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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

21
Ago23

Júri e prisão automática: STF versus STF – o que é um precedente?

Talis Andrade

fuzi arma de pobre eleitor bolsonaro.jpg

 

Por Lenio Luiz Streck

Consultor Jurídico

Prisão imediata no Júri: esse é ponto central do RE 1.235.340/SC (Tema decorrente: 1.068) que está agora no plenário físico do STF. Até agora tínhamos o seguinte resultado:

O ministro Barroso (aqui) deu provimento ao RE e fez tábula rasa, dizendo que nem mesmo a limitação de 15 anos deve ser levada em conta como teto, com o que qualquer condenação do júri se torna de aplicação automática (prisão do réu dos moldes da súmula declarada inconstitucional do TRF-4, nº 122).

Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia e André Mendonça acompanharam tal entendimento.

Já os ministros Gilmar, Rosa e Lewandowski discordaram e votaram inclusive pela inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Anticrime que dizia que prisões acima de 15 anos determinavam a prisão imediata.

Restou o ministro Fachin, com voto médio, discordando da maioria dos cinco, mas não concordando com a minoria dos três. Para ele, não pode haver prisão automática, salvo para penas acima de 15 anos.

Então tínhamos, até o pedido de destaque do ministro Gilmar, cinco votos plenos pela prisão automática, três pela inconstitucionalidade até mesmo dos 15 anos e um voto pela manutenção dos 15 anos sem automaticidade.

Escrevi aqui na ConJur sobre o voto do ministro Barroso, que foi condutor da maioria dos cinco votos. Barroso diz que presunção da inocência, formada nas ADCs 43, 44 e 54, é princípio e não regra, podendo ser "aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes".

Assim, no item 16 do seu voto, Barroso diz que é necessário ponderar o princípio da presunção de inocência e, como tal, "pode ser aplicado com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes" com a soberania dos veredictos, de modo a dar prevalência a este último fundado, inclusive, na função do Direito Penal de proteção de bens jurídicos, in casu, da vida humana. Aí já começa o problema: fosse correto o dizer do ministro, ficaria a pergunta: quem decide "a maior ou menor intensidade"? Com qual critério?

Sigo. Demonstrei o equívoco do voto do ministro Barroso e cheguei a colocar a fórmula peso de Alexy para demonstrar que a ponderação propalada pelo ministro se mostrou errada. Demonstro isso com detalhes (para quem não leu, ponho o link mais uma vez aqui).

Na sequência, lembrei do caráter vinculante das ADC 43, 44 e 54, que exigem a vinculação do julgador ao seu resultado como uma condição prima facie — o que se afirma inclusive com apoio na TAJ de Alexy. Isto é, não há nada na teoria de Alexy que dê algum conforto ao voto do ministro Barroso.

No meu artigo também falei do equívoco do voto do ministro ao fazer a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung) do dispositivo que diz que penas acima de 15 anos têm cumprimento imediato.

Nesse sentido, o voto contestado comete o pecado da jurisdição constitucional, que é o de mascarar uma legislação pelo Judiciário como controle de constitucionalidade incidental. Seu argumento é de que a lei não deveria limitar a execução da pena para casos de condenação igual ou maior a 15 anos. Na sua opinião, a regra deveria valer para qualquer condenação, e assim ele propõe essa discussão em seu voto.

Não é possível encontrar algum espaço para uma interpretação conforme a Constituição no caso. No caso, o voto estabelece uma nova lei. A dogmática constitucional mostra claramente que o instituto da Interpretação Conforme possui limites. O que muda na interpretação conforme é a norma (sentido do texto), mas o tribunal não está autorizado a colocar outra "letra no lugar".

Aí vem a grande questão, bem captada nos votos de Gilmar, Rosa e Lewandowski: se existe inconstitucionalidade, essa está em dizer que penas de 15 anos mandam prender automaticamente. A inconstitucionalidade reside no inverso do que disse o ministro Barroso.

Por quê? Porque o STF possui um precedente vinculante sobre presunção da inocência: as ADCs 43, 44 e 54. A holding do precedente é: não existe prisão automática no Brasil. Havendo condições pessoais favoráveis, é possível recorrer aos tribunais superiores em liberdade. Aliás, prisão automática existia no CPP original. No Estado Democrático, o STF baniu, ainda que por escassa maioria. Presume-se a inocência. E não a culpa.

Portanto, o voto de Barroso coloca o STF contra o próprio STF, ao não obedecer a seu próprio precedente. Trata-se de um easy case que o ministro transformou em um tragic case.

Há uma contradição na posição do ministro e dos que o seguiram. Se o STF decidir pela prisão automática no júri — para qualquer pena ou mesmo para aquelas acima de 15 anos — teremos que a Suprema Corte cai em uma contradição: uma afirmação e uma negação. Um precedente que assegura algo e outro que dessassegura o que assegurava. Com a tese dos cinco votos, cria-se duas categorias de réus: os do júri (sem presunção de inocência) e os do resto do "sistema" (que possuem esse direito).

Resta saber se, vencedora a tese da prisão automática, caberia reclamação no STF contra o próprio Supremo, por descumprimento de seu próprio precedente. Afinal, Reclamação constitucional cabe toda vez que um tribunal desobedece a um precedente vinculante da Suprema Corte.

