Qualquer autodefinição sofre de um pecado original: a suspeição de quem responde. É natural que as pessoas tenham uma percepção menos negativa dos seus defeitos e mais positiva de suas eventuais qualidades.
Há uma resposta cômoda e que aplaca a exigência dos extremos, antecipando o que vai dar certo ou redondamente errado: "sou um realista". O mais apropriado é não ceder às dificuldades e aproveitar as oportunidades; compreender que o intelecto é pessimista, a vontade, otimista; e não cometer idiossincrasias como a de Thomas Carlyle que define a economia como uma "ciência lúgubre".
A economia é o pão ou a fome nossa de cada dia: seja na padaria da esquina, seja numa Big Tech, numa potência nuclear. A economia é a ciência da escolha. E as decisões têm consequências que podem nos levar à fortuna ou à falência.
O grau de sofisticação da ciência econômica contemporânea não assegura necessariamente acertos nem modelos infalíveis. Os protagonistas da complexa relação econômica se deparam com duas realidades incontornáveis: os economistas não são profetas e a economia é uma relação que envolve a complexidade do ser humano.
A essa altura, cabe o leitor indagar onde quer chegar o articulista? A uma breve reflexão sobre dois livros recentemente lançados com duas conclusões opostas em relação ao futuro da Humanidade.
O primeiro é de autoria de Oded Galor (1953), israelense-americano, professor de economia na Brown University, autor do livro A Jornada da Humanidade - As origens da riqueza e da desigualdade, e fundador da "teoria do crescimento unificado".
No longo percurso da obra, o autor registra, "Curiosamente, a disparada da sociedade nos últimos séculos aconteceu apenas em algumas partes do mundo, desencadeando uma segunda transformação particular a nossa espécie: o surgimento de imensa desigualdade entre as sociedades [...] Decifrar o Mistério do Crescimento nos permitirá enfrentar na segunda parte da nossa jornada o Mistério da Desigualdade entre as nações e o significativo aumento do desnível entre as padrões de vida nos últimos duzentos anos".
Na sequência, o autor adverte que o livro não postula uma marcha inevitável em direção à utopia ou à distopia e enfatiza que a "era moderna é movida por uma era de contínua melhoria", persistindo, no entanto, "as enormes injustiças e desigualdades".
O que distingue nossa era é a compreensão das origens da riqueza e desigualdade global que permita lutar e vislumbrar um futuro mais generoso como parte da jornada humana por territórios desconhecidos.
O autor do segundo livro Mega-Ameaças - Dez perigosas tendências que ameaçam nosso futuro e como sobreviver a elas é o renomado economista americano Nouriel Roubini (1958), nascido na Turquia e de origem judaico-iraniana da Stem School of Business da Universidade de Nova York, ganhou fama ao prever a crise financeira de 2008 e foi apelidado de "Dr. Doom" o equivalente ao "Dr. Catástrofe".
As ameaças, exploradas em cada capítulo, estão prestes a nos atingir. São elas (não necessariamente guerras, diz o autor) que se sobrepõem e se reforçam: A mãe de todas as crises de dívida; Fracassos públicos e privados; A armadilha do dinheiro fácil e o fim do boom; A grande estagflação que está chegando; Colapso da moeda e instabilidade financeira; O fim da globalização; A ameaça da inteligência artificial; A nova guerra fria; Um planeta inabitável (mudanças climáticas).
Roubini não se considera um catastrofista. Em cada capítulo admite a possibilidade de um caminho melhor mesmo descrendo nos sistemas autoritários e democráticos.
Curiosamente, na entrevista dada nas páginas amarelas (Revista Veja, Edição de 15 de setembro), Roubini fez uma inesperada afirmação "O Brasil é promissor" e explicou "tem capacidade para crescer a taxas superiores 5% o que seria crucial para combater a desigualdade e aumentar a produtividade, mas a implementação de reformas independentemente da orientação política do governo precisa ocorrer de forma ágil e eficaz [...] O foco em educação é igualmente vital, pois o capital humano representa a chave para o crescimento sustentável. O Brasil possui grande potencial, mas apenas a implementação de tais reformas garantirá um futuro próspero".
