Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

08
Jun22

De onde vem a fúria bolsonarista com as mulheres?

Talis Andrade

 

Assassinatos covardes de 22 moças, estudantes com idades entre 21 e 35 anos, pela repressão, nos porões da ditadura militar, inspira a misoginia de uma fina-flor de impotentes

 

 

por Homero Gottardello /Jornalistas 

Covardia é o traço mais imundo, a característica mais sórdida dos regimes de exceção. A forma com que o alienado planaltino tratou uma repórter na tarde desta segunda-feira, em Guaratinguetá, na frente de meio mundo, dá o tom da deformidade que tomou o país. Filhote da ditadura militar, o criado de Donald Trump – por falar nele, que fim será que teve? – é o atual defensor de seu aspecto misógino, uma anormalidade expressa no número de moças com idades entre 21 e 35 anos que foram mortas nos porões da repressão, sob a alegação de serem agentes da luta armada. Mulheres “perigosíssimas” capazes de colocar as Forças Armadas em alerta permanente.

Com seus cadernos, estojos e livros, representavam uma ameaça à segurança nacional e, em razão disso, 22 delas foram torturadas e estupradas, trucidadas por gente sádica, indigna, que hoje inspira a fina-flor do bolsonarismo em seu androcentrismo – um comportamento que Freud explica pelo viés da impotência. As estudantes Catarina Helena Abi-Eçab (morta com um tiro na cabeça aos 21 anos), Aurora Maria Nascimento Furtado, de 26 anos (morta sob tortura com queimaduras, cortes e hematomas generalizados, além de um afundamento no crânio de 2 cm por ter sido subjugada à “coroa de cristo”), e Helenira Resende, morta aos 28 anos (metralhada nas pernas, presa e torturada até a morte), cujo corpo nunca foi localizado – são apenas três exemplos. Mas a perseguição se estendeu a outras categorias.

 

O que se nota hoje, passados quase 50 anos do período, é que os DOI-CODIs da vida não deram conta de combater o crime organizando nascente, durante a década de 70, mas usaram de mão-de-ferro contra costureiras e até mesmo donas de casa, como Dona Labibe Elias Abduch, de 65 anos, morta com um tiro no peito, na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, sem que nunca ter pisado em um sindicato, sem ter filiação partidária ou qualquer ciência sobre organizações de esquerda. Para evitar a implementação de uma “ditadura do proletariado”, a repressão assassinou – oficialmente – 434 pessoas, 56% delas jovens com menos de 30 anos de idade.

A comerciária Maria Ângela Ribeiro é outra vítima deste ódio pelas mulheres, que foi reavivado e, agora, pode ser percebido nos mais simples gestos do bolsonarismo. Também foi morta a tiros, também no Centro do Rio de Janeiro, apenas por estar lá, no dia 21 e junho de 1968, quando policiais cercaram os transeuntes e avisaram que atirariam para matar. Cumpriram sua palavra e lá tombou Maria Ângela: sem culpa, sem motivo, sem saber porquê.

A perseguição a estudantes e camponeses foi implacável, mas os maiores criminosos do país flanaram livremente, durante o período da repressão política. De modo que na lista de mortos pela ditadura militar não constam os nomes de Francisco da Costa Rocha, o “Chico Picadinho”; Luiz Baú, o “Monstro de Erechim”; João Acácio Pereira da Costa, o “Bandido da Luz Vermelha”, ou José Paz Bezerra, o “Monstro do Morumbi”. Os investigadores do DOPS também não foram páreo para Pedro Rodrigues Filho, o “Pedrinho Matador”, cuja pena pelos crimes cometidos durante o período da “redenção” já somava quase 130 anos, em 1973.

