Carol Castro entrevista Dawisson Lopes - II
‘Israel conclamou os líderes do mundo a criticarem as falas de Lula. Não aconteceu nada.’
No geral, como o senhor avalia a fala do presidente? Deveria ser mais branda ou ele acertou ao subir o tom?
Tem um dilema nessa história do Lula. Eu acompanhei a construção da política externa brasileira nessa gestão presidencial. Li e ouvi todos os discursos do Lula até o momento, assim como de seu chanceler, do Secretário Geral, os materiais que são produzidos pelo Itamaraty.
As pessoas não votam por causa da política exterior, mas a grande imprensa brasileira utiliza o tema para questionar o governo.
Posso dizer que houve uma escalada nas últimas semanas, Lula aumentou o tom. Ele falou mais de uma vez num tom muito crítico do que se passava, das atitudes de Israel em Gaza. Foram vários pronunciamentos feitos de forma sequencial. E talvez pudesse fazer outras dezenas ou centenas de pronunciamentos com um linguajar mais diplomático que não teria a mesma repercussão que teve dessa vez. É difícil avaliar, sendo honesto, não sei qual vai ser o saldo desse posicionamento, mas se a ideia era conseguir chamar a atenção, o Lula logrou êxito. Claro que ele vai ter também de lidar com os efeitos colaterais internamente, a resistência que essa fala gerou.
Internacionalmente não vejo nada importante se configurando de forma negativa. Domesticamente sim, houve muito ruído. Há de se ponderar se o saldo é positivo. Parece, até o momento, as coisas podem indicar para que a fala dele envelheça bem, acho que é bem possível que isso aconteça. Passadas as primeiras 48 horas e nada de sério aconteceu internacionalmente, acho que Lula acaba conseguindo firmar sua posição. E isso não havia acontecido antes. Chegamos a um novo patamar da relação com Israel. Houve de fato um posicionamento mais assertivo. Isso é novo.
O Brasil tem alguma perda econômica e diplomática com a ruptura com Israel?
Acho que a perda econômica é de uma escala muito pequena. A participação Israel na nossa corrente de comércio é menor do que 0,4%. Muito pequena. E diplomaticamente o Brasil vive às turras com Israel há muito tempo.
Se reaproximam e depois voltam a estrilar, então não acho que seja nenhuma grande ruptura. A verdade é que há muito exagero nesse momento. Mas quem olha para a história sabe que a relação entre Israel e Brasil sempre foi tensa. Ao menos desde os anos 1970, quando o Brasil votou favoravelmente à uma resolução da ONU que classificava o sionismo como uma forma de racismo, isso é de 1975, a partir dali tem um estremecimento. De tempos em tempos, as acusações, o dedo em riste volta a aparecer. Basta lembrar alguns momentos.
Em 2010, o Brasil propôs a Declaração de Teerã, um acordo com Turquia e Irã, para tentar demover o Irã de seguir adiante com seu programa nuclear. Quem ficou absolutamente irritado e pressionou para que a declaração de Teerã fosse barrada foi Tel Aviv, foi Israel.
Em 2014, numa dessas crises em Gaza, quando Dilma era presidente, ela mandou o embaixador do Brasil em Tel Aviv voltar para fazer consultas. E foi quando o porta-voz da chancelaria disse que o Brasil era um anão diplomático. Então esse tipo de mal-estar é mais ou menos comum nessa relação. A exceção foram os anos de Bolsonaro, quando o Brasil abandonou uma posição mais pró-Palestina, e se posicionou sob o guarda-chuva de Israel, mas isso é exceção à trajetória.
Existe de fato alguma relevância em se discutir o impacto eleitoral da fala de Lula, com eleições ainda tão distantes?
Não tem nenhuma lógica em se discutir o impacto eleitoral nesse episódio. Estamos falando de uma comunidade pequena, não são muitos votos. É uma comunidade que majoritariamente já fazia oposição, pelo menos de forma mais institucional. Eles já eram bolsonaristas, ou ao menos tiveram, nas últimas eleições, muito próximas de Jair Bolsonaro. Então, não se perde o que nunca se teve.
A perda econômica é de uma escala muito pequena. A participação Israel na nossa corrente de comércio é menor do que 0,4%.
O argumento é de que existe um reforço do nexo entre os evangélicos e Israel. Mas, novamente, é um segmento da população brasileira que não vota tradicionalmente com a esquerda, ou não tem votado nos últimos anos. E o argumento de que há muito dinheiro envolvido e que poderia prejudicar o financiamento das campanhas, esse lobby organizado de Israel em São Paulo e no Rio, especialmente, poderia implicar problemas para o financiamento de campanhas do PT, isso é uma bobagem. É uma transmigração, é um contrabando do modelo de financiamento dos Estados Unidos. O nosso modelo é bem diferente, a gente não tem essa história de financiamento privado, apenas privado. Então, isso é uma versão equivocada para se pensar o assunto.
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