Diante das ameaças e um país promissor, Roubini poderia encontrar uma autodefinição mais adequada caso seguisse o sábio conceito de Ariano Suassuna: "Se otimista são tolos, já pessimistas não deixam de ser chatos. Bom mesmo é ser realista esperançoso"
Dinheiro pra cá, dinheiro pra lá pro bolso do chefe. Dinheiro do governo Bolsonaro para comprar o que há de mais moderno no mundo da robótica e da iteligência artificial
Ex-assessor de Arthur Lira foi um dos alvos da operação contra desvios em Alagoas. É isso aí. Maceió afunda, Lira sobe
Por lá, a suspeita é de faturamento total de R$ 5,2 milhões, em kits de robóticas que custavam até R$ 14 mil cada.
Do outro lado do esquema de corrupção, a investigação flagrou trocas de dinheiro vivo em um estacionamento em Brasília (DF).
OFantásticovisitou Canapi e Delmiro Gouveia para conversar com as prefeituras locais e entender como foram empregados os gastos milionários nas cidades do interior.
As cidades estão entre outras 46 investigadas pela Polícia Federal, que na semana passada deflagrouoperação com mandados de busca em 4 estados, atingindo até um ex-assessor do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
PF aponta alta chance de voz em gravação ser de juiz afastado da Lava Jato; entenda o caso tão burlesco quanto uma festa de cueca, tão misterioso quanto ser vítima do chupa-cabra, tão macabro quanto ser sequestrado pela liga da justiça de Curitiba
Em um longo relatório, o corregedor regional da Corte, Cândido Alfredo Silva Júnior, explica cada violação que teria sido cometida por Appio em uma suposta ligação telefônica feita a João Eduardo Barreto Malucelli, filho do desembargador federal Marcelo Malucelli, no dia 13 de abril, classificando como uma possível tentativa de intimidação, ameaça ou constrangimento, a partir de dados sigilosos a que teve acesso. Os dados sigilosos estão todos nesta gravação, e foram entregues a vários jornalistas.
Diz a imprensa lavajatista e/ou o corregedor Cândido, que há uma "alta chance" da voz da gra√ação ser do juiz Eduardo Appio. Assim como "a verdade científica por trás da lenda do chupa-cabra".
Escreve Josh Gabbatiss diretamente de Londres, in BBC News:
Histórias de monstros costumam fazer sucesso no mundo todo, mas o fato de eles insistirem em viver no fundo de lagos, em terras distantes ou nos confins das florestas tornam suas supostas aparições em ocasiões raras e muitas vezes duvidosas.
Assim, não é por acaso que nossos conhecimentos sobre eles vêm quase exclusivamente de imagens borradas ou relatos pouco confiáveis.
Essa imagem mística foi o que atraiu Benjamin Radford, pesquisador do Comitê para a Investigação Cética (CSI, na sigla em inglês), para a história do chupa-cabra, uma suposta criatura vampiresca que ganhou fama mundial nos anos 1990, do México à Rússia, passando pelo Brasil e os Estados Unidos. Leia mais aqui
Relatos sobre o chupa-cabra apareceram pela primeira vez em Porto Rico em meados dos anos 1990. Eles descreviam uma criatura bípede de quase um metro e meio de altura com olhos grandes, espinhos nas costas e longas garras.
Foi assim que Moro apareceu para uma criança, cuja mãe foi sequestrada pelos procuradores e policiais federais da Lava Jato, e levada para um interrogatório secreto, e gravado no sítio Atibaia. A criança, depois dessa experiência de tortura, precisou de um longo tratamento psiquiátrico. Uma tortura escondida e impune pelas autoridades da liga da justiça da República de Curitiba, da qual faz parte o desembargador Marcelo Malucelli.