Caçada impiedosa

Daí, a incompetência para capturar assassinos em série foi compensada pela caçada impiedosa a jovens inofensivas, como a empregada doméstica Íris Amaral, de 26 anos, morta a tiros durante uma operação contra a Ação Libertadora Nacional (ALN). Íris nunca fez parte da organização política, mas, por azar, estava passando pela estrada Vicente de Carvalho, no Irajá, justamente na hora em que agentes do DOI-CODI abriram fogo em via pública, sabe-se lá contra quem. No caso da camponesa Margarida Maria Alves, cuja luta contra os latifundiários paraibanos à frente do sindicato local, na “metrópole” de Alagoa Grande, sabe-se que o tiro no rosto que ela levou na porta de casa, de um jagunço armado com uma calibre 12, teve como motivação sua luta pelos direitos trabalhistas – é que os trabalhadores rurais eram vistos como uma ameaça comunista pelo regime, da mesma forma que os índios, hoje, o são.

Mirando sua brutalidade contra pessoas notadamente indefesas, a repressão dos anos de chumbo brasileiros é o ponto máximo da patifaria estatal. Da mais alta patente aos praças, dos delegados aos legistas, dos agentes de inteligência aos alcaguetes, reinou um medo absoluto da bandidagem verdadeira, um temor da marginália “de raiz”, um pavor da pistolagem que pode ser constatado pela omissão do estado policial em relação ao narcotráfico e a consolidação do crime organizado no Brasil, durante os anos 70. O fracasso na inibição destes grupos foi tão flagrante quanto o das Primeira e Segunda Repúblicas em relação ao cangaço. E, se herdou do Estado Novo os instrumentos de perseguição política que puseram fim ao banditismo no sertão, a ditadura falhou no combate a grupos como a Falange Vermelha, focando no elo mais fraco e fácil de se romper da cadeia: a militância estudantil e suas jovens ativistas – covardia pura.

A imagem do corpo da professora Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, executada sem que oferecesse resistência à prisão, é uma das mais chocantes fotografias do período de trevas em que o país esteve mergulhado. Para além da tortura, moças vulneráveis, desvalidas, não foram apenas apagadas, mas massacradas, fulminadas com uma ira que diz muito sobre seus algozes. Gente desumana investida do poder público, homens de uma crueldade doentia, de uma morbidez vil, de uma atrocidade aberrante que, neste instante, serve de exemplo para milícias digitais e grupos paramilitares armados, a massa depravada do bolsonarismo. O aumento dos ataques dessa malta às mulheres, bem como sua extensão a negros, índios e homossexuais, é um indicador alarmante de normalização da selvageria e da barbárie. Um país onde os homens não respeitam as mulheres não pode ser reconhecido como nação e um sujeito que agride uma mulher, se aproveitando da condição de ter mais força do que ela, não pode ser admitido como homem.

Ou damos um basta nisso ou vamos todos levar a pecha da ginofobia, do desprezo e da aversão às mulheres. Se os brasileiros elegeram um poltrão, cabe ao próprio povo sua destituição. (Publicado em 21 junho de 2021)

Feminicídio no Brasil - Blog do Ari Cunha

13
Mai21

Deputado serial killer do Pará confessa assassinatos

Talis Andrade

Revista Fórum - O deputado bolsonarista Éder Mauro (PSD-PA), membro da bancada da bala, ameaçou deputadas de esquerda nesta quarta-feira (12), durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Aos gritos, o parlamentar tentou interromper as falas das deputadas Maria do Rosário (PT-RS) e Fernanda Melchionna (PSOL-RJ), assumindo que já matou “muita gente” e desejando a morte das congressistas.

“Pode se fazer de vítima, espernear, fazer o cacete nessa porra dessa sessão (…) E vou dizer mais, senhoras deputadas de esquerda: eu, infelizmente, já matei sim, não foi pouco, não, foi muita gente. Tudo bandido. Queria que estivessem aqui para discutir olho no olho. Vão dormir e esqueçam de acordar!”, disparou o serial killer, que antes havia chamado Maria do Rosário de “Maria do Barraco”.

