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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Nov22

MPF convoca audiência pública sobre assédio judicial contra jornalistas

Talis Andrade

A Inquisição em foco, dois séculos após sua extinção: Estruturas,  personagens, vítimas e possibilidades de análise | Mnemosine Revista | 2021  - Resenha Crítica

 

Ele foi processado por mais de cem pastores porque disse "o brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal"

 

O Ministério Público Federal convocou, para o dia 13/12, uma audiência pública sobre "Liberdade de imprensa e assédio judicial contra jornalistas". O evento acontecerá a partir das 10h no auditório da Procuradoria da República no Rio de Janeiro.

A audiência contará com a presença de autoridades públicas, entidades particulares, movimentos sociais e demais cidadãos. O objetivo é contribuir para a elaboração de diagnósticos e aprofundar as discussões em andamento sobre o tema. O debate do assunto com organizações da sociedade civil e especialistas é uma demanda da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

O evento faz parte de um inquérito civil, em curso na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, que busca apurar suposto assédio judicial promovido por meio do uso inadequado do acesso ao Judiciário para constrangimento individual.

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No inquérito em questão, a ABI relatou um caso de possível assédio judicial contra o escritor e jornalista João Paulo Cuenca. Ele foi processado por diversos pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) devido a uma publicação no Twitter. Até julho do último ano, já existiam mais de cem processos, vindos de diversas partes do país.

Cuenca disse, no tweet: "O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal". A frase faz referência a uma citação famosa de Jean Meslier, sacerdote francês do século XVII: "O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre".

Também será discutida, na audiência, a Recomendação 127/2022 do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda aos tribunais a adoção de cuidados para coibir a judicialização predatória que possa cercear o direito de defesa e limitar a liberdade de expressão. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.

Clique aqui para ler a representação da ABI
Inquérito 1.30.001.004961/2020-41

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16
Jan22

Caso Evandro: Os promotores da tortura, das Ligas da justiça e do atraso no Paraná

Talis Andrade

casos evandro escola base e lula

Blog do EsmaelO caso Evandro se soma ao caso Escola Base e ao caso Lula

 

Beatriz Abagge, que chegou a ser condenada pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, se pronunciou neste sábado (15) em relação ao pedido de desculpas oficial do Governo do Paraná pelo que o estado definiu como "sevícias indesculpáveis" sofridas por ela à época da investigação do caso.

"Sevícias" é um palavrão mais aceitável para tortura física praticada pela ditadura militar de 1964. Pela Lava Jato, que levou ao suicídio um agente dissidente da Polícia Federal.

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Os três mosqueteiros Deltan Dallagnol, Sergio Moro, Newton Ishii & Carlos Fernando dos Santos Lima propagador da Liga da Justiça desde o tráfico de dinheiro do Banestado

 

Esse gosto pela tortura de promotores e procuradores fica explícito, exposto como um cancro de pele, na fácil e aceitável formação de ligas da justiça. Sadismo que deveria ser estudado, tanto que os promotores recusam e negam o pedido de desculpas à Beatriz Abagge e demais vítimas do terrorismo judicial. 

Raízes históricas religiosas explicam essa tara, danoso rompante da supremacia branca sempre nas sombras, contra as religiões afro-brasileiras e indígenas. E lideranças comunitárias sempre perseguidas pelos escravocratas tipo Ratinho, pai do governador da escola civíco-militar.

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Ana Júlia o Brasil esperança

 

Como explicar a troca do professor de formação universitária, pelo sargentão da ordem unida, na formação estudantil do movimento "ocupa escola" que Ana Júlia sonhou um novo pensar contra nocivas tradições xenofóbicas, racistas, escravocratas, misóginas, antifeministas ?

Ratinho nazifascista

Fica explicado o discurso do Ratinho contra a deputada federal Natália Bonavides: "Natália, você não tem o que fazer, não? Você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar roupa a calça do teu marido, a cueca dele, porque isso é uma imbecilidade querer mudar esse tipo de coisa. Tinha que eliminar esses loucos? Não dá para pegar uma metralhadora, não?", disse o ex-deputado federal da ditadura militar durante o programa "Turma do Ratinho", na rádio.Image

Natália Bonavides o Brasil livre

 

Idem a singela, "inocente" fraqueza "feminina" do prefeito de Curitiba, eleito por confessar: "Eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa do cheiro", disse Rafael Greca (PMN).Prefeito Rafael Greca melhora e diz que vai trabalhar do hospital | Paraná  | G1

Greca nojo de pobre

Caso Evandro: 'Marco histórico', diz Beatriz Abagge sobre carta do Governo do Paraná com pedido de perdão por 'torturas''Marco histórico', diz Beatriz Abagge sobre carta do Governo do Paraná com pedido de perdão por 'torturas' — Foto: Reprodução

Por Natalia Filippin, g1

Beatriz Abagge, que chegou a ser condenada pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, se pronunciou neste sábado (15) em relação ao pedido de desculpas oficial do Governo do Paraná pelo que o estado definiu como "sevícias indesculpáveis" sofridas por ela à época da investigação do caso.

"Eu considero esse pedido um marco histórico. Fez o Ministério Público estar esperneando e reclamando através de nota pública [confira a íntegra mais abaixo] que não foi esse o entendimento do grupo de trabalho, mas foi, sim. O MP precisa parar de agir como acusador, ele tem que agir como defensor do povo, de nós, afinal de contas a prova da tortura está aí para todos verem", disse ela, em entrevista ao g1.

O documento é assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost, com data de 4 de janeiro.Veja a íntegra da carta.

"Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora", cita trecho da carta.

Na carta, o secretário ainda afirma que após assistir a série Caso Evandro, da Globoplay, e também ter acesso ao relatório do grupo de estudo criado pela Secretaria de Justiça para identificar falhas no processo e investigação, ele teve convicção pessoal de que Beatriz e "outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas".

Ele também diz que não pode inocentar ou anular o julgamento que condenou Beatriz Abagge, mas que uma cópia da carta de perdão e do relatório final do grupo de estudos será enviado ao Poder Judiciário.

"Eu não vou me calar, eu vou continuar lutando tanto em meu nome, como em nome de todos os outros acusados", pontuou Beatriz.

Pedido de desculpas foi assinado por secretário estadual — Foto: Reprodução/Governo do Paraná

Em documento, secretário cita "torturas gravíssimas" contra condenados — Foto: Reprodução/Governo do Paraná

Nota pública do Ministério Público nega o terrorismo da justiça medieval e a costumeira tortura

"A respeito das recentes manifestações públicas relacionadas ao relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho 'Caso Evandro - Apontamentos para o Futuro', o Ministério Público do Paraná esclarece que não foram identificados, no referido documento, elementos probatórios que evidenciassem a prática de qualquer ilicitude por parte dos integrantes da Instituição que atuaram na persecução penal que conduziu à condenação de alguns dos réus indicados na denúncia criminal.

A atuação dos agentes ministeriais ocorreu com estrita observância aos princípios do devido processo legal, da moralidade e da ampla defesa, sem que houvesse conhecimento ou compactuação com condutas que pudessem caracterizar violação aos direitos fundamentais dos acusados.

Ademais, salienta-se que o referido Grupo de Trabalho, a teor de seu relatório final, não concluiu que o Estado do Paraná devesse formalizar qualquer pedido de perdão aos acusados, como noticiado por alguns órgão de imprensa.

Como se sabe, houve judicialização de pedido de revisão criminal, procedimento já em trâmite no Tribunal de Justiça do Paraná, sendo este o ambiente adequado e competente para análise de todos os aspectos processuais e probatórios envolvidos, o que faz por recomendar a não especulação precipitada de versões ante o encaminhamento do caso a pronunciamento jurisdicional".

Em relação a nota, Beatriz Abagge afirmou que é inadmissível esse posicionamento do MP.

"Como o órgão mesmo disse, os fatos e a revisão criminal serão discutidos na Justiça, ele não tem que repudir em cima ou falar alguma coisa, porque diz respeito ao Estado. O MP na época em que fomos presas eles tinham um convênio com a PM, eles tinham um interesse em comum e, foi a partir desse convênio, que foi encaminhado o Grupo Águia. Então o MP está defendendo o que? O corporativismo? Acreditaram justamente em uma história macabra, maluca, para acusar sete pessoas inocentes", disse ela.

 

Pedido de revisão criminal contra a 'santa inquisição'

Em dezembro, a defesa de Beatriz Abagge e outros condenados protocolou um pedido de revisão criminal das condenações deles três pela morte da criança.

O documento apresenta um parecer que, segundo a defesa, atesta a veracidade das gravações que apontam que houve tortura dos então suspeitos durante a investigação, na década de 1990, para que eles confessassem o crime.

Segundo a defesa, durante os julgamentos em que os três foram condenados, as gravações com as confissões foram apresentadas editadas.

Os áudios completos, que mostram os acusados recebendo instruções para confessar os crimes, se tornaram públicos em 2020, durante o podcast Projeto Humanos, que contou a história do caso.

A defesa pede que as condenações e os processos sejam anulados, além de uma indenização aos condenados.

O pedido foi feito após o jornalista Ivan Mizanzuk publicar no podcast Projeto Humanos os áudios completos das confissões. Segundo a defesa, as gravações completas mostram pedidos de socorro dos então investigados e provas de coação e ameaças por parte de torturadores.

 

O documento também apresenta um parecer psicopatológico que aponta que houve tortura. Agora, o recurso precisa ser analisado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que decide se acata ou nega o pedido.

Defesa pede revisão das sentenças de condenados pela morte de Evandro Ramos Caetano — Foto: Reprodução/RPC

Defesa pede revisão das sentenças de condenados pela morte de Evandro Ramos Caetano — Foto: Reprodução/RPC

 

O Ministério Público do Paraná informou que analisará os elementos que serão levados ao processo pela revisionante e se manifestará nos autos.

