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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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24
Set23

A evolução do Direito de Família pelo mundo (parte 3): o poliamor

Talis Andrade
 
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Por Mário Luiz Delgado

Concluo hoje a série de colunas sobre o 18º Congresso Internacional da ISFL (International Society of Family Law), que ocorreu entre 12 e 15 de julho em Antuérpia, na Bélgica, sem esgotar sequer a menção a todos os temas tratados [1].

Por isso, inicio por convidar os nossos leitores, não apenas os interessados no Direito de Família e Sucessões transnacional, mas também aqueles que queiram conhecer a experiência e as vivências de nossa área em outros países, para se associarem à ISFL e participarem de seus próximos eventos. A ISFL promove conferências regionais abertas a não membros em várias partes do mundo e um congresso mundial a cada três anos. A próxima conferência regional ocorrerá nos EUA em 2024.

Na última coluna, aludi à tendência crescente, no cenário internacional, de inclusão, no Direito de Família e Sucessões, das entidades familiares não binárias, ou seja, grupos com mais de duas pessoas, independentemente de conjugalidade e de parentalidade, mas submetidos ao mesmo tipo de proteção legal dada aos relacionamentos conjugais de duas pessoas (casamento e união estável) ou às famílias monoparentais e anaparentais.

O chamado poliamor (polyamory) foi destaque em diversos painéis na Universidade de Antuérpia. Estou convicto de que a grande rejeição, no Brasil, à regulação e à formalização dessa modalidade de família, com recorrente invocação, por alguns autores e tribunais, de violação ao princípio da monogamia como óbice, se deve, muito mais, a um preconceito machista, e a uma curiosidade concupiscente, sobre a natureza das relações íntimas entre os seus membros, do que a qualquer outra razão jurídica [2].

Tanto é assim que, se apartarmos a discussão da questão sexual, focando, por exemplo, em uma comunidade de três amigas idosas, solteiras e sem filhos, que convivem juntas, em comunhão de vidas e de patrimônio, mas sem relações sexuais, poucos se oporiam à equiparação desse trio (e não trisal) às demais entidades familiares, em direitos e obrigações. Essa constatação me leva também a concluir pela necessidade de "dessexualização" da família, expressão inspirada nos estudos de Giselle Groeninga, sobre a qual certamente voltaremos a tratar.

O fato é que o reconhecimento dessas pessoas, como um "núcleo amoroso" e familiar, não pode estar condicionado à prática de relações sexuais entre elas. Independentemente do que ocorra entre quatro paredes, e que se acoberta sob o manto da garantia constitucional da inviolabilidade da vida privada, deve-lhes ser assegurado o direito de combinar sobrenomes, o direito aos vínculos legais de parentesco, direitos sucessórios, alimentos, regime de bens, e tudo o mais.

A professora Nausica Palazzo, da Faculdade Nova de Direito de Lisboa, comentando a decisão do tribunal de despejos da cidade de Nova York (New York City's eviction court) no caso West 49th St., LLC v. O'Neill , de 2022, objeto de nossa última coluna [3], apontou, em sua conferência, para "a inevitabilidade de expandir noções de família por meio de argumentos baseados em funções. Se o foco estiver na capacidade de um relacionamento funcionar exatamente da mesma forma que uma família tradicional, então um conjunto maior de famílias merece reconhecimento legal". O Direito de Família deve se preocupar com as características e funções reais dos membros da família, em ter pessoas cuidando e apoiando umas às outras de forma confiável e duradoura, demonstrando comprometimento e confiança. A decisão, segundo ela, considera irrelevante, para a concessão das proteções legais, a questão de saber se o relacionamento é "bom" ou mesmo "emocionalmente abusivo", muito menos se eles praticavam sexo entre si, acrescento eu. A pretendida proteção contra o despejo liminar, afirmou Palazzo, "não deve se basear em distinções jurídicas fictícias ou na história genética, mas deve encontrar seu fundamento na realidade da vida familiar".