Fernanda Melchionna, então, rebateu: “Engraçado como invertem. As vítimas como se fossem os algozes. Ele disse ‘tomara que durmam e não acordem amanhã’. Se eu não acordar amanhã o Brasil inteiro vai saber, porque fui ameaçada nessa Comissão. E a presidente não faz nada. Tirou das notas taquigráficas uma ameaça à vida”.

E prosseguiu: “Mas não tenho medo de ti. Não tenho medo de torturador. Eu vou acordar amanhã, mas se eu não acordar, tenha certeza que o Brasil viu sua ameaça. Não tenho nenhum problema quando nós divergimos na política, no conteúdo. O que eu tenho problema é a tentativa sistemática de silenciar as mulheres pela condição de gênero. Se vão nos tolher a palavra porque não estamos aí, não se preocupe, vamos estar aí amanhã. Não tenho medo da extrema-direita. Sei que você é perigoso. Tu mesmo confessou que é um assassino”.

 
Fernanda Melchionna
@fernandapsol
O que aconteceu hoje na CCJ é inadmissível. O deputado Éder Mauro, bolsonarista ferrenho, assumiu que é um assassino e desejou que as deputadas de esquerda "não acordassem amanhã". Queria que ele tivesse dito isso na minha cara! Covarde! Não nos calarão!
 
Após a sessão, a deputada federal Maria do Rosário divulgou nota sobre o ocorrido. “Assim agindo, este deputado uma vez mais desrespeitou a mim e outras colegas, em uma conduta completamente atentatória ao Regimento Interno da Câmara, ao Código de Ética e Decoro Parlamentar e ao Código Penal. Também confrontou o respeito à igualdade de gêneros preconizado nos regimes democráticos, mas profundamente atacado nos dias atuais em que tem sido abandonada a noção de igualdade e de direitos humanos”, escreveu a petista.
 
Veja vídeo da confissão de assassinatos e comunicado da deputada Maria do Rosário aqui
 
25
Jan21

Em apoio a Vianna: a história de um Exército que massacra seu povo e não poupa mulheres e crianças

Talis Andrade

Brasil acima de tudo - 20/10/2019 - Opinião - Folha

por Mauro Lopes

- - -

Aviso de gatilho - o artigo a seguir relata a história do Exército e para isso faz descrição de cenas de torturas e massacres em larga escala.

Em 17 de janeiro, o jornalista  Luiz Fernando Vianna publicou na revista Época um artigo sob o título “Na pandemia, Exército volta a matar brasileiros”. O texto provocou reação imediata do Exército Brasileiro. Sob ordem direta do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, o também general Richard Fernandez Nunes, chefe de comunicação da Força, enviou uma carta à revista em tons jamais vistos desde o fim da ditadura, com ordem explícita de retratação. Você pode ler a carta aqui e avaliar a dimensão das agressões e ameaças do Exército contra o jornalista, a revista e a liberdade de imprensa no país.

O que escreveu Vianna que provocou a ira verde-oliva?

Nada demais. Uma expressão tímida e parcial do caráter do Exército Brasileiro. O jornalista registrou o massacre de Canudos, em 1897, quando “nem as crianças foram poupadas” pelos militares brasileiros - o que é pura expressão da verdade. Depois, mencionou a Comissão Nacional da Verdade, que apontou as centenas de mortos durante a ditadura militar, “quando as Forças Armadas se uniram às polícias para torturar e assassinar”. Aqui há uma imprecisão histórica de Vianna. Não foram as Forças Armadas que se uniram às polícias na missão de tortura e assassinatos em série. Elas foram as líderes do morticínio, com o apoio das polícias. 

