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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Nov21

MP e a sociedade: Promotor preso por matar esposa defendia pena de morte

Talis Andrade

André de Pinho e Lorenza (fotos: reprodução do Facebook)André de Pinho e Lorenza

por Joaquim de Carvalho

O promotor André Luís Garcia de Pinho, preso sob acusação de matar a esposa, defendeu a pena de morte em artigo publicado na revista da Universidade Fumec, de Belo Horizonte.

“Posiciono-me favorável à possibilidade de modificação no ordenamento jurídico para que o legislador constituinte viabiliza a aplicação da pena capital a outros casos de ocorrência mais frequente, nas situações em que, em tempos de (suposta) paz, deparamo-nos com criminosos irrecuperáveis, multi-reincidentes em certas modalidades de delito”, escreveu. O artigo foi publicado em fevereiro do ano 2000.

André de Pinho está preso desde maio do ano passado, quando sua mulher morreu no apartamento em viviam. Segundo a denúncia da Procuradoria Geral de Justiça, o promotor envenenou a mulher, Lorenza, e a fez beber cachaça para que a interação medicamentosa e álcool a levasse à morte.

Como ela não morreu, diz a denúncia, André de Pinho a enforcou com as próprias mãos, e depois chamou um médico do hospital Mater Dei, que emitiu um laudo falso, que atestou que a vítima havia falecido por ingerir o próprio vômito.

André de Pinho cumpre prisão em cela especial, prerrogativa de quem é promotor, mas ele não quer ser julgado pelo órgão especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como determina a lei em casos de membros do Ministério Público acusados de crime.

André de Pinho recorreu às cortes superiores para ser jugado pele Tribunal do Júri, em que os julgadores são cidadãos comuns.

Pinho já era conhecido antes do crime considerado hediondo. Em 2014, ele mandou prender o dono do jornal digital que era crítico à administração de Aécio Neves em Minas Gerais, Marco Aurélio Carone.

Também mandou prender um lobista que havia entregue documentos que associavam Aécio Neves à corrupção.

O mesmo promotor autorizou buscas na casa de um advogado, Dino Miraglia Filho, que teve sua reputação destruída na época, já que a ação policial autorizada por André de Pinho foi acompanhada pela imprensa.

Outro alvo do promotor foi o jornalista Geraldo Elísio, o Pica-Pau, ganhador do Prêmio Esso na década de 70 por denunciar tortura. Na época, Geraldo Elísio era editor do Novojornal, o veículo crítico de Aécio.

Todos foram inocentados das acusações depois que Aécio Neves perdeu as eleições para Dilma Rousseff, em 2014.

A posição de André de Pinho sobre a pena de morte reproduz o comportamento que não é incomum entre promotores e procuradores.

Blindados pela legislação, eles dificilmente são punidos — exceto quando o caso ganha repercussão nacional, caso desse feminicídio ou do procurador da Lava Jato descoberto em um crime de falsidade ideológica para fazer promoção dele e de outros membros da operação, como Deltan Dallagnol.

Quando punidos, procuram brechas na lei para fugir do julgamento, como a prescrição — Dallagnol escapou de uma pena mais rigorosa no MPF, como a demissão, por ter conseguido protelar a análise de uma de suas transgressões.

Procuradores e promotores também são, em geral, ferrabrases, embora a sua função seja também a de fiscal da lei, não apenas responsáveis do sistema acusatório.

O texto de André de Pinho sobre a pena de morte deverá ser usado em seu julgamento perante o órgão especial do Tribunal de Justiça.Trecho do artigo publicado pelo promotor André de Pinho

Mas ele não corre o risco de ser levado para a cadeira elétrica, para a forca ou receber uma injeção letal, graças ao legislador, que não atendeu a apelos como o dele para que haja no Brasil pena de morte.

Se houvesse, dificilmente escaparia, já que o crime do qual é acusado teria sido cometido com requintes crueldade.