Kaiponanea Matsumura, da Loyola Law School, de Los Angeles, observou que, se por um lado uma primazia cultural do casamento sobre outras molduras de família socialmente reconhecidas decorre de ser o casamento supostamente mais estável do que outras formas de relacionamento, e que as propostas para reconhecer relacionamentos não conjugais geralmente giram em torno do fator "estabilidade", não é menos verdade que relacionamentos poliamorosos ou plurais também podem se revelar bastante estáveis e persistirem, apesar das idas e vindas de parceiros individuais. Segundo Matsumura, "estudos sugerem que as pessoas em relacionamentos plurais não estão menos comprometidas, satisfeitas ou confiantes em seus parceiros. Na verdade, eles relatam níveis ainda mais altos de satisfação e qualidade no relacionamento" [4].

Em outros termos, se a estabilidade foi um elemento importante na aceitação social de variadas formas de conjugalidade (como ocorreu com a união estável no Brasil), também é de ser levada em conta no reconhecimento de relacionamentos plurais, com ou sem coabitação.

Um relacionamento é considerado "estável", para Matsumura, quando é: respeitável (digno), altruísta (satisfaz as necessidades dos outros), exclusivo (sem parceiros externos) [5], financeiramente seguro, emocionalmente comprometido e longevo ou com expectativa de permanência.

A lei valoriza relacionamentos "estáveis", diz Matsumura, porque eles promovem dignidade, segurança jurídica, segurança financeira, ambiente de cuidado, conexões sociais e privatização da dependência econômica, pois o suporte material, em caso de dissolução, é devido pelos respectivos parceiros.

Se o Estado, por meio do Direito de Família, incentiva os relacionamentos estáveis em detrimento dos transitórios, negar a tutela estatal e condenar à invisibilidade as formações não binárias seria reconhecer que tais relacionamentos, entre mais de duas pessoas, são inerentemente instáveis, inferiores aos relacionamentos de duas pessoas e que não são dignos de respeito, restaurando, assim, uma inaceitável hierarquização das formas de constituição de família, há muito tempo banida pelo pergaminho constitucional.

A invisibilidade estatal no tocante a essas molduras não hegemônicas de família no Brasil, além de restringir a autonomia privada e a liberdade das pessoas que convivem dessa maneira, legitima uma indevida intervenção do Estado na vida privada, em clara violação à cláusula de barreira prevista no artigo 1.513 do CCB, segundo a qual é "defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família".

 - - -

[1] A profusão de temas discutidos nos quatro dias do congresso da ISFL é digna de nota. Menciono, a seguir, apenas os títulos de alguns painéis, para que se tenha a dimensão da grandiosidade desse evento: Justiça algorítmica para disputas familiares; Prevenindo a violência de gênero e familiar por meio da Inteligência Artificial: uma perspectiva multidisciplinar; O caso do 'contato herdado’ entre o direito à privacidade e o direito ao sucesso; Inteligência Artificial e Algoritmos no Direito de Família; Famílias Queer; Maternidade, gravidez de substituição e as novas famílias decorrentes; O que é um Parceiro: Relações Platônicas; Vida Humana Não Nascida ; Aborto e Direitos Reprodutivos; Autodeterminação Reprodutiva; Lei e intimidade; Análise jurídica dos direitos reprodutivos do pai, especificamente em matéria de aborto; Biotecnologias e "crianças perfeitas": como proteger o melhor interesse da criança quando os pais querem escolher as características genéticas de seus filhos?; A justificativa das medidas de proteção à criança durante a gravidez; Os direitos das crianças são suficientes?; A autonomia parental e os direitos e interesses dos filhos à luz das responsabilidades parentais; O direito de brincar: um direito dos menores, mas não um direito dos menores; Repensando a responsabilidade parental à luz dos direitos fundamentais das crianças na era digital; Reprodução medicamente assistida e o direito de conhecer as próprias origens; O direito da criança a conhecer as suas origens — existe um fosso entre a legislação e a prática jurídica?; O significado dos genes ; Os significados interdisciplinares das origens genéticas na concepção dos doadores; Guarda Física Compartilhada e Alto Conflito Interparental; Compreendendo as obrigações alimentares dos filhos: uma perspectiva ética relacional; Alienação Parental: Efeitos de Longo Prazo de Ordens Judiciais. Entre muitos outros.