Uma das mortes mais emblemáticas do período ditatorial, do jornalista Vladimir Herzog, aconteceu nas dependências do DOI-Codi do II Exército, no que parecia ser um bucólico bairro de classe média paulistana em 1975, significativamente com o nome de Paraíso. Milhares de homens e mulheres e várias crianças foram torturadas em dependências oficiais ou clandestinas das Forças Armadas durante a ditadura e centenas deles morreram - não há registro da morte de crianças. O irmão da jornalista Hildegard Angel, hoje colunista da rede Jornalistas pela Democracia, cujos artigos são veiculados no 247, o jovem Stuart Angel Jones, foi sequestrado por militares, torturado por eles na Base Aérea do Galeão e assassinado de maneira quase indescritível. Stuart foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel. Para se divertirem, os militares colocavam a boca do jovem de 25 anos no escapamento do veículo fazendo com que ele aspirasse todos os gases tóxicos. Após ser desamarrado, Stuart foi abandonado no chão, com o corpo  bastante esfolado e seguiu clamando por água noite adentro. Até hoje não se sabe se morreu naquela noite ou em novas sessões de tortura executadas pelos militares da Aeronáutica.

Em seu artigo, Vianna salta aos dias de hoje para falar do papel dos militares na pandemia do coronavírus. Digitou o jornalista que o ministro-general Eduardo Pazuello, que ele qualifica de “lambe-botas do presidente”, soube “com dias de antecedência que os hospitais de Manaus entrariam em colapso por falta de oxigênio para os pacientes. Nada fez, a não ser prescrever a inútil cloroquina” e o comprovadamente ineficaz “tratamento precoce” . A afirmativa é tão veraz que o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou neste sábado (23) ao Supremo Tribunal Federal um pedido de abertura de inquérito para apurar a conduta do general Pazuello durante a crise em Manaus. A seguir, o jornalista afirma que “os generais de Brasília (Mourão, Augusto Heleno, Braga Netto, Azevedo e Silva) pouco fazem além de inscrever seus nomes na história como operadores de um morticínio – não se pode usar a palavra genocídio porque algumas damas da intelectualidade ruborizam”.

Morticínio e genocídio, por sinal, são duas palavras correntes nos fóruns internacionais a respeito de Jair Bolsonaro - ele foi denunciado por esses dois motivos ao Tribunal Penal de Haia.

O que então incomodou tanto o Exército?

Sabemos a razão, quem não sabe? 

O que incomoda é o fato de Vianna ter levantado ainda que de maneira parcial e tímida, o manto sobre o qual o Exército procura esconder sua história. 

Vamos a ela que é este, afinal, o motivo deste artigo: apresentar a você, que talvez ainda não conheça, a história do Exército Brasileiro.

A história do Exército Brasileiro

Na verdade, talvez seja mais apropriado falar em história das forças armadas a serviço da elite, constituídas sob diversas denominações desde a ocupação colonial do território que viria a ser chamado de Brasil a partir do século 16.

Toda a constituição destas forças levaram, ao fim e ao cabo, à criação do Exército Imperial Brasileiro em 1822.

Mas, muito antes disso as forças armadas (com letras minúsculas) das elites conformaram-se como atos preparatórios para a formação do Exército. O que importa reter aqui é que ao longo de toda esta história, até hoje, essas forças armadas cultivaram a doutrina do “inimigo interno”, que foi crescentemente explicitada a partir de 1935 (no levante alcunhado de Intentona Comunista pela liderança militar) e formalizada depois do golpe militar de 1964.

Este espírito presidiu a “guerra aos bárbaros”, que dizimou os povos originários na segunda metade do século 17 no Nordeste e no massacre do Quilombo dos Palmares, complexa organização de comunidades de negros e negras rebeldes fundadas a partir de 1580 e que chegaram a ter 20 mil pessoas e foram também dizimadas em 1710.

Eram os primórdios do que viria a ser o Exército Brasileiro.