Barreto Malucelli, o filho, tem essa mania de gravação. Aprendeu com o sogro, o rei do grampo. Moro gravou a presidenta Dilma, gravou o ex-presidente Lula, gravou advogados, dizem que gravou o ex-presidente Fernando Collor, gravou o ex-governador Beto Richa, e isso é revelado porque Moro (admirador da justiça do Estado Novo, admirador da justiça militar da ditadura de 1964) não acredita em inteligência artificial. Acredita sim em depoimentos inventados por Erika Marena (Vide caso do reitor Cancellier e outros). Em depoimentos tomados sob tortura, em testemunhos sob vara.
Diz a impresa lavajatista que Appio queria saber segredos do desembargador pai, e o "inteligente" telefonista secreto vai perguntar coisas do pai pro filho advogado. Que santa sabedoria, que santa inocência pra lá de cândida.
O jornal O Globo publica hoje reportagem que desmente a PF. Publica Carol Prado e Gabriela Sarmento:
De Ariana Grande cantando Zezé di Camargo a Michael Jackson com Chitãozinho e Xororó, a inteligência artificial é capaz de fazer loucuras na música e já lançou até seu primeiro hit. Nesta semana, og1 Ouviu, podcast de música do g1, conversou com especialistas pra entender o alvoroço causado por essa tecnologia na indústria musical, após uma gravação com vozes falsas de Drake e The Weeknd bombar na internet.
O episódio tem a participação do advogado Luiz Fernando Plastino, especialista em propriedade intelectual, e do produtor Mulú, que já trabalhou com nomes como Pabllo Vittar e Duda Beat. Ele explica as possibilidades criativas das novas ferramentas. Propriedades criativas que a finada Lava Jato não acreditou em vida.
A viagem de Lula à China foi um êxito substancial.
Após o período nefasto de isolamento bolsonarista, durante o qual tivemos conflitos desnecessários com nosso principal parceiro comercial e econômico, o presidente Lula retomou, em grande estilo, uma parceria estratégica que data de 30 anos.
O número de acordos e memorandos oficiais firmados (15), afora os assinados na esfera privada, demonstra que a viagem serviu para refundar e aprofundar uma associação estratégica extremamente proveitosa para os interesses do Brasil.
Vale ressaltar que, dos 15 instrumentos oficiais firmados, 6 dizem respeito diretamente à cooperação na estratégica área de tecnologia, entre os quais pode-se destacar o que prevê a construção e lançamento do CBERS 6, satélite de monitoramento de recursos terrestres extremamente importante para o Brasil.
Ademais, os acordos firmados preveem a cooperação em diversos campos portadores de futuro, tais como:
i) Nanotecnologia
(ii) Energia limpa
(iii) Inteligência artificial
(iv) Biotecnologia
(v) Cidades inteligentes
(vi) Novos materiais
(vii) Ciência e tecnologia espacial e aplicações
(viii) Economia digital
(ix) Tecnologia da informação e comunicação
(x) Indústria 4.0
(xi) Biodiversidade
(xii) Ciências polares e oceânicas, etc.
Firmamos também um importante acordo para o desenvolvimento social e rural e combate à fome e à pobreza, um acordo para produção conjunta de conteúdo televiso e audiovisual, um acordo de cooperação entre nossas agências de notícias, um acordo específico para economia digital, um outro acordo específico para as TICs, um acordo para facilitação de comércio, etc., etc.
O agronegócio foi objeto de apenas 2 acordos na área sanitária, destinados basicamente a facilitar nossas exportações de carnes.
Como se vê, o Brasil está procurando diversificar a sua parceria com a China, colocando-a em patamar superior, tanto do ponto de vista econômico, como geopolítico.
A China deixou há muito tempo de ser somente uma exportadora de produtos de baixa tecnologia.
Hoje, ela é uma grande potência mundial em tecnologia e a primeira economia em PPP do mundo, que concorre exitosamente com EUA, Japão e Europa em setores de alta complexidade.
A China, é, por exemplo, o país que mais investe em tecnologias limpas e energias renováveis.