Fica aqui, no entanto, o registro de que, há muito, os membros do Ministério Público Federal falam e escrevem demais, muitas vezes usurpando outras funções e esquecem o antigo provérbio “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

10
Nov21

Adélio vive em condições análogas à tortura, denuncia perito que o visitou no presídio do governo federal em Campo Grande (vídeo)

Talis Andrade

presidio de segurança máxima campo grande.png

campo grande presídio.jpeg

 

O Presídio Federal de Campo Grande é a Prisão de Guantánamo brasileira

 

 

José de Ribamar de Araújo e Silva integra o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura, entidade criada por acordo do Brasil com a ONU, e esteve no estabelecimento onde Adélio vive isolado. Nem os parentes podem visitá-lo.

José de Ribamar de Araújo e Silva furou a proibição federal por representar a ONU. 

De acordo com o art. 136, § 3.º, IV, da Constituição Federal, o preso não poderá ficar incomunicável. No entanto, pode ser decretada por decisão fundamentada do juiz a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, segundo art. 21, § único do Código de Processo Penal, não poderá exceder a três dias.

A incomunicabilidade é, sim, uma tortura. Mas com as ciências da Psiquiatria, do Comportamento, novos meios foram criados, além da Santa Inquisição.  

A tortura existe sempre para arrancar informações. Adélio já discursou tudo que tinha de falar. Contou tantas histórias, que terminou com atestado de louco, assinado por psiquiatras e psicólogos. 

Portanto, torturar Adélio visa a morte. Que seja suicídio ou 'suicidado' tanto faz. 

Para conhecer mais leia aqui "A incomunicabilidade do preso: Teoria e prática", por Jairo Souza.

Escreve o jornalista Joaquim de Carvalho:

O perito José de Ribamar de Araújo e Silva visitou Adélio Bispo de Oliveira no presídio federal de Campo Grande, que tem regras mais duras do que qualquer outro estabelecimento penal de segurança máxima.

Segundo o relato dele, dado ao ativista de direitos humanos Marconi Barum, ao chegar no presídio para verificar se havia tortura, pessoas do presídio disseram para ele falar com Adélio. E ele falou.

Adélio cumpre medida de segurança no local, por ter sido considerado inimputável pela Justiça Federal em Juiz de Fora.

O perito conversou com o ativista de direitos humanos Marconi Barum, do canal Resistência Contemporânea. Marconi é formado em letras e tem especialização em Direito Público.

A Defensoria Pública da União, que entrou no caso depois de receber uma carta de Adélio reclamando do advogado Zanone Manuel De Oliveira Júnior, entrou na Justiça para que ele fosse transferido a um hospital psiquiátrico.

O juiz de primeira instância em Campo Grande determinou a transferência. A Justiça Federal em Juiz de Fora foi contra. E estabeleceu-se um conflito de competência.

Em agosto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, depois do caso passar pelo Tribunal Regional Federal da 1a. Região e STJ, confirmou liminar do ministro Kássio Nunes, indicado por Jair Bolsonaro, e autorizou a permanência de Adélio no presídio, onde sua rotina, segundo Ribamar, é comparável à de tortura.

O defensor que entrou com a medida para que Adélio deixasse o presídio federal me disse que o caso deveria ser remetido às cortes internacionais dos direitos humanos.

O defensor público da União é Valber Rondon Ribeiro Filho e sua declaração foi dada antes do relato do Ribamar se tornasse público e sem que tivesse conhecimento dessas informações.

"Adélio é um caso único, escandaloso, que precisa ser denunciado", disse o defensor público.

Ele não recorreu às cortes internacionais por ter sido transferido a Brasília. Segundo ele, a transferência não tem relação com o caso Adélio.

Veja o vídeo com os principais trechos da entrevista do perito José de Ribamar de Araújo e Silva.