Caxias, o carniceiro

Hoje já é atestado de maneira inequívoca que Luís Alves de Lima e Silva, patrono reverenciado pelo Exército Brasileiro, referência militar no Brasil, foi um carniceiro. Ele mesmo, o Duque de Caxias, que recebeu este título de Barão de Caxias de Dom Pedro II em 1841 por ter massacrado impiedosamente a revolta popular da Balaiada no Maranhão - foi promovido a conde e depois marquês conforme crescia a pilha de cadáveres em sua trajetória, até chegar a duque em retribuição pelo massacre do povo paraguaio - incluindo mulheres e crianças, como sempre.

Um ano antes de ser barão, ainda como Luís Alves, Caxias projetou-se no cenário imperial brasileiro por ter liderado o massacre ao quilombo de Manuel Congo e Mariana Crioula, em Vassouras (RJ). 

No Maranhão, Luís Alves, futuro Caxias, foi o líder das tropas a serviço dos grandes proprietários de terra e de escravos. A rebelião foi articulada por uma ampla unidade popular entre diversos segmentos que ficaram conhecidos como balaios, apelido de um dos líderes do movimento: uniram-se vaqueiros, artesãos, lavradores, escravos, sertanejos, índios e negros libertos, sem direito à cidadania e nem ao acesso à propriedade da terra - eles lutaram de 1838 até 1841.

A repressão foi um massacre em larga escala. Um ano antes do morticínio, Luís Alves foi nomeado presidente da Província do Maranhão, com esta missão: o massacre. E ele a cumpriu. Matou 12 mil pessoas. Milhares de participantes sobreviventes foram exilados, expulsos do Maranhão e do Piauí.

Engana-se quem pensa que foram apenas esses os dois massacres perpetrados por Caxias. 

Três anos depois, na Guerra dos Farrapos, 1845, Caxias foi o grande articulador do Massacre de Porongos, o último conflito da guerra, uma emboscada aos Lanceiros Negros, o corpo de negros libertos e escravos que lutaram sob promessa de liberdade e paz. Em 14 de novembro de 1844, praticamente desarmados, mais de 100 lanceiros negros foram assassinados e os que sobreviveram foram enviados à corte brasileira. 

Veio depois a Guerra do Paraguai, celebrada com toda pompa pelo Exército Brasileiro. Morreram 50 mil brasileiros no conflito, no qual Caxias assumiu o comando da segunda etapa da guerra, de 1866 a 1869. O Paraguai foi dizimado: estima-se em mais de 300 mil mortes, mais da metade da população do país, e 80% da população masculina e masculina-jovem,  com milhares de crianças assassinadas nos combates.

O massacre de Canudos

O Exército Brasileiro não precisou de Caxias para seus massacres. O Duque morreu em 1880, mas os massacres continuaram e o Exército, que se tornou uma força política decisiva no Império, deu o golpe que derrubou o sistema e instituiu a República dos Marechais, em 1889.

E estreou em “grande estilo” como força armada do novo regime na repressão ao Belo Monte de Antônio Conselheiro, uma experiência comunitária popular original, que terminou no massacre conhecido como Guerra de Canudos (1896-97).

As duas primeiras expedições conduzidas pelo governo baiano fracassaram, derrotadas pelo povo organizado ao redor de Conselheiro, composto por sertanejos e sertanejas miseráveis, negros e negras libertos e lançados igualmente à miserabilidade, bem como indígenas do povo Kaimbé - a primeira indígena vacinada contra a Covid no Brasil, em São Paulo, Vanuzia Costa Santos, presidente do Conselho do Povo Kaimbé, nasceu na região do massacre.  

O Exército assumiu a repressão na terceira expedição, que fracassou igualmente. A quarta expedição foi comandada por dois generais e os militares quase foram derrotados, mais uma vez. Foi preciso que o Ministro da Guerra, marechal Carlos Bittencourt, levando mais três mil soldados, fosse em socorro dos generais, para finalmente derrotar a comunidade de Conselheiro, que sempre fora pacífica. 

