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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

23
Dez20

A grande frente contra abusos do Judiciário

Talis Andrade

censor censura2

A justiça do golpe de 1964 é diferente da justiça do golpe de 2016?

“Vamos discutir o que vejo como a maior ameaça contra a democracia desde os tempos de chumbo dos anos 70”, diz Nassif. “Nós temos duas ofensivas usando o Judiciário. Uma, que não é propriamente do Judiciário: são essas ações em bloco, feita em geral por esse pessoal ligado ao Bolsonaro”, exemplifica, citando o caso do escritor J.P.Cuenca.

“Você pega o caso dessas ações dos bolsonaristas e, em geral, o veículo consegue se defender. Tem juízes dão o ganho de causa, mas esse desgaste que ocorre no meio do caminho é sem tamanho. O segundo tipo de ação não é dos bolsonaristas, mas são de grupos de juízes injuriados com críticas que se façam ao Judiciário, e deslumbrados com os incentivos que tiveram a partir da Lava-Jato para mostrar musculadora. E fora políticos”

Segundo Nassif, a necessidade, a importância de discutir o conceito de liberdade de opinião e de democracia. Temas da conversa com Rogério Sottili, do Instituto Vladimir Herzog, Cid Benjamin, vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), economista Antonio Correa de Lacerda, e o jornalista Marcelo Auler.

“Eu sou ainda censurado por uma ação judicial de uma juíza de Pinhais, que move uma ação contra mim lá no Paraná”, afirma Auler. “A ação está parada, já pedimos para rever a censura judicial

Ao discutir o direito a informação, Rogério Sottili diz que os últimos anos mostraram a importância da defesa da liberdade de expressão. “Estamos vivendo um processo de aniquilamento da democracia, uma agressão absurda a todos os instrumentos democráticos, a todos os pactos internacionais, a todos os pactos internos”, diz Sottili

Marcelo Auler explica que seus processos começaram na década de 90, onde a publicação de uma única matéria no jornal O Dia rendeu mais de 60 processos. “Eu denunciei alguma coisa perto de 90 policiais federais, todos eles entraram com ação. A maioria entrou com ação contra O Dia (…) O jornal perdeu algumas, ganhou outras, fomos condenados principalmente pelo título”

“Por conta da nossa própria democracia ser muito jovem e não ter feito adequadamente todos os processos que deveriam ter feito”, pontua o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog. Sobre liberdade de expressão, Sottili diz que “os pactos internacionais também tem dado instrumentos importantíssimos para que a gente possa se defender”

“O Brasil é um dos países que mais mata e persegue jornalistas e comunicadores do mundo, ficando apenas atrás do México”, afirma Sottili. “Para se ter uma ideia: em 2019, tivemos mais de 200 casos de agressões contra jornalistas e comunicadores no Brasil”

O número de agressões a jornalistas e comunicadores representa um aumento de 57% do que o visto em 2017. “Desses casos de 2019, quase 60% foram agressões diretamente do governo Bolsonaro contra os comunicadores. Nós não podemos aceitar e admitir que um país como o Brasil, que tem toda uma trajetória de luta para reconquistar a democracia, possa viver o que está vivendo hoje”.

“Eram todas referentes a policiais que estavam respondendo a inquéritos, processos, já tinham sido condenados ou em processos administrativos. Todas”, diz Auler.  “Na Lava-Jato, comecei a ser perseguido. Primeiro, veio a Érika Mialik Marena (Delegada da Polícia Federal) que entrou com três ações contra mim – uma pela reportagem do meu blog, outra por uma reportagem que fiz na Carta Capital e uma por queixa-crime pela reportagem que fiz na Carta Capital”

“As reportagens eram parecidas, que ela tinha ajudado a quebrar segredo de Justiça, que constava isso no depoimento de um delegado – e ela não acreditava que eu tinha acesso ao depoimento”, diz Auler, citando ainda processos do delegado da PF Maurício Moscardi Grillo – “ele ficava desistindo das ações onde não arranjava censura. Acabou conseguindo uma censura, mas depois a própria juíza extinguiu o processo”

Cid Benjamin, vice-presidente da ABI, explica que os abusos contra os jornalistas tem um pano de fundo a ser desvendado. “Quando Bolsonaro vai a uma formatura de PMs no Rio de Janeiro, como fez na semana passada, e faz um discurso violentíssimo (…) Ele está, na verdade, incentivando aqueles policiais que estão se formando a hostilizarem, agredirem e cometerem violências contra os jornalistas”

“Não é exagero o que vou dizer: o Bolsonaro, para ele, a imprensa é uma inimiga”, diz Benjamin. “Mesmo que seja uma imprensa que não seja de oposição, exatamente. Só o fato de ser independente, ele já vê como inimiga. A natureza do Bolsonaro é ser um sujeito contra a imprensa, contra a democracia, e a favor de todas essas barbaridades que ele tem dito”, afirma o vice-presidente da ABI.

