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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

23
Set22

CENSURA (galeria de charges) Desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti manda apagar reportagens sobre imóveis dos Bolsonaro

Talis Andrade

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A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Justiça de Brasília censurou reportagem do UOL sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos.

Uma liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, determinou que o UOL retire do ar duas reportagens e postagens em suas redes sociais com menção às reportagens. O UOL cumpriu a decisão, mas vai recorrer.

"A decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos", diz a advogada Mônica Filgueiras Galvão.

A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.

A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.

Em sua decisão, o desembargador Gomes Cavalcanti argumenta que a reportagem cita dados de investigação do MP (Ministério Público) do Rio que apontaram o uso de dinheiro em espécie em 17 compras realizadas pelos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL) Carlos e Flávio. O MP aponta o uso de dinheiro do esquema da rachadinha na compra dos imóveis.

Parte dos dados desta investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por isso, a investigação está sendo refeita pela PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) do Rio.

No entendimento do desembargador Gomes Cavalcanti, por conta disso, os dados não poderiam ser citados em reportagem, mesmo que sejam verídicos e tenham tido origem e status de uso em processo judicial informados no texto publicado pelo UOL.

Em sua decisão, o magistrado desconsiderou o dever da imprensa de informar e o direito da sociedade à informação de interesse público.

"Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento", argumentou o desembargador.

Para o magistrado, a continuidade de divulgação das reportagens pode trazer a Flávio e também ao presidente Jair Bolsonaro, que concorre à reeleição, "prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".

Ele determina que as reportagens e as menções a ela em redes sociais do UOL sejam apagadas até o julgamento do mérito do caso.

No entendimento do magistrado, o pedido preenche requisitos para concessão de tutela provisória (medida urgente do Judiciário para proteger um direito ameaçado), previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil.

Demetrius Gomes Cavalcanti também determina que conteúdo associado à reportagem seja apagado das redes sociais da colunista do UOL Juliana dal Piva, que assina a reportagem com o colunista do UOL Thiago Herdy.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) "vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos". "Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas", diz Katia Brembatti, presidente da associação.

 

Judiciário havia rejeitado censura

 

Na segunda-feira (19), o juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, havia rejeitado a censura à reportagem, solicitada pelos advogados de Flávio. Na ação, eles também alegavam que os jornalistas praticavam crimes de calúnia e difamação, hipótese negada liminarmente pelo juízo.

No caso de crimes contra a honra, a lei determina que a iniciativa de pedir a abertura de processo é da parte que alega ter sofrido a ofensa. O Ministério Público é chamado a se manifestar sobre o recebimento ou não da denúncia, cuja aceitação marca o início do processo.

Na última sexta (16), o promotor Marcos Juarez Caldas de Oliveira se manifestou pelo não recebimento da queixa-crime oferecida pelo senador, por considerar que não havia indícios de crimes de calúnia e difamação nas reportagens publicadas pelo UOL.

"Após análise da matéria veiculada, verifica-se que não restou demonstrada a prática dos delitos de calúnia e difamação; o conteúdo jornalístico não apresentou ofensa à honra e à dignidade do querelante", escreveu o promotor.

"É cediço que para a configuração de crime de calúnia é imprescindível a imputação de fato criminoso falso, o que nitidamente não ocorreu no presente caso. No que concerne ao crime de difamação, observa-se que os jornalistas limitaram-se a noticiar fatos e a informar situações que foram objetos de investigação pelo Ministério Público", detalhou o representante do Ministério Público.

 

Entenda o caso

 

O UOL revelou que a família do presidente adquiriu metade do patrimônio com o uso de dinheiro vivo. Dos 107 imóveis adquiridos pelo presidente, seus filhos, ex-mulheres e irmãos desde os anos 1990, em 51 deles as aquisições foram feitas total ou parcialmente com o pagamento em dinheiro.

Conforme as escrituras, os 51 imóveis custaram, em valores da época, R$ 13,5 milhões. A parte apenas em dinheiro vivo destas transações é de pelo menos R$ 5,7 milhões, ainda em valores da época. Se corrigidos pelo IPCA a partir da data da compra de cada imóvel, este valor equivale a R$ 11,1 milhões apenas em dinheiro vivo, de um valor total de R$ 25,6 milhões.