O marechal Carlos Bittencourt é outro carniceiro considerado herói do Exército Brasileiro. Sob sua ordem direta foram assassinados centenas de prisioneiros de guerra, entre homens, mulheres e crianças, inclusive pessoas que haviam se rendido com bandeira branca e que haviam recebido promessas de proteção em nome da República. Alvim Martins Horcades, médico do Exército e testemunha ocular, escreveu sobre a ação do marechal: "Com sinceridade o digo: em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros. (…) Assassinar-se uma mulher (…) é o auge da miséria! Arrancar-se a vida a criancinhas (…) é o maior dos barbarismos e dos crimes monstruosos que o homem pode praticar!" Pode parecer exagero afirmar que o assassino Bittencourt seja herói do Exército. Não é. Em vez de apurar as centenas de denúncias contra ele, o Exército, em 1940, proclamou-o oficialmente "herói de guerra e mártir do dever, que sublimou as Virtudes Militares de Bravura e Coragem". Não bastante, o marechal degolador de mulheres e crianças foi consagrado como Patrono do Serviço de Intendência do Exército Brasileiro.

Guerra do Contestado: outro massacre

A série de massacres perpetrados pelo Exército Brasileiro adentrou o século 20 - e prossegue no 21. 

No início do século 20, o Exército perpetrou outro brutal massacre que ficou conhecido como Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916 em Santa Catarina e Paraná. Os líderes militares designados para o morticínio foram o general Carlos Frederico de Mesquita, veterano do massacre de Canudos, e o general Setembrino de Carvalho, que se tornaria ministro da Guerra de um dos presidentes mais repressivos da história, Arthur Bernardes (1922-26). O episódio mais marcante da campanha militar foi o massacre de Taquaruçu. O vilarejo, uma das sedes dos seguidores do monge José Maria e de Maria Rosa, foi cercado pelos militares brasileiros com apoio de tropas locais. O povoado foi bombardeado por canhões e granadas que atingiram principalmente mulheres, crianças e idosos, pois a maior parte dos homens havia partido para formar outro reduto, o de Caraguatá. Como em Canudos, um médico militar deixou o registro da ação do Exército Brasileiro para a história. Seu nome era Cerqueira César, e ele relatou o que viu:

“O estrago da artilharia sobre o povoado de Taquaruçu era tremendo: grande número de cadáveres (…); pernas, braços, cabeças juncavam o chão; casas queimadas ruíam por toda parte. Fazia pavor e pena o espetáculo que então se desdobrava aos olhos do espectador: pavor de destroços humanos; pena das mulheres e crianças que jaziam inertes por todos os cantos do reduto. De nada lhes serviram as trincheiras feitas de pinheiro, nem as 105 cavidades quadradas que fizeram no chão onde se metiam para se abrigarem da metralha.”

Depois de derrotar a rebelião popular, com um saldo estimado em 20 mil mortos, o Exército entregou armas e munições para que as elites locais “terminassem o serviço”.

Menos de 10 anos depois, o Exército bombardeou São Paulo em 1924, no contexto da segunda revolta tenentista. As cenas lembravam as da Primeira Guerra Mundial. Mas era o Exército Brasileiro, sob a Presidência de Bernardes e tendo o mesmo Setembrino de Carvalho do massacre de Contestado como ministro da Guerra, destruindo parcialmente São Paulo no maior conflito bélico urbano da história do Brasil e da América Latina no século 20.

Estima-se em 800 mortos, boa parte civis, pelo menos 1.500 edificações em toda a capital destruídas, o comércio saqueado, os hospitais sem dar conta de tantos feridos.

Bombas contra os herdeiros de Padre Cícero

Em 1937, o Exército Brasileiro encerrou, com outro massacre, uma das mais belas experiências de vida comunitária da história brasileira, na fazenda Caldeirão de Santa Cruz do Deserto. Onze anos antes, o Padre Cícero havia alojado o líder betado João Lourenço e sua comunidade em uma grande fazenda denominada Caldeirão dos Jesuítas, situada no Crato, no Ceará. A base do movimento era o trabalho comunitário inspirado pela religiosidade popular. Era uma sociedade igualitária. Toda a produção do Caldeirão era dividida igualmente, o excedente era vendido e, com o lucro, investia-se em remédios e querosene.