“É preciso mostrar que é uma questão geral, que não basta ser solidário a A, a B ou a C. É preciso uma articulação mais geral, mostrar que isso é um problema da democracia brasileira, e ser tratado desta maneira”, afirma Benjamin.

“É preciso, de fato, organizar essa resistência de algo mais amplo, não ficarem só algumas entidades (…) É preciso colocar nessa resistência os vários veículos – mesmo que eles não estejam sendo atingidos agora, eles são alvos possíveis”, pontua Cid Benjamin.

Nassif lembra que, além da censura vinda em forma de processos, tem a censura tácita que é a interdição do debate econômico, onde só uma voz acaba sendo ouvida. Para Antonio Correa de Lacerda, a questão fundamental são as condições do Estado Democrático de Direito. “É um processo que, há alguns anos, nós observamos no Brasil, e que na verdade estão interligados”.

“Quando você pega o impeachment, ou o golpe, da Dilma em 2016, e depois a própria eleição do Bolsonaro (…) Democracia não é só o direito de votar, mas veja todo o contexto em que ele foi eleito”.

“Ele (Bolsonaro) foi eleito com base em fake news, claramente, inviabilizando com o apoio, inclusive da ação de alguns juízes, procuradores, etc, o seu maior adversário (que era o Lula na época)”.

“Cooptou esse juiz que passou a ter lado – na medida em que aceitou em plena campanha, e ele mesmo reconhece, o cargo de Ministro da Justiça desse futuro governo”, diz o presidente da Cofecon (Conselho Federal de Economia). “Então, não foi uma eleição justa”.

Lacerda também lembra o rompimento das condições do Estado Democrático de Direito e a desvalorização das instituições. “Perigosamente alguns setores importantes da sociedade brasileira flertaram com esse autoritarismo, com essa visão parcial de justiça”.

“Nós temos segmentos importantes da sociedade brasileira que incrivelmente continuam apoiando esse tipo de atitude”, diz Lacerda. “Sem democracia econômica, não há democracia completa”.

“E como isso se reflete na economia: na medida em que você praticamente interditou o debate econômico na grande mídia”, diz o presidente da Cofecon. “A grande mídia, hoje, é dominada pelos setores que são vencedores dentro dessa exceção que se transformou o Brasil”.

“Por exemplo: os grandes interesses ligados ao setor financeiro – mas não só os bancos e corretoras. Os chamados rentistas, que são aqueles que se apropriam dos benefícios desse quadro da dívida pública, da arbitragem, e a forma como isso afeta um país que por si só é desigual. “O Brasil é o país mais desigual do mundo em todos os pontos de vista (…) Diante da pandemia, essas fragilidades todas se escandaram. Então, quando você fala ‘fique isolado’, nós temos um déficit habitacional de mais de 6 milhões de moradias Brasil afora”, afirma Lacerda.

“O debate econômico precisa voltar a incorporar as questões amplas do desenvolvimento, porque a democracia na sua acepção, contempla evidentemente a superação dessas debilidades”, explica o economista. “Daí a importância de uma imprensa livre, daí a importância da liberdade de expressão (…) “Nessa questão específica do jornalismo investigativo, da imprensa independente: se você cercear essa possibilidade, isso vai na contramão da busca do desenvolvimento (…)”, diz Lacerda.

18
Jan20

Jesus voltou

Talis Andrade

Em séries da Netflix, justificando censura em ordens jurídicas e até em enredo de escola de samba, nunca se falou tanto em Jesus Cristo

 

Foto da série Messiah, da Netflix

Série "Messiah" projeta as consequências hipotéticas de um retorno de Cristo

 

por J. P. Cuenca

O Estado Islâmico se aproxima de uma Damasco sitiada e destruída. "Apenas um ato de Deus é capaz de evitar sua conquista pelo Califado", diz a apresentadora de TV. Enquanto tanques apontam seus canhões para a cidade, um jovem de cabelos longos sobe na carcaça de um carro e começa a discursar em árabe: "Ouçam, irmãos e irmãs. Eles fingem pregar a palavra de Deus, e tudo o que fazem é distorcê-la. Está escrito no livro: 'Eles serão castigados neste mundo. Eles provocaram a mais implacável ira divina, uma derrota desonrosa os espera!'"

Alguns muçulmanos na multidão protestam, é proibido citar errado as escrituras. Mas o homem insiste e diz coisas como: "Acreditem quando digo que Deus derrotará os seus inimigos! Deus os afastará! A salvação está próxima! A história chegou ao fim!"

O bombardeio começa ao mesmo tempo em que uma tempestade de areia de proporções bíblicas se aproxima, cobrindo a cidade. Todos correm, menos o homem que discursa, responsável pelo milagre que logo afastará as tropas do ISIS. Ele é al-Masih, e ao longo dos dez capítulos da série Messiah, que estreou na Netflix no primeiro dia de 2020 sob protestos de cristãos e muçulmanos, será identificado como Jesus redivivo, terrorista islâmico, Anticristo, imigrante ilegal, charlatão e santo. O seriado, quando funciona, é um passeio divertido sobre como o mundo – e a mídia, com destaque para a CNN – reagiria a uma volta de Jesus.

Colunista J.P. Cuenca

J.P. Cuenca vive hoje entre S. Paulo e Berlim

 

É exatamente o mesmo mote do enredo da Mangueira para 2020, "A verdade vos fará livre". O carnavalesco Leandro Vieira imagina Jesus hoje "pobre e mais retinto", descendo "pela parte mais íngreme de uma favela qualquer dessa cidade", "estranhando ver sua imagem erguida para a foto postal tão distante, dando as costas para aqueles onde seu abraço é tão necessário".

Além da passarela em fevereiro, a recontextualização do Cristo num cenário socialmente desigual e intolerante ganha tintas absurdas que ultrapassam a simples representação artística no Brasil. País onde uma decisão da Justiça reforçou o dogmatismo neopentecostal hoje no poder, censurando o inócuo especial de Natal do Porta dos Fundos – poucos dias após o atentado de um grupo integralista contra sua sede. Até então, apenas a Arábia Saudita tinha censurado conteúdos da Netflix.

A decisão, depois derrubada pelo STF, foi de um tal Benedicto Abicair, famoso por defender os privilégios da classe com a justificativa de que juízes são aprovados em concursos muito difíceis e "meritocráticos", sendo que ele mesmo nunca prestou um. Nomeado pela governadora Rosinha Garotinho para o TJ/RJ, Abicair absolveu em voto Bolsonaro dos crimes de homofobia e racismo em 2017, sob a justificativa de que, em uma democracia, não seria possível "censurar o direito de manifestação de quem quer que seja". Seria apenas irônico se não fosse trágico: o grande crime do grupo de humoristas foi justamente ter perfilado Jesus como gay.

Com estes pensamentos me assombrando, resolvo de ontem para hoje maratonear as duas temporadas de Fleabag, série britânica escrita e atuada por Phoebe Waller-Bridge, vencedora do Globo de Ouro. Acreditava tratar-se de uma comédia dramática sobre jovem mulher independente em crise, mas logo descubro que a segunda temporada é sobre uma história de amor com um padre católico, com citações da Bíblia e longas sequências na igreja, sacristia e confessionário. Vou ouvir música, e meu Spotify lembra que os discos que mais ouvi no ano passado foram Jesus is King, do Kanye West, e Ghosteen, do Nick Cave, um autor que não precisa ser explicitamente religioso para usar referências bíblicas e cristãs em toda sua discografia.

Se estações de metrô do mundo inteiro ainda guardam propagandas de Os dois papas, a Netflix ainda tem em sua grade recente uma série documental sobre uma ordem cristã envolvida com lobbies em Washington, A família, e uma estreia prometida para este ano, The American Jesus, sobre um jovem americano de 12 anos que descobre ter poderes sobrenaturais e, claro, ser uma encarnação de Jesus Cristo.

Seu retorno está ligado à escatologia cristã, o estudo sobre o fim dos tempos. É fácil entender como o filho unigênito de Deus está cada vez melhor posicionado na guerra cultural no Ocidente. Não apenas os líderes das duas maiores populações do hemisfério foram eleitos com votos evangélicos e forte discurso religioso à direita (Trump e Bolsonaro), mas também na esquerda há o apelo ao retorno de líderes messiânicos, e o apocalipse climático ganha contornos de profecia apocalíptica. Há dez anos seria difícil prever tal fenômeno, mas Jesus voltou em 2020. E nada indica que abandonará o centro do palco – do templo – tão cedo.

 

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