 

 

 

13
Jun20

"Não estica a corda". Ou seja, deixem o caminho livre para Bolsonaro avançar com o projeto autoritário

Talis Andrade

 

por Tereza Cruvinel

- - -

Disse o general-ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, que as Forças Armadas nao pensam em dar golpe, algo que Bolsonaro também nunca teria pregado. Mas avisou que isso só vale se o "outro lado" não "esticar as corda". Não é preciso ser hemeneuta para entender o significado da declaração: "Pode haver golpe se insistirem em controlar Bolsonaro".

Para bem entendê-la precisamos dividir a declaração em duas partes. Na primeira o general-ministro afirma: "É ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar o golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe". Até aqui ótimo. Mas sempre que uma frase assertiva é seguida de uma conjunção adversativa - mas, porém, entretanto e outras - , isso significa que a primeira afirmação está condicionada a certas condições. E a condição para que haja golpe é que o "outro lado" não estique a corda. O adverbio agora foi usado como conjunção adversativa. Equivaleu a um "mas".

Quem é outro lado? Não pode ser a oposiçao, que não tem poder e é minoritária no Congresso. O "outro lado" são os outros dois poderes, o Congresso e o STF, que vêm impondo limites a Bolsonaro sempre que ela afronta muito ostensivamente a Constituição. Casos menos gritantes vão passando, crimes de responsabilidade vão sendo cometidos quase diaramente por Bolsonaro, sem que o presidente da Câmara abra o processo de impeachment.

Então, quem não pode esticar a corda são os outros dois poderes. O que eles têm feito,  com muita moderação, é exercer o papel de contenção do Executivo, segundo o sistema de freios e contrapesos que é viga central do sistema democrático e da independência entre os poderes.  Para que nenhum dos poderes se sobreponha aos outros, estabelecendo a sua ditadura,  cada um exerce o poder fiscalizador e limitador do outro.

O Congresso vota leis, o presidente pode sancioná-las ou vetá-las. O STF pode declará-las inconstitucionais.  Vetos podem ser derrubados pelo Congresso, mas com quórum elevado. Deputados e senadores, por outro lado, podem ser cassados por seus pares ou processados pelo Supremo.  O presidente pode quase tudo, como vive dizendo o ministro Celso de Mello, mas ele também não está acima da lei maior. Pode ser afastado por crime de responsabilidade (impeachment) ou quando é processado por crime comum (STF). Seus atos podem ser anulados quando julgados inconstitucionais.  O STF tem ministros nomeados pelo presidente mas os nomes têm que ser chancelados pelo Senado. E como o presidente, podem também sofrer impeachment. E assim, separados mas harmônicos, um delimitando o poder do outro, garantem o funcionamento da democracia.

O que Congresso e STF têm feito é conter os arroubos autoritários de Bolsonaro,  que o tempo todo tenta se sobrepor à Constituição, seja com atos de governo (como a nomeação de um nome indevido para comandar a PF), seja com decretos e medidas provisórias (como esta que tentava interferir na autonomia universitária), seja com palavras e gestos. Por exemplo, comparecendo a atos que pregavam o fechamento dos outros dois poderes, pediam AI-5, ditadura e intervenção militar.

Então, é Bolsonaro, e não o "outro lado", que está o tempo todo esticando a corda, e nem sempre é contido. Muita boiada já passou sem que Congresso e STF reagissem, para evitar a maior tensão na corda. "Não esticar a corda" deve significar que os outros poderes devem deixar Bolsonaro à vontade para transgredir, violar a Constituição e o Estado de Direito, ir forçando o limite de reação das instituições até que consiga impor-se como ditador.

Não poderia ter vindo em melhor hora, depois desta declaração, a liminar do ministro Luiz Fux, do STF, declarando infundada a interpretação de que as Forças Armadas poderiam atuar como poder moderador entre poderes, quando entrassem em conflito. A intervenção militar não encontra acolhida no artigo 142, fulminou Fux.