A elite local identificou a iniciativa como uma ameaça a seus negócios, pois os sertanejos de toda região começaram a mudar-se para a fazenda, e denunciaram a experiência como “comunismo”. Em 1937, sem a proteção de Padre Cícero, que falecera em 1934, a comunidade foi massacrada pelo Exército, com ataque de artilharia e bombardeio por aviões. Foram mais de mil mortos, dentre eles centenas de mulheres e crianças. Até hoje o Exército Brasileiro não informa onde enterrou os mortos em vala comum. Todos eram seguidoras e  seguidores do beato José Lourenço, que buscavam retomar a tradição cristã original de vida em comunidade.

O massacre dos waimiri atroari

Na ditadura militar, além da mobilização do Exército (com apoio da Aeronáutica e Marinha) nas cidades para prisão, tortura e morte dos opositores, houve os massacres nos campos e especialmente dos povos originários.  

Bombardeios em ataques aéreos, chacinas a tiros, esfaqueamentos, decapitações de homens, mulheres e crianças e destruição de locais sagrados foram as ações do Exército Brasileiro contra o povo waimiri atroari a partir de 1974 para a construção da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), feita pelos militares. De acordo com a Funai, a população dos waimiri atroari era de 3 mil pessoas em 1972. Em 1983, depois do tratamento dispensado pelo Exército Brasileiro ao povo, apenas 350 haviam sobrevivido aos massacres.

A desfaçatez militar não teve limites em relação ao povo waimiri atroari.

O general de brigada Gentil Paes assinou o seguinte ofício em 1974: “Esse Comando, caso haja visitas dos índios, realiza pequenas demonstrações de força, mostrando aos mesmos os efeitos de uma rajada de metralhadora, de granadas defensivas e da destruição pelo uso de dinamite”. 

Já o coronel Arruda, comandante do 6º Batalhão de Engenharia e Construção, disse em 1975 que “a estrada é irreversível como é a integração da Amazônia ao país. A estrada é importante e tem que ser construída, custe o que custar. Não vamos mudar o seu traçado, que seria oneroso para o Batalhão apenas para pacificarmos primeiro os índios. […] Não vamos parar os trabalhos apenas para que a Funai complete a atração dos índios”.

São incontáveis os massacres perpetrados contra o povo brasileiro pelo Exército. Eles são o fio que amarra as contas da história militar no Brasil. A lista acima está longe de esgotar os episódios em que, ao longo da história, os militares massacraram parcelas expressivas do povo brasileiro.

Diante das críticas, os militares levantam rapidamente a bandeira das “tropas brasileiras na II Guerra” para afirmar uma farsesca tradição de luta em defesa do país e da democracia, mas a participação nos campos da Europa contra o nazi-fascismo foi apenas a exceção que confirma a regra. A respeito deste episódio, os militares comportam-se como Bolsonaro o fez com o auxílio emergencial: eram contra e tentam faturar depois que a ação foi bem sucedida. Sobre isso escreve o mestre Roberto Amaral: “Fomos à guerra contra a insistente resistência dos generais Eurico Gaspar Dutra, Ministro do Exército, e do todo poderoso general Góes Monteiro, chefe do estado maior da força, como está fartamente documentado. Aliás, na reunião do ministério 27 de janeiro de 1942) que decidiu pela beligerância, a proposta foi apresentada pelo civil Getúlio Vargas, contra o parecer do ministro da Guerra”.O Exército Brasileiro, como afirmou corretamente o jornalista Luiz Fernando Vianna, sabe muito bem matar brasileiros: homens, mulheres e crianças.

bolsonaro picha a deusa.jpeg

 

25
Mar19

Os sete pecados capitais da Lava Jato

Talis Andrade

 

3 poderes lava jato _thiagolucas.jpg

 

Gula, luxúria, vaidade, avareza, inveja, preguiça e ira. As ações da Lava Jato cometeram todos estes pecados no campo da política e da administração pública

O equilibrista morre quando acha que aprendeu a voar. Os pecadores sucumbem quando se afastam dos princípios que deveriam seguir”, diz o líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), em artigo.