O Brasil quer se aproveitar dessa expertise para dar um salto de qualidade em seu desenvolvimento, promovendo a imprescindível transição ecológica e a indústria 4.0, o que deverá tornar nosso país uma grande potência, ao mesmo tempo “verde” e industrial.
Nesse quadro, a China é um grande parceiro estratégico.
Nada contra exportar os bens oriundos do nosso muito competente agronegócio, que, graças aos grandes investimentos feitos pela Embrapa, tem o pleno domínio tecnológico da agricultura tropical.
Mas o Brasil precisa também ser competitivo em indústria e serviços avançados.
Entretanto, infelizmente, há gente no Brasil que vê com desconfiança essa proximidade com a China, com o BRICS, com os países do Sul Global etc.
Advertem que isso poderá “desagradar aos EUA”.
Agora mesmo, alguns jornalistas criticaram Lula por ter visitado a Huawei, empresa que é malvista pelos EUA, por ter questionado o uso exclusivo do dólar em transações comerciais e até mesmo por ter reafirmado o princípio de “uma só China”, no que tange à questão de Taiwan.
Essas críticas eram previsíveis. Afinal, o “vira-latismo”, essa ideia nefasta de que o Brasil é um país pequeno e dependente, e que tem de se comportar como tal, existe há muito tempo. Arraigou-se num inconsciente coletivo bananeiro. Combinada com uma vasta ignorância sobre a nova ordem global, essa ideia produz sandices sem fim.
Tomemos o exemplo do dólar.
O que Lula fez não foi mais do que expressar uma inquietação mais ou menos generalizada.
É óbvio que o dólar, que tem grande liquidez, continuará a ser a principal moeda de troca por muito tempo. Porém, há uma tendência paulatina, mas inexorável, de se buscar, cada vez mais, alternativas ao dólar.
Há duas razões básicas que a explicam.
A primeira é econômica.
Há uma preocupação mundial com a dívida pública dos EUA, a qual aumentou quase cinco vezes, de cerca de US$ 6,5 trilhões, há 20 anos, para US$ 31,5 trilhões, hoje.
Saliente-se que os EUA são comercialmente deficitários desde 1975.
Na realidade, os EUA não “quebram” por causa da hegemonia do dólar. Países, indivíduos e empresas compram muitos títulos da dívida norte-americana, ainda considerados os mais seguros do mundo. Com isso, os EUA financiam seus imensos e crescentes déficits.
Não obstante, esse mecanismo vem sendo paulatinamente corroído.
No início deste século, as reservas globais estavam em cerca de 70% vinculadas ao dólar. Hoje, esse número já caiu para menos de 60%.
A China, por exemplo, se desfez de cerca de US$ 268 bilhões de suas reservas em dólar.
Ademais, os EUA vêm perdendo peso no comércio mundial.
Segundo cálculos do Lowy Institute, no ano 2000 os EUA eram, de longe, o líder comercial global.
Naquele ano, 80% das nações comerciavam mais com os EUA do que com a China.
Em 2018, porém, a situação já tinha se invertido. Os EUA eram o principal parceiro comercial em somente 30% dos países. A China já tinha ultrapassado os EUA em 128 dos cerca de 190 países do mundo.
Assim, muitos se perguntam até quando esse mecanismo de financiamento dos imensos déficits dos EUA poderá se manter. A desconfiança, em relação ao dólar, está, naturalmente, aumentando.
Mas o principal motivo para tal desconfiança é político.
Os EUA têm usado reiteradamente seu controle das finanças globais para punir países que não são do seu agrado. Usam o dólar como arma política.
Países objeto dessa arma perdem suas reservas e se vêm impedidos de transacionar financeira e comercialmente.
Com isso, os EUA estão quebrando uma regra de ouro para a confiabilidade de sua moeda: a da neutralidade do sistema financeiro. Ora, um sistema financeiro com forte viés geopolítico não é confiável.
Por isso, é natural que China, Rússia, Brasil, Argentina, Arábia Saudita etc., estejam buscando ativamente alternativas ao dólar, como forma de se proteger do “dólar político”, de reduzir os custos financeiros de suas transações e de proteger seus ativos.
