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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

31
Ago21

Ouro amazônico do barro ao luxo

Talis Andrade

por Gustavo Basso /DW /Pará

Imagem aérea de garimpos montados ao longo de igarapé no município de Jacareacanga/PA

Igarapés revirados

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o solo revirado pelo maquinário pesado utilizado no garimpo acaba liberando mercúrio mineral no ambiente. Somado ao mercúrio lançado na atmosfera para extração do ouro, torna-se um contaminante perigoso na cadeia pesqueira da bacia do rio Tapajós. A imagem aérea mostra garimpos montados ao longo de um igarapé no município de Jacareacanga, no Pará.

Imagem aérea de garimpo montado às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230) no município de Jacareacanga/PA

Clareira e assoreamento

Defensores da atividade afirmam que a área desmatada para a exploração do ouro é menor do que em atividades como a criação de gado ou plantio de soja, sem levar em consideração o assoreamento de igarapés e rios, visto como problema ambiental crucial pela Polícia Federal. Na imagem, vê-se um garimpo montado às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230) em Jacareacanga.

Mecânicos soldam peça de escavadeira em oficina de Jacareacanga/PA

Oportunidade de negócio

Com o aumento intenso da mecanização dos garimpos na última década, o reparo e venda de peças para escavadeiras e tratores vêm se tornando um mercado cada vez maior e lucrativo em Jacareacanga. Alan Carneiro, um dos principais nomes na luta pela legalização do garimpo de ouro na região, veio de Rondônia há quatro anos para aproveitar este mercado.

Lanchas são enfileiradas aguardando a partida no porto de Jacareacanga/PA

A outra margem do rio

Diariamente partem do porto improvisado de Jacareacanga dezenas de lanchas e balsas transportando pessoas e produtos para os garimpos na região, na outra margem do rio Tapajós. Do outro lado do rio estão somente áreas federais protegidas: as TIs (Terra Indígenas) Sai-Cinza e Mundurucu, e a Floresta Nacional do Crepori. O garimpo de ouro é vetado atualmente em ambas áreas.

Garimpeiro exibe as joias de ouro puro na vila de São José do Pacu, município de Jacareacanga/PA

Vaidade dourada

Joias de ouro como anéis e relógios são utensílios obrigatórios utilizados por garimpeiros e aqueles que se relacionam com a atividade, como este minerador, morador da vila de São José do Pacu.

Cozinheira prepara refeição em barraco montado em garimpo de ouro na região da Floresta Nacional do Crepori

Trabalho feminino, universo masculino

Cozinheiras são as únicas presenças femininas em campo nos garimpos, responsáveis pelas cinco refeições diárias, bancadas pelos patrões. Ao contrário dos garimpeiros, que recebem uma porcentagem do ouro extraído, as cozinheiras recebem como salário 20 gramas de ouro por mês, avaliado em Jacareacanga em torno de R$ 5.000, mais de três vezes a média salarial do Norte e Nordeste do paísGarimpeiro caminha diante de buraco de solo revolvido para extração mecanizada de ouro.

Matéria bruta

Para extrair em média 300 g em um intervalo de duas semanas, os barrancos são escavados até que o cascalho subterrâneo seja exposto; é onde fica depositado o ouro de erosão, até 30 metros sob o solo. O garimpo atualmente é compreendido como atividade empresarial industrial de pequena escala, dado o impacto e investimento empregado na atividade.Gerador elétrico a diesel funciona dentro de clareira aberta na floresta amazônica no município de Jacareacanga/PA

Eletricidade a diesel

Todos os dias milhares de litros de óleo diesel são consumidos por todo tipo de veículos e maquinário pesado utilizado no suporte à extração do ouro. Os geradores de energia elétrica são presença geral e barulhenta em regiões dentro de áreas protegidas aonde a energia elétrica não chega.

Balsa transporta combustível e outros itens em igarapé às margens de Jacareacanga/PA

Atividade artesanal ou pequena empresa?

Para o procurador federal Paulo de Tarso Oliveira, a sociedade necessita debater o garimpo e seus impactos. Segundo ele, uma atividade que emprega maquinários caros como balsas de até R$ 2 milhões não pode ser considerada artesanal como na época da Constituição Federal de 1988.