[2] Não se pode equiparar qualquer relação íntima entre várias pessoas com a figura da poligamia, que pressupõe a existência de vários casamentos (poly/gammus). O princípio da monogamia, por sua vez, está implícito no ordenamento e é extraído a partir da interpretação do art. 1.566, inc. I, do CC, ao consagrar o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges, durante o casamento e desde que não haja separação de fato, entendida como causa de rompimento dos deveres. Em outras palavras, a monogamia refere-se à proibição expressa ao segundo casamento de quem ainda não dissolveu o anterior e à proibição à constituição de união estável de quem já é casado e ainda não se separou de fato.

[3] https://www.conjur.com.br/2023-jul-30/processo-familiar-isfl-evolucao-direito-familia-mundo-parte

[4] Segundo o conferencista de Los Angeles, "o casamento não surgiu como resultado de um movimento político, uma doutrina religiosa ou qualquer outra força motriz da história mundial, mas para atender a uma necessidade vital: garantir que as crianças são concebidas por uma mãe e um pai comprometidos em criá-los nas condições estáveis de um relacionamento vitalício".

[5] A exclusividade aqui não se confunde com a monogamia, no sentido de relações exclusivas entre duas pessoas. Mas relações exclusivas entre aqueles que integram o relacionamento plural.

 
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31
Jan21

Nassif: mensagens de Moro implodem o sistema penal brasileiro

Talis Andrade

SACANAGEM Moro não devolveu o ipad de Arthur - O CORRESPONDENTE

247 - Em análise publicada no jornal GGN, Luis Nassif diz que "a divulgação, pela revista Veja, de parte da peça de defesa de Lula, nos primeiros levantamentos nos arquivos da Vazajato, já basta para implodir definitivamente não a operação em si, suficientemente desmoralizada, mas o próprio sistema penal brasileiro". 

"O  trecho mais revelador é o diálogo de 23 de fevereiro de 2016, no qual o procurador Deltan Dallagnol combina com Sérgio Moro como montaria uma das denúncias contra Lula. É uma das peças mais vergonhosas do sistema criminal brasileiro – apesar de amplamente intuída pelos críticos da Lava Jato", afirma. 

De acordo com o jornalista, "serão debitados na conta dos ministros do STF "a invasão do quarto do casal Lula-Letícia, os colchões revirados, o notepad do neto carregado por policiais truculentos, a exposição impiedosa à máquina de moer reputações da mídia". "Esqueçam Sérgio Moro, um juiz da província. Ele já era sobejamente conhecido por Barroso e Fachin, pelo amplo histórico de abusos processuais pré-Lava Jato. Ainda assim, endossaram todos seus abusos mesmo tendo conhecimento amplo do seu passado de juiz da Vara Especial da Justiça Federal de Curitiba", diz.

"Em algum ponto do futuro, a opinião pública será lembrada dos Ministros que, do alto de seus cargos, endossaram a selvageria, estimularam os linchamentos, permitiram a destruição de empresas e de instituições sabendo que a Lava Jato não passava de uma grande encenação destinada a escancarar o país para os negócios da privatização", continua.

Leia a íntegra no Jornal GGN

 

19
Set20

Depois de censurado bolsonarismo, Bretas demonstra que tem mais poder: ordenou buscas em 75 alvos, 33 deles residências de advogados

Talis Andrade

https://www.carlosbritto.com/reus-acusados-de-canibalismo-no-agreste-pernambucano-sao-julgados/  2014-11-13T19:10:36Z  https://www.carlosbritto.com/wp-content/uploads/2014/11/Jorge.jpg Jorge  https://www.carlosbritto.com/terceiro-livro-de-escritor ...

