Contou-se hoje a 19ª morte no Complexo do Alemão, a de Solange Mendes, pacata dona de uma pensão, baleada em casa e que só agora, depois de mais de 24 horas de começado o tiroteio, teve sua morte contabilizada.
Ao mesmo tempo em que Solange entrava para a lista macabra, o major Ivan Blaz, da Polícia Militar, diz que “a munição utilizada por agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) a polícia de elite da corporação, acabou nas duas primeiras horas de confronto”.
Sabendo que foi uma operação planejada, envolvendo centenas de policiais, dá para imaginar que a quantidade de munição levada subisse a dezenas de milhares de cartuchos, disparados em 2 horas.
O que evidencia – se é verdade, claro – que estavam longe de dar tiros seletivos e num “atirem à vontade” inadmissível numa operação policial em meio a uma comunidade de vielas estreitas e casas amontoadas como é o Alemão.
Aliás, em nenhuma outra, pois dá para imaginar o que seriam 10 ou 20 mil cartuchos disparados em Ipanema ou no Leblon.
O governador Cláudio Castro, numa atitude repugnante, aproveitou o episódio para fazer campanha eleitoral (pedra cantada aqui, antes), dizendo que os mortos eram “os bandidos que o[Marcelo]Freixo defende”.
Coisa de canalha, mas à qual o Rio se acostumou, desde que a mídia vivia fazendo com Brizola e eles garantiam que, ganhando eleições, acabariam com a violência em seis meses.
O filme é velho e nele só os mortos são novos, como a Dona Solange.
Há feridos no mangue e os bombeiros se recusam a entrar', diz presidente de associação
por Rafael Nascimento de Souza /Jornal Extra
Pouco depois das 21h deste domingo, moradores da localidade da Palmeira, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, começaram a localizar os corpos que estavam num mangue da região. Quem vive na localidade, pobre e com barracos humildes, afirma que as vítimas foram executadas após a Polícia Militar entrar na comunidade — horas após a morte do sargento da PM Leandro Rumbelsperger da Silva, de 40 anos, do 7º BPM (São Gonçalo). Na manhã desta segunda-feira, quem vive no bairro ainda procura por outros corpos. Familiares velavam as vítimas à espera da perícia da Polícia Civil. Até as 9h30, oito homens haviam sido encontrados. Populares dizerem que as vítimas foram torturadas antes de serem mortas.
Só às 11h12m, quase 15 horas após as mortes, agentes da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) da PM chegaram ao local para fazer a perícia. A Corregedoria Interna da PM e um promotor do Ministério Público do Rio acompanham o procedimento.
Um leiturista de 45 anos, e que mora há 25 anos na favela, diz que “a morte de um policial militar gerou essa operação mal sucedida”.
— Vieram de qualquer maneira e o resultado é esse. Eles deram tiro para todos os lados e chefes de família ficaram em risco. E o resultado é esse: nove corpos e muitos outros que podem estar no mangue — diz o homem que reclama da falta de estrutura básica da região. — Não existe segurança pública no Rio. Eles tratam a gente com a morte. Aqui não tem nada. O estado não dá condições para a gente sobreviver. Nós somos manipulados pelo governo e eles fazem isso com a gente.
Quem vive no bairro diz que “tinham pais de família” entre as vítimas. Mas eles relatam que criminosos também estão entre os mortos. No entanto, moradores destacam que “os bandidos não precisam ser mortos”.
— Tinham pessoas envolvidas com o crime? Tinham. Mas a grande maioria não tem nada com o fato. Muitas pessoas estão desfiguradas. Se eles tivessem a intenção de prender, não teriam feito isso. Quem correu se salvou. Essas mortes aconteceram de ontem para hoje. (Os policiais militares) passaram de sábado para domingo e ontem durante o dia eles saíram e voltaram. Se fosse troca de tiros, os jovens não estariam assim. Eles fizeram uma chacina. Resgatamos os corpos e não achamos nenhuma arma. Morreu um PM em um dia e no outro eles fizeram uma chacina — diz um morador.
Outro morador relata a sensação de insegurança de quem mora na região.
— É uma sensação horrorosa. Infelizmente, a polícia só entra para matar. Eles não podem chegar aqui e fazer essa chacina — diz um mototaxista de 43 anos que mora na região.
Até as 9h50, os corpos estavam no local cobertos por lençóis. A todo momento, familiares e amigos chegam e se desesperam com a situação dos corpos.