"Convém observar que a desconstituição de uma condenação criminal somente ocorre no caso de surgir nova prova cabal de exclusão de responsabilidade da pessoa condenada", informou a promotoria.

 

Julgamentos safados

Desde os anos 1990, caso teve cinco julgamentos diferentes. Um dos tribunais do júri, realizado em 1998, foi o mais longo da história do judiciário brasileiro, com 34 dias.

Na época, as Beatriz e Celina Abagge, mãe dela, foram inocentadas porque não houve a comprovação de que o corpo encontrado era do menino Evandro.

O MP recorreu e um novo júri foi realizado em 2011. Beatriz, a filha, foi condenada a 21 anos de prisão. A mãe não foi julgada porque, como ela tinha mais de 70 anos, o crime já tinha prescrito.

Os pais de santo, Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula, também foram condenados, na época, pelo sequestro e homicídio do garoto.

Vicente de Paula morreu por complicações de um câncer em 2011 no presídio onde estava. As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram pelo cumprimento.A reviravolta do Caso Evandro e as bruxas de Guaratuba - YouTube

A justiça espetáculo e o jornalismo safado, sensacionalista, patrocinam fantasiosos circos para os reaças de sempre faturarem cargos, grana, prestígio social, poder político (candidaturas a governador, a presidente...)
02
Jan22

Quando a polícia erra: a história do reitor que não suportou a injustiça e optou por se matar, dentro de um shopping

Talis Andrade

Quando a polícia erra: a história do reitor que não suportou a injustiça e optou por se matar, dentro de um shopping

Fotografia: Olivo Pipo Quint/Agecom/UFSC/

 

por Euler de França Belém /Bula

A imprensa erra. A polícia erra. Quando todos erram, o somatório dos erros acaba se tornando gigante e, para piorar, “inconsertável”. Quando se diz que uma pessoa é corrupta, com espetacularização em toda a imprensa, mesmo sem provas cabais e sem processos finalizados por juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, acabou: mesmo que seja inocentada, meses ou anos depois, ficará como condenada aos olhos do público.

Recurso Final — A Investigação da Polícia Federal que Levou ao Suicídio de um Reitor em Santa Catarina (Objetiva, 304 páginas)

Tal aconteceu com o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, da Universidade Federal de Santa Catarina. Sob suspeita de corrupção, sem acusação formal provada, com indícios amplos, o professor foi preso. Ao ser solto, envergonhado, tanto pela prisão quanto pela injustiça, o mestre se matou, dentro de um shopping — como se quisesse chamar a atenção para a tragédia de um indivíduo (lembrando histórias de Kafka) —, em 2017.

No caso de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a Polícia Federal errou, talvez por açodamento e não má intenção, e a imprensa, no geral, errou junto. Lembro-me que poucos jornais e revistas publicaram reportagens nuançadas. Posteriormente, a revista “Veja”, e talvez uma ou duas outras publicações, “reabriu” o caso e mostrou os erros cometidos.

Mas era tarde. O mestre já havia se matado, deixando enlutada a sua família.

Paulo Markum

Agora, quase quatro anos depois, o jornalista Paulo Markun conta a história, de maneira detalhada, no livro “Recurso Final — A Investigação da Polícia Federal Que Levou ao Suicídio de um Reitor em Santa Catarina” (Objetiva, 304 páginas).

Em última carta, reitor se diz perplexo e amedrontado

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“Reitor exilado”.

“Não adotamos qualquer atitude para obstruir apuração da denúncia”.

A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.

Quando assumimos, em maio de 2016, para mandato de quatro anos, uma de nossas mensagens mais marcantes sempre foi a da harmonia, do diálogo, do reconhecimento das diferenças. Dizíamos a quem quisesse ouvir que, “na UFSC, tem diversidade!”. A primeira reação, portanto, ao ser conduzido de minha casa para a Polícia Federal, acusado de obstrução de uma investigação, foi de surpresa.

Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito (graduação, mestrado e doutorado), depois docente, chefe do departamento, diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, reitor, sempre exerci minhas atividades tendo como princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. Portanto, ser conduzido nas condições em que ocorreu a prisão deixou-me ainda perplexo e amedrontado.

Para além das incontáveis manifestações de apoio, de amigos e de desconhecidos, e da união indissolúvel de uma equipe absolutamente solidária, conforta-me saber que a fragilidade das acusações que sobre mim pesam não subsiste à mínima capacidade de enxergar o que está por trás do equivocado processo que nos levou ao cárcere. Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior.

Não adotamos qualquer atitude para abafar ou obstruir a apuração da denúncia. Agimos, isso sim, como gestores responsáveis, sempre acompanhados pela Procuradoria da UFSC. Mantivemos, com frequência, contatos com representantes da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Estávamos no caminho certo, com orientação jurídica e administrativa. O reitor não toma nenhuma decisão de maneira isolada. Tudo é colegiado, ou seja, tem a participação de outros organismos. E reitero: a universidade sempre teve e vai continuar tendo todo interesse em esclarecer a questão.

De todo este episódio que ganhou repercussão nacional, a principal lição é que devemos ter mais orgulho ainda da UFSC. Ela é responsável por quase 100% do aprimoramento da indústria, dos serviços e do desenvolvimento do estado, em todas as regiões. Faz pesquisa de ponta, ensino de qualidade e extensão comprometida com a sociedade. É, tenho certeza, muito mais forte do qualquer outro acontecimento.

02
Jan22

A investigação da Polícia Federal que levou ao suicídio de um reitor em Santa Catarina

Talis Andrade

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RECURSO FINAL

Uma reportagem minuciosa e consistente sobre as circunstâncias da trágica morte de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, arrolado por uma operação da Polícia Federal como integrante de um suposto fantasioso esquema de desvios de verbas
 
No início da manhã do dia 2 de outubro de 2017, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina subiu ao sétimo andar do Shopping Beiramar, em Florianópolis, e saltou no vão livre. Luiz Carlos Cancellier de Olivo – o Cau – havia assumido o posto de reitor pouco mais de um ano antes e foi um dos investigados na Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, num suposto desvio de verbas universitárias focado no sistema de ensino à distância. Envolvido em acusações anteriores ao seu mandato, humilhado publicamente com uma prisão espetaculosa e afastado da universidade por decisão judicial, Cau não resistiu.
 

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Para entender os meandros dessa operação, o jornalista Paulo Markun mergulhou em mais de vinte mil páginas de documentos oficiais, além do vasto noticiário sobre o episódio, e entrevistou parentes, amigos, autoridades, professores, servidores e estudantes da UFSC. Em mente, sempre a pergunta: afinal, a lei é para todos?
 

“Recurso Final é uma reconstituição primorosa do contexto que culminou no suicídio de reitor”

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por Tito Guarniere

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O livro “Recurso Final”, do jornalista Paulo Markun – ex-Globo, Bandeirantes, TV Cultura – é uma reconstituição primorosa em linguagem jornalística, do contexto e dos incidentes dramáticos que precederam a prisão do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, da sucessão de eventos devastadores que culminaram com o suicídio 18 dias depois, dos desdobramentos do episódio infausto, que abalou a Universidade Federal de Santa Catarina, a cidade, o país.

Uma única autoridade envolvida, com um pouco de humanidade e senso do Direito, teria evitado a tragédia – uma conjunção de erros, um conluio de vontades neuróticas, de juízos mal concebidos de fatos mal avaliados.

O que estava em causa era quase banal – irregularidades formais, possíveis ilegalidades, no programa de ensino à distância da Universidade. De pouca monta, já sob o escrutínio dos órgãos de controle, inflados de uma manipulação cavilosa dos fatos, se transformou numa ação de quadrilha, num caso de grossa corrupção.

Quem pôs em movimento a máquina sinistra foi o então corregedor Rodolfo Hickel do Prado, um servidor buliçoso, com mania de grandeza – achava que a UFSC era “uma grande zona”, e só ele poderia enfrentar a “turma que está no poder há 30 anos”.

O corregedor passou o resultado de suas investigações, com todas as ilações fantasiosas e exageros, à Polícia Federal. A delegada Érika Marena, titular do caso, com o habitual excesso de zelo da turma da Lava Jato, de onde ela tinha vindo, agregou novos expedientes à narrativa, e encaminhou o procedimento ao procurador André Bertuol, do MPF.

O procurador, ligado no piloto automático da função acusadora, concordou com os pedidos da delegada Marena. A juíza Janaína Cassol, depois de alguns dias, atendeu às solicitações da delegada e do MPF, e expediu mandados de busca e apreensão e prisão para 7 servidores da UFSC, incluindo o reitor.

Não ocorreu a nenhuma dessas autoridades perguntar se a origem das denúncias era confiável. Teriam descoberto facilmente que o corregedor era um homem irascível, encrenqueiro, cheio de rolos na Justiça. Nada no seu currículo, ou na sua vida pregressa o recomendava para a função de corregedor.

Nenhuma dessas autoridades levou em conta que os casos do Ensino à Distância eram anteriores à gestão de Cancellier, nem que os sete presos, o reitor inclusive, tinham a ficha limpa, emprego estável, endereço certo.

Nenhum refletiu por breves momentos na proporção que deve existir entre a decisão que tomam e o bem que se pretende preservar. Não passou pela cabeça que o aparato espetacular de sempre (mais de 100 agentes, uma parte deles vindos de outros estados) no caso, além da truculência manifesta, poderia custar mais caro do que o prejuízo que se queria apurar.

O livro de Paulo Markun é obrigatório para entender o suicídio do ex-reitor Cancellier, e as consequências sinistras que podem resultar da sanha punitivista, da ação insensata, desmedida de autoridades que, a título de passar o Brasil à limpo, acabam jogando o bebê fora junto com a água do banho.