Não é possível saber a forma de pagamento de 26 imóveis, que somaram pagamentos de R$ 986 mil (ou R$ 1,99 milhão em valores corrigidos) porque esta informação não consta nos documentos de compra e venda. Transações por meio de cheque ou transferência bancária envolveram 30 imóveis, totalizando R$ 13,4 milhões (ou R$ 17,9 milhões corrigidos pelo IPCA).

Até a mãe de Bolsonaro, Olinda, falecida em janeiro deste ano, aos 94 anos, teve os dois únicos imóveis adquiridos em seu nome quitados em espécie, em 2008 e 2009, em Miracatu, no interior de São Paulo. Um cunhado do presidente pagou em 2018 R$ 2,6 milhões na compra de um imóvel em Cajati (SP), pago em dinheiro vivo. Entre os imóveis comprados com dinheiro vivo pela família, estão lojas, terrenos e casas diversas.

Atualmente o Senado Federal discute projeto de lei que sugere a proibição do uso de dinheiro em espécie para transações imobiliárias, como forma de prevenir operações de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio.

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24
Mar22

Lenio Streck explica epistemologia no combate à desinformação

Talis Andrade

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Em aula do Curso de Formação de Agentes de Combate à Desinformação, organizado pela Rede Conecta, da Universidade Federal Fluminense (UFF) — ministrada no último sábado (12/3) e transmitida pelo YouTube —, o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, abordou a importância da epistemologia para o combate à desinformação.

Lenio definiu a epistemologia como o modo de se "explicar como se explica", ou explicar porque as coisas têm uma explicação (um sentido). Por outro lado, a desinformação é o senso comum alimentado pela alienação.

"A desinformação relacionada à Ciência e os desafios para enfrentá-la" foi tema da aula da professora Thaiane Moreira De Oliveira, doutora em Comunicação Social, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e Coordenadora do Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação (CiteLab). Ela é Membro Afiliado da Academia Brasileira de Ciências. Pesquisadora do INCT em Estudos Comparados em Administração de Conflitos e da Cátedra Unesco de Políticas para o Multilinguismo. Ela também é Superintendente de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.

Informações estão disponíveis por todos os lados, especialmente na internet. Streck questionou: por que, então, o número de desinformados cresce? De acordo com ele, porque a informação não é convertida em conhecimento.

Assim, nós precisaríamos dos cientistas para efetuar tal procedimento: transformar a informação em conhecimento; o conhecimento em saber; e o saber em sabedoria — a antítese máxima da informação.

A desinformação, segundo Streck, é movida por informações que não passaram por esse processo, ou seja, que não são conhecimento. A informação pode, portanto, virar desinformação. Assim, a epistemologia é uma ferramenta essencial no direito fundamental à informação.

Para Streck, se a informação fosse suficiente, ninguém precisaria assistir uma aula, por exemplo. Afinal, a informação está disponível para todos em um simples clique.

Outro exemplo citado pelo jurista foi a "lava jato". A força-tarefa de Curitiba tentou vender uma narrativa de heroísmo. Mas depois, "cavando por trás, 'deslendo' o fenômeno, eu descubro que a 'lava jato' foi uma fraude, que na verdade causou um grande prejuízo", assinalou Streck.

"As desleituras vão fazer com que o fato compreendido com conhecimento, saber e sabedoria possa se nos apresentar como algo bem diferente do que nos é vendido pelos veículos, pela mass media, ou por um processo alienante no qual nós estamos inseridos", ressaltou.

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11
Jul21

O fascismo das redes

Talis Andrade

 

por Miguel Paiva

- - -

Desde que a internet e as redes sociais tomaram conta das relações e da informação muita coisa mudou, para o bem e sobretudo, para o mal. Mas como não há mal que não possa piorar, vamos prestar atenção no poder de sedução das redes. A primeira coisa que se nota é a demonização da política. Todos os políticos são corruptos, eles dizem, não me representam e o que eu quero eu digo diretamente na internet. Só que não é bem assim. A sociedade organizada não é e nem deve ser a casa da mãe joana. Se acabarmos com a política em troca da chamada política direta através de referendum a primeira consequência seria o esmagamento das minorias, é claro. A democracia, política de todos, visa justamente igualar essas forças, pelo menos na teoria. Não é o ideal, mas é o melhor que temos para hoje.

O lado bom é que a informação foi democratizada, a vigilância aumentou e cada um é capaz de cumprir o papel de defensor da democracia publicando as denúncias das ameaças à ela. Mas tudo que é publicado deve ser comprovado. A internet não facilita essas confirmações. Por isso precisamos sempre desconfiar. Ouvir, mas tentar comprovar.