'Há feridos no mangue e os bombeiros se recusam a entrar', diz presidente de associação
A associação de moradores do Salgueiro, por nota, denunciou que o Corpo de Bombeiros tem se recusado, desde este domingo, dia 21, a retirar vítimas que estão dentro do terreno pantanoso à margem da baía. A presidência disse que a ordem da corporação é de não entrar na favela.
“Desde ontem estamos tentando resgatar os moradores que estão feridos dentro da vegetação e estão machucados. Recebemos a informação que eles (o Corpo de Bombeiros) estão proibidos de entrar. Temos pessoas que precisam de socorro. Além disso, precisamos que eles retirem os corpos. Esse é um desrespeito para as famílias. Ninguém aceita o erro, mas aqui tem moradores que não tem nada a ver. O Corpo de Bombeiros não vem porque alegam tiroteio. Onde tem tiroteio aqui? A gente só quer o respeito. Tem gente que está viva lá dentro. Mais tarde vamos apresentar essas arbitrariedades para os órgãos competentes. Vamos apresentar pra OAB esse desrespeito e o sofrimento do pai, da mãe, de filho que morram aqui”, diz em nota a associação.
As viaturas do Corpo de Bombeiros estão no local, segundo a assessoria de imprensa da corporação, que informou ainda que o "serviço de recolhimento de cadáveres atua após a perícia da polícia e liberação da guia de recolhimento. Em nota, o Corpo de Bombeiros explicou que "o acionamento do serviço de remoção de cadáveres da Defesa Civil é feito, exclusivamente, pela Polícia Civil (delegacia da área), que emite um documento chamado GRC (Guia de Recolhimento de Cadáver). A retirada de um corpo pela equipe de militares depende da emissão da documentação citada, que, podemos dizer, funciona como uma autorização legal para o recolhimento. Inclusive, a GRC é imprescindível para a entrada no IML".
"Meu pai está lá dentro", afirma uma manicure
Uma jovem de 21 anos, manicure e que mora no bairro há cinco anos, diz que o pai, um comerciante de 43 anos, está entre os desaparecidos e feridos dentro do manguezal. Ela conta que falou com o pai por telefone. No entanto, o aparelho do comerciante ficou sem sinal.
— Meu pai é trabalhador e moramos há mais de cinco aqui. Ele estava voltando do trabalho por volta de 15h desse domingo. Na hora do tiroteio, meu pai correu para dentro do mangue. Ele diz que ficou no meio do tiroteio. Só estava tentando vir para casa. Disse que outras pessoas estavam dentro do mangue. Estou com medo e creio que ele esteja vivo. Desde ontem, ele manda mensagem. Mas agora de manhã ele perdeu o sinal. Acreditamos que muitas pessoas estejam mortas — lamentou a jovem.
"Meu cunhado foi tirado de dentro de casa e executado", relata moradora
Uma moradora de 27 anos diz que seu cunhado, David Wilson da Silva Oliveira Antunes, de 23 anos, pai de duas meninas, de 4 e 5 anos, estava dentro de casa, quando foi retirado e assassinado.
— O meu cunhado é trabalhador. Eles tiraram ele de dentro de casa, mataram ele dentro do mato — acusa a mulher.
Corpos foram recolhidos por moradores da comunidade Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Até as 9h50, os corpos estavam no local cobertos por lençóis. A todo momento, familiares e amigos chegam e se desesperam com a situação dos corpos.
Em entrevista ao "Bom Dia Rio", da TV Globo, na manhã desta segunda-feira, o porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz, disse que havia uma ocupação do 7º BPM na região.
— Nós tínhamos uma ocupação do 7º BPM motivada para estabilizar a região após denúncias de bandidos estarem fazendo o uso de escolas, inclusive, para o tráfico. Após a morte do sargento, o Bope foi para a região. Houve vários confrontos durante o final de semana na área do mangue. Tivemos a apreensão de vários materiais usados em combate. Deduzimos que houve inúmeros feridos entre policiais e traficantes, [justifica o policial. Ninguém acredita]
A Polícia Militar informou que, após o conhecimento de corpos localizados em área de mangue na região do Complexo do Salgueiro, a corporação dará início a uma ação no local e permanecerá na região para garantir o trabalho de perícia da Polícia Civil.
Moradores recolheram corpos numa área de mangue, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Familiares de mortos denunciam ação truculenta
A desempregada Milena Menezes Damasceno, de 35 anos, é irmã do ajudante de pedreiro Rafael Menezes Alves, 26 anos,conhecido como Bob. Segundo a mulher, o irmão está entre os mortos. Desde as primeiras horas do dia, ela vela o corpo do irmão caçula de cinco filhos:
— Meu irmão era nascido e criado aqui. Ele era ajudante de pedreiro e estava na rua quando tudo aconteceu. Ele estava bebendo com os amigos quando os policiais arrastaram ele e fizeram isso.