Barraco abandonado em área de garimpo às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230)

Várzeas ameaçadas

O ouro de garimpo é extraído nos "baixões": áreas de várzea às margens de igarapés, onde o minério lavado pelas chuvas se acumula. A contaminação por mercúrio e assoreamento dos igarapés é um dos grandes impactos da exploração além do desmatamento de áreas protegidas legalmente pela União. Na foto, um barraco abandonado em área de garimpo às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230).

José Freitas, 69 anos, vendedor de alimentos no mercado municipal de Itaituba/PA

Como muitos outros retirantes da pobreza no nordeste, José Freitas, de 69 anos, veio para a região do Tapajós nos anos 1980 tentar a sorte no garimpo. Após anos trabalhando manualmente, acabou se assentando em Itaituba, onde comprou um terreno para plantar alimentos vendidos no mercado municipal.

 

20
Fev20

Destruição da indústria

Talis Andrade

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2 - Tofolli está certo: a Lava Jato destruiu a indústria do Brasil

por Marlon de Souza

O professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Pedro Henrique Pedreira Campos relata que as maiores construtoras do país – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC e Constran – tiveram perdas de 85% de sua receita entre 2015 e 2018, passando de um faturamento conjunto de R$ 71 bilhões para apenas R$ 10,8 bilhões.

As estatísticas de desemprego são ainda mais graves quando levamos em conta que se trata de famílias inteiras. Segundo levantamento apresentado por Campos nesse mesmo período, a construção pesada fechou um milhão de postos de trabalho no país, o equivalente a 40% das vagas de emprego perdidas na economia.

A Odebrecht, entrou em recuperação judicial, acumulando uma dívida total de R$ 98 bilhões. Somente na Odebrecht as vagas de trabalho retrocederam de 274 mil para 48 mil postos entre 2015 e 2019. A OAS, que atualmente está em recuperação judicial teve 127 mil empregados e hoje contabiliza apenas 19 mil.

A política econômica neoliberal iniciada no governo Temer e aprofundada pelo governo Bolsonaro se caracteriza pelo contracionismo no gasto público o que resulta na atual asfixia do crescimento econômico. Como exemplo concreto da destruição do parque fabril brasileiro pela Lava Jato podemos citar os pesados acordos de leniência que para serem cumpridos levou a empresas venderem ativos inclusive para grupos estrangeiros.

A Odebrecht iniciou um processo de venda da subsidiária Braskem – até então a maior firma petroquímica da América Latina, produtora de biopolímeros com participação expressiva da Petrobras – ao grupo holandês LyondellBasell, Andrade Gutierrez vendeu seu controle sobre a OI para acionistas holandeses e portugueses, Camargo Corrêa vendeu a CPFL para a chinesa State Grid.

 

20
Fev20

Tofolli está certo: a Lava Jato destruiu a indústria do Brasil

Talis Andrade

 

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"Economistas da UFRJ calculam que o impacto da Operação Lava Jato em torno de 2 a 2,5% na queda do PIB, cerca de R$ 146 bilhões"

por  Marlon de Souza 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Tofolli está correto em sua sentença; a Operação Lava Jato destruiu a indústria do Brasil. Esta afirmação do ministro do STF não foi proferida em uma decisão judicial, Tofolli fez esta afirmação em uma entrevista que concedeu ao jornal Estado de São Paulo no final do ano passado dia 13 de dezembro de 2019.

A declaração do ministro do STF causou impacto e indignação nos setores conservadores da sociedade e imediata reação crítica feroz de analistas políticos dos telejornais da grande imprensa corporativa. No entanto, todo jornalista ou mesmo autoridade política sério e responsável que se der ao trabalho em aplicar sua atenção aos dados objetivos da economia irá verificar que Toffoli está absolutamente correto em sua avaliação.

Apenas os jornalistas que não exercem o seu dever de ofício que é o de apurar com rigor, isenção e equidistância as informações e que por hora estão ludibriados pela própria propaganda sistemática lavajatista que as grandes empresas de comunicação na qual trabalham publicam diariamente sobre o “combate a corrupção” é que acreditam que o presidente do STF está equivocado.