Instado a dar um exemplo do que seria esticar a corda, o ministro sugeriu que poderia ser uma ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo TSE, onde tramitam oito açoes de impugnação eleitoral. A mais importante e promissora é a que se baseia nos disparos de fake news por wahtsapp no segundo turno de 2018, quando o candidato do PT, Fernando Haddad, foi apontado como distribuidor de kits gay e mamadeiras em formato de pênis,  à epoca que comandava o MEC no governo Lula. Coisas inacreditáveis, mas muitos eleitores conservadores, principalmente evangélicos, recusaram-se a votar no petista por causa disso. Este foi um crime que interferiu no resultado eleitoral.

Ramos e Bolsonaro sabem que o TSE nunca cassou uma chapa presidencial, embora tenham havido ações. E sabem também o que foi feito na campanha eleitoral. Ao julgar a ação, o TSE não estará esticando a corda. Estará fazendo o que lhe cabe, na repartição dos poderes e na ministração da Justiça. Tudo dependerá de provas robustas.  Mas antes que venha o julgamento, Bolsonaro trata de amendrotar e inibir o tribunal,  com declarações como esta de Ramos, que semeiam insegurança e instabilidade, apresentando o Brasil ao mundo como uma republiqueta onde ainda podem ser dados golpes militares.

Em boa hora veio a decisão de Fux, que expressa, certamente, o pensamento de todo o colegiado do STF. Quem estica a corda é Bolsonaro, esperando certamente que os outros poderes o deixem livre para afrontar a Constituição, ultrapassar os limites do poder presidencial, tornar-se inimputável e se impor como ditador.

 

 

 

 

25
Nov19

Dallagnol usou a Justiça para fugir do CNMP: chicana?

Talis Andrade

panela de curitiba lava mais branco.jpg

 

por Marcelo Auler

À frente da Operação Lava Jato em Curitiba nos últimos cinco anos, o procurador da República Deltan Dallagnol, ao lado do hoje ministro da Justiça Sérgio Moro, capitaneou o discurso da necessidade de moralização da Justiça, notadamente da celeridade processual. Ao se ver na condição de réu, porém, parece que ele esquece o que pregou e acaba recorrendo ao que provavelmente chamaria de “chicana processual”.

De agosto aos dias atuais, ou seja, em apenas quatro meses, Dallagnol impetrou quatro ações distintas – algumas delas com argumentos repetitivos – para paralisar o Procedimento Administrativos Disciplinares – o PAD 1.00898/18-99 – que responde junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No mesmo, é acusado de ter ferido o decoro ao criticar três ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, durante entrevista à rádio CBN, em 15 de agosto de 2018.

Teoricamente, com as iniciativas, Dallagnol apenas busca exercer seu legítimo direito de defesa. Na realidade, sua prática pode esconder a tentativa de ganhar tempo para que o processo disciplinar caduque pela prescrição, o que ocorrerá em 10 de dezembro, caso até lá o plenário do CNMP não aprecie o mérito da questão. Foi o que o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, relator do PAD, alertou ao Procurador-Chefe da União no Paraná, Frederico Wagner Melgaço Reis. No Ofício n° 354/2019/GAB/CLF (SEI – 0294127), do último dia 12 de novembro, ele expôs:

Conforme já salientado a Vossa Excelência em momento anterior, o PAD vem sendo continuamente suspenso por sucessivas liminares proferidas pela Justiça Federal de 1ª instância de Curitiba/PR, foro em que atua o Procurador da República requerido, tornando-se cristalinas as manobras protelatórias perpetradas por sua defesa, a fim de evitar a prolação de decisão administrativa por este órgão de controle e concomitantemente, proporcionar o implemento do termo final da prescrição da pretensão objeto do feito.”