Até aí, tudo bem, mas não é isso que essa direita perversa e violenta deseja para o país e com isso acaba iludindo a população com suas teorias fascistas de liquidação. Chamando todos os políticos de corruptos e a corrupção, o roubo, é o maior pecado de todos, fica fácil estabelecer outras regras ilusórias de fazer valer a voz das pessoas. A meritocracia vem diretamente ligada a esta ideia. Não tendo mais democracia como a conhecemos fica estabelecido então que só os mais fortes terão vez e voz. Quer vencer na vida? Faça o que puder e o que conseguir mesmo que você não tenha nascido com condições, não tenha estudado numa escola decente, tenha comido e se cuidado. Problema é seu, diriam eles como diziam os fascistas.

Para isso é importante antes de tudo controlar a imprensa, fortalecer a polícia e criar uma propaganda oficial que alimente esta imagem. Parece com o que estamos vivendo? Vocês acham? Imagina! Este governo é democrático, foi eleito legalmente. Esta é a primeira das mensagens enganosas que o departamento de propaganda quer passar. Inicialmente, as eleições passam longe de terem sido justas. Tivemos infinitas informações sobre o modus operandi dos eleitos no encaminhar da eleição. Notícias falsas disparadas ilegalmente, compra de votos, propaganda enganosa e outras mumunhas. 

Chegando ao governo o trabalho é só estabelecer as novas regras. Propaganda sempre comendo solta começam a interferências. Combate às minorias, desmonte da cultura e das conquistas sociais, fortalecimento das forças repressivas, criação de uma imagem imaculada de honestidade e sobretudo uma moral ilibada e religiosa que seduz a população carente de ideias mais nobres. 

A corrupção é uma peça chave nessa propaganda. Não roubar é o mandamento mais respeitado dos dez que a igreja católica estabeleceu e que acabaram sendo as “regras de convivência” da nossa sociedade. Mexer com a propriedade privada, tirar o que é do outro pelo outro é o pecado maior. Você até pode tirar o seu, meter a mão na cumbuca, tirar vantagem, pegar escondido. Mas o outro tirar do outro é pecado mortal. Político tirar da população é moralmente o crime maior. E é mesmo, diria eu, mas não só este crime é pecado mortal. Os outros que o fascismo carrega também são. Perseguir minorias, criar e alimentar preconceitos, favorecer privilégios, acabar com a cultura, a informação e a liberdade também. Mas isso parece que não conta muito para a população desinformada. 

Cultura é coisa de artista dizem eles, equivocadamente, esquecendo que tudo o que fazemos vem da cultura que consumimos. Minorias que se cuidem que por mais que eu tolere os gays, diriam eles, prefiro que meu filho seja um bandido. Esse é o pensamento que cola, que vinga e a democracia, com seu sistema eleitoral que aqui no Brasil conseguiu se aprimorar com o voto eletrônico, passa a ser uma ameaça para esse pensamento. Mas, por enquanto, os ameaçados somos nós que acreditamos na democracia e no voto, no caso, eletrônico. 

Querer voltar ao voto impresso é o primeiro passo para acabar com as eleições. Tudo que é impresso, assim como os livros, é passível de ser rasgado ou queimado como gostam os fascistas e nazistas.

Vamos prestar atenção nessa falsa democracia que eles querem estabelecer. O voto existe justamente para tentar equilibrar as forças. Nada mais democrático.

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24
Mai20

A PF não mudou. Apenas dirige o “show’ da direita

Talis Andrade

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por Fernando Brito

Manchete da Folha de S. Paulo, Italo Nogueira e Camila Mattoso contam que a defesa de Fabrício Queiroz soube, antecipadamente, de um inquérito da Polícia Federal que o tinha como investigado, em agosto de 2019.

Leia-se, portanto, que Bolsonaro e sua família foram, direta ou indiretamente, inteirados do “pepino” que havia no inquérito sigiloso.

O “pequeno detalhe” é que a direção da Polícia Federal deste vazamento é a mesma da Polícia Federal de outubro de 2018, quando o clã bolsonarista foi avisado para demitir Queiroz e a filha.

Em tese, portanto, da confiança do diretor geral Maurício Valeixo e, portanto, de Sérgio Moro.

Não há provas de quem seja o “vazador”, sob as ordens de quem agia e qual o grau de confiança que tinha dos seus chefes, na PF e no Ministério da Justiça.

Mas há elementos para ser compreendido – para quem não havia ainda entendido até agora – que é mais do mesmo uso político da Polícia Federal, servindo a Bolsonaro como servia a Sergio Moro, para promover ou destruir reputações políticas.

A Polícia Federal, até com filme heroico, santificou Moro, mas seu Deus é a direita e Bolsonaro seu mensageiro.

É o castigo dado a um país – como fez a Itália com os promotores da Manu Politi – que entregou ao policialismo os seus destinos políticos.

Informação, poder e a fantasia moralista são a estrada pela qual, seja polícia ou milícia, em nome da lei e da ordem, chega ao poder e à tirania.

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23
Mai20

Vulgaridades e golpismos à parte, Bolsonaro safou-se e Moro estrepou-se

Talis Andrade

 

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por Tereza Cruvinel

- - -

Em algum momento eu disse que Sergio Moro havia vendido pastel de vento com suas acusações a Jair Bolsonaro. Mas veio a novela do vídeo, e nele podia haver alguma almôndega. Para o desfecho do inquérito que investiga a denúncia de Moro e em tese poderia levar a uma denúncia por crime comum contra Bolsonaro, não havia.  Os trechos realmente importantes sobre interferência na PF já haviam sido divulgados pela AGU.  Agora, no conjunto, o vídeo é um retrato aterrador do governo, desnudando a vulgaridade de alguns, a boçalidade e o sabugismo de outros, o gosto pelo insulto e a tentação golpista de Bolsonaro em sua forma pura, porque externado na intimidade, quando ele revela que pretende armar o povo em nome da liberdade, mas sugerindo resistência ao isolamento social e a determinação dos governadores e prefeitos.

Sobre interferência na PF, o trecho mais importante já fora divulgado pela AGU, e uma frase dele eu mesma publicara em primeira mão aqui. É aquele em que Bolsonaro diz: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.”  Ele ameaça interferir em todos os ministérios, exceto na Economia, e diz que os serviços de informação “são uma vergonha”.  Mas ele diz que “o meu particular funciona”. Que serviço de informação privado é este? Isso vai gerar questionamentos.

No conjunto, a fala confirma que Bolsonaro queria interferir na PF, como de fato interferiu ao trocar o diretor-geral, que era Maurício Valeiro, por Alexandre Ramagem, que antes mesmo de nomeado já convidara o superintendente no Rio, Carlos Henrique,  para assumir outro cargo em Brasília. Com a posse de Ramagem barrada pelo STF, seu substituto, Rolando Alexandre, concluiu a troca na seção fluminense. Mas a fala não prova que Bolsonaro tinha um interesse específico na PF do Rio, como arquivar determinado inquérito, embaraçar uma investigação ou coisa parecida. Claro que ele tinha e tem interesse em proteger Flavio Bolsonaro e evitar qualquer investida da PF contra filhos e amigos, como disse.  Mas o vídeo não traz prova de que fez isso, com força jurídica, e assim  o procurador-geral da República  não deve apresentar denúncia e pedir o arquivamento do inquérito. É pule de dez.

Logo, a retirada do sigilo do vídeo, embora devastadora para a imagem do governo,  foi boa para Bolsonaro quanto ao inquérito,  e deixou Sergio Moro na chuva.    Sujeito, inclusive, a responder por denunciação caluniosa. Os novos aliados  que Bolsonaro está comprando no Centrão, com a entrega de cargos com orçamentos bilionários à escória do fisiologismo e mesmo da corrupção, respiraram aliviados. Vão continuar negociando e vão se dar bem. O inquérito e o isolamento levou Bolsonaro para o balcão.  Não havendo denúncia do STF, o preço do apoio se estabiliza. Se vier um pedido de impeachment, o preço sobe. Bom para eles também.

Mas, de resto, o vídeo é um espetáculo de cafastagem e do desinteresse do governo pelo que realmente castiga a população neste momento, a pandemia que já levou mais de 20 mil pessoas. Exceto pela fala do ex-ministro Teich, que era um peixe fora d’água (assim como Moro, que mal aparece no elenco), não se viu ninguém puxar o foco para a pandemia, que em 22 de abril já estava com a curva ascendente no país.

A rigor, nesta reunião os ministros quiseram mostrar serviço ou falar de suas ações setoriais, ao passo que Bolsonaro pediu que eles não se limitassem a fazer seus deveres de casa, mas que partissem para a luta política, defendendo o governo e suas bandeiras e partindo para cima dos adversários que são insultados com gosto. Witzel é chamado de estrume, Dória de bosta, assim como o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. Quem não se alinhar inteiramente, foi o recado, que procure outro rumo.

Um dos trechos mais preocupantes é aquele em que Bolsonaro declara que seu objetivo é mesmo armar a população, alegando que isso seria para evitar um golpe. Mas de quem? Quem pode dar golpe é ele, e nesta sexta-feira mesmo tivemos o general Heleno ameaçando com uma reação “de consequências imprevisíveis” caso os celulares de Bolsonaro e seu filho Carlos fossem requisitados para perícia. O que o ministro Celso de Mello fez foi seguir o rito jurídico de encaminhar ao Procurador-Geral da República queixas-crimes que pediam esta providência.

Bolsonaro diz a certa altura, que vai escancarar ali a questão do armamento da população: “Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado. E que cada um faça, exerça o teu papel. Se exponha.”

E ainda, falando dos adversários:

 

“O que esses filha de uma égua quer, ô Weintraub, é a nossa liberdade. Olha, eu tô, como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. E se eu fosse ditador, né? Eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado quando queriam, antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí, que é a demonstração nossa, eu peço ao Fernando (Fernando Azevedo, ministro da Defesa) e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje e que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não da pra segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais.”

Existe uma enorme gravidade nisso. Ele sugere que o povo armado não aceitaria calado as imposições de distanciamento social. “O povo tá dentro de casa”. Quis dizer que, se estivesse armado, poderia sublevar-se contra as autoridades. Isso é incitação contra a ordem constituída.  Isso não tem nada a ver com o inquérito sobre denúncias de Moro, mas pode gerar reações.  Armando o povo, contando com as polícias e as milícias...sem falar nas Forças Armadas, onde ele pode chegar?  Nosotros é que devemos temer a ditadura.

Há muito o que pescar ainda no conjunto do vídeo mas o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não pode passar sem o destaque de sua fala de “militante”, como se definiu:  “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF.” Pode ter que responder por isso.

As falas sobre outros países foram cortadas mas a tesoura não alcançou uma passagem do chanceler Ernesto Araújo, que pode gerar reação da China:

“O que  que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., né? “

Liturgia, decoro e dignidade do cargo passaram longe dos ministros e de Bolsonaro.

 
31
Mar20

Os jornais são sempre mais pudicos do que qualquer obscena fantasia

Talis Andrade

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Por Maíra Vasconcelos/ GGN

E hoje, ao ler os jornais, percebi que a ficção está muito longe de qualquer palavra informativa e muito próxima de todas as realidades

 

Hoje, ao ler os jornais, percebi, mais uma vez, a impossibilidade de se fazer qualquer leitura das realidades e dos fatos sem o uso da ficção. Meu Deus. Como seria raso o entendimento do mundo sem a fantasia, seria tudo tão resumido como não é a própria vida. Quem diz e aponta o inconfessável da humanidade? Ora, apenas a ficção de qualquer arte. Mundo vive milésima pandemia e continua sem entender o valor da vida, diria uma não-notícia.

Afinal, diante de um comportamento aberrante, os jornais estão restritos a nada mais do que interrogar as autoridades públicas. Presidente, o senhor não se preocupa com as mortes, perguntariam os jornais. Enquanto a fantasia escreveria uma novela inteirinha para destrinchar o que simplesmente chamaria de horror. No Brasil, vírus já matou 159 pessoas, sendo 22 em um só dia, e mais de 4.500 estão infectadas.

E os jornais, mais uma vez, apenas escutariam o presidente: sabe qual é o problema? é você achar que ninguém irá morrer, quando todo dia morre alguém no mundo, e essas mortes ajudam no controle populacional, motivam a economia; não se pode pensar que toda morte é ruim, disse o presidente. Isso que a fantasia jamais escutaria sem transformar e evidenciar sua face humanamente monstruosa. Afinal, o desumano é muito humano, diria outra não-notícia.

E hoje, ao ler os jornais, percebi que a ficção está muito longe de qualquer palavra informativa e muito próxima de todas as realidades. Assim como tão longe e tão perto está das páginas de qualquer jornal o horror daquela face da guerra, de Salvador Dali. Ora, a pregação da morte não é uma irrealidade. Mas onde já viu uma pintura de Dali ser manchete de jornal, como se descrevesse a cara de um presidente? Afinal, jornais são sempre mais pudicos do que qualquer obscena fantasia.

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