 

21
Set21

A terceira via e o uso da ideologia, slogans e símbolos de Bolsonaro

Talis Andrade

Bolsonaro mantém no governo o slogan nazista da campanha: "Deus acima de todos. Brasil acima de tudo".

Diante da apologia da violência, do ódio, a divindade de Bolsonaro da Teologia da Prosperidade é bem primitiva, e renovada pela a xenofobia, o racismo, a homofobia, a misoginia nazistas. 

Pela exibição do ministro Marcelo Queiroga, esta semana em Nova Iorque, o deus Priapus, evocado com a apresentação do dedo do meio. 

O gesto de arma com os dedos, símbolo da campanha de Bolsonaro a presidente, outro signo fálico, considerado representativo dos templários, relacionado a BaphometBafomete ou ainda Bafomé, uma representação de satã criada pelo Papa Clemente V na perseguição aos templários. 

Teve propaganda de Bolsonaro em que ele aparece como cruzado no combate "Deus acima de todos" contra o comunismo, a corrupção, religiões indígens e afro-brasileiras, e pecaminosos costumes como o kit gay, a mamadeira de piroca, o aborto. 

Pode ser uma imagem de 1 pessoaBolsonaristas organizam caravanas para ocupar Câmara em Brasília e  pressionar deputados a eleger Lira

Eliminados os templários, o culto a Bafomé passou a ser associado aos judeus, mas recentemente ao ocultismo, à maçonaria, que motivou o ataque de Adelio Bispo de Oliveira a Bolsonaro. 

Anderson Bahia escreveu em 13 de outubro de 2018: Muita gente anda espantada como a representação de algumas ideias, consideradas toscas, ganharam tanta força recentemente. Que a maioria da população concorda com a frase “bandido bom é bandido morto”, já se sabe há algum tempo. Mas daí a arma feita com os gestos das mãos virar uma onda no país e, pior, ser um dos principais símbolos do candidato que lidera as pesquisas para a Presidência da República parece um absurdo para alguns.

No esforço de entender como isso se deu, algumas respostas vão surgindo. Uma delas é dizer que há uma ascensão das ideias fascistas na sociedade. Sugere que a violência se legitima como prática social e se apoia na ampliação do clima de intolerância que insiste ganhar o tom de “novo normal” do Brasil. Fatos recentes como o assassinato de Moa do Katendê e da jovem que teve uma suástica marcada por canivete em seu corpo parecem corroborar essa compreensão.

Não se pode negar o crescimento do fascismo, mas também não é possível atribuir a ele a resposta única ou principal para o fato da arma ter se tornado um símbolo na proporção que virou. Acreditar nisso é deixar de considerar outros fatores.

Em 3 de setembro de 2017, quase um ano antes da campanha eleitoral para presidente, Kiko Nogueira observava o "drama das pistolinhas de Eduardo Bolsonaro", o filho 03 de Jair Bolsonaro: 

Em suas “Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”, Sigmund Freud incluiu em suas interpretações dos sonhos as armas como símbolos da genitália e, em particular, do pênis.

“Todas as armas e ferramentas são símbolos do órgão masculino: por exemplo, martelo, arma, revólver, punhal, espada, etc”, escreveu.

Abaixo, o desabafo que o deputado Eduardo Bolsonaro fez no Facebook relatando seu drama com seus chaverinhos nos aeroportos:

PRECONCEITO CONTRA CHAVEIROS!!!

Preciso falar com vocês algo que tem me incomodado. Não será uma confissão tipo Sandy e Júnior, mas foi algo que me atingiu profundamente. Em minhas andanças por aí passei por um aeroporto em que a funcionária do raio-x quis encrencar com meus chaveiros de arminhas pendurados em minha mochila. Um revolverzinho de ferro e uma pistolinha de borracha (foto) , ambas com alguns centímetros de comprimento. Sem a minha permissão ela saiu abrindo o zíper da minha mochila e tratando de esconder os chaveiros dentro da mochila. Perguntei o porquê daquilo e ela disse ser uma norma que era proibido ter no aeroporto qualquer coisa que lembrasse uma arma. Eu falei algo que na minha cabeça era óbvio – mas talvez para ela não fosse – disse que aqueles chaveirinhos não atiravam, que ninguém acharia que era um objeto ameaçador.

Ela insistiu, disse que poderia sujar para ela caso alguém visse e etc. Vendo tamanho abismo decidi ser impossível seguir numa argumentação, falei que aquilo estava ferindo meus princípios, minha pessoa, minha moral, tudo – falei isso para evitar de falar outras coisas – tirei os chaveiros escondidos de dentro da mochila, deixo-os a mostra novamente e simplesmente saí dali. Não xinguei, não resmunguei, não fiz cara feia, não queria estressar a menina, apenas saí. Mas saí com vontade de sair do Brasil também. Ridículo uma pessoa se prestar àquilo. Se fosse um chaveiro de metal imitando folha de maconha ou uma genitália de borracha certamente eu não teria tido esse problema…Líder evangélico critica silêncio após Bolsonaro imitar arma em ato cristão  - UOL Notícias

O sinal dos dois dedos eram usados antes das armas de fogo, do descobrimento da pólvora. Antecede ao deísmo judaico, ao surgimento do cristianismo e do islamismo. Impressionantemente chefes de igrejas, beatas e crianças passaram a exibir o sinal dos dois dedos que, na Idade Média, os tribunais religiososos puniriam com as torturas de Ustra, as fogueiras da Santa Inquisição. 

Em uma imagem recente, vide os códigos ocultos de polêmica escultura de Bafomé nos Estados Unidos.(AP)

O crescimento da ultra direita como política ou religião, que apela para os mais baixos instintos inconscientes, não é só um fenômeno do bolsonarismo, realisticamente um movimento internacional pela presença dos propagandistas de Trump, viagens internacionais de Bolsonaro a países governados por ditadores ou pela extrema direita, visitas de lideranças alemãs ao Palácio do Planalto, a supremacia branca e a multiplicação de cédulas nazistas, principalmente no Sul e Suldeste, a transformação das escolas do Paraná em miniquartéis. 

Steve Bannon participou da campanha presidencial. Outros agitadores da extrema direita estiveram no Brasil, nas semanas que antecederam as manifestações golpistas de 7 de Setembro: Jair Bolsonaro se reuniu com dois membros da cena conspiracionista e negacionista da pandemia na Alemanha. Vicky Richter e Markus Haintz, ligados ao Querdenken ("pensamento lateral" em alemão), movimento que organizou no último ano protestos contra as medidas do governo alemão para frear a pandemia de covid-19. Em abril, o serviço de inteligência interno alemão colocou setores do movimento sob vigilância nacional por suspeita de "hostilidade à democracia e/ou deslegitimação do Estado que oferece riscos à segurança".

Em julho, o presidente recebeu no Planalto a deputada alemã de ultradireita Beatrix von Storch. Filiada à AfD, Von Storch é uma figura influente da ala arquiconservadora e cristã do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem membros acusados de ligações com neonazistas. Uma organização ligada ao partido também chegou a ser colocada sob vigilância dos serviços de inteligência alemães no início do ano. Neta do antigo ministro das Finanças de Adolf Hitler, Von Storch ficou conhecida na Alemanha por publicações e afirmações xenófobas.

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Deus Priapus exibindo o dedo do meio

Em 2 de junho de 2019, a Folha de S. Paulo publica reportagem sobre a "obsessão fálica" do presidente. Uma impetuosidade que atinge os quatro filhos e membros do governo. 

Em 17 de junho de 2020, a secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, tinha a visão de que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tinha um pênis na porta.Internet especula o que seria o "pênis" da Fiocruz, dito por Mayra Pinheiro  na CPI da Covid | Lu Lacerda | iG

"É um órgão que tem um poder imenso, porque durante anos eles controlaram, através do movimento sanitarista, que foi todo construído pela esquerda, a saúde do país”, disse a capitã Cloroquina. 

A imprensa da Espanha publicou. Eliane Brum, em 19 de junho de 2019, no El País, alertou: "Ei, Bolsonaro, até o pênis está diminuindo". A excelente jornalista pretendeu chamar a atenção dos bolsonaristas: "as liberar agrotóxicos numa velocida inédita, o governo envenena o Brasil". 

Escreveu Eliane Brum:

"Pesquisa feita com jovens da bucólica região do Vêneto, na Itália, foi publicada no The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, em novembro de 2018. Mas só ganhou repercussão no último fim de semana nas redes sociais no Brasil. Os cientistas analisaram 212 jovens expostos ao veneno, comparando-os a um grupo de controle, de não expostos, de 171. A média de idade era de 18 anos. Embora seja um grupo pequeno, a investigação foi conduzida dentro dos critérios corretos, por uma equipe respeitável. O trabalho aprofunda aspectos que já vinham sendo investigados por outros cientistas. Os jovens expostos aos produtos tinham pênis menores, menor contagem de espermatozoides, menor mobilidade dos espermatozoides e uma redução da “distância anogenital” (distância entre o ânus e a base dos testículos), uma medida que os cientistas consideram uma marca de saúde reprodutiva. A porcentagem de espermatozoides de formato normal no grupo exposto era pouco mais da metade comparada ao grupo de controle. Como os produtos químicos são transferidos das mães para os bebês, é provável que os jovens tenham sido contaminados antes do nascimento.

Como se sabe, a palavra “pênis” é poderosa. Atrai especial atenção nos dias atuais por conta da obsessão de Bolsonaro, que não para de criar oportunidades para falar de pinto e de tamanho de pinto. Os japoneses que o digam. Em 15 de maio, Bolsonaro foi abordado por um homem com traços asiáticos no aeroporto de Manaus. O estrangeiro disse duas palavras: “Brasil” e “gostoso”. O antipresidente reagiu com “Opa!”, levantou os braços, aproximou o polegar do dedo indicador e perguntou: “Tudo pequenininho aí?”.