Com um grupo de advogados comandados pelo jurista José Francisco Resek – ex-subprocurador geral da República, ex-ministro das Relações Exteriores (governo Collor), ex-ministro do STF (1992/97) e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça (1997/2006) -, Dallagnol fez uma última tentativa de procrastinar o PAD no dia 11 passado. Ingressou com uma ação, distribuída à 5ª Vara Federal do Paraná. Nela pediu a suspensão do processo para garantir o depoimento da jornalista Liliana Frazão Pereira, ex-assessora de imprensa do MPF em Curitiba, como sua testemunha.

medidas protelatórias dallagnol.jpg

Julgamento vem sendo adiado

Como destacou o conselheiro Bandeira de Mello Filho, Dallagnol recorreu sempre à Justiça Federal do Paraná, “foro em que atua”. Sua defesa alega ser o foro de onde reside. Seja como for, em Curitiba, todos os processos correm em segredo de Justiça, longe do alcance público, em mais uma contradição com o que Dallagnol sempre disse defender na Lava Jato.

A “transparência processual” apregoada por ele, seus pares no MPF e Moro na Lava Jato muitas vezes expôs indevidamente os réus das ações provocando uma condenação pública que nem sempre correspondeu à condenação judicial.

O acesso às peças processuais das ações impetradas em nome de Dallagnol só foi possível por conta da decisão de Fux que suspendeu – por ser indevido – o sigilo nas ações em tramitação no Supremo. Através daquele site o Blog leu muitos dos documentos anexados aos autos, constatando a tentativa de procrastinação denunciada por Bandeira de Mello Filho.

Verificou, inclusive, a manobra da defesa do procurador ao ingressar com a ação na 5ª Vara três dias depois de entrar com uma Ação Cível junto ao Supremo (PET 8493). Em ambas, com alegações distintas, o objetivo era suspender o PAD. No dia 11, Dallagnol e seus advogados conquistaram duas liminares atendendo o que pleitearam. A da Justiça Federal paranaense suspendia o processo disciplinar para garantir o depoimento da jornalista. A do ministro Fux paralisou o processo para debater se o CNMP poderia ou não analisar o caso em si.

A liminar de Fux, porém, foi suspensa por ele mesmo no dia 19. A da 5ª Vara Federal do Paraná foi cassada na Reclamação 38.066 impetrada no STF pela AGU a partir do ofício do conselheiro Bandeira de Mello. O despacho de Fux nesse sentido foi proferido na última sexta-feira (22/11), como noticiou a jornalista Daniela Lima, no Painel da Folha de S. Paulo.

A íntegra dessa decisão ainda não consta do site do STF. Segundo Daniela, porém, Fux mandou o colegiado do CNMP “se abster de cumprir qualquer decisão judicial daqui em diante que determine a suspensão do PAD e que não tenha sido proferida pelo próprio ministro.”

Buscando preservar a imagem

Com isto espera-se que o caso, cuja apreciação pelo CNMP vem sendo adiada desde agosto passado, finalmente entre na pauta de julgamento, na próxima terça-feira (26/11). Resta, porém, a possibilidade de um pedido de vista que arraste o PAD para a sessão de dezembro, aumentando as chances de sua prescrição. Algo que soará como uma facilitação ao procurador.

O empenho de Dallagnol e de seus advogados é para evitar que sua imagem de combatente da corrupção e de servidor que cumpre as leis seja mais atingida do que já foi com as revelações do The Intercept. No caso em si, a punição prevista, caso ocorra, como consta do voto que fundamentou a instauração do PAD perante o CNMP, terá uma penalidade quase simbólica: a censura ou até mesmo algo mais brando, como uma advertência. Penalidades administrativas de menor gravidade. Mas, de qualquer forma, afetarão ainda mais a sua reputação, que hoje já não é a mesma de antes.

