser enquadrado como crime de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Vozes da floresta
No momento de vender o ouro para uma DTVM, o garimpeiro escreve na nota fiscal seus dados pessoais, a quantidade e a origem do metal. "É uma autodeclaração. Ele não vai dizer que retirou ouro da Terra Indígena Yanomami, mas vai colocar a identificação de uma lavra garimpeira qualquer", afirma Larissa Rodrigues, gerente do Instituto Escolhas, organização da sociedade civil que desenvolve estudos e análises econômicas para o desenvolvimento sustentável.
Segundo um levantamento feito pela organização com base em 40 mil registros de comercialização do metal, cerca de 229 toneladas de ouro vendidas no país de 2015 a 2020 tinham indícios de irregularidades. "Quem compra esse ouro, a DTVM, se resguarda baseada na lei que está em vigor. Por isso, é muito difícil responsabilizar as pessoas que estão cometendo ilegalidades. É importante que nós possamos melhorar a legislação rapidamente", diz.
Em agosto do ano passado, um projeto de lei apresentado pelas então deputadas federais Joênia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Funai, e Vivi Reis (PSOL/PA) propôs endurecer as regras sobre venda e compra de ouro e ampliar sua rastreabilidade. Esse texto tem apoio da Receita Federal, do Banco Central e da ANM, e é avaliado pelo governo federal para ser possivelmente editado como medida provisória.
"Essa facilidade com que o ouro ilegal entra no mercado formal estimula as invasões em terras indígenas e das unidades de conservação. Mudar a legislação, mas não só isso, vai inibir a presença dos criminosos não só na Terra Indígena Yanomami, mas em outras regiões, como no Pará", afirma Larissa.
Investigações em andamento
Gustavo Geiser, perito da Polícia Federal (PF) em Santarém, no Pará, afirma que esse projeto de lei tem um texto "maduro" e com boas proposições, e que se o governo transformá-lo em uma medida provisória será "algo a se comemorar".
A região de atuação de Geiser é crucial para entender o caminho do ouro ilegal no Brasil, sobretudo o extraído em Roraima, onde fica parte da Terra Indígena Yanomami afetada pelo garimpo. Em cidades paraenses, incluindo Santarém e Itaituba, onde também há intensa atividade garimpeira, o metal irregular é "legalizado" ao ser vendido em DTVMs amparadas pela boa-fé que resguarda dos compradores.
Como mostrou uma reportagem da agência independente Repórter Brasil, em junho de 2021, baseada em inquéritos da PF, o ouro extraído da Terra Indígena Yanomami estava sendo comercializado nas lojas F'D Gold e Ourominas, ambas em Itaituba.
As duas empresas estão sendo investigadas pela Justiça brasileira, mas negam qualquer irregularidade. "Essa é uma circulação que nós investigamos. Há muito ouro ilegal e legal circulando aqui. Há uma relação logística nesse sentido. O mesmo grupo que circula em Roraima, circula no Pará também", diz Geiser.
Tecnologia como aliada
Para ele, parte do problema da circulação do ouro ilegal poderia ser resolvida com a tecnologia. "O ponto central é a possibilidade de ter um banco de dados. O ouro que é comprado no Brasil não é registrado. Nós precisamos ter a tecnologia a nosso favor", diz.
Larissa, do Instituto Escolhas, corrobora. "É preciso haver um rastreio capaz que demonstre esse fluxo desde a extração. Uma possibilidade é a nota fiscal eletrônica, mas há outras alternativas", diz. Ela cita como exemplo a utilização de registros similares aos de blockchain, capaz de integrar os dados e informações dos processos minerários e dos fluxos de produção, e a implementação de cadastro digital de todas as pessoas físicas e jurídicas aptas a movimentar e comercializar ouro.
Na PF, Geiser chama a atenção para o programa Ouro Alvo, que busca criar um acervo com partículas de ouro do Brasil e identificar irregularidades. De 2019 a junho de 2022, a PF apreendeu 733 quilos do metal em operações no país. "O ouro muda de acordo com a região do país. A intenção é para seguir mapeando as características do ouro e coibir ilegalidades", diz.
Apesar de estarem amparados pela lei, Larissa afirma que compradores nacionais e internacionais precisam exigir de seus fornecedores mais indicativos de que o ouro vendido não tem origem ilegal. Ela ressalta que pelo menos 50% do metal negociado pelo Brasil tem sangue indígena ou está relacionado ao desmatamento.