Dias depois, ao comentar a reforma da Previdência, apresentada ao país como a cura para todos os males da terra com todos os males, afirmou: “Se for uma reforma de japonês, ele (o ministro da Economia Paulo Guedes) vai embora. Lá (no Japão), tudo é miniatura”. No Carnaval, o antipresidente postou no Twitterum vídeo de dois homens fazendo “golden shower” (modalidade sexual em que um urina no outro), para tentar provar que a festa mais popular do Brasil – e que satirizou todas as trapalhadas do seu governo – era uma versão contemporânea de Sodoma e Gomorra. Não colou – e Bolsonaro passou (mais uma) vergonha.

A recorrente referência a pintos segue por mais episódios do que há espaço em um artigo sobre o risco dos agrotóxicos. A inclinação foi amplamente analisada pelo jornalista Naief Haddad, na Folha de S. Paulo de 2 de junho: “De ‘golden shower’; a piada com japoneses, obsessão fálica marca Bolsonaro. Especialistas comentam fixação do presidente com genitais e sexualidade”.

Quando a notícia de que havia um agrotóxico relacionado a redução do tamanho e da largura do pênis repercutiu no Twitter, criou-se a expectativa de que talvez fosse possível chamar a atenção antipresidencial para o que seu governo anda fazendo. Afinal, nada poderia ser mais promissor: pinto e Twitter, duas obsessões de Bolsonaro finalmente juntas. Aparentemente, porém, não completou-se a sinapse no cérebro antipresidencial. Informações que atrapalham as conveniências da família e os lucros dos aliados funcionam como uma espécie de criptonita. Se forem científicas, pior ainda. O fato de jovens poderem estar sofrendo alterações no pênis e na fertilidade já antes do nascimento não parece ser um assunto capaz de interessar Bolsonaro. Importante mesmo é “golden shower” e “piada” com japoneses.

Eliane colocou o título certo, por vários motivos. Em 25 de abril de 2019, Bolsonaro alertava sobre o risco de homens terem pênis amputado por falta de higiene. Falou o presidente:

"Uma coisa muito importante, para complementar aqui. Dia a dia, né, a gente vai ficando velho e vai aprendendo as coisas. Tomei conhecimento uma vez que certos homens ao ir para o banheiro, eles só ocupavam o banheiro para fazer o número 1 no reservado", afirmou o presidente, que em seguida citou um "dado alarmante": mil amputações de pênis por ano no Brasil "por falta de água e sabão".

"Quando se chega a um ponto desses, a gente vê que nós estamos realmente no fundo do poço. Nós temos que buscar uma maneira de sair do fundo do poço ajudando essas pessoas, conscientizando-as, mostrando realmente o que eles têm que fazer, o que é bom para eles, é bom para o futuro deles, e evitar que se chegue nesse ponto ridículo, triste para nós, dessa quantidade de amputações que nós temos por ano", declarou. 

Fazer o numero 1, o numero 2 são eufemismos da nossa língua para ir ao banheiro (fazer as necessidades fisiológicas).
Fazer o numero 1= urinar. Fazer o numero 2= defecar.

Bolsonaro esqueceu que milhões de brasileiros são miseráveis (vide tag) moradores de favelas, de áreas de risco. Residem em casebres sem banheiro, sem água encanada, e não possuem dinheiro para comprar sabão ou sabonete.

Temos os moradores de rua. De acordo com a representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Tatiana Dias, a estimativa entre fevereiro e março do ano passado, momento de eclosão da pandemia, era de 221 mil pessoas. Tudo indica que o número aumentou, como reforça Veridiana Machado, representante do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Ciamp-Rua). “Não sabemos quantas pessoas estão em situação de rua, mas com a pandemia, é algo que nos salta os olhos. O número é expressivo, inclusive de crianças nos sinais pedindo dinheiro. Basta ir à rua e ver”, destacou.

O vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), compartilhou nas suas redes sociais um vídeo ironizando as convocações de panelaço contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na noite desta sexta-feira, 15 de janeiro último. Nas imagens, um homem aparece batendo panela com um pênis de plástico enquanto grita "Fora, Bolsonaro".

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atacou as parlamentares mulheres da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), nesta quinta-feira (8), dizendo que elas são “portadoras de vagina”. 

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) vai protocolar uma representação contra o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e, segundo ela, deputadas de todos os partidos devem endossar o documento.

“Ele agrediu todas as parlamentares, inclusive as do partido dele”, disse Joice.

Eduardo Bolsonaro tuitou: "MENINOS TEM PÊNIS, MENINAS TEM VAGINA". A frase é d um menininho no filme "Um tira no jardim de infância" (Arnold Schwarzenegger, anos 90). Mas se passar hoje na tv causará alvoroço na esquerda que acusaria o guri de transfóbico ou algo do gênero.

Interessante memória cinematográfica juvenil. Transcrevo dois trechos de entrevista de Eduardo Bolsonaro à Thais Bilenky da revista Piauí:

“Ai, meu Deus! Eu escondo esse álbum dele! Deus me livre!” Heloísa Wolf Bolsonaro, mulher de Eduardo, o filho Zero Três do presidente da República, está zangada com o marido. Ele acaba de pegar o book de fotos que fez quando tentou ser modelo na adolescência para mostrá-las à piauí. “Tu vai vazar?”, ela questiona, insistindo que não quer ver as imagens publicadas na imprensa. Nelas, Eduardo aparece com a pele bronzeada e o cabelo loiro em formato tigela, à la Nick Carter, o integrante bonitinho dos Backstreet Boys. Em uma das fotos, está apenas de sunga vermelha, recostado em uma mureta com as pernas cruzadas, em pose insinuante. “Coisa brega!”, reclama Heloísa. Eduardo olha para o seu segurança e dá um sorrisinho, como quem se diverte com o incômodo da mulher. Conta que nunca mostrou à imprensa o álbum de modelo. “Não me chama de homofóbico, mas nessa época sempre tinham uns caras que queriam ou me comer ou dar para mim”, diz ele. Vigilante, Heloísa observa: “Essa tua frasezinha foi anotada, Eduardo.”

Duda, como Eduardo Bolsonaro era chamado na infância e adolescência, cresceu na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Embora o bairro fosse longe da praia, ele vivia pegando onda. Subiu numa prancha de body-board aos 12 anos, inspirado por Flavio, o primogênito. Um ano depois, interrompeu a prática do novo hobby para ser submetido a uma cirurgia para corrigir uma ginecomastia, que é o crescimento excessivo das mamas em homens. Sofreu na mão dos colegas de escola. Seu apelido virou Buba, o nome de uma personagem intersexual na novela Renascer, exibida pela Rede Globo, em 1993. “Falavam que eu tinha vagina e pênis”, diz. “Eu dava risada. Às vezes caía na porrada.”Vídeo Show | Novelão: Buba guarda um grande segredo em Renascer, de 1993  Assista online | Globoplay

Curioso que numa família racista, homofóbica e sexista, o filho 04, Renan Bolsonaro postou um vídeo em suas redes sociais onde afirma que tem um pai de criação homossexual e negro.

“Domingo é aniversário do meu pai de criação. Ele é homossexual negro. Meu pai botou dentro da minha casa, da nossa casa pra cuidar de mim. No domingo é aniversário dele e vocês vão saber”, disse Renan.

No domingo (20), o filho de Bolsonaro postou a homenagem em seu Instagram: “Marcelo, ao longo desses anos todos, você tem sido um grande amigo para mim. Você me ensinou muito, especialmente a como me tornar uma boa pessoa. Sua empatia e seu carinho são contagiantes, e eu serei eternamente grato a Deus por tê-lo colocado em nosso caminho. Que neste aniversário seu coração possa transbordar com o dobro da felicidade que você trouxe para nossa família! Obrigado por tudo! Parabéns! Felicidades…”, escreveu.

Eliane Brum em outra reportagem explica "Por que Bolsonaro tem problemas com furos":

Em 18 de fevereiro, o antipresidente Jair Bolsonaroprecisava tirar o foco da morte do miliciano Adriano da Nóbrega, pessoa-chave para esclarecer o esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio Bolsonaro, a relação da família Bolsonaro com as milícias que atuam no Rio de Janeiro e também quem mandou matar Marielle Franco – e por quê. A eliminação de Nóbrega, com vários indícios de execução, voltava a colocar em destaque as relações dos Bolsonaros com as milícias. Era preciso desviar a atenção. Como de hábito, Bolsonaro usou o velho truque: criou um novo fato ao atacar a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. A repórter, uma das mais competentes da sua geração, estava entre os jornalistas que denunciaram o uso fraudulento de nomes e CPFs para disparos de mensagens no WhatsApp em benefício de Bolsonaro. Uma de suas fontes, Hans River, ao depor na CPMI das Fake News do Congresso, disse que Patrícia teria tentado obter informações “a troco de sexo”, embora as trocas de mensagens entre os dois provem exatamente o contrário. Em sua coletiva informal diante do Alvorada, a mesma em que costuma mostrar bananas para os jornalistas, Bolsonaro atacou: “Ela [Patrícia] queria um furo. Ela queria dar o furo [pausa para risos] a qualquer preço contra mim”.

Este episódio, amplamente divulgado, revela mais do que o truque do manual dos novos fascistas para desviar a atenção do público. Bolsonaro tem problemas com furos. Em vários sentidos. Sua obsessão com o que cada um faz com seu ânus é notória. Está sempre tentando regular onde cada um coloca o próprio pênis. Volta e meia dá um jeito de falar de cocô, como fazem as crianças pequenas. Para ele, a vagina é um furo, visão bastante surpreendente para um homem com mais de 60 anos que já deveria, para o próprio bem, ter conhecido um pouco mais sobre o órgão sexual das mulheres. Chegou a dizer que a Amazônia “era uma virgem que todo tarado de fora quer”. Só um/a psicanalista que um dia recebesse Bolsonaro no seu divã poderia encontrar pistas para o que essa redução da sexualidade a uma coleção de furos – uns feitos para o estupro, outros proibidos para o sexo – significa. Nós, os governados por tal homem, só conseguimos entender que ele tem obsessão por furos, por cocô e por pênis. E que isso determina seu Governo.