Na entrevista ao Jornal da CBN, com Milton Jung, Dallagnol comentou a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de remeter parte da delação da Odebrecht sobre ex-presidente Lula e ex-ministro Guido Mantega à Justiça Federal do DF. Desta forma o caso foi retirado da Justiça Federal em Curitiba por não ter ligação com a Petrobras, nem relação com o Estado do Paraná. Isto contrariou os interesses da Lava Jato curitibana.

dallagnol denuncia panelinha no STF.jpg

Em seu comentário (leia trecho no quadro acima), o procurador da República, sem citar nomes, atacou os ministros que compulseram a maioria na votação – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – sugerindo que eles estariam sendo lenientes com a corrupção:

Os três mesmos de sempre do Supremo Tribunal Federal que tiram tudo de Curitiba e mandam tudo para a Justiça Eleitoral e que dão sempre os habeas corpus, e que estão sempre se tornando uma panelinha assim… que mandam uma mensagem muito forte de leniência, a favor da corrupção (…) Esses três de novo olham e querem mandar para a Justiça Eleitoral como se não tivesse indicativo de crime. Isso para mim é descabido“.

A entrevista bateu mal no Supremo e levou o ministro Dias Toffoli, que ainda não tinha assumido a presidência da corte, representar contra o procurador junto ao CNMP e também à corregedoria do Ministério Público Federal.

Sinônimo de panelinha

Grupo fechado:

1 panelabandocorjafacçãogrupoigrejinhamaltapandilharodarodinha.

Tramoia:

2 cambalachoarranjocomplôconciliábuloconjuraçãoconluioconspiraçãomancomunaçãomaquinaçãotramoia.

Exercício da liberdade de expressão

Dallagnol e seus advogados ponderam que ele “apenas exercera, respeitosamente e sem qualquer linguagem imprópria, seu direito fundamental à livre expressão e crítica”. Reconhecem o “juízo crítico”, mas destacam que isto foi feito “sem usar palavras de baixo calão ou imputar má intenção aos Ministros, sem ser desrespeitoso ou ter o intuito de ofender, sobre decisões proferidas por três Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal”. Não tecem comentários, porém, sobre a expressão “estão sempre se tornando uma panelinha”.

Eles também alegam que o procurador já foi “julgado” pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) onde, em 4 de abril deste ano, por maioria de votos (oito a dois), arquivou-se o Inquérito aberto para apurar sua conduta.

Com base nisso, a defesa diz que Dallagnol “está sendo processado, sem prova nova, ante o Conselho Nacional do Ministério Público, por fato pelo qual foi absolvido em prévia decisão de mérito proferida em processo administrativo a que já respondeu no Conselho Superior do Ministério Público Federal, cujo desfecho (de mérito) foi a declaração da atipicidade de sua conduta”. Sustentam, assim que ocorre uma violação do princípio do ne bis in idem”. Ou seja, recorrem ao princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato delituoso.

A primeira ação movida pela defesa do procurador – a 5044818-85.2019.4.04.7000/PR, na 6ª Vara Federal de Curitiba, em 24 de agosto – foi para conseguir uma prorrogação de prazos para a apresentação das alegações finais. Da leitura das peças processuais, depreende-se que Dallagnol não levou a sério a possibilidade de uma punição. Consta que ele sequer apresentou defesa no início destes procedimentos, certamente contando com o apoio que tinha junto à opinião pública (em especial a chamada mídia tradicional), até junho passado, quando surgiu a Vaza Jato divulgada pelo The Intercept.

No caso específico do PAD, que o CNMP pretendia apreciar em agosto, pelos relatos feitos, a defesa alegou que houve troca de advogados e com isso teria ocorrido falha na intimação aos defensores que entraram. Uma tese que o relator, conselheiro Bandeira de Mello Filho, rechaçou. Ainda assim Dallagnol e seus advogados tiveram acesso à íntegra do processo e as alegações finais foram apresentadas no mês de setembro.

Juízes usurparam o poder do Supremo

A partir da leitura de todo o processo, a defesa tentou fazer um aditamento na ação da 6ª Vara, o que não foi permitido. Em consequência, impetrou nova ação distribuída à 1ª Vara Cível de Curitiba, em 14 de outubro. Nela pediu a suspensão do processo por ser uma repetição do que foi julgado no CSMPF. Também argumentou com o direito de Dallagnol à liberdade de expressão.