Destaque-se que a China estabeleceu acordos como este feito com o Brasil para transacionar em renminbi, com cerca de 25 outros países. Recentemente, foi anunciado um com a Arábia Saudita.
Em nossa região, Chile e Argentina, países que fazem parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), firmaram também acordos semelhantes. Mediante outras iniciativas, já são cerca de 40 países no mundo todo que admitem fazer suas trocas comerciais em renminbis.
O renminbi já responde por cerca de 7% das transações comerciais globais e a tendência é que esse índice cresça muito.
O próprio Brasil estabeleceu um ajuste monetário semelhante com a Argentina. E, para quem não sabe, a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) tem, desde a década de 1990, o Convênio de Créditos Recíprocos (CCR), o qual possui a mesma finalidade.
Obviamente, os EUA não gostam dessa tendência. Donald Trump recentemente declarou que, se padrão monetário internacional, atualmente baseado no dólar, for substituído, será como “perder uma guerra mundial”, e que os EUA correm o risco de virar um “país de segunda linha”.
No entanto, a culpa não é da China, da Rússia, do Brasil ou de quem quer que seja.
A responsabilidade principal é dos próprios EUA.
Conforme escrevi em outro artigo neste site, a combinação, por parte de Washington, de crescente nacionalismo e protecionismo econômico com unilateralismo político e diplomático obviamente abre espaço para que a China e outros países, como a Rússia, projetem seus interesses com mais força no mundo.
Neste sentido, podemos até comparar os resultados práticos e imediatos das duas grandes e recentes viagens de Lula: EUA e China.
Da China, o Brasil volta com dezenas de acordos oficiais e privados, os quais asseguram investimentos e vantagens de cerca de R$ 50 bilhões.
Dos EUA, o Brasil voltou com a promessa de os EUA investirem estratosféricos US$ 50 milhões, no Fundo Amazônia. E olha que Biden confere “grande prioridade” à luta contra o aquecimento global.
Os EUA podem não querer cooperar. Direito deles. Mas é direito do Brasil, e de todos os outros países, buscar cooperação onde ela existir.
Com Lula, o Brasil voltou ao mundo disposto a cooperar com todos os países, sem distinções político-ideológicas.
O Brasil retomou sua tradicional diplomacia pragmática e exitosa.
Vamos estreitar os laços com todas as regiões e nações e, ao mesmo tempo, vamos contribuir com uma ordem global pacífica, simétrica, multilateral e multipolar, assentada numa nova governança mundial.
Não adianta os cães vira-latas ladrarem. A caravana Lula irá, impávida, para onde o interesse nacional apontar. E sem pedir licença a ninguém.
Como tornou-se possível hackear a realidade, manipulando-a de forma tão crível. As implicações dramáticas na política: pode haver debate público em meio a múltiplos mundos paralelos? Como ultradireita planeja criar um caos cognitivo
Em menos de seis anos, o desenvolvimento da inteligência artificial tornou possível que quase qualquer um pudesse criar imagens falsas indistinguíveis da realidade. Do negócio pornográfico ao golpe no Gabão, a Internet dissemina essa nova ameaça fantasma: a de nunca mais sabermos o que é verdade.
Nas últimas eleições legislativas em Nova Déli, o candidato Manoj Tiwari surpreendeu seus eleitores com um vídeo falando em hindi, outro em inglês e outro em haryanvi. Antes de se tornar a figura principal do Partido Popular Indiano (BJP, na sigla em hindi) na capital do país, Tiwari foi ator, cantor popular e estrela de um reality show, mas ninguém desconfiava que ele falasse inglês (capital muito valorizado nas classes urbanas), e muito menos o dialeto da região de Haryana. Alguns dias depois, a verdade foi descoberta: uma agência publicitária propôs ao BJP — mesmo partido do primeiro-ministro Narendra Modi — expandir a oferta eleitoral utilizando inteligência artificial para criar deepfakes de Tiwari. Com gravações anteriores e software de última geração, puseram em sua boca palavras que ele desconhecia e levaram sua mensagem por WhatsApp para eleitores fora de seus núcleos de apoio. Não é a primeira vez queum candidato altera ou atua com sua voz para abordar novos cidadãos. Nem é o primeiro a usar inteligência artificial na política. Mas, até onde sabemos, é a primeira vez que um candidato transforma seu próprio corpo e voz usando deep learning para melhorar seu desempenho.
A deep-fake surgiu, pela primeira vez, em 2017: ano crucial no boom das fake news. O usuário do Reddit de nome /r/deepfakes postou suas primeiras criações pornográficas usando algoritmos e bancos de imagens gratuitas, com resultados surpreendentes. Em sintonia com o surgimento do TikTok e dos aplicativos de envelhecimento ou rejuvenescimento facial, a técnica desse usuário anônimo se tornou popular e logo o primeiro aplicativo aberto apareceu para incorporar qualquer rosto a algum vídeo já existente. Desde Bolsonaro como o Chapolin Colorado, até Cristina Kirchner como a drag queen Ru Paul, a Internet ficou cheia de vídeos com fins principalmente humorísticos, embora a grande maioria ainda seja pornográfica. O mais notável, três anos após o seu aparecimento, é a melhoria da sua qualidade. Em agosto, um fã postou sua própria versão das cenas do jovem Robert De Niro no The Irishman. A comparação entre o trabalho de CGI (imagens geradas por computação gráfica) da Netflix e a deep-fakedeste usuário do YouTube — e os milhões de dólares de diferença — dão a diretriz da acessibilidade e eficácia em potencial desta ferramenta.
Para essas criações, é usado um autocoder, que cria uma imagem latente com apenas algumas variáveis (padrões de sorriso, de testa franzida, etc.) e acrescenta mais algumas variáveis à imagem final (os mesmos gestos com outro rosto, ou o mesmo rosto com outro discurso, por exemplo). Mas não se trata só de imagens estáticas ou em movimento, também estamos falando de som.
O falso furo de reportagem, baseado em um áudio viral, sobre a suposta mudança de Lionel Messi para o Manchester City poderia ter acontecido mesmo sem um imitador talentoso. O áudio poderia muito bem ter sido criado com um software como o usado pelo Boston Children’s Hospital para recriar as vozes daqueles que perderam a fala. Em setembro, ficamos sabendo do primeiro grande golpe da deep-fake: de acordo com o Wall Street Journal, o CEO de uma empresa inglesa transferiu 220 mil euros, atendendo as ordens de um software que imitava a voz de seu chefe alemão.
A mera existência dessa tecnologia não só possibilita a criação de fakes — com consequências políticas e sociais inusitadas — como também destitui a realidade de seu status: se o que realmente existe pode ser adulterado ou inventado diretamente, todos têm o direito à desconfiança. Como contou Rob Toews na Revista Forbes, o exemplo mais paradigmático desse problema ocorreu no Gabão. Por muitos meses, em 2018, seu presidente, Ali Bongo, não apareceu publicamente. Rumores sobre sua saúde, e até mesmo a suspeita de que ele havia morrido, forçaram o governo a revelar que Bongo sofreu um AVC, mas que estava se recuperando e que faria um discurso no Ano Novo. Os movimentos rígidos e aparentemente artificiais do líder na mensagem gravada despertaram rapidamente a psicose da oposição: o vídeo é falso, exclamaram. Uma semana depois, baseados na suposta acefalia do governo, uma fração do Exército quis dar um golpe no Gabão, mas foi reprimido… pelo próprio Bongo, que continua a liderar o governo. O vídeo não tinha sido falsificado.