Nos últimos meses, a PF tem tentado rastrear o caminho do ouro rumo à Europa. Em outubro de 2021, a Repórter Brasil mostrou que a BP Trading, principal exportadora de ouro do país, tinha negócios com empresas nacionais investigadas por aquisição do metal oriundo de terras indígenas. A BP Trading afirmou na época em nota que "mantém rigorosos controles quanto à origem do mineral adquirido de seus fornecedores" e que é "condição inafastável para a realização de suas operações que o minério esteja acompanhado da devida documentação pertinente exigida pela legislação em vigor".
"Praticamente todo o ouro do Brasil é exportado para grandes economias, como Canadá, Suíça, Reino Unido [e outras na] Europa. Nós sabemos que não há um certificado de pureza ou algo similar, mas essas empresas internacionais precisam pressionar por algo nesse sentido. E, se houver desconfiança quanto à procedência, não comprar", afirma Larissa.
Vozes da cidade
Veja aqui os caminhos, os desafios, as soluções e a importância da rastreabilidade para o mercado do ouro. E do tráfico.
No formato de painéis, o Correio Braziliense aprofunda a temática com a presença de especialistas, autoridades e profissionais.
Causa espanta que no país do tráfico do ouro, o presidente do Banco Central compre toneladas e mais toneladas do ouro roubado desde o Brasil Colônia, o ouro escondido dos debates na Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das manchetes da Imprensa, dos estudos das Universidades. É isso aí: o Brasil compra ouro porque não tem nenhuma mina. Ainda existem uns dois ou três garimpos perdidos na floresta, relatam os contrabandistas e mercadores.
AMAZÔNIA SEM LEI
Comandante do Estado-Maior militar disse à Funai que o pedido emergencial deveria ser tratado com outro órgão público
* Pedido caráter urgente foi dirigido pela Funai em 6 de fevereiro
* Almirante qualificou o pedido urgente da Funai como “consulta”
por Rubens Valente /Agência Pública
Um ofício do Ministério da Defesa obtido pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra como o órgão se recusou a atender um pedido urgente feito pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joênia Wapichana, que poderia agilizar o socorro de emergência e a distribuição de alimentos aos indígenas Yanomami em Roraima.
O MD argumentou que o pedido deveria ser direcionado a outro órgão do governo, a Secretaria Nacional de Aviação Civil, que é vinculado a outro ministério, o de Portos e Aeroportos. Em resumo, disse que é um assunto civil, não militar. De uma lista prioritária de 50 pistas, aceitou discutir reformas em apenas quatro, que estão vinculadas a instalações militares.
Em 6 de fevereiro, também por ofício, a presidente da Funai havia solicitado o apoio do Ministério da Defesa para a manutenção e a reforma de 50 pistas de pouso dentro do território Yanomami “em caráter emergencial”, medidas que são “necessárias para a realização das ações de saúde, segurança e infraestrutura, e em caráter emergencial, o combate à desnutrição e à malária, que tanto assola aquele povo”. A Funai também havia pedido que o MD encaminhasse um plano de trabalho “com cronograma detalhado” das reformas para que pudesse “acompanhar as ações com equipe em campo, o mais brevemente possível, considerando a urgência do pleito”.
Conforme um relatório apresentado por Joênia ao MD e produzido pela empresa de táxi aéreo que presta serviços à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a Voare Ltda., das 50 pistas listadas como prioritárias, 31 têm “cabeceiras comprometidas por obstáculos”, 26 têm seu cumprimento “comprometido por avanço da vegetação”, 33 têm a pavimentação “comprometida pela presença de vegetação rasteira densa”, 17 têm “pavimentação comprometida pelo acúmulo de água”, entre outros problemas (os números somados excedem a 50 porque há pistas com mais de um defeito ao mesmo tempo).
Assim, muitas das ações que a Funai pediu ao Ministério da Defesa são consideradas por indigenistas de baixa dificuldade de execução. Em muitos casos, seria apenas retirar o mato rasteiro das pistas e podar árvores nas proximidades. Em outras pistas é necessária a instalação de sinalização para evitar acidentes, inclusive com a população indígena. A melhoria dessas pistas permitiria, segundo a Funai, o acesso mais rápido das equipes de saúde às aldeias, em um vasto território no qual o transporte aéreo é fundamental para reduzir as mortes dos Yanomami consideradas evitáveis, como desnutrição, malária, pneumonia e doenças diarreicas.
“Todas as condições observadas neste relatório podem contribuir para ocorrências que coloquem a vida dos tripulantes, equipe médica e a dos próprios indígenas em risco. Ainda, que compromete todo o atendimento à comunidade indígena”, diz o documento assinado pelo diretor de segurança operacional da Voare.