 

Por Luiza Calegari / ConJur

Ao chancelar o maior ataque à advocacia registrado no país, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, acatou integralmente os pedidos do Ministério Público e ordenou o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra 75 alvos (mais do que os 50 divulgados anteriormente), em 33 residências de advogados.

Chama a atenção o fato de que os supostos delitos apontados pelo MPF do Rio, que teriam acontecido entre 2012 e 2018, dizem respeito integralmente a supostas transações firmadas entre a Fecomércio e escritórios de advocacia — alguns dos alvos jamais chegaram a fechar contratos com a entidade. Fica claro que a intenção é envergonhar e intimidar os alvos.

Bretas justifica a ordem afirmando que é essencial que as buscas sejam feitas nas casas dos investigados, afastando a inviolabilidade da advocacia, por haver indícios de cometimento de crimes relacionados ao exercício da profissão.

"Isso porque, há índicos do cometimento dos delitos de corrupção, peculato, exploração de prestígio, lavagem de capital e organização criminosa, sendo, pois, a medida de busca é (sic) meio hábil para reforçar a investigação e, por conseguinte, indicar a autoria e materialidade dos delitos imputados. Dessa forma, visando à arrecadação de todas as provas possíveis, entendo ser pertinente a busca e apreensão na residência dos requeridos pelo Ministério Público Federal", afirmou o juiz.

A OAB, ao ingressar com reclamação no Supremo Tribunal Federal, apontou que a ordem de busca contra os advogados foi "genérica" e não apresentou delimitação temática e temporal para conduzir seu cumprimento, o que, segundo a entidade, abriu brecha para a apropriação de elementos sensíveis e não relacionados com a investigação.

O Estatuto da Advocacia, ao prever exceções ao princípio da inviolabilidade do trabalho do advogado, determina que as acusações devem ser pormenorizadas e prevê que a operação de busca seja feita "na presença de representante da OAB". Mas não foi o que aconteceu no caso.

Alvos da operação ordenada por Bretas relataram à ConJur que as buscas nas casas dos advogados não foram, de fato, acompanhadas por representantes da Ordem. Os mandados, segundo os relatos, não tinham cópias ou trechos da decisão judicial que os autorizava. Ainda por cima, uma das residências foi invadida pela PF pela porta dos fundos, e os policiais entraram no quarto em que o advogado dormia com sua esposa.

No pedido, o MPF justifica as buscas nos escritórios e residências citando jurisprudências do STF e do Superior Tribunal de Justiça. Bretas cola uma das justificativas do MPF em sua decisão, para mostrar que há precedentes autorizando buscas nas residências dos investigados sem a participação de representante da Ordem.

Na decisão citada, no entanto, o agravo regimental em pedido de Habeas Corpus foi desprovido pelo STJ por ser instrumento inadequado para "revolvimento do material fático/probatório dos autos". Ou seja, não houve análise de mérito do pedido, que alegava que a casa do advogado não poderia ser considerada extensão de seu local de trabalho.

Ilegalidades e abusos
As violações à jurisprudência e às prerrogativas da advocacia cometidas pelo MPF e chanceladas por Marcelo Bretas fizeram com que a OAB recorresse ao Supremo para pedir a anulação de todas as decisões relacionadas à delação de Orlando Diniz.

A Ordem sustenta que as apurações envolvem autoridades com prerrogativa de foro e, por isso, a competência para julgar e processar o caso seria do STF. Além disso, acusa o Ministério Público Federal no Rio de empreender um "malabarismo jurídico" na tentativa de manter o caso correndo na primeira instância.

Os pedidos da OAB incluem a suspensão dos efeitos da homologação da delação premiada de Orlando Diniz, de forma cautelar, e o envio do material ao Supremo; e, no mérito, o reconhecimento da competência do STF para processar o caso e a declaração de nulidade das decisões da 7ª Vara Federal do Rio.

Incompetência e erro de imputação
A ordem de devassa contra os escritórios foi considerada uma tentativa de criminalização da advocacia pela comunidade jurídica. Além disso, contém erros de competência, já que a Fecomercio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do TCU, a competência seria do STF.

O empresário Orlando Diniz já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão depositados no exterior.

Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

Bloqueio desastrado
Escritórios de advocacia também relatam ter tido valores bloqueados de suas contas correntes. Nos autos, Bretas admitiu ter ordenado o sequestro, mas afirmou que era para ter acontecido no dia da operação, como é de praxe. Já que o bloqueio não constaria do sistema, ele levantou o sigilo sobre o pedido, expondo os alvos da operação — isso após a divulgação de notícias, da Folhae da ConJur, de que o bloqueio teria sido efetivado.

Segundo Bretas, a mudança do sistema BacenJud para o SisbaJud ocasionou um erro técnico, e o bloqueio não foi feito. "Somente no dia seguinte, ao que tudo indicava, a ordem teria sido finalmente transmitida aos bancos, porém até hoje não consta do Sisbajud a confirmação de que a ordem foi cumprida", afirmou, justificando o levantamento do sigilo.

STF desmoralizado

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Este correspondente alerta: Os novos mandados de busca acontecem depois da censura a Bretas, por suas atividades políticas de apoio a Sérgio Moro, quando ministro da Justiça e Segurança Pública, ao governador Witzel, ao prefeito Marcelo Crivella, a Bolsonaro, de quem se diz "terrivelmente evangélico". 

Depois que o ministro do STF Gilmar Mendes deu cinco dias para sua divindade explicar ao Supremo sobre a Operação E$quema S, considerada por especialistas como um ataque à advocacia e ao Estado Democrático de Direito.

A decisão de Gilmar Mendes ocorre por provocação de uma ação apresentada pelo advogado do ex-presidente Lula e alvo das investigações, Cristiano Zanin Martins, que questiona a competência da Justiça Federal de primeira instância para supervisionar a operação. A ação de Zanin, assim como ações de seccionais da OAB e do ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho, tramita em segredo de Justiça.

Escreve Sérgio Rodas sobre a tardia censura:

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) concluiu, por 12 votos a 1, nesta quinta-feira (17/9), que Bretas praticou os atos de superexposição e autopromoção e o condenou à pena de censura. As condutas são proibidas pelos artigos 3º, II, "a" e "b", e 4º, IV, da Resolução 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, e 13 do Código de Ética da Magistratura.

19
Set19

Sua Excelência o Cidadão, e a lei de abuso de autoridade

Talis Andrade

No meio do debate acalorado fomentado por instituições, associações e entidades de classe, o maior beneficiário e destinatário da lei parece alheio, ou seja, Sua Excelência o Cidadão, e uma pergunta importante deve ser feita: A nova lei de Abuso de Autoridade beneficia ou não o cidadão? Em nossa simplória visão a resposta é sim!

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João Américo Rodrigues de Freitas

Qual a punição para os agentes públicos que agem com abuso de autoridade, com a “finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal” ? Se aplicada a antiga lei de abuso de autoridades, lei 4.898 de 09 de dezembro de 1965, a pena máxima seria a de demissão, a bem do serviço público, isso na esfera administrativa, já no âmbito penal, a pena máxima se resume a restritiva de direitos e multa.

O marco normativo que tratava do tema abuso de autoridade foi edificado no momento de transição democrática para o regime de exceção iniciado em 1964, representando, em todo caso, uma visão autoritária, onde as punições para quem praticava abuso no uso ou exercício do poder eram penas brandas e sem objetividade legal necessária. Podemos assim classificar a antiga lei de abuso de autoridade como o entulho legislativo, que deveria ter sido extirpado do arcabouço jurídico nacional há muito tempo, afinal, a sociedade carecia de uma lei que refletisse nossos valores humanos cardiais e dialogasse com a Constituição e suas garantias individuais.

Diferente do que se propaga de forma simplória e até irresponsável, a nova lei de abuso de autoridade, lei 13.869/19, que foi objeto parcial de veto pelo presidente da República (19 artigos vetados, 36 pontos no total), não é dirigida a juízes, promotores e policiais, nem prejudicará o curso de operações de combate a corrupção. A nova lei de abuso de autoridade publicada em 5 de setembro de 2019, que entrará em vigor em 120 dias, representa um marco decisório no processo civilizatório brasileiro, melhorando a vida e as relações, principalmente do cidadão com o Estado, encontrando conformidade com o pensamento jurídico mundial, notadamente Alemanha, Portugal, Estados Unidos, Espanha e Itália, países que possuem legislações sobre o tema “mais rigorosas” do que a nossa.

O artigo 2º da nova lei de abuso de autoridade, define quem são os sujeitos que podem praticar o crime de abuso de autoridade, quais sejam, servidores públicos da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e de território, ou seja, qualquer servidor dos três poderes clássicos (Executivo, Legislativo, Judiciário) e ainda membros do Ministério Público e Tribunais de Contas. Então, desse modo, temos como falacioso o argumento de que a lei foi dirigida a juízes, promotores e policiais.

Dessa feita, o Brasil necessitava há muito tempo adequar e inovar a legislação de abuso de autoridade com os ares constitucionais vigentes, ou seja, a legislação antiga que tratava do abuso de autoridade não espelhava o modelo e as aspirações constitucionais, revigoradas com o aniversário de 30 anos da carta política de 1988 .

No meio do debate acalorado fomentado por instituições, associações e entidades de classe, o maior beneficiário e destinatário da lei parece alheio, ou seja, Sua Excelência o Cidadão, e uma pergunta importante deve ser feita: A nova lei de Abuso de Autoridade beneficia ou não o cidadão? Em nossa simplória visão a resposta é sim!.

A nova lei repete direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição adequando-as corretamente a um diploma normativo há muito esperado pela sociedade.

Precisamos, como sociedade, exigir que as nossas autoridades tenham atuação forte, enérgica, mas dentro dos limites legais e constitucionais, respeitando franquias e garantias individuais, como a liberdade, a inviolabilidade do domicílio, preservando a intimidade e legalidade nas interceptações telefônicas e de quaisquer outros meios e eventuais divulgações do conteúdo, respeitando a imagem das pessoas presas, presando pela higidez do figurino legal quando da prisão de qualquer pessoa, mantendo o mínimo de código de etiquetas em relação à obtenção de provas, e que essas, as provas, venham por meios lícitos, mantendo-se, pois, as prerrogativas do advogado quando no exercício de suas funções, sem a regra de que o fins justificam os meios.

Ficamos em arremate com a célebre frase cunhada e atribuída ao pensador clássico do modelo de separação de poder Charles-Louicas de Secondat, ou simplesmente Montesquieu, que legou à posteridade o seguinte brocardo:

“Todo homem que tem o poder é tentando a abusar dele (…). É preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.”

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02
Set19

Lei de abuso de autoridade: proteção à cidadania e às garantias fundamentais

Talis Andrade

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Por Cássio Lisandro Telles 

 

ConJur - O debate sobre a lei de abuso de autoridade tem suscitado posições extremadas e muitas vezes equivocadas. Juízes, Promotores e Policiais sustentam que a lei os impedirá de combater o crime, que operações contra a corrupção ficarão comprometidas, que a insegurança tomará conta do País por causa da impunidade e que ficarão vulneráveis em suas ações, sempre sob a ameaça de serem processados.

O centro do debate são as autoridades. Poucos falam do cidadão, o destinatário da norma. Quem o faz, normalmente é advogado.

Justiça célere, equilibrada e de qualidade é anseio antigo da população. A advocacia luta por isso há muitos anos.

Segurança pública eficiente, policiamento preventivo, combate às organizações criminosas, investigações que cheguem ao final, também são desejos eternos da sociedade. Há muito todos lutam, também, por isso.

Não temos ainda nem uma nem outra coisa, apesar de até hoje não ter existido no País uma verdadeira lei de abuso de autoridade.

Então, a primeira pergunta que deve ser feita é essa, será realmente a lei de abuso de autoridade o obstáculo para a Justiça célere, eficiente, equilibrada, para a segurança pública almejada, que traga à sociedade o desejado bem-estar social?

Há, é certo, uma lei de abuso de autoridade vigente no País. Ela é de 1965, portanto editada logo após a ruptura democrática de 1964. Qual a pena para quem abusa de sua autoridade contra o cidadão, de acordo com essa lei? Multa, detenção de 10 dias a seis meses, perda do cargo e inabilitação para o exercício de outra função pública.

Em 1988, o Brasil escolheu um novo caminho para a nação, o caminho da cidadania, e as garantias fundamentais foram colocadas na Constituição como cláusulas pétreas. O Estado, o Poder Público, as autoridades devem atuar em favor do povo, buscando a promoção dos ideais de dignidade, igualdade, inclusão, respeito à diversidade e às minorias, proteção à intimidade, à honra, preservação da liberdade em todas as suas manifestações, físicas, de pensamento, de opinião, intelectual, de culto religioso, de reunião, de associação, de trabalho, de iniciativa econômica, respeito ao devido processo legal, ao não uso de provas ilícitas, impedimento do uso da tortura, enfim a preservação dos direitos da personalidade e da individualidade, com vistas à promoção do bem estar social.

A consagração de valores fundamentais do ser humano, por óbvio passou a exigir uma lei de proteção contra abusos de quem exerce o poder, porquanto autoridades têm como dito antes, compromissos inarredáveis com a Constituição e os valores por ela consagrados. A Constituição da República, é muito mais do que a Carta de Organização do Estado, ela é a fonte das demais leis e o reduto sagrado de proteção da sociedade, da democracia e da cidadania.

O atual projeto de lei de abuso de autoridade surgiu em 2009, quanto os três poderes constituídos apresentaram um programa republicano de atuação em favor da cidadania, voltado para “fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça”.

Na alínea “f”, do inciso III, do Pacto, foi prevista a necessidade de “fortalecer o exercício do direito fundamental à ampla defesa e da advocacia.” E dentre as propostas prioritárias, no item 1.2, foi incluída a necessidade de “1.2 - Revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais.”

Um grupo de juristas foi nomeado para redigir a nova lei do abuso de autoridade, dentre eles o Min. Teori Zavaski, Rui Stoco, Everardo Maciel e Luciano Felício Fuck. A partir dos estudos feitos por essa comissão, o então deputado Raul Jungmann apresentou, no parlamento, o projeto de lei 6418/2009.

Interessante notar que praticamente todos os tipos penais previstos agora, no PL 7596/2017, que foi à sanção presidencial, já faziam parte daquela proposta de 2009, época em que nem se sonhava com as atuais operações de combate à corrupção.

Assim, toda essa retórica de que o atual projeto de lei é uma tentativa de silenciar as operações policiais e o Ministério Público, de eliminar o combate à corrupção e de reduzir a atuação da magistratura, não se contextualiza com a iniciativa da lei, que remonta à época de 2009 e que tinha por objetivo central adequar a lei de abuso de autoridade às garantias fundamentais consagradas na Constituição de 1988.

É no mínimo curioso que isso tenha sido esquecido no atual debate. Parece que a Constituição atual simplesmente não existe, que os princípios por ela escolhidos para proteção da cidadania não existem, ou não valem. O foco das discussões são os espaços de atuação das autoridades.

Pode-se questionar a oportunidade da previsão do chamado crime de hermenêutica, como fez a magistratura, mas com toda a licença, não dá para dizer que o teor do projeto acuará e impedirá o eficaz trabalho do Judiciário, do Ministério Púbico e da polícia.

Quem diz que o projeto deve ser vetado integralmente, é porque não o leu.

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O quadro abaixo, traz algumas das condutas que o legislador previu como abuso de autoridade. Leia com atenção e reflita se você concorda que Juízes, Promotores, Delegados e qualquer autoridade pratique as condutas reprimidas pelo projeto. No segundo quadro, elenquei qual garantia constitucional o tipo penal procura salvaguardar:

Tipo Penal

Garantia Constitucional

decretar prisão sem observar as hipóteses legais.

Direito à liberdade (artigo 5º, caput)

executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária

Prisão fundamentada, vedação da prisão arbitrária (inciso LXI, do art. 5º.)

constranger o preso ou o detento, com violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; ou produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro;

Preservação da intimidade, da honra e imagem (inciso X, do art. 5º.)

manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento. Aplica-se a quem mantiver, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente;

Direito à integridade física e moral (incisos XLVIII e XLIX, do art. 5º.)

invadir ou entrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, em imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei.

Inviolabilidade do domicílio (inciso XI, do art. 5º.)

mudar, em diligência, investigação ou processo, o estado das coisas para se eximir de responsabilidade ou deixar de responsabilizar criminalmente alguém ou aumentar-lhe a responsabilidade (mudança de cena de crime, por exemplo).

Devido processo legal e vedação de provas ilícitas e da prisão ilegal (incisos LIV, LVI e LXV, do art. 5º.)

obter prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito.

Vedação o uso de provas ilícitas (inciso LVI, do art. 5º.)

impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado.

Direito de defesa e de ter advogado (incisos LV e LXIII, do art. 5º.)

requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém sem qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa, exceto quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada;

Direito à liberdade, presunção de inocência e devido processo legal (art. 5º, caput e incisos LIV e LVII)

negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa; ou impedir a obtenção de cópias;

Direito à ampla defesa, publicidade do processo e à constituição de advogado (incisos LV, LX e LXIII, do art. 5º.)

responsável pelas investigações que, por meio de comunicação, inclusive rede social, antecipar atribuição de culpa antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.

Presunção de inocência (inciso LVII, do art. 5º.)

coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.

Direito de reunião (inciso XVI, do art. 5º.)

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A simetria dos tipos penais previstos no projeto de lei com a Constituição, evocada com base nos motivos históricos que inspiraram esse debate no parlamento, a partir do II Pacto Republicano de 2009, demonstra que não existe casuísmo na legislação aprovada pelo Congresso. Trata-se, sim, de efetivação dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal.

O certo é que os tipos penais somente atingirão as más autoridades, aquelas que atentam contra os direitos dos cidadãos. E há, sim, necessidade de uma proteção da sociedade, parte vulnerável quando se trata de contraponto ao Poder, para o combate aos excessos.

A previsão no projeto de lei à criminalização da violação das prerrogativas da advocacia também nada tem de corporativista, como apregoam os combatentes da sanção presidencial. A advocacia exerce papel fundamental para a sociedade, ela é a voz do cidadão no exercício do direito à ampla defesa, e é, pela sua forma normalmente isolada de atuar, a parte mais fraca na relação processual, porquanto o Estado, por meio de seus órgãos de acusação e investigação normalmente se encontra bem estruturado e tem acesso a vários meios de investigação, desde a estrutura material e pessoal, até a quebra de sigilos. Cercear a defesa, impedindo a livre atuação da advocacia, deve, sim, receber reprimenda penal, pois essa talvez seja a face mais cruel do abuso de autoridade contra o povo, na medida em que lhe deixa indefeso naquilo que há de mais relevante dentre os valores individuais, a liberdade.

Há outro dado que as críticas ao projeto não revelam: a maioria dos tipos penais acima exige o dolo, isto é, a vontade de praticar o crime ali descrito.

Por último, quem julgará as autoridades que abusarem de suas prerrogativas ofendendo os direitos fundamentais tutelados pela lei, são os próprios Juízes. Ora, ninguém duvida do bom senso que orientará suas decisões, e do cuidado que terão para não praticar injustiças.

Então, como cidadãos, temos que realmente pensar: essa lei é contra nós, ou nos protege de abusos?

O foco do debate não deve ser as autoridades, os advogados, a classe política, mas sim o cidadão, pois, nas palavras de Ingo Sarlet, “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças”.

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