Nada mais que a verdade
A pandemia levou nossa relação com imagens virtuais a níveis nunca imaginados. Entrevistas de emprego, aulas, batizados, consultas médicas, audiências judiciais, sessões legislativas e até sexo. A “presença” é uma exigência cada vez mais dispensável nos rituais e instituições que nos constituem como sociedade. Por outro lado, a identidade virtual, sua “impressão digital”, torna-se cada vez mais relevante, não só em termos jurídicos, mas também práticos. Ali, onde a vida cotidiana só encontra seu caminho por meio de uma projeção digital, sua autenticação é vital. Isso é sabido por crianças de todas de norte a sul que, assim como o senador argentino Esteban Bullrich fez no Congresso, já aprenderam a enganar seus professores, colocando imagens em looping na sala de aula virtual.
Deep-fakes apresentam outros problemas ainda piores. A inteligência artificial (IA) já é utilizada na criação massiva de comentários para posicionar um produto ou serviço em plataformas de e-commerce, e também para fins políticos, como foi comprovado durante a campanha presidencial argentina em 2019. Por que não imaginar protestos ou mobilizações em massa, execuções sumárias, repressões, crimes de rua e outros registros visuais fabricados? Se as “campanhas de difamação” já são uma ferramenta consolidada, tanto para quem as fabricam quanto para quem as utilizam como pretexto, quais possibilidades são geradas pelas deep-fakes? Que níveis de miséria política podem ser desatados a partir da possibilidade de um registro visual falso?
De acordo com uma análise do Crime Science Journal, as deep-fakes com dolo (ou propósito criminoso) são os crimes baseados em IA com maior poder de dano (ou lucro) nesta categoria e, também, os mais difíceis de derrotar. Entre suas modalidades estão a falsificação extorsiva de sequestros por meio da imitação de voz ou imagem de vídeo, a imitação por voz para acessar sistemas seguros e uma ampla gama de extorsões com vídeos falsos.
Essas preocupações já desencadearam algumas reações. A China proibiu a disseminação de deep-fakes sem advertir que esta tecnologia foi usada; e o Estado da Califórnia proibiu seu uso para fins políticos durante os períodos eleitorais. Em outubro, o Facebook criou um fundo de 10 milhões de dólares para desenvolver ferramentas que detectam rapidamente imagens falsas. A Microsoft, por sua vez, acaba de apresentar o “Video Authenticator”, uma ferramenta para detectar deep-fakes. Nisso, apareceu até a Sensity, a “primeira empresa de inteligência visual contra ameaças“, combinando detecção e monitoramento algorítmico de deep-fake .
De acordo com a Sensity, em julho de 2019 havia menos de 15 mil deep-fakes circulando na web. Um ano depois, o número cresceu para quase 50 mil. Destes, 96% são pornográficos — e, até agora, só no ano de 2020, foram carregados mais de mil deep-fakes por mês só em sites de pornografia, onde supostos “vídeos proibidos” de celebridades e influenciadores aparecem com cada vez mais frequência. “As empresas por trás da web pornográfica não enxergam isso como um problema”, disse o CEO da Sensity, Giorgio Patrini, à Wired. Pelo contrário. Uma deep-fakeda Emma Watson obtém 23 milhões de visualizações no Xvideos, Xnxx e xHamster, três dos maiores sites pornôs do mundo, cuja lógica de monetização consiste em desviar o tráfego massivo para conteúdo pago.
Entre as criações mais distorcidas existe o cruzamento de deep-fakes com a realidade virtual, onde pessoas reais (celebridades ou não) podem ganhar vida como escravas sexuais virtuais de um usuário. Essa não deveria ser a principal preocupação para sociedades como as da América Latina, onde o acesso à Internet nem mesmo é garantido a todos. Mas os últimos anos mostram que o futuro nunca está tão longe assim…
Ninguém pode negar
A deep-fake não é uma simples forma de edição de vídeo, mas a aplicação de uma tecnologia específica, com um fim específico: deep learning (aprendizado profundo) num registro falso. Por sua vez, o deep learning não é qualquer tipo de inteligência artificial. Segundo a definição do livro homônimo de Ian Goodfellow (2014), Deep Learning, ele procura “resolver as tarefas que, para um ser humano, são fáceis de realizar — mas difíceis de descrever formalmente”. Por exemplo, reconhecer uma imagem. O desenvolvimento da ciência da computação foi na direção oposta: já em 1997, o computador IBM Deep Blue conseguiu derrotar o melhor enxadrista vivo do mundo. Mas, muito mais recente, é a capacidade dos computadores de interpretar um estado de espírito, distinguir um cão de um gato ou “falar”, tarefas que qualquer ser humano selvagem pode realizar sem treinamento específico. A ironia está contida em algum captcha [um teste de desafio cognitivo, utilizado como ferramenta anti-spam]: “Prove que você é humano identificando o semáforo.” Que grande habilidade, senhor humano. Parabéns.
