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29
Out22

Vidas negras não importam para Tarcísio

Talis Andrade

www.brasil247.com -

O teatro de um atentado contra o general Tarcísio de Freitas custou a vida de um jovem

 favelado

 

A proposta de Tarcísio para a segurança representa um enorme retrocesso e um ataque às vidas negras

 

 

No próximo domingo chega ao fim das eleições no Brasil, e teremos finalmente a escolha do projeto político que será implementado no Brasil e nos estados que têm segundo turno. O candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fez discurso contra as câmeras corporais na farda da polícia militar de São Paulo e está ameaçando acabar com o programa que reduziu 77,37% de mortes por intervenção policial nos primeiros cinco meses de 2022, assim como reduziu o número de policiais mortos, que é o menor desde o início da série histórica, em 2001. A pergunta que não quer calar: A quem interessa acabar com a política que está reduzindo as mortes de jovens, negros e periféricos?

Ao analisar a questão da segurança pública no Brasil, nos deparamos com uma série de contradições acerca da viabilização do Estado democrático e de direito. Primeiramente, porque a polícia surge no Brasil império a serviço das elites escravocratas para controlar e criminalizar negros escravizados, e aprofunda suas características autoritárias com a padronização de métodos de repressão e a centralização das polícias estaduais sob o comando do exército no período da ditadura militar, com legitimidade institucional para eliminar o inimigo (negros e comunistas), e nos dias atuais as características fruto desses processos históricos persistem, visto que o processo de redemocratização não veio acompanhado da superação dessa herança autoritária. E na atual realidade, esse inimigo é negro, jovem, pobre e morador da periferia.

Em segundo lugar, fica evidente um conjunto de violações de direitos contra uma parcela específica da população, historicamente marginalizada, quando a política de segurança pública é seletiva, e sendo assim, para uma parte da população representa segurança e para outra parte da população significa violação de direitos fundamentais como o direito à vida, à integridade física e moral da categoria dos direitos individuais, e o próprio direito à segurança pública da categoria dos direitos sociais. Nessa esteira, o Estado que deveria ser garantidor de direitos se torna violador de direitos quando se trata da questão da segurança pública. Paralelamente, esse mesmo Estado é ausente quando se trata da garantia dos direitos sociais como educação, saúde e moradia.

No primeiro semestre de 2020 em São Paulo, as polícias civil e militar mataram, somadas, 514 pessoas em decorrência de intervenção policial, representando um aumento de 20% em comparação ao mesmo período no ano anterior, número recorde de mortes mesmo durante a pandemia e o isolamento social. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 78,9% das vítimas da letalidade policial são negras, portanto, é necessário enfrentar esse tema observando o racismo sofrido pela população negra, que é normalizado através da estrutura social, econômica, política, cultural e jurídica no nosso país.
 
Vale destacar que a utilização de câmeras corporais no fardamento da polícia é recente no Brasil, mas essa tecnologia vem sendo testada e implementada desde os anos 2000, a exemplo do Reino Unido e Dinamarca. E a partir da experiência estadunidense, há um movimento crescente de implementação dessa política no mundo, especialmente a partir de 2015, quando o presidente Barack Obama realizou um investimento de mais de US$ 23 milhões para a compra de 50.000 câmeras para ampliar o programa piloto, com objetivo de melhorar a relação entre polícia e comunidade, sendo os pioneiros a implementar as câmeras corporais de forma massiva.
 

O governo do estado de São Paulo iniciou em março de 2021 o uso de 2.500 câmeras corporais no uniforme da polícia militar, através do programa chamado “Olho Vivo”. Atualmente existem cerca de 10.125 câmeras em operação, com perspectiva de ampliar até o final do ano. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve uma queda de 30% no total de vítimas da letalidade policial, um resultado relevante das medidas tomadas desde 2020. E quando se comparam os dados entre os batalhões com câmera, com os batalhões que não implementaram o dispositivo, se observa uma queda de 63,6% e 77,4% nos batalhões com câmera, no terceiro e quarto trimestre de 2021 respectivamente. Enquanto que nos batalhões que não implementaram as câmeras, se observa um crescimento de 9,1% e 10,9% no mesmo período.

Ao longo de 2021, houve uma redução geral nos índices de letalidade policial no estado de São Paulo, mesmo nos batalhões que não implementaram as câmeras. Mesmo a redução sendo mais significativa nos batalhões que aderiram ao programa “Olho Vivo”, que caiu em 47% o número de mortes por intervenção policial, contra uma queda de 16,05% nos demais batalhões. Isso se justifica pelo fato da polícia militar de São Paulo ter adotado uma série de medidas com objetivo de reduzir o uso da força, as câmeras por si só não são suficientes para reduzir a letalidade, embora tenham um papel relevante, por isso a diminuição foi dez vezes maior nos batalhões com câmera se comparada com as unidades que não utilizam as câmeras.

Nesse sentido, foram tomadas medidas como a comissão mitigação de não conformidades que tem como objetivo identificar não conformidades e ajustar protocolos de atuação e procedimentos operacionais padrão para serem difundidos nas escolas de formação e treinamento, além disso, mecanismos de supervisão e disciplina, reforço do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar, a aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, dentre outras medidas que foram tomadas. Portanto, os resultados positivos são uma consequência desse conjunto de medidas articuladas com o uso das câmeras corporais.

Ainda temos muita estrada para chegar numa política de segurança cidadã, que não viole os direitos humanos e que seja antirracista, mas sem dúvidas a proposta de Tarcísio representa um enorme retrocesso e um ataque às vidas negras, tanto porque objetivamente todos resultados apontam para uma redução nos índices de letalidade, quanto porque simbolicamente o recado que ele passa para o povo é que seu governo dará licença para matar. Para Tarcísio, vidas negras não importam, por isso vamos derrota-lo dia 30 de outubro.

 

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