O pedido em caráter urgente foi dirigido pela Funai ao MD em 6 de fevereiro, uma semana depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto sobre a emergência Yanomami. Os militares do MD levaram 20 dias para responder por escrito. Em ofício do último dia 26, o comandante do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire, primeiro disse que “foram realizadas duas reuniões, nos dias 14 e 15 de fevereiro” sobre o assunto. Os encontros teriam sido “coordenados” pela Casa Civil da Presidência da República com a presença de representantes do MD e “integrantes do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior da Aeronáutica”.
O almirante qualificou o pedido urgente da presidente da Funai de “consulta”. Sobre a “consulta”, disse o almirante, “cabe mencionar que a Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) é responsável por propor ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPA) a celebração de instrumentos de cooperação técnica e de investimentos que envolvem o setor de aviação civil e de infraestruturas aeroportuária e aeronáutica civil”.
“Neste contexto”, escreveu o comandante do Estado-Maior, “aquela Secretaria [SAC] possui contratos firmados com diversos órgãos e empresas, inclusive, no caso da Região Amazônica, também com a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, cuja missão compreende a manutenção das pistas de pouso de interesse daquele Comando, visando contribuir para a soberania nacional e o progresso do país. No tocante aos contratos atualmente firmados com a COMARA, cabe salientar que equivalem à plena capacidade daquela Comissão nos próximos dois anos”.
Ou seja, o representante do Ministério da Defesa argumentou que o Comara não tem condições de fazer novos contratos pelo menos até 2025. O almirante encerrou o ofício dizendo que “faz-se necessário, por parte da Funai, realizar gestões junto à SAC” para atender apenas quatro pistas, Surucucu, Auaris, Palimiú e Missão Catrimani, isto é, apenas as quatro pistas que estão ligadas a instalações militares. Em duas delas, Surucucu e Auaris, as obras estariam encerradas, segundo os militares.
A Pública apurou que, depois do mal-estar causado entre indigenistas por essa resposta, houve uma nova reunião entre representantes do MD, da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas. Nesse encontro, os militares teriam então apresentado um cálculo do suposto custo total das obras solicitadas pela Funai, indicando que não caberia a ele, MD, pagar pelas reformas. Tal cálculo, porém, não aparece em nenhum trecho do processo administrativo que trata do assunto e que tramita na administração pública federal – a Pública teve acesso na íntegra ao documento de 66 páginas e seus anexos. De qualquer forma, o valor apresentado foi considerado irreal e impossível de ser atendido, na casa das dezenas de milhões de reais, o que também inviabilizou qualquer avanço nas conversas. Foi entendido como um número apresentado para nunca ser atendido, o que “eximiria” o MD de responsabilidade na solução do problema.
Procurado nesta quinta-feira (9), o MD não havia se manifestado até o fechamento deste texto. Entre outros pontos, a Pública indagou se o ministro José Múcio e o almirante Freire não temem também se tornar alvos da investigação já solicitada ao Tribunal Penal Internacional contra o ex-presidente Jair Bolsonaro a propósito do genocídio dos Yanomami em Roraima.
Em janeiro, quatro organizações não governamentais da área da saúde – Abrasco, Cebes, Rede Unida e SBB – apresentaram ao procurador-chefe do TPI, Karim Khan, uma representação criminal contra Bolsonaro. Na representação, ainda sob análise na Procuradoria, as entidades mencionam que “a omissão” de Bolsonaro, após “ter sido notificado por diversas entidades e órgãos oficiais” a respeito da grave situação vivida pelos Yanomami, “é conduta suficiente para a sua responsabilização criminal”. Em 2021, em outra denúncia sob análise no TPI, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) já havia atribuído a Bolsonaro a responsabilidade pela prática dos crimes de genocídio e contra a humanidade por extermínio, perseguição e outros atos desumanos contra os povos indígenas do Brasil.
A Pública também indagou ao MD porque ele não adota uma postura “pró-ativa, positiva, cooperativa, a fim providenciar obras que são essenciais para a sobrevivência do povo indígena Yanomami”. Indagou se o MD “não tem Orçamento próprio para isso”. De acordo com a previsão para 2023, o Orçamento de investimentos da Defesa prevê R$ 10,8 bilhões. Caso o MD se manifeste, este texto será atualizado.
Os órgãos de proteção aos indígenas foram aparelhados por militares com a intenção de favorecer o garimpo
PSOL, PT, PDT, PCdoB, PSB e Rede entraram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Jair Bolsonaro para pedir que a corte proíba o veto unilateral do presidente ao planejamento de compra pelo governo da vacina contra Covid-19 que vem sendo desenvolvida pelo desenvolvida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan no Brasil e que popularmente é conhecida como “vacina chinesa”.
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