Ian Goodfellow já tinha causado polêmica entre seus colegas com seu livro, quando, naquele mesmo ano, idealizou a invenção que o colocou no panteão global das mentes fundamentais da inteligência artificial: Redes Antagônicas Geradoras (GANs), um modelo algorítmico que possibilitou, entre outras coisas, o aparecimento de deep-fakes. O atual diretor de Machine Learning da Apple e ex-pesquisador principal do Google Brain (que ainda não tem 35 anos) estava bebendo cerveja em um bar de Montreal, enquanto discutia com amigos sobre a capacidade da inteligência artificial de gerar fotos realistas. O álcool impulsionou uma ideia que ele teria descartado sob a influência da sobriedade.
Para que uma rede neural aprenda a criar uma imagem, não basta apenas olhar para milhões de imagens, mas também saber se o que foi criado está certo ou errado. Para resolver este problema, Goodfellow propôs colocar duas redes em competição: uma rede “geradora”, treinada para criar as imagens, e uma rede “discriminatória”, especificamente treinada para detectar as diferenças entre uma imagem real e uma criada artificialmente. Por meio de rodadas sucessivas, as redes melhoram automaticamente os parâmetros nos quais cumprem sua tarefa. E, eventualmente, a rede discriminadora não será mais capaz de detectar o que é real e o que é falso. A teoria de Goodfellow foi comprovada na prática e, entre outros usos menos divulgados, as deep-fakes apareceram nos subúrbios da internet.
A invenção de Goodfellow carrega uma lógica faustiana: você se tornará capaz de criar o real, mas não saberá mais o que é real. Em entrevista à MIT Technology Review, ele admite que não haverá solução técnica para o problema da autenticação, mas que será uma exigência social educar e conscientizar sobre os perigos desta tecnologia e a possibilidade de que as imagens que observamos possam ou não ser reais. “Como você provaria que é um humano e não um robô?”, perguntou-lhe Lex Fridman, em seu podcast. “De acordo com minha própria metodologia de pesquisa, não há como saber neste momento”, respondeu Goodfellow, que de seu sobrenome (que significa “bom companheiro”) ao tom monótono de voz e sua precisão discursiva, poderia se passar por andróide. “Provar que algo é real pelo seu próprio conteúdo é muito difícil. Podemos simular quase tudo, então você teria que usar algo além do conteúdo para provar que algo é real”, continuou Goodfellow.
A má-reputação do que é fake, no entanto, não deveria ofuscar seu potencial: o teste de drogas simuladas, em órgãos simulados, afetados por doenças simuladas; os experimentos subatômicos para o desenvolvimento de energias alternativas; a projeção algorítmica de viagens espaciais; aplicações industriais, agroalimentares e até artísticas. A maioria dessas disciplinas requer imensa capacidade computacional (e, nesse campo, a maior aposta é a computação quântica), mas o que é mais interessante é a premissa subjacente. Goodfellow procura que as redes “entendam o mundo em termos de uma hierarquia de conceitos, cada um deles definido a partir de conceitos mais simples”, derivados da experiência.
Se as redes neurais de inteligência artificial continuarem nesse ritmo de aceleração, a humanidade terá à sua disposição ferramentas capazes de deslocar sua experiência com o mundo. Para sempre. Ao contrário de outras tecnologias, a “democratização” não resolverá os dilemas que as deep-fakes apresentam. De quem iremos reivindicar a verdade? Talvez precisemos nos acostumar a viver sem ela.