O juiz Friedmann Anderson Wendpap, três dias depois (17/10), concedeu a liminar determinando “a suspensão imediata e sine die do curso do PAD/CNMP 1.00898/2018-99 até decisão terminativa” do processo judicial em questão.Contra essa decisão a AGU recorreu ao Supremo, em 4 de novembro, com a Reclamação 37.840. Alegou que o juízo de Curitiba estava usurpando um poder que pertence ao STF: “A liminar em questão também foi proferida por juízo absolutamente incompetente, uma vez que o art. 102, inciso I, alínea “r”, da Constituição Federal, disciplina que ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, originariamente, as ações contra o Conselho Nacional do Ministério Público”, defenderam os procuradores da União em nome do CNMP.

Também ponderaram que o PAD corria risco de prescrição, caso não seja apreciado pelo plenário do CNMP em dezembro, quando a sua aberura completará um ano.

Ao conceder liminar dois dias depois (06/11), o ministro Luiz Fux rechaçou os argumentos da defesa de Dallagnol, lembrando que a mais recente jurisprudência do Supremo é no entendimento de que ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público devem ser apreciadas pelo STF.

Ele explicou: “É que a dispersão das ações ordinárias contra atos do órgão de controle nos juízos federais de primeira instância tem o condão de subverter a posição que foi constitucionalmente outorgada ao Conselho, fragilizando sua autoridade institucional. Por certo, a própria efetividade da missão constitucional do CNMP ou do CNJ restaria prejudicada quando seus atos e deliberações são submetidos à jurisdição de membros e órgãos subordinados a sua atividade fiscalizatória.”

Insistindo na Justiça de Curitiba

Dois dias depois, em 8 de novembro, uma sexta-feira, a defesa de Dallagnol desistiu da Ação da 1ª Vara – cuja liminar foi cassada por Fux – e recorreu ao mesmo Fux com uma nova ação identificada no STF como PET 8.493. Nela repete tudo o que foi pedido na Vara de Curitiba, inclusive a suspensão do PAD que, àquela altura, estava agendado para ser apreciado no plenário em quatro dias, 12 de novembro.

Ao pedir informações ao próprio ao Conselho e o parecer da Procuradoria Geral da República, o ministro assinalou a necessidade de se correr contra o calendário. Porém, como revelou na semana passada, diante da demora da resposta pelo CNMP, na segunda-feira, dia 11/11, concedeu liminar determinando o adiamento da análise do processo na reunião do CNMP do dia seguinte. Oito dias depois, em 19/11, ele rejeitou os argumentos da defesa, suspendeu a liminar que deu e autorizou a apreciação do caso pelo plenário do Conselho.

Na mesma segunda-feira (11/11) em que Fux, às 19:41hs, determinou – tal como pedia a ação de Dallagnol ajuizada três dias antes – a suspensão do PAD, os defensores do procurador já armavam outra forma para retardar a apreciação do processo disciplinar no CNMP. Apesar de o ministro do Supremo, na decisão do dia 6, deixar claro que o foro para apreciar ações contra o CNMP é aquela corte, os advogados recorreram novamente à justiça de primeira instância no Paraná.

Instauraram um novo processo – 506378059.2019.4.04.7000/PR, distribuído à 5ª Vara Cível Federal – no qual pediam que o juízo determinasse o depoimento da jornalista Liliana Frazão Pereira, ex-assessora de imprensa da Procuradoria da República em Curitiba.

Uma nova tentativa de procrastinar

Mais uma vez, o que aparentemente pode sugerir um movimento em torno da ampla defesa do acusado, na realidade guardou sinais de mera procrastinação.

Afinal, em 20 de setembro, portanto quase dois meses antes, o relator do PAD no CNMP, conselheiro Bandeira de Mello Filho acatou o pedido da defesa e marcou o depoimento da jornalista, por vídeo conferência, para o dia 30 daquele mês. Seis dias depois, um e-mail do gabinete da chefia da Procuradoria da República do Paraná explicava que a servidora, em férias e com viagem marcada, não teria como atender à intimação.