No "Ensaio sobre fertilidade e esterilidade na Bíblia hebraica", Suzana Chwarts começa historiando:

"No que diz respeito à fertilidade, Israel é como todas as outras culturas do mundo. O ideal bíblico é o de fecundidade, abundância e multiplicidade – impulsos naturais de todas as civilizações. Este ideal está expresso no Si 128 :3-4 “Sua esposa será como vinha fecunda, na intimidade do seu lar. Seus filhos, rebentos de oliveira, ao redor de sua mesa. Essa é a bênção para o homem que teme o Eterno”. 

Todas as bênçãos de Israel focalizam a abundância e a fecundidade. Em Lv 26 Deus promete que trará

(...) chuvas no seu devido tempo, a terra dará os seus produtos, e a árvore do campo seus frutos (...) comereis vosso pão até vos fartardes, voltar-me-ei para vós e vos farei crescer e multiplicar; depois de vos terdes alimentado da colheita anterior, tereis ainda de jogar fora a antiga, para dar lugar à nova. 

Em Dt 28:4,

bendito será o fruto do teu ventre, o fruto do teu solo, o fruto dos teus animais, a cria das tuas vacas e a prole das tuas ovelhas. Bendito será o teu cesto e a tua amassadeira (...) Deus te concederá abundância de bens no fruto do teu ventre, no fruto dos teus animais, e no fruto do teu solo, este solo que Deus jurou a teus pais que te daria.

Aqui a "Fertilidade" tem a mesma importância que a "Abundância" que os cristãos nos Estados Unidos, na década de 1940, vão propagar como Teologia da Prosperidade, e importada para o Brasil somente na década de 1970.

Em 2015, tendo como fonte o Infomoneya revista Piauí destacava a impressionante riqueza dos pastores brasileiros:

1. Edir Macedo – fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, que também tem templos nos Estados Unidos, é de longe o pastor mais rico no Brasil, com um patrimônio líquido estimado pela Forbes de US$ 950 milhões, ou cerca de R$ 1,9 bilhão.

2. Valdemiro Santiago – fundou sua própria igreja, chamada Igreja Mundial do Poder de Deus, que tem mais de 900 mil seguidores e 4 mil templos. Segundo estimativa da Forbes, seu patrimônio líquido é de US$ 220 milhões, ou aproximadamente R$ 440 milhões.

3. Silas Malafaia – líder da maior igreja pentecostal do Brasil. O pastor está constantemente envolvido em escândalos relacionados à comunidade gay. “Ele é defensor de uma lei que poderia classificar o homossexualismo como uma doença e é uma figura proeminente no Twitter, onde tem mais de 440 mil seguidores”, disse a publicação.

4. RR Soares – é o mais ativo em multimídia entre os pregadores evangélicos. O religioso é compositor, cantor e televangelista. Como fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, Soares é um dos rostos mais conhecidos na televisão brasileira. Com isso, sua fortuna estimada pela Forbes, é de US$ 125 milhões, ou R$ 250 milhões.

5. Estevam Hernandes Filho e sua esposa Sonia – fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Apóstolo Estevam Hernandes Filho e sua esposa, Bispa Sonia, supervisionam mais de mil igrejas no Brasil e no exterior, incluindo a Flórida. Juntos, o casal tem um patrimônio líquido estimado pelo site em US$ 65 milhões dólares, ou R$ 130 milhões.O objeto inflado durante as manifestações do 7 de Setembro.

O deus da Prosperidade esteve bem representado no grande comício golpista de Jair Bolsonaro no dia 7 de Setembro último. Comentou Juan Arias:

"Um dos muitos detalhes simbólicos foi o surgimento na cena de um pênis gigante com as cores verde e amarelo da bandeira do Brasil, que foi apropriada pelas forças mais golpistas do país. O pênis inflado estava colocado sobre um carrinho vazio de supermercado. Estava rodeado por homens de idade.

Dizem que o presidente não sabe chorar, e muito menos pela dor alheia. Sua melhor identidade é a raiva; seu lema, a destruição; sua vocação, a terrorista; sua sexualidade, misteriosa; seu sonho de poder absoluto depois de ter ameaçado todas as instituições, com o agravante de que essas instituições parecem amedrontadas e acovardadas pelas ameaças fanfarronas do aprendiz de ditador e terrorista.

Melhor, mais simbólico e mais real do que o pênis gigante e grotesco verde e amarelo da avenida Paulista teria sido uma fila de carrinhos vazios de supermercado para simbolizar o drama que aflige e faz chorar em silêncio tantas famílias vítimas da incapacidade de governar de quem há muito deveria estar fora do poder para permitir que o país recupere a esperança que lhe foi tragicamente roubada. E como ensina a psicologia, nada é mais difícil para uma pessoa e para uma nação do que a desesperança que seca a alma e arrasta para a depressão". 

Bolsonaro perder a eleição porque fez um péssimo governo é um julgamento do eleitor. Voto contra Bolsonaro cidadão.

Para que não voltem a ser usados pela misteriosa Terceira Via, a campanha de Lula, para exemplificar, deve ser contra os slogans e símbolos que elegeram Bolsonaro. O ideário. As ideologias da direita, da extrema direita, do nazismo, do fascismo, do integralismo. Para que jamais sejam utilizadas novas cores para propagar antigas mensagens de um Brasil escravocrata, racista, preconceituoso, colorista, fundamentalista, com um militarismo golpista e cruel e um judiciário elitista e parasita. 

 

16
Ago21

Taleban é bolsonarismo ao cubo

Talis Andrade

Na pandemia, Bolsonaro mobiliza esforços para avançar pauta das armas | VEJALíder talibã ordena preparação para "ataque final" | ExameSaiba quais as investigações que pesam contra os quatro filhos do  presidente Jair Bolsonaro - Jornal O GloboEnquanto avança no Afeganistão, Talibã recupera armas dos EUA abandonadas  por soldados afegãos - Jornal O GloboCarlos Bolsonaro esteve em clube de tiro no mesmo período que Adélio,  aquele que esfaqueou seu pai | Revista FórumO que Afeganistão pode esperar com retorno dos talibãs?Vídeo: Armas têm conexão com a liberdade, diz Eduardo Bolsonaro prevendo  cenário de caos com coronavírus | Revista Fórum

por Alex Solnik

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Ouço, incrédulo e espantado, brasileiros que se dizem defensores dos direitos humanos comemorarem com empolgação a tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. 

Pessoas bem formadas, inteligentes e influentes e que, no entanto, não percebem (ou não querem perceber) as semelhanças entre as pautas do Taleban e as do bolsonarismo, que abominam e combatem. 

Tal como os bolsonaristas, o Taleban não admite diversidade de espécie alguma. Ou você é igual a eles ou é seu inimigo.

Tal como os bolsonaristas, o Taleban desconsidera as mulheres como cidadãs, obriga-as a serem subservientes aos homens e as proíbe até de trabalhar - o que nem os bolsonaristas reivindicam, por ora. 

Tal como os bolsonaristas desejam, o Taleban rejeita as liberdades individuais. E não reconhece direitos humanos.  

Tal como querem os bolsonaristas, o Taleban impõe uma religião única e uma cultura única a todos os cidadãos. E mata os que não se submetem.

Tal como os bolsonaristas, o Taleban detesta o contraditório. 

Tal como os bolsonaristas, o Taleban deseja a volta à barbárie da Inquisição. 

Tal como os bolsonaristas, o Taleban repudia a democracia e as eleições.  

Taleban é bolsonarismo ao cubo.Daniel Silveira no Twitter: "Peguei muito vagabundo aí na favela da  Rocinha... bons tempos... muitos encontros com o capiroto marcados...…  https://t.co/yM5w6LnNjw"

Deputado Daniel SilveiraTwitter derruba perfil de Roberto Jefferson por ordem de Alexandre de Moraes

Roberto Jefferson, presidente do PTB 

Oswaldo Eustáquio (centro) e Sara Winter (à direita)

 O militante bolsonarista Oswaldo Eustáquio dá “prazo de 72 horas para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumpra a lei, coloque em pauta pedidos de impeachement dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso, presidente do TSE”. Segundo ele, “caso contrário, vamos parar o Brasil"

19
Jun21

O desprezo do lavajatismo pelo processo penal na democracia

Talis Andrade

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por Danilo Pereira Lima /ConJur

O processo penal é uma boa chave de análise da qualidade de uma democracia. Por meio dele podemos avaliar de que forma o Estado se relaciona com a liberdade de seus cidadãos, qual é a eficácia dos direitos e garantias fundamentais e se a persecução penal é feita na perspectiva do Estado de Direito.

Diante disso, se encontramos nos órgãos jurisdicionais uma forte cultura inquisitória, podemos constatar que o Estado mantém uma relação autoritária com os indivíduos, no sentido de vê-los muito mais como inimigos do que como cidadãos.

Por outro lado, se os órgãos jurisdicionais veem o processo penal como uma garantia do acusado e exercem sua função institucional dentro dos limites do sistema acusatório, podemos concluir que a interdição penal — necessária para o processo civilizatório — acontece dentro dos parâmetros do Estado de Direito.

Com base nesse critério, podemos observar que infelizmente a situação não é muito boa para o Brasil. Em tempos de lavajatismo, e após a divulgação das conversas entre o juiz Sergio Moro e "seus" procuradores da República, o lado mais sombrio do Estado brasileiro tornou-se ainda mais explícito: muitos juízes e membros do Ministério Público persistem numa posição de desprezo pelo Estado de Direito.