A funcionária pública Cleonice da Silva Araujo, de 56, veio de Maricá, para acompanhar a retirada do corpo do irmão Hélio da Silva Araujo, de 53. Ela afirma que o irmão foi morto.
— Aqui ninguém tinha nada contra ele. Se fosse um tiro eu até aceitava. Mas eles degolaram o meu irmão. Infelizmente, a justiça funciona assim. Ele morava aqui há 10 anos. Enquanto continuarem assim, muitas vítimas serão mortas desse jeito — denunciou.
Moradores fazem placa pedindo “paz” (pedido de trégua na guerra do fim do mundo)
No começo da manhã, homens e mulheres da localidade escreveram em um lençol branco mensagens pedindo paz. “Os moradores pedem paz. Pedimos socorro por favor”, dizia a mensagem. A todo tempo, familiares dos mortos chegavam ao local. Muito deles passavam mal e chegavam a desmaiar.
Por volta das 10h20, agentes da DHSGI chegaram à entrada do Complexo do Salgueiro, na BR-101. Os investigadores esperam o terreno ser estabilizado. Às 11h12, os investigadores conseguiram entrar no local.
Idosa baleada
Uma idosa foi baleada no fim da manhã deste domingo no Complexo do Salgueiro. Em nota, a Polícia Militar informou que o 7º BPM foi verificar uma ocorrência envolvendo a entrada de uma pessoa ferida no Hospital Estadual Alberto Torres (HEAT), em São Gonçalo. O órgão afirmou que a situação foi constatada na unidade de saúde e que não havia informações sobre as circunstâncias da ocorrência, que foi encaminhada para a 72ª DP (São Gonçalo).
[Falta coragem para atuar nos territórios das milícias
A polícia é implacável contra os negros pobres favelados. Contra os traficantes civis. E não tem nenhuma coragem para atuar contra os traficantes fardados, as milícias. Nem na intervenção militar do general Braga Neto, no governo de Temer, o Exército jamais invadiu território das milícias. Muito menos, a polícia. Que seria cortar na própria carne. Que a polícia civil, a polícia militar, bombeiros, ex-soldados do Exército são mercenários milicianos. É uma guerra sem fim]
Roupa camuflada é motivo para matar negro pobre, descamisado e descalço? Eta desculpa esfarrapada de uma polícia que tortura e mata!]
O porta-voz da PM, tenente-coronel Ivan Blaz, afirmou ainda que a quadrilha que domina as comunidades do Complexo do Salgueiro, chefiada por Antônio Ilario Ferreira, o Rabicó, se preparou para enfrentar o Bope.
“As vestimentas desses que estão sendo retirados são camufladas”, destacou Blaz. “Esse resultado [oito mortos] não é esperado em um mundo civilizado”, emendou. [É verdade. Em um mundo civilizado não existe chacina. Temos que considerar os crimes de guerra puníveis em tribunais internacionais. E que, principalmente no Rio de Janeiro, os territórios ocupados pelas milícias são considerados pelo goveno como neutros e intocáveis.
[Informa a PM:] Os incidentes no Salgueiro começaram na madrugada de sábado (20), quando o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, do 7º BPM (São Gonçalo), foi atacado a tiros por criminosos durante um patrulhamento em Itaúna, bairro vizinho às Palmeiras e também parte do Complexo do Salgueiro. Leandro morreu no hospital.
O Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi mobilizado, e os embates se acirraram. Na manhã de domingo (21), uma idosa foi atingida no braço por uma bala perdida.
Moradores das Palmeiras afirmaram que foi uma chacina. Os corpos eram enfileirados e cobertos por lençóis na Rua Pedro Anunciato da Cruz.
“Os corpos estão todos jogados no mangue, com sinais de tortura. As pessoas, uma jogada por cima da outra. Estava com sinal totalmente de chacina mesmo”, relatou um.
“Muito conhecido da gente aqui morreu. A gente estava gritando no mangue para ver se consegue tirar, mas todos mortos”, relatou outra.
“As mães estão entrando dentro do mangue. Com o mangue acima do joelho para poder tentar puxar os corpos”, continuou mais uma.
A Defensoria Pública do RJ afirmou, em nota, ter recebido “relatos sobre a violenta operação no Complexo do Salgueiro” e comunicou o fato ao Ministério Público, “para a adoção de medidas cabíveis a fim de interromper as violações”. [Que acredita nessa costumeira estória de medidas cabíveis?]