Volta-se ao problema recorrente: o que é um precedente (ver qui a crítica à recém-lançada Revista de Precedentes). Como podemos falar de precedentes, se institucionalizamos algo que inexiste nos demais países: a divisão em "precedentes qualificados" e "precedentes meramente persuasivos"? O que é vinculante num precedente? O que vincula? Essa é a discussão que temos de fazer — e nisso a doutrina tem de se manifestar.

Como pode uma decisão em três ADCs que declara constitucional um artigo que espelha a Constituição não gerar um precedente a partir do qual está sacralizada como precedente a presunção da inocência até o trânsito em julgado, no sentido de que, tal como optou por fazer o legislador, ninguém será preso até que se encerre juridicamente a presunção da inocência com o trânsito em julgado?

Há mais uma questão que deveria ser levada em conta, mais pela doutrina do que pelo próprio STF: se o STF "superar" o precedente da presunção da inocência no caso da prisão no Júri, estará aberta a porta para voltar ao patamar anterior às ADCs 43, 44 e 54. Mais ainda, restará a institucionalização da Repercussão Geral como uma carta branca para que magistrados legislem. Observe-se: no RE não está em discussão a prisão automática. Era um caso concreto acerca da possibilidade de recorrer ou não em liberdade. O que está ocorrendo — com o Tema 1068 — é que o precedente a ser firmado é uma forma de legislar para o futuro.

Numa palavra: esse é o papel da doutrina em qualquer país do mundo, queiramos ou não. Sua função é iluminar e mostrar os acertos e os erros das decisões judiciais. Com todas as vênias — para usar um jargão do juridiquês — se esse não for o papel da doutrina, ela perde a sua serventia. A obra mais premiada na Alemanha nos últimos tempos se chama Uma Interpretação Ilimitada (ou Não Constrangida), de Bernd Rüthers (Die unbegrenzte Auslegung). Ali ele mostra como, ao ficar silente, a doutrina (e não só ela, é claro) assistiu, lenientemente, à ascensão do regime que levou ao nazismo.

Chamo a esse papel, com toda a lhaneza, de necessário constrangimento epistemológico [1].

- - -

[1] Cfe. Verbete Constrangimento Epistemológico – Streck, L. L. Dicionário De hermenêutica (Editora Casa do Direito, 2ª. Ed) e Verbete Fator Julia Roberts – Streck, L.L. Dicionário Senso Incomum (Editora Dialética).

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02
Out20

Lula é inocente?

Talis Andrade

Comissão Pastoral da Terra - Lula nos livrou dos generais

 

Por André Peixoto de Souza

- - -

Guilty / Not guilty  (culpado / inocente).

Esse é um binômio tradicional nos discursos forenses mundiais, especialmente norte-americanos-hollywoodianos. Bem o conhecemos.

Até recebe fundamento matemático-filosófico na principiologia lógica aristotélica: se é culpado, não pode ser inocente; se é inocente, não pode ser culpado. Um rótulo exclui o outro.

Por que é possível afirmar, então, que “Lula é inocente”?

Simplesmente porque “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (cf. art. LVII da Constituição). Ou seja, antes do trânsito em julgado (encerramento definitivo) de ação penal, se e quando condenado, o acusado (“ninguém”) não pode ser considerado culpado.

É de se perguntar: a ação penal – qualquer ação penal – do Lula já transitou em julgado? Não. E como não transitou em julgado, por força da garantia fundamental acima enunciada ele não pode ser considerado culpado.

Se não pode ser considerado culpado, recebendo blindagem constitucional nesse particular, de acordo com o binômio inicialmente demonstrado, Lula só pode ser inocente!

Pergunta provocativa, decorrente desse raciocínio: em sede de execução penal, sem que estejam presentes os [tão discutidos] requisitos da prisão preventiva, pode um inocente ser preso?

Bem... é assim que o Supremo tem se posicionado incessantemente. O STF está a nos dizer, a todo instante, que um inocente pode ser preso em sede de execução penal. É essa a melhor interpretação da famigerada execução penal após julgamento em segunda instância. Todo o resto é discurso.

Se isso é justo ou injusto (sem adentrar ao imbróglio conceitual de “justiça”), é outra questão.

Em primeiro lugar, temos que as garantias fundamentais são imutáveis no âmbito da nossa Constituição. Estão petrificadas a partir do seu art. 60, § 4º, IV. Sendo assim, não cabe emenda constitucional para alterar o surrado princípio da presunção de não culpabilidade (ou presunção de inocência, como é mais conhecido). Só é possível mudar essa garantia com outra Constituição, com outra Assembleia Constituinte. No Brasil, hoje, não há clima político para isso.

Todavia, em segundo lugar, percebe-se que é possível alterar, antecipando-o, o conceito ou o limite de “trânsito em julgado”. Parece ser esse o projeto que o Presidente da Câmara quer emplacar no Congresso Nacional. Se o “trânsito em julgado” vier para logo após o julgamento em segunda instância, tudo se resolve.

Aí sim, enquanto aquela garantia fundamental imutável em sede de emenda (art. 5º, LVII) se perpetua, aduzindo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, a alteração do limite de “trânsito em julgado” traz para a decisão de segunda instância a perda da presunção de inocência, a culpabilidade e, com isso, finalmente, a possibilidade de prisão em execução penal.

Nem necessitamos entrar em provas dos autos para afirmar categoricamente que, hoje, no atual cenário constitucional brasileiro, e sob o fundamento do art. LVII da Constituição e da mais elementar lógica jusfilosófica, Lula é inocente.

 

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