Apesar da promulgação de uma Constituição que rompeu com 21 anos de ditadura militar, ainda permanece a noção de que o acusado deve ser tratado não a partir dos limites estabelecidos por seus direitos e garantias fundamentais, mas sim como inimigo do Estado. Uma noção sempre utilizada por regimes de exceção e que, antes do paradigma constitucional instaurado em 1988, se fez presente por meio da doutrina de segurança nacional. Por sinal, foi com base nessa doutrina que a ditadura militar suspendeu a garantia do Habeas Corpus para pessoas enquadradas na Lei de Segurança Nacional.

Passaram-se muitos anos desde a aprovação do Ato Institucional nº 5 e o país se redemocratizou. O ministério Público deixou de ser um mero auxiliar do Poder Executivo e tornou-se fiscal da lei. O Poder Judiciário reconquistou sua autonomia funcional. Mas o entendimento de que os direitos e garantias fundamentais não passam de meros detalhes permaneceu entre alguns agentes públicos. Foi o que os procuradores federais da lava jato manifestaram em diálogos pelo Telegram logo após a divulgação ilegal da interceptação telefônica das conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff.

Diante do vazamento, o procurador Januario Paludo sustentou que a ilegalidade da divulgação não passava de filigrana jurídica. Opinião seguida por Deltan Dallagol ao defender que, "a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político". Ou seja, no tratamento oferecido ao inimigo, ilegalidades podem ser praticadas.

Em regimes democráticos, o sistema acusatório determina que a acusação e o órgão jurisdicional atuem de forma separada, de maneira a garantir a imparcialidade do juiz no julgamento do processo penal. Nos tempos da "Santa" Inquisição, a mesma pessoa encarregava-se do julgamento, da investigação e da acusação. Sem esquecer, é claro, do uso da tortura como um meio para obter a confissão do acusado. O tempo da fogueira inquisitorial passou, mas a operação lava jato não abriu mão do sistema inquisitório nas suas intenções quase "messiânicas" de guerra "santa" contra a corrupção.

Em vez do Ministério Público Federal atuar com independência ao longo das investigações, o que se viu foi a total subserviência dos procuradores em relação ao verdadeiro chefe da operação, o juiz Sergio Moro. Em muitas mensagens os procuradores afirmavam que, antes de tomarem alguma posição, o juiz Moro precisava ser consultado.

Foi o caso da mensagem do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que em conversa com seus colegas confidenciou a preocupação de manter "o russo [Sergio Moro] informado, bem como [permanecer] atento aos humores dele". Nesse sentido, o órgão jurisdicional e o ministério público deixaram de ser instituições separadas, com autonomia funcional, para atuarem como se fossem um mesmo órgão sob a chefia do juiz Moro.

Para que o juiz permaneça na posição de expectador durante todo o processo, também é importante garantir que a gestão das provas permaneça sob a responsabilidade exclusiva das partes. Sempre levando em consideração a presunção de inocência, que no caso transfere para o acusador toda a responsabilidade pelo ônus da prova. Se no decorrer do processo penal as provas para a condenação são insuficientes, prevalece o princípio do in dubio pro reo.

Não cabe ao juiz produzir provas ou orientar como as partes devem usá-la. No entanto, apesar das limitações impostas pela Constituição, o juiz Moro mais uma vez abandonou a imparcialidade para determinar que o ministério público devia incluir uma prova contra um réu da lava jato. De acordo com as conversas do Telegram, Deltan comunicou a procuradora Laura Tessler que o juiz Moro havia chamado a atenção para a ausência de uma prova na denúncia contra Zwi Skornicki.

"Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do [Eduardo] Musa [da Petrobras] e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e dá tempo. Só é bom avisar ele", diz Deltan.

"Ih, vou ver", responde a procuradora. 

No dia seguinte a esse diálogo, a procuradoria incluiu um comprovante de depósito e o juiz Moro aceitou a denúncia.

A operação "lava jato" não foi um ponto fora da curva. O juiz Sergio Moro e "seus" procuradores seguiram a tendência dominante dentro do processo penal brasileiro, baseada na cultura inquisitória. Mas, além do comportamento Torquemada de muitos juízes e promotores, o que também é possível atestar por meio da permanência da cultura inquisitória é a resistência de muitos agentes públicos contra qualquer controle constitucional de suas funções. Sendo assim, em vez do processo penal ser compreendido como uma garantia de que o acusado terá um julgamento justo da parte do órgão jurisdicional do Estado; o que se percebe é que, nas mãos de quem vê os direitos e garantias fundamentais como meras filigranas jurídicas, o processo penal é apenas um instrumento de poder e repressão, numa noção típica de agentes públicos que resistem ao Estado de Direito por meio do mandonismo.

Desse modo, ao medir a qualidade da democracia brasileira por meio do processo penal, podemos concluir que o entulho autoritário de outras épocas ainda insiste em deixar a Constituição cidadã de lado para manter de pé o paradigma amigo/inimigo.

29
Abr21

Rodrigo Pilha foi espancado e torturado na prisão pela polícia de Ibaneis Rocha

Talis Andrade

Preso no dia 18 de março por estender uma faixa chamando Jair Bolsonaro de "genocida", o ativista foi recepcionado com crueldade na prisão em Brasília, com chutes, pontapés e murros, enquanto ficava no chão sentado com as mãos na cabeça

 

Fórum, Renato Rovai - Rodrigo Pilha, preso no dia 18 de março por estender uma faixa chamando o presidente Jair Bolsonaro de genocidafoi espancado e torturado na prisão e tem dormido no chão desde quando foi privado de sua liberdade. Ou seja, há exatos 41 dias.

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O agente que o agredia, e do qual a família e advogados tem a identificação, perguntava se ele com 43 anos não tinha vergonha de ser um vagabundo petista. E dizia que Bolsonaro tinha vindo para que gente como ele tomasse vergonha na cara

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Enquanto esteve na Polícia Federal prestando depoimento, Pilha foi tratado de forma respeitosa, mas ao chegar no Centro de Detenção Provisória II, área conhecida como Covidão, em Brasília, agentes veneradores do coronel Ustra e eleitores de Bolsonaro já o esperavam perguntando quem era o petista.

 

A recepção de Pilha foi realizada com crueldade. Ele recebeu chutes, pontapés e murros enquanto ficava no chão sentado com as mãos na cabeça. Enquanto Pilha estava praticamente desmaiado, o agente que o agredia, e do qual a família e advogados tem a identificação, perguntava se ele com 43 anos não tinha vergonha de ser um vagabundo petista. E dizia que Bolsonaro tinha vindo para que gente como ele tomasse vergonha na cara.

Na cela, Pilha foi recebido pelos outros presidiários com solidariedade e respeito. Mas durante à noite esses mesmos agentes foram fazer uma blitz na cela e deixaram todos pelados e os agrediram a todos com chutes e pontapés. Com Pilha, foram mais cruéis. Esparramaram um saco de sabão em pó na sua cabeça, jogaram água e depois o sufocaram com um balde. Todos foram avisados que estavam sendo agredidos por culpa de Pilha. Do petista que não era bem-vindo na cadeia.

Pelos cargos que ocupam tudo parece uma beleza nos porões de Brasília. 

Estabelecimentos Penais

Ala de Tratamento Psiquiátrico – ATP

Cuida-se de Ala instalada dentro da Penitenciária Feminina do Distrito Federal – PFDF, com a devida separação, até que seja construída a Penitenciária III e o Núcleo de Saúde, ambos no Complexo Penitenciário do DF, dotada de psiquiatra, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
Diretora: Narjara Oliveira Cabral
Endereço: Granja Luis Fernando, Área Especial n. 02, Setor Leste do Gama, Gama – DF, CEP 72.460-000
Telefones: 3273-7664 e 3384-5220
E-mail: nuex.pfdf@ssp.df.gov.br

Carceragem da Divisão de Controle e Custódia de Presos do Departamento de Polícia Especializada – DCCP

Cuida-se de Departamento reformado recentemente e destinado ao recolhimento de presos com prisão temporária decretada (Lei 7.960/89) e de presos por dívida civil (alimentos e depositários infiéis), além dos presos em flagrante pelas diversas Delegacias do DF e que são encaminhados às terças e às sextas-feiras para o Centro de Detenção Provisória – CDP, "sendo este último o estabelecimento específico e adequado ao recebimento dos presos provisórios, que, no Distrito Federal, são rigorosamente separados dos presos condenados".
O Distrito Federal não possui presos em Delegacias Circunscricionais e/ou Especializadas.

Diretor: Fabrício Vieira Rocha
Endereço: Setor de Áreas Isoladas Sudoeste, Bloco D, Departamento de Polícia Especializada – Brasília – DF, CEP 70.610-200
Telefones: 3207-4485, 3207-4883 e 3207-4994

Centro de Detenção Provisória – CDP

Destina-se, fundamentalmente, ao recebimento dos presos provisórios, sendo ainda o presídio de entrada e classificação para os demais estabelecimentos do sistema penitenciário. O CDP possui Ala Especial para a custódia de ex-policiais e reeducandos com direito à prisão especial, nos termos da lei.

DIRETOR: João Vitor da Anunciação
ENDEREÇO: Rodovia DF - 465, KM 04, Fazenda Papuda. CEP 71.686-670
TELEFONE: 3335-9402, 3335-9431, 3335-9444, 3335-9465 e 3335-9469
E-MAIL: nuex.cdp@gmail.com

Centro de Internamento e Reeducação – CIR

Cuida-se de estabelecimento prisional destinado a reeducandos do sexo masculino em cumprimento de pena em regime semiaberto, sem benefícios externos implementados. O CIR possui oficinas de trabalho, tais como marcenaria, lanternagem e funilaria de autos, serigrafia, panificação,  bandeiras, abrigando ainda os internos com trabalho agrícola, possuindo, por isso mesmo, características assemelhadas às de colônia agrícola e industrial.

Diretor: Luiz Lima de Medeiros
Endereço: Rodovia DF - 465, KM 04, Fazenda Papuda. CEP 71.686-670
Telefones: 3335-9504, 3335-9502 e 3335-9503
E-mail: nuexcir@gmail.com

Centro de Progressão Penitenciária – CPP

O Centro de Progressão Penitenciária – CPP é um dos estabelecimentos prisionais destinado a reeducandos do sexo masculino em cumprimento de pena em regime semiaberto, que já tenham efetivamente implementado os benefícios legais de trabalho externo e/ou saídas temporárias.

DIRETOR: Ivanildo Carlos de Souza
ENDEREÇO: SIA, Trecho 08, Lotes 170/180, Brasília – DF, CEP 71.200-040
TELEFONE: 3361-3793/3361-0385
E-MAIL: cpp.sesipe@gmail.com

Núcleo de Custódia da Polícia Militar - NCPM

Cuida-se de Núcleo de Custódia Militar destinado ao recolhimento de presos militares que aguardam eventual condenação com a perda do cargo, para possível transferência para a ala de ex-policiais existente no CDP/DF e, ainda, presos provisórios civis regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.
Os presos recebem atendimento em hospitais da rede pública ou da própria polícia militar (Policlínica).
Além do recolhimento provisório de militares, a 3ª CPMIND é a organização responsável pela segurança externa dos estabelecimentos penais do Distrito Federal, conforme Decretos nº 11.082/88 e 24.305/03/DF.

Comandante:  QOPM FABIANO DE OLIVEIRA ANANIAS
Endereço: Rodovia DF - 465, KM 04, Fazenda Papuda. CEP 71.686-670
Telefones: 3190-1991, 3190-1991

Penitenciária do Distrito Federal – PDF-I

Diretor: Mário Lúcio Menezes do Amaral
Endereço: Rodovia DF - 465, KM 04, Fazenda Papuda. CEP 71.686-670
Telefones: 3335-9580, 3335-9588, 3335-9591 e 3335-9589
E-mail: nuex.pdf1@gmail.com

Penitenciária do Distrito Federal II – PDF-II

Diretor: Leonidas de Almeida
Endereço: Rodovia DF - 465, KM 04, Fazenda Papuda. CEP 71.686-670
Telefones: 3335-9611, 3335-9615, 3335-9617, 3335-9612 e 3335-9621
E-mail: nuex.pdf2@yahoo.com.br

Penitenciária Feminina do Distrito Federal – PFDF

A Penitenciária Feminina do Distrito Federal – PFDF é um Estabelecimento Prisional de segurança média, destinada ao recolhimento de sentenciadas a cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado e semiaberto, bem como de presas provisórias que aguardam julgamento pelo Poder Judiciário.
Em caráter excepcional e em casos previamente analisados pela Vara de Execuções Penais, abriga presas provisórias federais.
Possui uma unidade materno-infantil, com capacidade total para 24 detentas, dotada de berçário integrado, contando ainda com acompanhamento médico e psicológico, prestado por profissionais do próprio estabelecimento e da rede pública de saúde.

Diretora: Narjara Oliveira Cabral
Endereço: Granja Luis Fernando, Área Especial n. 02, Setor Leste do Gama, Gama – DF, CEP 72.460-000
Telefones: 3273-7664 e 3384-5220
E-mail: nuex.pfdf@ssp.df.gov.br

23
Abr21

Grupo Prerrogativas: decisão do STF contra Moro fortaleceu o combate à corrupção

Talis Andrade

O Livro das Parcialidades – Editora TelhaBaixe agora "O Livro das Suspeições" | Grupo Prerrogativas

247 - O Grupo Prerrogativas emitiu nota à imprensa nesta sexta-feira (23) acerca do julgamento desta quinta-feira (22) no Supremo Tribunal Federal que confirmou o entendimento da Segunda Turma da Corte pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos contra o ex-presidente Lula na Lava Jato.

Para os especialistas que compõem o grupo, ao contrário do que tentam emplacar apoiadores de Moro, a decisão do Supremo reforça o combate à corrupção e estabelece limites para a atuação do Poder Judiciário. "A decisão de ontem sinaliza que o processo judicial não é um vale-tudo, em que se admitam manobras desatinadas para impor determinados pontos de vista. O plenário do STF emitiu, assim, uma mensagem nítida em favor do devido processo legal"

"Ao ratificar a anulação de abusos judiciais praticados por um juiz suspeito, a maioria do plenário do STF não arreda um milímetro da observância do princípio da moralidade. Ao contrário, o aplica de modo acertado. Nisso não há debilitação do combate à corrupção, antes o seu fortalecimento, com o expurgo de inaceitáveis desvios ilegais", complementa o texto.

Decisão do STF contra Moro fortaleceu combate à corrupção

O grupo Prerrogativas, composto por juristas, professores e professoras do direito, advogadas e advogadas, acompanhou com atenção a sessão de julgamento do plenário do STF desta quinta (22/4/2021), na qual formou-se maioria de sete votos a dois em prol da confirmação da decisão da 2ª Turma do Tribunal que havia proclamado, em 23/3/2021, a parcialidade/suspeição do então juiz Sergio Moro ao processar, julgar e condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Criminal de Curitiba. 

Para os integrantes do grupo Prerrogativas, os pronunciamentos majoritários dos ministros na sessão de ontem concretizaram um significativo ponto de inflexão no sentido da recuperação plena da missão institucional do Supremo como guardião da Constituição da República, sobretudo no que se refere à defesa da integridade dos direitos fundamentais nela inscritos. O plenário da Corte também cuidou de resguardar a integridade das normas procedimentais, ao promover a conservação da competência regimental de uma de suas Turmas. A decisão de ontem sinaliza que o processo judicial não é um vale-tudo, em que se admitam manobras desatinadas para impor determinados pontos de vista. O plenário do STF emitiu, assim, uma mensagem nítida em favor do devido processo legal.

Outra observação relevante que se extrai dessa sessão de julgamento do plenário do STF é o isolamento a que foi submetida uma minoritária tentativa de converter o debate jurídico num espetáculo canhestro de irresponsável politização. Não parece haver no Supremo mais espaço significativo para esse tipo de desvio, fundado na retórica sensacionalista que persegue adversários e concebe a sobrevivência de falsos heróis. 

Enquanto a maioria dos ministros e ministras ontem primou pela apreciação estritamente técnica e fundamentada em normas jurídicas, houve quem desbordasse completamente desses limites. Em nada contribui para o aperfeiçoamento das instituições o recurso exasperado da corrente vencida e dos seus apoiadores a argumentos estranhos ao critério jurídico, muito menos o uso lastimável de investidas contra a integridade e a honradez dos ministros e ministras vencedores, que exercitaram seu encargo com absoluto compromisso e altivez.

Ao ratificar a anulação de abusos judiciais praticados por um juiz suspeito, a maioria do plenário do STF não arreda um milímetro da observância do princípio da moralidade. Ao contrário, o aplica de modo acertado. Nisso não há debilitação do combate à corrupção, antes o seu fortalecimento, com o expurgo de inaceitáveis desvios ilegais. 

O ocaso da Operação Lava Jato descortina a trilha insensata percorrida por seus protagonistas que, associados de maneira irregular e clandestina ao juiz da causa, converteram a sua atuação num obstinado complô persecutório de inspiração política. Os procuradores da Lava Jato e o então juiz Moro consideravam-se acima das normas legais, como se fossem agentes de uma cruzada moralizante. E nessa condição, com apoio midiático incondicional, cometeram toda sorte de excessos e abusos, especialmente contra o alvo preferencial e simbólico que elegeram: o ex-presidente Lula.

Na sessão de ontem, a maioria do plenário do Supremo emitiu uma resposta contundente ante tais deformações institucionais patrocinadas pela Lava Jato. Ministros e ministras que votaram para confirmar a odiosa parcialidade de Sergio Moro como julgador de Lula, devidamente assentada no veredito regular da 2ª Turma do Tribunal, rejeitaram o expediente tentador e falacioso do moralismo prepotente. E contestaram de forma cabal a ilação desonesta de que estariam a corroborar atos de corrupção, ao cumprir a sua elevada tarefa de julgar de acordo com o Direito e proteger regras legais e a prevalência da Constituição. 

Com a decisão de ontem, pode-se afirmar que a maioria dos integrantes do STF delimitou adequadamente a sua missão, ao prestigiar a estabilidade procedimental e os valores de sobriedade, prudência e equilíbrio no exercício da função judicial, superando deploráveis esforços de subversão do papel da Corte, que ainda insistem em submetê-la a desígnios oportunistas, fomentados pela manipulação midiática. 

Capa do jornal Folha de S.Paulo 23/04/2021Capa do jornal O Globo 23/04/2021
 
22
Abr21

O dever que a Constituição impõe: reação defensiva ao fascismo processual penal

Talis Andrade

 

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Nos últimos sete anos, a Justiça criminal brasileira sofreu profundas, complexas e decisivas transformações.

A Constituição de 1988 inseriu-se em um movimento internacional de consagração do catálogo de direitos fundamentais assegurados aos cidadãos, a partir do reconhecimento da necessidade da criação de obstáculos claros, precisos e rigorosos ao exercício do poder, sob o primado do respeito à dignidade da pessoa humana.

Trata-se de uma conquista civilizatória inestimável de nossos antepassados, como principal legado dos horrores da Segunda Guerra e dos crimes cometidos pelos regimes de força espalhados pelo mundo ao longo do último século.

Esse movimento internacional, com origem na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ganha força com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e projeta-se especificamente para a América Latina com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Em 1966, o italiano Giuseppe Bettiol afirmou: “O nazismo menosprezou o interesse do acusado e eliminou toda uma série de disposições que serviam a sua tutela. Ampliou os casos de prisão preventiva e repudiou a concepção do processo como litígio entre duas partes em situação de paridade, para conceder todo o favor à acusação pública. Os modos e os termos de defesa foram atenuados; limitadas as possibilidades de recurso; admitida a executoriedade das decisões do magistrado, mesmo antes do caso julgado”. Bettiol, na mesma obra, esperava que no futuro o processo penal tivesse as seguintes características: “Plena publicidade de todo o processo; liberdade pessoal do acusado até a condenação definitiva; paridade absoluta dos direitos e poderes da acusação e defesa; passividade do juiz na recolha das provas tanto da condenação como de absolvição”.

E esse foi o modelo escolhido pelo Constituinte de 1988, prestigiando, no campo processual penal, as garantias individuais como limitadoras da atividade investigativa e persecutória do Estado.

Mas nosso Código de Processo Penal, em vigor até hoje, de raízes inquisitoriais, pois inspirado no Código Rocco, do fascismo de Mussolini, seguia a ideologia da Constituição de 1937, desidratando garantias, ampliando desigualdades, subjugando o indivíduo perante a força do arbítrio oficial.

Com a redemocratização do país, o processo penal passou a respirar os novos ares de liberdade, colhendo na promessa do constituinte de 1988 a esperança de que a Justiça criminal adotasse postura diametralmente oposta às práticas ditatoriais, com o reposicionamento do cidadão como sujeito de direitos fundamentais, e não mais como mero objeto de prova, por vezes de investigações clandestinas com métodos violentos.

E, assim, andamos por algum tempo, com a ilusão de que a Constituição seria suficiente para mudar a essência profundamente autoritária da legislação processual, com o esforço doutrinário e profissional de advogados e defensores para convencer nossos tribunais de que era não apenas possível, mas obrigatório, reler o Código de Processo Penal a partir da Constituição Federal, com o novo sentido que o conjunto de suas garantias imprimia às antigas regras, evidentemente incompatíveis com o novo modelo acusatório.

Mas a mentalidade inquisitória, vitaminada pelas crises econômicas e sociais, moldada a melhor potencializar a tendência natural do ser humano ao abuso de poder, voltou a predominar em nosso conturbado ambiente jurídico e político. Trata-se de fenômeno conhecido ao longo da história, e que muitos denominam de eterno retorno do fascismo.

No Brasil, esse renascimento do espírito de intolerância e de erosão das garantias fundamentais atendeu pelo nome de operação “lava jato” (particularmente o lavajatismo), expressão que hoje sintetiza uma série de esforços para a desconstitucionalização da Justiça criminal, em um percurso marcado por sucessivas tentativas de ataque aos princípios essenciais de estruturação de um processo penal de respeito aos direitos humanos e à dignidade do cidadão.

Esse caminho se iniciou com o projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção, em que o juiz Sergio Moro e membros da força-tarefa “lava jato” defendiam, entre outras inomináveis violações à Constituição e a tratados internacionais, a restrição ao Habeas Corpus, a utilização de prova ilícita, a supressão de recursos, a execução das penas antes do trânsito em julgado.

Já se desenhava nesse momento a tentativa de criminalização da política e a politização da Justiça criminal, instrumentalizadas mediante uma agressiva campanha de marketing e trabalho massivo de grupos obscuros nas redes sociais, cujo apogeu ocorreu tempos depois com a eleição de Jair Bolsonaro e a nomeação de Sergio Moro ao Ministério da Justiça.

Foram derrotados no projeto das Dez Medidas, especialmente porque os abusos foram corretamente denunciados pela comunidade acadêmica e porque o Congresso Nacional já percebia que, sob o timbre do combate à corrupção, escondiam-se nefastos interesses pessoais, político-partidários e econômicos, posteriormente iluminados pelas mensagens da “vaza jato”.

Ao contrário do que se costuma alegar, a contundente resistência ao projeto não veio da elite econômica, mas daqueles que melhor conhecem as injustiças, preconceitos e desigualdades do sistema penal, bastando mencionar que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro foi quem lançou a primeira campanha pública e institucional contrária à aprovação (Dez Medidas em Xeque).

Paralelamente, centenas de milhares de empregos eram dizimados, enquanto a sociedade, a imprensa e os tribunais eram cegados pela cortina de fumaça de operações espetaculares, entrevistas coletivas cuja única finalidade era estigmatizar, prejulgar e constranger.

Sim, é inegável que a operação revelou casos gravíssimos de corrupção, que não podem ser relativizados. Mas, como lembra Rui Cunha Martins, é falsa a ideia de que o Estado de Direito seja salvo cada vez que o sistema penal pune um poderoso ou um convicto corrupto; por mais que custe à chamada “opinião”, o Estado de Direito só é salvo se um poderoso ou um convicto corrupto é punido no decurso de um devido processo legal; o contrário disso é populismo puro.

Nesse período, ganha corpo uma importante reação jurídica de advogados, defensores, instituições e associações acadêmicas que buscam no Supremo Tribunal Federal a reafirmação da força normativa da Constituição, com o reconhecimento da inconstitucionalidade das conduções coercitivas, ícone de deterioração do direito de defesa, e da execução da pena a partir da decisão de segunda instância.

O Direito, sequestrado pelo falso moralismo, é resgatado nos julgamentos das ADPFs 395 e 444 e das ADCs 43, 44 e 54.

Mas a luta segue, ainda mais dura, com a vitória do programa fascista de Jair Bolsonaro e a ascensão de Sergio Moro ao poder.

Como havia escrito no início da “lava jato”, em artigo na imprensa, para Moro “o problema é o processo”, ou seja, suas garantias, formas e ritos, construídos ao longo de décadas de avanço civilizatório.

E, para concretizar o projeto autoritário, o ministro apresenta ao Congresso Nacional o chamado pacote “anticrime”, que, para além de não oferecer qualquer ação estruturada de enfrentamento das causas reais da criminalidade, estimulava a opressão contra os mais pobres, prevendo a ignominiosa licença para matar, a gravação de conversas entre cliente e advogado, o fim da audiência de custódia pessoal pelo magistrado.

A proposta de criação da “barganha penal” (uma tradução equivocada do plea bargain americano) era o xeque-mate inquisitorial, pois a pena passaria a ser executada sem direito de defesa, contraditório, instrução penal e revisão pelos tribunais. O processo seria extinto e, então, acabaria o “problema” anunciado pelo ex-juiz.

Já com o caos instalado no país, o Congresso percebe os riscos antidemocráticos da dupla Moro-Bolsonaro e, sensibilizado, instaura importante diálogo com a sociedade civil, com a criação pelo presidente Rodrigo Maia de uma comissão especial para a discussão das propostas, presidida pela deputada Margarete Coelho.

Ouvindo nossos principais juristas, OAB, Defensorias, IBCCrim, IDDD, IAB, Abracrim, Aasp, Iasp, IGP, Conectas, institutos e associações da advocacia criminal e de direitos humanos, que denunciaram o grave retrocesso patrocinado pela irresponsabilidade jurídica do governo federal, o Congresso reage.

Formou-se, a partir de então, um bloco parlamentar informal de distintas orientações ideológicas, mas com idêntico compromisso social com o interesse público, erigindo-se ali um pacto de preservação mínima das garantias fundamentais.

Dessa comunhão democrática, formada por vários deputados (Margarete Coelho, Marcelo Freixo, Orlando Silva, Paulo Teixeira, Paulo Abi-Ackel, Lafayette Andrada, entre outros), resultou a obtenção das mais importantes conquistas pós-Constituição no Direito Processual Penal brasileiro, como a vedação da prisão preventiva de ofício e a contemporaneidade da medida, a revisão da necessidade da prisão, a exigência da cadeia de custódia da prova, a regulamentação da delação premiada, mitigando seu valor probatório. A aprovação da Lei de Abuso de Autoridade integra esse pacote democrático-civilizatório.

O autoritarismo presenciado no processo penal brasileiro nos últimos sete anos foi o gatilho para a inversão do pêndulo legislativo em direção à conformação de uma Justiça criminal de tutela do status libertatis do cidadão, e não mais um altar de degradação humana.

Nesta semana, a derrubada do veto do presidente Bolsonaro à obrigatoriedade de audiência de custódia presencial, melhor e mais efetivo instrumento de combate à tortura, foi nova demonstração do quadro virtuoso do Congresso Nacional no campo da proteção dos direitos individuais.

A Constituição persevera e vence, a cada dia, a arrogância e o arbítrio, derrotando projetos autoritários, mas ainda devemos a ela os dois passos finais dessa jornada.

A aprovação do novo Código de Processo Penal pelo Congresso Nacional e a derrubada da liminar que impede a entrada em vigor do instituto do juiz de garantias, a mais importante mudança recentemente aprovada pelo Parlamento, é pressuposto essencial e inegociável de uma Justiça criminal leal, justa e imparcial.

Em “Recordações da Casa dos Mortos”, que retrata a vida dos condenados em uma prisão na Sibéria, Dostoievski ensina que a tortura mais grave aplicada aos presos era a submissão a trabalhos inúteis. A humilhação de construir um muro de pedras que nada separava ou protegia e que, quando pronto, era imediatamente destruído pelos guardas, feria mais que os castigos físicos.

Na advocacia criminal, e em especial na defensoria pública, nos últimos anos, perante alguns juízes, muitas vezes achamos que a defesa era um trabalho inútil, como o muro de Dostoievski. Entretanto, acordávamos todas as manhãs sabendo que nossa função é construir eternamente esse muro que protege a liberdade do indivíduo contra o arbítrio do Estado.

Cada vez que o Estado consegue derrubá-lo, recomeçamos o trabalho com mais vigor e tentamos construí-lo com mais força e mais resistência. Essa é a vida que escolhemos. O dever que a Constituição nos impõe.

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