Em despacho de 27 de setembro o conselheiro desistiu de ouvi-la alegando em síntese que “as testemunhas arroladas pela defesa não presenciaram os fatos e somente reproduziram impressões pessoais quanto à conduta do Procurador, o que vai de encontro ao que dispõe o art. 213 do CPP. Somado a isso, quando a defesa foi questionada se haveria diligências complementares a requerer, a resposta foi negativa“.

Também justificou a decisão com a questão da prescrição do processo: “Impende salientar que, naquele momento processual, o pedido extemporâneo de oitiva de testemunha arrolada pela defesa não causaria prejuízos ao normal andamento do feito. Contudo, o cenário processual sofreu modificações em virtude do transcurso do tempo e do ajuizamento de ações judiciais pela defesa. Por prudência, este Conselheiro Relator entende não ser plausível aguardar o retorno de férias da servidora, isto é, mais de 20 (vinte) dias”. E acrescentou:

Insta consignar que, na condição de julgador, destinatário final das provas produzidas, calcado no princípio da persuasão racional, concluo que os elementos da prova já produzidos são suficientes para a formação do meu convencimento, sendo despicienda a oitiva da testemunha, mormente pelo fato da defesa já ter adiantado em sua peça colacionada às fls. 699/790, que objetiva somente demonstrar a boa-fé do processado, por meio da oitiva da servidora, a qual confirmaria que a entrevista concedida à CBN tinha como “propósito abordar outros temas, e que foi tão-só em razão de uma pergunta descontextualizada de um jornalista que surgiu a discussão sobre o teor de decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal”.

Ou seja, em 27 de setembro a defesa já sabia que o conselheiro não mais ouviria a testemunha por conta das férias dela, da pouca importância que dava ao seu testemunho e da ameaça de prescrição do caso. Dallagnol e seus advogados poderiam ter recorrido disso imediatamente, mas só foram ajuizar a ação para impor o depoimento da jornalista no dia 11 de novembro, 31 dias úteis (ou 45 dias corridos) após Bandeira de Mello Filho abrir mão do testemunho. Algo que, sem dúvida, cheira a mera procrastinação.,

A decisão da 5ª Vara, como já se disse, acabou cassada por Fux, na última sexta-feira, dentro da Reclamação 38.066 interposta pela AGU, alegando mais uma vez a usurpação do poder do STF pelo juizado de primeiro grau, tal como o próprio ministro reconheceu anteriormente. Isto, aliás, foi destacado pelo conselheiro Bandeira de Mello no ofício dirigido à AGU. Ali ele expôs:

Parece-me, assim, que a defesa do acusado, mesmo já ciente do entendimento externado pelo Ministro Luiz Fux nos autos da Reclamação Disciplinar nº 37.840, utilizou-se mais uma vez do subterfúgio de acionar a primeira instância da Justiça Federal para buscar a suspensão do julgamento do feito, numa manobra que buscou se esquivar do cumprimento daquilo que determinara a decisão do STF.”

O “subterfúgio” apontado pelo conselheiro acabou sendo desmontado, sem que a defesa conseguisse, pela via judicial, adiar novamente o julgamento do mérito do PAD. Resta ao plenário do Conselho Nacional do Ministério Público encarar a questão e decidir se o procurador, como cidadão, apenas fez uso do seu direito de livre manifestação do pensamento ou, ao fazê-lo, extrapolou nos comentários, desrespeitando e ofendendo ministros da mais alta corte do país, o que significa a falta de decoro.

Aparentemente a decisão será tomada nesta terça-feira. A não ser que algum conselheiro resolva pedir vistas do caso, arriscando colocar no seu colo o risco da prescrição do processo. Medida que, sem dúvida, provocará a impunidade do procurador. Mas jamais lhe retirará a pecha de ter fugido do julgamento que, em última análise, pode até lhe absolver.

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