Confira a íntegra do texto:

Os sete pecados capitais da Lava Jato

lavajatoongpetrobrasCastellucci.jpg

 

por Paulo Pimenta

---

A fome insaciável de poder, metáfora para a GULA no campo da política, foi o que fez ruir o castelo de areia da República de Curitiba. Ao tentarem se apropriar, para fins evidentemente políticos, de R$ 2,5 bilhões da Petrobras, empresa pública de caráter estratégico para a economia e a soberania do Brasil, os agentes públicos da operação Lava Jato cruzaram de vez a linha que os impedia de quebrar não apenas leis, mas também padrões morais.

 

As violações recorrentes à legislação brasileira que regula o processo penal e a ação de servidores públicos, especialmente aqueles vinculados ao poder Judiciário, expressam a LUXÚRIA do prazer decorrente do exercício do poder sem limites. A indústria de delações, ocultada nas alcovas da operação e erigida sob mentiras, ilustra muito bem esse desvio.

 

Tal prazer, incensado e alimentado pelos holofotes fornecidos pela mídia e por convescotes dos setores da sociedade civil – que alçaram ao Olimpo os condutores da autoproclamada “maior operação de combate à corrupção do planeta” – revela a mais pura e acabada manifestação da VAIDADE.

 

Não menos nociva à administração da República é a AVAREZA de funcionários públicos que deveriam primar pelo respeito à lei, mas são os primeiros a burlar o teto constitucional para auferir salários que, ao longo dos anos, somam quantias milionárias bancadas pelos impostos dos trabalhadores. Nesse quesito, destaca-se especialmente o procurador Deltan Dallagnol, que usou proventos recebidos ilegalmente para especular com um programa de moradia popular destinado a mitigar o déficit habitacional no País. Em sua “Divina Comédia”, Dante disse que a este tipo de pecador está reservado a Colina de Rocha, no quarto círculo do inferno.

 

O comportamento dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato é exemplar para apontar a INVEJA que esta categoria sempre exibiu com relação às forças policiais, a quem cabe de fato, segundo a Constituição Federal, a competência de realizar investigações de natureza criminal. Ao Ministério Público a Carta Magna atribuiu a importantíssima tarefa de elaborar a acusação. Entretanto, na prática, essa corporação ignora o que prescreve a lei e não apenas também exerce o papel que caberia exclusivamente às polícias, mas ainda julga e condena réus em suas peças, tratadas por parte da imprensa – não por acaso – como sentenças condenatórias em si mesmas.

Ao se omitir de empregar mais energia e procedimentos em relação a vários notórios personagens do campo político sobre os quais foram reveladas robustas provas materiais – e não apenas subjetivas ou acusações extraídas de delações premiadas – do envolvimento com ilícitos, a turma da Lava Jato demonstra a leniência, que não é menos que a PREGUIÇA no âmbito administrativo, consequência direta da seletividade política.

 

Com todos os pecados finalmente expostos aos olhos menos atentos da sociedade brasileira e da comunidade internacional, a reação escolhida por Dallagnol e seus colegas foi o de manifestar a IRA contra as instituições, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF), alvo de uma campanha de difamação que despertou até apelos por um golpe militar.

 

O equilibrista morre quando acha que aprendeu a voar. Os pecadores sucumbem quando se afastam dos princípios que deveriam seguir.

duke passando dos limites freio na lava jato .jpg

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub