Festival do Rio exibe "Tekoha", curta que potencializa ao máximo filmagens do povo guarani-kaiowá de massacres sofridos por eles
por Carlos Alberto Mattos
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No curtaTekoha, já exibido no último É Tudo Verdade e agora no Festival do Rio, o cineasta Carlos Adriano ilustra as duas principais vertentes de sua carreira recente: a manipulação do acervo cinematográfico universal e o libelo político.Tekoharecorre a material indígena. Uma tomada de cerca de três minutos, feita por guarani-kaiowás de Mato Grosso do Sul, é desmembrada pelo cineasta de maneira a ressaltar a violência do incêndio provocado por seguranças de fazendeiros numa casa da Reserva de Dourados. As repetições de fragmentos, interrompidos bruscamente, potencializam a sensação de terror e a agressão aos indígenas – efeito que o fluxo normal da imagem possivelmente não chegaria a provocar. Outros registros de ataques noturnos com armas de fogo no mesmotekoha(território) e a imagem de uma casa de reza do povo guarani-kaiowá em chamas adensam ainda mais essa breve e resoluta acusação ao atual governo federal, que estimula o desalojamento e a violência contra indígenas. O filme segue a linha mais frontalmente política do realizador, que gerou o premiadoO Que Há em Ti, dois anos atrás. A moldura deTekoha, porém, pode-se dizer que é de esperança na sobrevivência. Na epígrafe, um texto de Ailton Krenak fala em resistência a “esse mundo utilitário”. No epílogo, poemas-cantos guarani-kaiowás anunciam “Pássaro – vamos adornar-nos novamente”.
Justamente indignado com a recusa desse curta pela comissão de seleção do Fórum DocBH, Carlos Adriano me enviou esse texto que tem lido nas sessões do filme onde está presente:
"Os guarani-kaiowá habitam o Mato Grosso do Sul, estado onde mais se matam indígenas no mundo. Sobre o genocídio dos guarani-kaiowá pesa o mais estrondoso silêncio.
O cinepoemaTekohatraz vídeos dos próprios guarani-kaiowá documentando atrocidades contra sua existência. São imagens e sons arrancados do inferno, de um inferno aqui na terra, de um inferno que há no brasil.
Esses vídeos são tecnicamente frágeis; foram tomados na hora do horror, da catástrofe. São testemunho do genocídio contra os indígenas, genocídio que virou política oficial do estado brasileiro desde as eleições de 2018. Esses vídeos são como vestígios. O vestígio supõe uma destruição e ao mesmo tempo uma sobrevivência, uma resistência.
Vestígios são como os vagalumes de Pasolini, que faria 100 anos em 2022 se não tivesse sido brutalmente morto pelos fascistas da Itália em 1975. Como foram brutalmente mortos pelos fascistas do brasil de 2022: Genivaldo de Jesus Santos, Moïse Kabagambe, Suzy Severino da Silva, Dom Philips, Bruno Pereira, e os guarani-kaiowá Alex Lopes, Vitor Fernandes, Márcio Moreira e Vitorino Sanches, além de tantos outros anônimos que não viraram notícia nem estatística.
Reciclando em outros termos o que Godard citou em suasHistórias do Cinema, acho que reciclado de Walter Benjamin, eu diria: o apagamento do genocídio faz parte do genocídio.
Carlos Adriano"
>>Tekohapassa na sexta, 14/10, às 18h30, no Estação Net Gávea 3 e no sábado, 15/10, às 16h30, no Estação Net Rio 5.
Para estes dias que antecedem a maior eleição do Brasil, divulgo o capítulo pós-escrito que publiquei na edição norte-americana do romance “A mais longa duração da juventude”. Nas últimas páginas da tradução de Peter Lownds , “Never-Ending Youth”, acrescentei estas linhas:
Os cartazes tomam conta da cidade nos últimos tempos.
“Parem o incêndio das florestas no Brasil”
“Queremos vacinas!”
“Fora desprezo pelas mortes do coronavírus”
“Fora, Bolsonaro”
Eu os vejo e penso. Todos os militantes socialistas do Brasil, nos anos da ditadura, jamais esperaram completar a idade que agora atravessamos ao ver os protestos que voltam às ruas e aos quais voltamos. Antes, a morte estava ali, aqui, já, hoje ou logo amanhã de manhã. As prisões, torturas e assassinatos de companheiros se sucediam, e chegavam cada vez mais perto de nós mesmos, dos camaradas da última sexta-feira de carnaval. Por que nos poupariam o fim? Daí que vivíamos todos sob alta tensão. Daí que vivíamos todos como se ganhássemos as últimas horas do último dia. Mas sobrevivemos, só Deus e o Diabo sabem como.
Agora, sob um governo fascista, problemas que julgávamos resolvidos voltam à tona. O que será dos nossos direitos? O que será do trabalho dos nossos filhos? Haverá um mundo digno do nome para as novas gerações? Para essas perguntas bem sabemos a resposta: vamos à luta, não podemos submergir em um mar de angústia e desesperança. O problema é que no contexto geral desse fascismo vêm as perguntas particulares para a nossa idade: como podemos encarar o futuro? Que planos faremos? Que perspectivas temos?
Para quem atinge além dos 70 anos, o futuro a ser vivido é curto, pode até nem atingir o fim deste dia. Nesse aspecto, é uma repetição dos anos de ditadura, em inesperada semelhança. No entanto, a resposta hoje é bem diferente daqueles dias. Hoje, devemos encarar o futuro sem lhe destacar o prazo certo, pequeno de tempo. Para o breve futuro caminhamos na certeza de que até o fim viveremos com a força do que sabemos fazer e acreditamos. Ateus, materialistas, não teremos o céu depois da morte. O céu é nosso trabalho, aqui, agora, de hoje até o último segundo. O inferno é negar o que temos de melhor em nossa alma, porque de ideias e sentimentos somos feitos.
Mas que planos faremos? Para tão curto espaço de horas o plano é amar, beijar as pessoas, dizer-lhes o que nunca lhes dissemos, porque temos a consciência do próximo mergulho que não projetamos. E trabalhar, e trabalhar, e trabalhar para realizar o melhor que somos. Admitamos, esse é um grande plano. Pois devemos dividir e multiplicar as lições que acumulamos. Queremos aquele alto que Joaquim Nabuco expressou tão genial em seu fim:
– Doutor, tudo, menos perder a consciência!
Se perdemos a consciência, já não somos. E quando a perdermos, não seremos. Não deve haver lágrimas para um corpo inútil corpo, sem identidade. Então o plano é ser, o ser pleno, o plano é pleno. Até onde possamos sorver a plenitude.
Mas que perspectivas temos? Daqui onde estamos, nesta hora, que olhar podemos lançar para o porvir? Uma resposta está no que vimos há pouco, nas linhas anteriores.
A resistência, que é vida, se faz na brevidade pelas ações e trabalho dos que partiram e partem. Mas nós, os que ficamos, não temos a imobilidade da espera do nosso trem. Nós somos os agentes dessa duração, o trem não chegará com um aviso no alto-falante, ‘atenção, senhor passageiro, chegou a sua hora’. Até porque talvez chegue sem aviso, e não é bem o transporte conhecido. O trem é sempre de quem fica. E porque somos agentes da duração, a nossa vida é a resistência ao fugaz.
Por isso a nossa mais longa juventude protesta nestes dias. Voltamos às ruas, voltamos à luta, aqui, agora, em palavras, em ações e arte, de todas as maneiras. Canta de novo para todos nós, ó Ella Fitzgerald! Estamos voltando.
Na segunda punição em poucos dias, o Conselho da Polícia Civil de São Paulo aprovou na semana passada a demissão do delegado Paulo Bilynskyj pela difusão nas redes sociais de mensagens que fazem apologia aos crimes de estupro e racismo. Pouco antes, o policial teve a sua arma apreendida após postar um vídeo em que aparece atirando, atacando a esquerda e convocando seus seguidores a participarem dos atos golpistas de apoio ao fascista Jair Bolsonaro no 7 de Setembro.
No caso do pedido de demissão, a postagem criminosa faz parte do material promocional dos cursos online ministrados pelo delegado. Ela usa imagens de uma moça branca sendo carregada por homens negros e, na legenda, frases do tipo que a “situação fica preta” para quem não se prepara adequadamente para concursos.
Criminoso é candidato a deputado pelo PL
“A demissão, proposta pela Corregedoria, foi aprovada pelo Conselho na semana passada. O processo administrativo com a decisão foi enviado à Secretaria da Segurança e, agora, deve seguir para o governador Rodrigo Garcia (PSDB), quem tem a palavra final de exonerá-lo”, informou a Folha nesta sexta-feira (29).
O jornal lembra que “Paulo Bilynskyj, que tem mais de 700 mil seguidores nas redes sociais, está afastado das funções para concorrer a deputado federal pelo PL... De acordo com integrantes da cúpula da segurança paulista, a punição ocorre porque, em maio de 2020, Bilynskyj publicou um vídeo nas redes sociais, pela Estratégia Concursos, com conteúdo considerado ilegal”.
Cortar na carne para servir de exemplo
“O ouvidor da Polícia de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, disse que a decisão é um exemplo a ser seguido pelas polícias de todo o país e por outras instituições... ‘Precisa cortar na carne, mesmo, para mostrar para todo mundo, para toda a sociedade, que a população negra é merecedora de respeito. A população negra não pode ser aviltada em sua dignidade’, afirmou”.
Segundo delegados que participaram da reunião do Conselho, a recomendação pela demissão foi aprovada por unanimidade. Teria pesado na decisão um histórico de problemas disciplinares do policial bolsonarista. “O delegado ganhou espaço no noticiário em 2020, quando a sua então namorada, Priscila Barrios, disparou seis vezes contra ele. Investigações posteriores concluíram que ela se matou com um tiro no peito após ter atirado contra o namorado, por conta de questões amorosas entre eles”.
Ato golpista do 7 de Setembro
Já no caso da retirada da arma e do distintivo do delegado, a decisão foi tomada logo após a divulgação do vídeo convocando os seus seguidores para o ato golpista no Dia da Independência. “A Corregedoria da Polícia Civil fez a solicitação e o delegado-geral, Osvaldo Nico Gonçalves, concordou com a medida nesta quinta-feira (28). Ele ficará sem a arma e o distintivo até a conclusão das investigações”, relata o site UOL.
“Nos vídeos, Bilynskyj, que também é instrutor de tiro, publica fotos em que aparece com a bandeira do Brasil sobre os ombros, segura um fuzil e diz que seu plano é ‘lutar com toda força para que não dê merda’ nas eleições, em referência a possível vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)... Em vídeo mais recente, ele aparece em um treinamento de tiro disparando contra alvos. A gravação é uma resposta a um seguidor que perguntou se ele participará do 7 de setembro de Jair Bolsonaro e sobre um ‘possível ataque’ no dia. O delegado escreveu que estará lá e classificou como ‘fracote’ quem não comparecer”.
A direita insana
Cinco personagens expõem a miséria atual da vida política nacional e apontam para a conformação de uma nova extrema-direita com ideias sem pé nem cabeça e um desejo incontido de violência e lacração
CIRCO DE HORRORES À frente da passeata do 300 do Brasil, Sara Winter carrega uma tocha e tenta parecer assustadora (Crédito: WALLACE MARTINS)
Vicente Vilardaga e Fernando Lavieri /Istoé
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Seria ridículo se não fosse trágico. A manifestação noturna montada na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo autodenominado grupo 300 do Brasil, liderado pela ativista bolsonarista Sara Winter, ficará marcada pelo esvaziamento e falta de importância. O protesto serviu para espernear contra o relator do inquérito das fakenews, o ministro Alexandre de Moraes, atual inimigo número 1 dos radicais, a quem Sara chamou de “arrombado”. Mas o que pretendia ser uma grande ameaça direitista parecia um teatro ordinário, cheio de jovens grã-finos carregando tochas ou usando máscaras do personagem Jason, num clima de falsa Ku Klux Klan. Para um grupo que diz ter 300 participantes juntar apenas 30 almas penadas no protesto é, no mínimo, uma vergonha. O que não surpreende porque essa nova extrema-direita brasileira é absurda e sem vergonha. Esses grupos radicais que ganham forma agora no Brasil misturam símbolos neonazistas, fascistas, supremacistas e autoritários de um modo geral, falam muito palavrão e querem se assentar no poder. O ídolo momentâneo é o ditador Benito Mussolini, citado por Bolsonaro numa postagem. É um pessoal que toma leite, precioso líquido dos extremistas, para ser afirmar ideologicamente. Apesar do leite, cultivam a aparência de malvados e o poder dissuasivo. Exibem armas e, obviamente, todos defendem um golpe militar.
Sara Winter ou Sara Fernanda Giromini, 27, que começou sua vida pública atuando como agitadora feminista, defendendo o direito ao aborto e ao topless, é um dos exemplos mais bem acabados desse novo extremismo. Ela era libertária, foi uma das fundadoras do grupo Femen Brasil, mas diz que, em 2014, após sofrer um aborto, decidiu mudar de lado e passou a rezar pela cartilha da extrema-direita. Convertida ao cristianismo, diz-se defensora da família tradicional brasileira, luta contra a discussão de gênero, as drogas, a doutrinação marxista, a jogatina e a prostituição.
Gosta de exibir armas e se mostrar agressiva e desbocada. Hoje é uma das apoiadoras mais ferrenhas do presidente Jair Bolsonaro, tem um cargo no governo e comanda os 300 do Brasil. Parte dos membros do grupo está alojada em Brasília num acampamento situado no núcleo rural Rajadinha, entre Paranoá e Planaltina. A propriedade foi escolhida por cumprir o objetivo de dificultar a aproximação de estranhos e evitar olhares curiosos. Sara foi um dos alvos da operação da Polícia Federal que investiga as fake news, sob ordens do ministro Alexandre de Moraes. Nas redes, Sara divulgou vários impropérios e palavrões contra o ministro e a PF e disse que se recusará a depor.
Em sua cruzada para promover torturadores e fascínoras, Bolsonaro postou uma citação de Mussolini no Twitter em que convoca a população a morrer lutando pela liberdade
Tiros nos antifascistas
Outro expoente dessa onda extremista é o deputado estadual Daniel Silveira (PSL-RJ), que ao longo da semana disse, numa transmissão pelo YouTube, que estaria disposto a atirar em manifestantes antifascistas se houvesse um enfrentamento. Ex-policial, Silveira é conhecido por ter sido filmado quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL) nas eleições de 2018. Também é alvo da mesma operação da PF que atingiu Sara Winter. Nos últimos meses se tornou muito ativo no YouTube e depois dos protestos de domingo publicou vários vídeos que mostram muito bem o espírito da nova extrema direita. Em um deles chamou os participantes de um protesto antifascista que aconteceu, domingo 31, na Praia de Copacabana, de “vagabundos” e, em outro, ameaçou se dirigir ao grupo, declarando a um policial do isolamento que estava armado. “Eu vou lá. Vamos ver se eles são de verdade. O primeiro que vier eu “cato”. Aí fica a lição. Eu queria ir lá pegar um, po. Deixa eu pegar um, caralho”, disse Silveira. Mais tarde, o deputado afirmou que não estava ameaçando ninguém, mas que considerava uma “hipótese plausível, factível” a de que poderia usar uma arma para se defender de manifestantes.
A mulher do porrete
Representante de destaque dessa nova turma da extrema-direita é Cristina Rocha Araujo, também apoiadora fervorosa de Bolsonaro. Ela ficou conhecida, no domingo 31, porque portava um taco de beisebol durante uma caminhada contra a democracia na Avenida Paulista. Acabou retirada da manifestação pela Polícia Militar. “Senhora, por favor, vamos para lá”, disse o agente de segurança, enquanto encaminhava a bolsonarista para o grupo de simpatizantes do mandatário. “Eu não tenho medo, vim para a guerra”, responde ela. Além do porrete, no qual estava escrito Rivotril, um remédio ansiolítico, a manifestante levava no rosto uma máscara com a bandeira dos Estados Unidos, e se dizia com vontade de “enfiar o bastão nas pessoas que estavam criticando o presidente”. Ela se diz filha de um general e amiga do general Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército e um dos articuladores da campanha de Bolsonaro à Presidência. Ela trocou insultos e xingamentos com manifestantes a favor da democracia, que naquele dia estavam representados pelas torcidas organizadas dos principais times de futebol de São Paulo.
O amigo do filho 03
Também chama a atenção nessa nova extrema-direita o delegado da Polícia Civil de São Paulo, Paulo Bilynskyj, 33. Ele foi baleado em 20 de maio, por sua namorada, a modelo Priscila Delgado de Bairros, 27, após discussão e briga do casal, dentro do apartamento em que viviam juntos, em São Bernardo do Campo. O delegado ficou internado durante treze dias na UTI do Hospital Mário Covas, em Santo André. Bilynskyj, que era instrutor de tiro e dava aulas a Priscila, contou que a namorada teria ficado furiosa, enciumada, após ver uma troca de mensagens entre ele e uma ex-namorada. Na versão do delegado, a modelo teria disparado seis tiros contra ele e depois se matado com um tiro no peito. Porém, a investigação continua correndo e nenhuma possibilidade é descartada: feminicídio, homicídio e legitima defesa. Os dois se conheceram em 2019, e desde abril estavam morando juntos. Declaradamente bolsonarista, o delegado recebeu apoio do filho 03 do presidente, o deputado estadual Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Hospital Mario Covas em Santo André precisa de sangue para o amigo, delegado e Professor Paulo Bilynskyj. Força aí guerreiro. Se Deus quiser vai sair dessa. Já para a imprensa fica o conselho de tomar cuidado para não disseminar fakenews, ok?”, escreveu Eduardo no Twitter. A mensagem já foi apagada.
Antes do trágico fim do seu namoro, Bilynskyj gravou um vídeo em seu canal Projeto Policial, com a participação de Eduardo. Na conversa entre os dois, o filho do presidente fala sobre projeto de lei para liberalização das armas de fogo e faz críticas às pessoas que não apoiam o movimento de armar a população indiscriminadamente. Em suas redes sociais, o delegado Bilynskyj sempre se manifestou contra pautas de esquerda, sobre direitos humanos, além de tecer comentários com conotação machista. “O que mulher faz, além de iludir?”. E também escreveu que “a cada 3 segundos uma mulher ilude 10 homens no Brasil”. Paulo e Priscila planejavam se casar neste mês de junho.
A bandeira ucraniana
Uma misteriosa bandeira vermelha e preta apareceu na manifestação na Avenida Paulista, em meio aos grupos bolsonaristas, no domingo. Falou-se primeiro que se tratava de uma bandeira neonazista, mas logo se descobriu que era apenas de um grupo extremista e ultranacionalista ucraniano chamado Pravyi Sektor, organização paramilitar convertida em partido político. O reconhecimento da bandeira, inclusive, teria sido o estopim do entrevero entre bolsonaristas e torcidas organizadas que houve naquele dia. Quem portava a bandeira era o brasileiro Alex Silva, 46, instrutor de segurança que mora na Ucrânia desde 2014. Ele trabalha em uma academia de tiro e táticas militares em Kiev, capital do país, e, diante do clima propício às armas e ao conflito, veio abrir uma filial no Brasil. Ficou impedido de voltar para casa por causa da pandemia. Enquanto isso passa seu tempo em manifestações pró-Bolsonaro e contra a democracia. “A gente sempre vai de uma maneira ordeira, pacífica, sem quebra-quebra, sem vandalismo. O máximo que a gente faz é vaiar os caras que nos chamam de gado”, disse Silva. “Eles são terroristas, não são pró-democracia coisa nenhuma”. Sua polêmica bandeira, porém, causou revolta e teve um efeito provocativo. Os novos extremistas dão a sensação de que podem manejar qualquer símbolo autoritário impunemente. Para eles, o importante é lacrar e se preparar para a briga, que pode eclodir a qualquer momento.
Dois dias depois de ser presa e levada para o quartel do Exército em Vila Velha, a jornalista Miriam Leitão, na época militante do PCdoB, foi retirada da cela e escoltada para o pátio. Seu suplício, iniciado no dia 4 de dezembro de 1972, até ali já incluía tapas, chutes, golpes que abriram a sua cabeça, o constrangimento de ficar nua na frente de 10 soldados e três agentes da repressão e horas intermináveis trancada na sala escura com uma jiboia. A caminho do pátio escuro, os torturadores avisaram que seria último passeio, como se a presa tivesse seguindo para o fuzilamento.
Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um corpo mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada de cães e fuzis, e pensei: “Eu sou muito nova para morrer. Quero viver”.
Miriam Leitão, 42 anos depois de viver a traumatizante experiência da tortura nos porões do regime, cedeu aos apelos do jornalista gaúcho Luiz Cláudio Cunha. Em longo depoimento divulgado nesta terça-feira pelo portal “Observatório da Imprensa”, ela deu detalhes sobre o que sofreu no quartel de Vitória, e revelou o nome do chefe da equipe de torturadores: Pablo. O mesmo codinome usado pelo tenente-coronel Paulo Malhães, na época agente do Centro de Informações do Exército (CIE), que contou ao GLOBO, há dois anos, que usava em seus interrogatórios uma cobra apelidada de “Miriam”.
Quando a reportagem com Malhães foi publicada, Miriam Leitão emocionou-se e teve vontade de chorar. Ela jamais esqueceu das horas de terror com a jiboia, período em que procurou não se mexer para não atrair o réptil. Porém, num primeiro momento, resolveu esconder sua experiência até dos filhos. Mudou de ideia, recentemente, depois da divulgação de relatórios produzidos pelas Forças Armadas, a pedido da Comissão Nacional da Verdade, nos quais Exército, Marinha e Aeronáutica negaram a ocorrência de “desvios de função” nas suas unidades durante o regime militar.
— Eu vivi o desvio de função — disse.
A ÍNTEGRA DO DEPOIMENTO DE MÍRIAM LEITÃO
“Eu morava numa favela de Vitória, o Morro da Fonte Grande. Num domingo, 3 de dezembro de 1972, eu e meu companheiro na época, Marcelo Netto, estudante de Medicina, acordamos cedo para ir à praia do Canto, próxima ao centro da capital. Acordei para ir à praia e acabei presa na Prainha. É o bairro que abriga o Forte de Piratininga, essa construção bonita do século 17. Ali está instalado o quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, do outro lado da baía.
Eu tinha dado quatro plantões seguidos na redação da rádio Espírito Santo e já tinha quase um ano de profissão. Eu vestia uma camisa branca larga, de homem, sobre o biquini vermelho. Caminhando pela Rua Sete em direção à praia, alguém gritou de repente:
– Ei, Marcelo?
Nos viramos e vimos dois homens correndo em nossa direção com armas. Eu reconheci um rosto que vira em frente à Polícia Federal. Meu ônibus sempre passava em frente à sede da PF e eu tentava guardar os rostos.
– É a Polícia Federal – avisei ao Marcelo
Em instantes estávamos cercados. Apareceram mais homens, mais um carro. Voltei a perguntar:
– O que está acontecendo?
Eles nos algemaram e empurraram o Marcelo para o camburão. Era uma camionete Veraneio, sem identificação. Eu tive uma reação curiosa: antes que me empurrassem sentei no chão da calçada e comecei a gritar, a berrar como louca, queria chamar a atenção das pessoas na rua. Mas ainda era cedo, manhã de domingo, havia pouca gente circulando. Achava que quanto mais gente visse aquela cena, mais chances eu teria de sair viva. Como eu berrava, me puxaram pelos cabelos, me agarraram para me colocar no carro. Eu, ainda com aquela coisa de Justiça na cabeça, reclamei:
– Moço, cadê a ordem de prisão?
O homem botou a metralhadora no meu peito e respondeu com outra pergunta:
– Esta serve?
As algemas eram diferentes, eram de plástico, e estavam muito apertadas, doíam no pulso. Viajamos sem capuz, eu e Marcelo, em direção a Vila Velha, onde fica o quartel do Exército. Eu ainda achava que não era nada comigo, que o alvo era o Marcelo. Ele estava no quarto ano de Medicina e tinha acabado de liderar a única greve de estudantes do país daquele ano, que trancou por dois dias as aulas na universidade de Vitória e paralisou os trabalhos no Hospital de Clínicas. Achei que estava presa só porque estava indo à praia com o Marcelo.
A Veraneio entrou no pátio do quartel, o batalhão de infantaria. Nos levaram por um corredor e nos separaram. Marcelo foi viver seu inferno, que durou 13 meses, e eu o meu. Sobre mim jogaram cães pastores babando de raiva. Eles ficavam ainda mais enfurecidos quando os soldados gritavam: “Terrorista, terrorista!”. Pareciam treinados para ficar mais bravos quando eram incitados pela palavra maldita. De repente, os soldados que me cercavam começaram a cantar aquela música do Ataulfo Alves: “Amélia não tinha a menor vaidade/ Amélia é que era mulher de verdade”. Só então percebi que minha prisão não era um engano. “Amélia” era o codinome que o meu chefe de ala no PCdoB tinha escolhido pra mim: “Você, a partir de agora, vai se chamar Amélia”. Quis reagir na hora, afinal não tenho nada de Amélia, mas não quis discordar logo na primeira reunião com o dirigente.
O comandante do batalhão era o coronel Sequeira [tenente-coronel Geraldo Cândido Sequeira, que exerceu o comando do 38º BI entre 10 de março de 1971 a 13 de março de 1973], que fingia que mandava, mas não via nada do que acontecia por lá. O homem que de fato mandava naquele lugar, naquele tempo, era o capitão Guilherme, o único nome que se conhecia dele. Ele era o chefe do S-2, o setor de inteligência do batalhão. Todos os interrogatórios e torturas estavam sob a coordenação dele. Ele pessoalmente nada fazia, mas a ele tudo era comunicado. Nesse primeiro dia me deu um bofetão só porque eu o encarei.
– Nunca mais me olhe assim! – avisou.
Fui levada para uma grande sala vazia, sem móveis, com as janelas cobertas por um plástico preto. Com a luz acesa na sala, vi um pequeno palco elevado, onde me colocaram de pé e me mandaram não recostar na parede. Chegaram três homens à paisana, um com muito cabelo, preto e liso, um outro ruivo e um descendente de japonês. Mandaram eu tirar a roupa. Uma peça a cada cinco minutos. Tirei o chinelo. O de cabelo preto me bateu:
– A roupa! Tire toda a roupa.
Fui tirando, constrangida, cada peça. Quando estava nua, eles mandaram entrar uns 10 soldados na sala. Eu tentava esconder minha nudez com as mãos. O homem de cabelo preto falou:
– Posso dizer a todos eles para irem pra cima de você, menina. E aqui não tem volta. Quando começamos, vamos até o fim.
Os soldados ficaram me olhando e os três homens à paisana gritavam, ameaçando me atacar, um clima de estupro iminente. O tempo nessas horas é relativo, não sei quanto tempo durou essa primeira ameaça. Viriam outras.
Eles saíram e o homem de cabelo preto, que alguém chamou de Dr. Pablo, voltou trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da sala, e antes que eu a visse direito apagaram a luz, saíram e me deixaram ali, sozinha com a cobra. Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia que a cobra estava lá. A única coisa que lembrei naquele momento de pavor é que cobra é atraída pelo movimento. Então, fiquei estática, silenciosa, mal respirando, tremendo. Era dezembro, um verão quente em Vitória, mas eu tremia toda. Não era de frio. Era um tremor que vem de dentro. Ainda agora, quando falo nisso, o tremor volta. Tinha medo da cobra que não via, mas que era minha única companhia naquela sala sinistra. A escuridão, o longo tempo de espera, ficar de pé sem recostar em nada, tudo aumentava o sofrimento. Meu corpo doía.
Não sei quanto tempo durou esta agonia. Foram horas. Eu não tinha noção de dia ou noite na sala escurecida pelo plástico preto. E eu ali, sozinha, nua. Só eu e a cobra. Eu e o medo. O medo era ainda maior porque não via nada, mas sabia que a cobra estava ali, por perto. Não sabia se estava se movendo, se estava parada. Eu não ouvia nada, não via nada. Não era possível nem chorar, poderia atrair a cobra. Passei o resto da vida lembrando dessa sala de um quartel do Exército brasileiro. Lembro que quando aqueles três homens voltaram, davam gargalhadas, riam da situação. Eu pensava que era só sadismo. Não sabia que na tortura brasileira havia uma cobra, uma jiboia usada para aterrorizar e que além de tudo tinha o apelido de Míriam. Nem sei se era a mesma. Se era, talvez fosse esse o motivo de tanto riso. Míriam e Míriam, juntas na mesma sala. Essa era a graça, imagino.
Dr. Pablo voltou, depois, com os outros dois, e me encheu de perguntas. As de sempre: o que eu fazia, quem conhecia. Me davam tapas, chutes, puxavam pelo cabelo, bateram com minha cabeça na parede. Eu sangrava na nuca, o sangue molhou meu cabelo. Ninguém tratou de minha ferida , não me deram nenhum alimento naquele dia, exceto um copo de suco de laranja que, com a forte bofetada do capitão Guilherme, eu deixei cair no chão. Não recebi um único telefonema, não vi nenhum advogado, ninguém sabia o que tinha acontecido comigo, eu não sabia se as pessoas tinham ideia do meu desaparecimento. Só três dias após minha prisão é que meu pai recebeu, em Caratinga, um telefonema anônimo de uma mulher dizendo que eu tinha sido presa. Ele procurou muito e só conseguiu me localizar no fim daquele dezembro. Havia outros presos no quartel, mas só ao final de três semanas fui colocada na cela com a outras presas: Angela, Badora, Beth, Magdalena, estudantes, como eu.
Fiquei 48 horas sem comer. Eu entrei no quartel com 50 kg de peso, saí três meses depois pesando 39 kg. Eu cheguei lá com um mês de gravidez, e tinha enormes chances de perder meu bebê. Foi o que médico me disse, quando saí de lá, com quatro meses de gestação. Eu estava deprimida, mal alimentada, tensa, assustada, anêmica, com carência aguda de vitamina D por falta de sol. Nada que uma mulher deve ser para proteger seu bebê na barriga. Se meu filho sobrevivesse, teria sequelas, me disse o médico.
– A má notícia eu já sei, doutor, vou procurar logo um médico que me diga o que fazer para aumentar as chances do meu filho.
Mas isso foi ao sair. Lá dentro achei que não havia chance alguma para nós. Eu era levada de uma sala para outra, numa área administrativa do quartel, onde passava por outras sessões de perguntas, sempre as mesmas, tudo aos gritos, para manter o clima de terror, de intimidação. Na noite seguinte, atravessei a madrugada com uma sessão de interrogatório pesado, o Dr. Pablo e os outros dois berrando, me ameaçando de estupro, dizendo que iam me matar. Um dia achei que iria morrer. Entraram no meio da noite na cela do forte para onde eu fui levada após esses dois dias. Falaram que seria o último passeio e me levaram para um lugar escuro, no pátio do quartel, para simular um fuzilamento. Vi minha sombra refletida na parede branca do forte, a sombra de um corpo mirrado, uma menina de apenas 19 anos. Vi minha sombra projetada cercada de cães e fuzis, e pensei: “Eu sou muito nova para morrer. Quero viver”.
Um dia, um outro militar, que não era nenhum daqueles três, botou um revólver na minha cabeça e falou: “Eu posso te matar”. E forçou aquele cano frio na minha testa. Me deu um sentimento enorme de solidão, de abandono. Eu me senti absolutamente só no mundo. Pela falta de notícias, imaginava que o Marcelo estava morto. Entendi que iria morrer também e que ninguém saberia da minha morte, pensei. Mas não quis demonstrar medo. Lembro que o homem do revólver tinha olhos azuis. Olhei nos seus olhos e respondi: “Sim, você pode pode me matar”. E repeti, falando ainda mais alto, com ar de desafio: “Sim, você pode!”
Um dos interrogatórios foi feito na sala do capitão Guilherme, o S-2 que mandava em todos ali. Era noite, ele não estava, e me interrogaram na sala dele. Lembro dela porque havia na parede um quadro com a imagem do Duque de Caxias. Estava ainda com o biquíni e a camisa, era a única roupa que eu tinha, que me protegia. Nessa noite, na sala, de novo fui desnudada e os homens passaram o tempo todo me alisando, me apalpando, me bolinando, brincando comigo. Um deles me obrigou a deitar com ele no sofá. Não chegaram a consumar nada, mas estavam no limite do estupro, divertindo-se com tudo aquilo.
Eu estava com um mês de gravidez, e disse isso a eles. Não adiantou. Ignoraram a revelação e minha condição de grávida não aliviou minha condição lá dentro. Minha cabeça doía, com a pancada na parede, e o sangue coagulado na nuca incomodava. Eu não podia me lavar, não tinha nem roupa para trocar. Quando pensava em descansar e dormir um pouco, à noite, o lugar onde estava de repente era invadido, aos gritos, com um bando de pastores alemães latindo na minha cara. Não mordiam, mas pareciam que iam me estraçalhar, se escapassem da coleira. E, para enfurecer ainda mais os cães, os soldados gritavam a palavra que enlouquecia a cachorrada: “Terrorista, terrorista!...”
As primeiras três semanas que passei lá foram terríveis. Só melhorou quando o Dr. Pablo e seus dois companheiros foram embora. Entendi então que eles não pertenciam ao quartel de Vila Velha. Tinham vindo do Rio, é o que chegaram a conversar entre eles, em papos casuais: “E aí, quando voltarmos ao Rio, o que a gente vai fazer lá...” Isso fazia sentido, porque o quartel de Vila Velha integra o Comando do I Exército, hoje Comando do Leste, que tem o QG no Rio de Janeiro.
Quando o trio voltou para o Rio, a situação ficou menos ruim. Eles já não tinham mais nada para perguntar. Me tiraram da cela da fortaleza e me levaram para a cela coletiva. Foi melhor. Na cela do forte não havia janelas, a porta era inteiriça e minhas companhias eram apenas as baratas. Fiz uma foto minha, agora em 2011, ao lado da porta.
Até que chegou o dia de assinar a confissão, para dar início ao IPM, o inquérito policial-militar que acontecia lá mesmo, dentro do quartel. Me levaram para a sala do capitão Guilherme, o S-2, e levei um susto. Lá estava o Marcelo, que eu pensava estar morto. Os militares saíram da sala e nos deixaram sozinhos. Quando eu fui falar alguma coisa, o Marcelo me fez um sinal para ficar calada. Ele levantou, foi até a parede e levantou o quadro do Duque de Caxias. Estava cheio de fios e microfones lá atrás. Era tudo grampo.
Depois disso, o Marcelo foi levado para o Regimento Sampaio, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, e lá ficou nove meses numa solitária. Sem banho de sol, sem nada para ler, sem ninguém para conversar. Foi colocado lá para enlouquecer. Nove longos e solitários meses... Nós, todos os presos, e os que já estavam soltos nos encontramos mais ou menos em junho na 2ª Auditoria da Aeronáutica, para o que eles chamam de sumário de culpa, o único momento em que o réu fala. Eu com uma barriga de sete meses de gravidez. O processo, que envolvia 28 pessoas, a maioria garotos da nossa idade, nos acusava de tentativa de organizar o PCdoB no estado, de aliciamento de estudantes, de panfletagem e pichações. Ao fim, eu e a maioria fomos absolvidos. O Marcelo foi condenado a um ano de cadeia. Nunca pedi indenização, nem Marcelo. Gostaria de ouvir um pedido de desculpas, porque isso me daria confiança de que meus netos não viverão o que eu vivi. É preciso reconhecer o erro para não repeti-lo. As Forças Armadas nunca reconheceram o que fizeram.
Nunca mais vi o capitão Guilherme, o S-2 que comandou tudo aquilo. Uma vez ele apareceu no Superior Tribunal Militar como assessor de um ministro. Marcelo foi expulso do curso de Medicina, após a prisão, e virou jornalista. Fomos para Brasília em 1977. Por ironia do destino, Marcelo só conseguiu vaga de repórter para cobrir os tribunais. E lá no STM, um dia, ele reviu o capitão Guilherme. Depois disso, não soubemos mais dele. Nem sei se o S-2 ainda está vivo.
O que eu sei é que mantive a promessa que me fiz, naquela noite em que vi minha sombra projetada na parede, antes do fuzilamento simulado. Eu sabia que era muito nova para morrer. Sei que outros presos viveram coisas piores e nem acho minha história importante. Mas foi o meu inferno. Tive sorte comparado a tantos outros.
Sobrevivi e meu filho Vladimir nasceu em agosto forte e saudável, sem qualquer sequela. Ele me deu duas netas, Manuela (3 anos) e Isabel (1). Do meu filho caçula, Matheus, ganhei outros dois netos, Mariana (8) e Daniel (4). Eles são o meu maior patrimônio.
Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país. (Depoimento a Luiz Cláudio Cunha).
No campeonato de cafajestice deste governo, Bolsonaro é hors concours. É tão superior aos demais competidores, paira tão acima em patifarias e vilezas, que não pode participar da disputa. É o cafajeste-geral da república.
Vamos, pois, aos aspirantes com maiores chances. Um ano atrás, escrevi que nesta república acanalhada seria muito difícil superar Paulo Guedes. Pelo conjunto da obra, claro, mas especificamente pela maneira como conduzia a negociação de medidas para combater o impacto da pandemia sobre os mais pobres. Era na base da chantagem explícita.
Eis que aparece mais um forte concorrente ao título de cafajeste-mor. Trata-se de Pedro Guimarães, derrubado da presidência da Caixa por assédio sexual. Os relatos das mulheres assediadas traçam o retrato de um abusador. Também surgem denúncias de assédio moral contra um conjunto ainda maior de funcionários.
Guimarães não é um bolsonarista qualquer. Em novembro de 2018, na fase de montagem do governo, a jornalista Júlia Duailibe, em seu blog no G1, revelou quem é o sujeito. Ela contou que, em 2017, Guimarães, na época sócio de um banco privado, levara Bolsonaro para um giro com investidores, nos Estados Unidos. Quando pouca gente apostava em um deputado medíocre, o banqueiro comprou a ação na baixa e soube a hora de realizar os lucros.
Importante saber também que Guimarães é genro de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, cuja delação premiada, em 2017, fora crucial para a condenação de Lula na Lava Jato. Em 2021, Pinheiro recuou das acusações, quando Lula já havia cumprido pena. Libertado e inocentado pelo STF, o petista está à frente na corrida presidencial. O mundo dá voltas.
As denúncias de agora indicam que o assédio na Caixa era antigo e disseminado. Um criminoso não age impunemente, por tanto tempo, sem acobertamento e sem cúmplices. Na república dos cafajestes, não se ouviu uma única palavra de condenação clara e contundente ao comportamento do assediador serial.
Michelle Bolsonaro: “Portas do inferno não prevalecerão contra nossa família”
Michelle Bolsonaro (foto) participou neste sábado (2) da Marcha para Jesus, em Brasília. Durante discurso, em cima de um trio elétrico, a primeira-dama citou trechos da Bíblia e afirmou que “este é um dia profético para nossa nação”.
“Hoje o nosso presidente não pôde estar presente, está com agenda, mas nós estamos aqui para representá-lo. Vocês estão aqui para representá-lo”, disse.
“Nenhuma armadilha prosperará contra a nossa nação. Nós declaramos que esta nação é santa. As portas do inferno não prevalecerão contra a nossa família.”
Também estiveram no evento o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o ex-ministro Onyx Lorenzoni e a ex-ministra Damares Alves.
O presidente Jair Bolsonaro, como mostramos, esteve neste sábado em Salvador, onde participou de motociata com apoiadores.
Damares Alves disse que um "capeta careca" está atrapalhando o governo de Jair Bolsonaro
Apesar de não citar nominalmente, a declaração foi uma referência ao ministro do STF Alexandre de Moraes
Para a ex-ministra, Bolsonaro vem sendo perseguido por promover um governo cristão
Ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves atacou nesta quarta-feira (13) o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ao acusá-lo de “atrapalhar”o governo de Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com informações do portal Metrópoles, a ex-ministra referiu-se a Moraes como “capeta careca”, apesar de não ter citado seu nome.
“Saibam que o inferno está com muita raiva de todos nós e está se levantando. O inferno mandou uns capetas que vocês não têm ideia, tem um até careca. Não tem sido fácil, tudo se levanta contra esse governo. Tudo conspirou contra este governo”, declarou.
Para Damares, porém, o ministro é apenas mais um agente que atua contra Bolsonaro e seu governo. Ela afirmou que o presidente tem sigo perseguido por manter uma gestão cristã.
"Brumadinho, óleo na praia, queimada no Pantanal, quando a gente achava que não tinha mais nada, Congresso começa a brigar entre si. Um Judiciário se levanta contra nós, a imprensa contra nós. Quando a gente achava que não tinha mais nada contra nós, veio uma pandemia. Quando a gente tá no final da pandemia vem uma guerra."
Damares afirma que "capeta careca" atrapalha governo Bolsonaro, em alusão a Moraes
"Se ele [WhatsApp] pode fazer um acordo com o TSE, pode fazer comigo também, por que não?", questionou Jair Bolsonaro. Os ataques de Damares, de Bolsonaro, de Daniel Silvelra, Roberto Jefferson e outros perdedores são antecidados. Que Moraes presidirá o TSE nas eleições presidenciais deste ano
por 247 Brasil
Jair Bolsonaro afirmou neste sábado (16) que vai propor uma reunião com o comando do WhatsApp no Brasil para discutir com a plataforma o acordo feito entre o aplicativo e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em fevereiro, para combater fake news nas eleições deste ano.
"Já conversei com o Fábio Faria [ministro das Comunicações], vai conversar com representante do WhatsApp aqui no Brasil para explicar (o acordo). Se ele [WhatsApp] pode fazer um acordo com o TSE, pode fazer comigo também, por que não?", disse Bolsonaro àCNN Brasil.
"Vou buscar o CEO do WhatsApp essa semana e quero ver que acordo é esse. Se é para o mundo todo, não posso fazer nada, agora, só para o Brasil, e volta a ser pro mundo todo depois das eleições, quer prova mais clara de interferência como essa na liberdade de expressão?", complementou.
Nessa sexta, Bolsonaro atacou ministros do TSE e afirmou que o acordo com o WhatsApp"não vai ser cumprido".
Cerca de 2 mil pessoas participaram nesta quarta-feira (13) de uma marcha que saiu da praça Rui Barbosa em direção ao Centro Cívico, em Curitiba. O ato foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e reuniu outras entidades.
A ação integra a jornada de lutas do “Abril Vermelho”, período que relembra o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, e a mobilização é nacional. Neste ano, o tema foi “terra, teto e trabalho”.
Entre outras reivindicações, os camponeses pediam regularização fundiária. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) também tratou do direito à moradia e ressaltou a importância da proibição dos despejos enquanto durar a pandemia da covid-19.
Famílias despejadas
De acordo com a Campanha Nacional Despejo Zero, mais de 132 mil famílias brasileiras estão em situação de vulnerabilidade e correm risco de serem despejadas. No Paraná, são 7 mil famílias camponesas e outras 4,3 mil que moram em áreas urbanas.
Em março, a lei que suspende despejos e desocupações durante a pandemia foi prorrogada. Agora ela tem validade até 30 de junho. A decisão de aumentar o prazo em 90 dias foi do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e vale para áreas urbanas e rurais.
“Que bom que tivemos a lei prorrogada. Aqui em Curitiba há mais de 400 ocupações, mais de 200 [ocupações] aguardando reintegração de posse e nós estamos acompanhando esta luta”, disse a vereador Carol Dartora (PT), que participou da passeata, assim como os colegas de partido, Professora Josete e Renato Freitas.
Um dos participantes do protesto foi o agricultor Maurilio Carneiro, que é de Florestópolis, região norte do Estado. “Estamos na caminhada porque está difícil agora, a questão do despejo preocupa. Então vamos entregar um documento para as autoridades para olharem para gente”, disse.
O documento é uma pauta de reivindicações que foi entregue para autoridades durante audiência pública de mobilização e negociação, realizada na sequência do ato. Ministério Público (MP), Defensoria Pública Estadual (DPE), Poder Judiciário, Governo do Estado, representantes de universidades públicas, os deputados estaduais Luciana Rafagnin e Professor Lemos, ambos do PT, estiveram na reunião. O deputado Goura (PDT) também esteve no ato.
Deputados da oposição protocolaram requerimento em que pedem que o deputado Coronel Lee (DC) seja formalmente responsabilizado, responda por quebra de decoro, por fala em sessão do último dia 6 de abril na Assembleia Legislativa (Alep). Na ocasião, o parlamentar usou a tribuna para proferir um rápido discurso imediatamente interpretado como uma ameaça de morte ao ex-presidente Lulae a integrantes da esquerda.
“A última vez que esse bando do MST e da esquerda vieram nos visitar, quiseram conversar com a gente no mato, foram parar no inferno. Então, Lula, mande sua turma falar com a gente de novo. Porém, vocês vão visitar seus amigos que estão lá”, disse o deputado, ex-comandante da Polícia Militar em Cascavel e do Bope no Paraná.
A fala gerou repercussões instantâneas. O PT nacional e os parlamentares da oposição na Assembleia Legislativa emitiram nota de repúdio pontuando “preocupação com a escalada de violência promovida por parlamentares bolsonaristas, especialmente em ano eleitoral, já que Lula aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto”. O novo líder do governo na casa, Marcel Micheletto (PL), também usou a tribuna naquele dia para pedir “respeito”.
O requerimento foi protocolado nesta quarta-feira (14), assinado pelos parlamentares do PT – Arilton Chiorato, Tadeu Veneri, Luciana Rafagnin, Professor Lemos, Requião Filho – e Goura, do PDT. O documento sustenta que, além de ameaça, o discurso afronta a integridade física e impõe ameaça e constrangimento “a uma autoridade presidencial, bem como cidadãos e cidadãs de campo político diferente do espectro político e ideológico do parlamentar”.
Agora, cabe à mesa diretora da Casa decidir se acata ou não o requerimento. Caso aceito, o trâmite pode ser encaminhado pelo Conselho de Ética da Assembleia. Casos de quebra de decoro podem levar, inclusive, à cassação de mandato.
O deputado Coronel Lee respondeu ainda não ter sido informado do pedido e que vai se manifestar posteriormente.
Curitiba a terra do prefeito que tem nojo de pobre, da supremacia branca, do deputado coronel que mandou camponeses "para o inferno", e considera política de alto calibre ameaçar Lula de morte, exibindo arma benta por pastor luterofascista
REDAÇÃO ND, JOINVILLE
Delegado de Curitiba levou armas, como revólveres e até fuzil, para receber a bênção do pastor; imagens viralizaram.
Um vídeo, no mínimo, polêmico, viralizou nas redes sociais nesta terça-feira, dia 15. Isto porque um pastor evangélico benzeu armas, entre elas revólveres, pistolas, espingarda e um fuzil na igreja Agnus, de Curitiba, no Paraná.
O delegado Tito Barichello levou as armas até o pastor, que fez uma reza para benzer o armamento dentro da igreja.
Durante a reza, o pastor Renê Arian fez a unção de l com intuito de “proteger a população”.
“Senhor Deus, em nome de Jesus, nós ungimos essas armas para a segurança da nossa população de nossa cidade, Senhor. Nós pedimos que o Senhor venha nos guardar, venha nos proteger, através dessas armas”…e continua
“A Tua palavra diz: tudo o que ligares aqui na Terra terá sido ligado nos céus. E nós ligamos, em nome de Jesus, através da unção com óleo, essas armas que serão para a nossa proteção, para guardar a população, em nome Jesus, contra os homens maus. Para a glória, Deus e louvor, de seu nome, nós pedimos que o Senhor nos guarde, nos livre e nos proteja, em nome de Jesus. Amém e amém”, emenda o pastor.
A cerimônia contou com a presença de dois delegados e um investigador da Polícia Civil, além de outra pastora.
As imagens foram gravadas e publicadas pelo delegado Tito Barrichello, da 2ª Delegacia de Homicídios da capital paranaense. Ele classificou a bênção como “muito especial”.
“Neste sábado à noite, 12 de março, em Curitiba, estivemos na Igreja Agnus no bairro Boa Vista. Após o culto, o Pastor Rene e a pastora Erlane realizaram a unção de nossas armas particulares. Essa benção foi muito especial. 🙏🙏🙏 @igrejaagnuscuritiba”, escreveu o delegado em sua rede social.
Foi comentado que também foram benzidas as armas do violento coronel deputado Washington Lee Abe, assassino de camponeses.
A figura do vídeo a seguir é um político chamado Washington Lee Abe, oficial aposentado da Polícia Militar do Paraná que, em 2018, se elegeu deputado estadual pelo PSL usando o nome de urna de Coronel Lee.
Do púlpito do plenário da Assembleia Legislativa do Paraná, Lee – hoje filiado ao Democracia Cristã (risos) e que se apresenta como “o inimigo número um do MST” – ameaçou “mandar Lula para o inferno” após o ex-presidente convocar manifestações em frente às casas de deputados para “conversar com eles, suas esposas, seus filhos” antes de votações importantes, caso seja eleito. A fala soa como uma ameaça de morte escancarada.
Sem terra, retirante da fome, no Paraná vai "parar no inferno"
De quebra, Lee também sugeriu, de viva voz, ter participado do assassinato de integrantes do movimento dos sem-terra. “A última vez que esse bando do MST e da esquerda vieram nos visitar – queriam conversar com a gente no meio do mato –, foram parar no inferno. Então, Lula, mande a sua turma toda falar com a gente, de novo. E vocês vão visitar os seus amigos que estão lá [no inferno]. É esse o nosso recado”.
Quando na PM, Lee se orgulhava de comandar seu batalhão mais letal. “Este estudo, feito por um suposto especialista, diz que a polícia mais letal do mundo é a Polícia Militar do Brasil. No Brasil, a mais letal é a do Paraná e, no estado, o Comando Regional que está na primeira colocação é o 5º”, disse o político, que comandou o 5º Comando da PM paranaense, na região de Cascavel, segundoregistro do jornalista Rogerio Galindo.
Em 2016, após o batalhão dele assassinar dois sem-terra em Quedas do Iguaçu – numa ação que o MST sempre qualificou como emboscada –, Lee afirmou quea corporação não iria “se curvar” ao movimentoe não rejeitou o tratamento de herói que passou a lhe ser dado por moradores que se alegraram com os assassinatos.
Na biografia publicada por ele mesmo nositeda Assembleia Legislativa, Lee afirma que “entre suas ações mais marcantes dentro da PM estão as reintegrações de posse de terra, sobretudo nas cidades de Quedas do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu, Mangueirinha, Tijucas do Sul, Piraquara, Francisco Beltrão, entre várias outras”.
No plenário, Lee também fez referência ao deputado estadual paulista Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, o Coronel Telhada, ex-comandante da Rota, hoje deputado em São Paulo: “aqui é o coronel Lee, ex-comandante do Bope no Paraná. O nosso modus operandi, coronel Telhada, é o mesmo”. Após a fala de Lula, Telhada, filiado ao PP de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Ricardo Barros, também publicou um vídeo – gravado no estacionamento da Assembleia Legislativa em São Paulo – em que acaricia uma pistola que carrega na cintura e desafia Lula: “Pode vir quente, que a gente está fervendo”.
A afirmação de Lula também rendeu vídeos de outros políticos bolsonaristas, como os deputados federaisJunio Amaral, do PL de Minas Gerais, e Carla Zambeli, do PL de São Paulo. Mas nenhum deles fez ameaças tão diretas quanto as de Lee. Tampouco as proferiu no plenário de um parlamento, espaço democrático por essência.
Fosse séria, a Assembleia paranaense levaria Lee ao Conselho de Ética. Mas, como se percebe na expressão do presidente,Ademar Traiano, do PSD, ao final do vídeo e logo após a fala inacreditável do ex-PM, a chance de isso acontecer é nenhuma.
A polícia do Paraná ésuspeita de ter vazado, há poucos dias, detalhes do roteiro de Lula a grupos bolsonaristas.
Um vídeo que viralizou nas redes sociais nesta terça-feira mostra um pastor benzendo um arsenal de armas em uma igreja evangélica da capital paranaense Curitiba.
No ritual, o líder da Igreja Agnus, Renê Arian, realiza a unção de revólveres, pistolas, uma espingarda e um fuzil com intuito de "proteger a população".
A cerimônia, ocorrida no último sábado, contou com a presença de dois delegados e um investigador, além de outra pastora.
O vídeo foi gravado e publicado pelo delegado Tito Barrichello, da 2ª Delegacia de Homicídios da capital.
Também aparecem nas imagens a delegada Tathiana Guzella, da 1ª Delegacia de Homicídios de Curitiba, um investigador apresentado como "Cabelo" e a pastora identificada apenas como Erlane. Questionado, Barrichelo afirmou que as armas são todas privadas e legalizadas. Disse ainda que a ideia partiu do pastor René por haver "diversas passagens de benções aos escudos e armas". — A unção tem um sentido de benção, para que aquilo, apesar de poder causar um dano a outro, seja um instrumento de paz. Na polícia, organizamos para que não ocorra reação do investigado. A ideia da arma é não utilizá-la — disse.