Opostamente diferente do que os jornalistas críticos do ministro desferem de que o presidente do STF atua como se fosse um aliado do Partido dos Trabalhadores (PT) no mais importante cargo do Judiciário, há muito tempo Dias Toffoli rompeu seu vínculo ideológico com o PT, a demonstração mais concreta do seu rompimento com os princípios e com o programa político do PT é o apoio que Dias Toffoli tem fixado a atual política econômica ultraliberal – ao menos a “normalidade de sua tramitação” - do governo Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes.

Este apoio institucional de Dias Toffoli com a agenda econômica ultraliberal do atual governo ficou evidenciado na formação do pacto entre os três Poderes no café que o presidente da Suprema Corte participou no dia 28 de maio de 2019 no Palácio do Alvorada com o presidente da República Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM/AP) que teve como objetivo principal que o Executivo, Legislativo e o Judiciário avalizassem as reformas propostas pelo governo sobretudo a Previdenciária e Tributária. Na ocasião ao jornal Estado de São Paulo o próprio Toffoli declarou que “é muito importante o consenso entre os Poderes para dar uma resposta a pontos prioritários, como as reformas da Previdência e Tributária, a repactuação fiscal e federativa e o combate à criminalidade e corrupção”, declarou na ocasião. O pacto entre os poderes aventado por Toffoli chegou a ser refutado pelo também ministro do STF Marco Aurélio de Mello, inclusive afirmou que, como presidente do Supremo não iria a um encontro desses, com esse objetivo, “jamais”, declarou. Para o Mello, “sem dúvida alguma” o pacto deveria se restringir aos Poderes Executivo e Legislativo. “O Judiciário, como ele julga inclusive leis editadas, deve manter uma certa cerimônia”, avalia. Mello pontuou que “pacto no campo administrativo é uma coisa, no jurisdicional é impensável. Em termos de julgamento é impensável falar-se em pacto”.

Esta atenção do ministro Marco Aurélio Mello se mostra ainda mais relevante quando se considera que o STF é acionado pela oposição e se torna responsável por julgar a constitucionalidade de inúmeros questionamentos sobre aspetos das reformas promovidas pelo governo Bolsonaro como, por exemplo, no âmbito trabalhista o Supremo tem marcado para 14 de maio o julgamento de pontos contestados da reforma trabalhista de 2017, entre os quais a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. Por iniciativa do próprio presidente do STF Dias Toffoli que chegou a ser marcado uma cerimônia no dia 10 de junho do ano passado no Palácio do Planalto para a assinatura pelos presidentes dos três Poderes de um documento intitulado Pacto pelo Brasil - uma espécie de protocolo de intenções - em apoio as reformas, mas o evento foi cancelado por falta de consenso ao texto final e devido as críticas e questionamento a que o presidente do STF foi alvo a respeito da independência da Suprema Corte. Importante assinalar que a s reformas do atual governo e que tem apoio do ministro Toffoli tem oposição frontal do PT.

No entanto, no que se refere ao impacto que a Operação Lava Jato causou ao Brasil o ministro Dias Toffoli está absolutamente certo. A Operação Lava Jato gerou um desarranjo em setores econômicos inteiros que após cinco anos ainda não se recuperaram. Para se constatar o quanto a Lava Jato foi decisiva para o aprofundamento da trajetória regressiva da economia brasileira é necessários se observar dados objetivos.

Em artigo publicado na edição de agosto do ano passado no Jornal dos Economistas – publicação do Conselho Regional dos Economistas do Rio de Janeiro – o coordenador do Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESPE) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Fernando de Paula e o doutorando do IESP/UERJ Rafael Moura demonstram que a Operação Lava Jato é uma variável causal da atual crise da economia brasileira, os autores afirmam que consultorias como GO Associados e Tendências, por exemplo, calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição da Lava Jato na queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada, cujas perdas podem totalizar até R$ 146 bilhões.

Em um comparativo, em março de 2019, quando completou 5 anos, a Lava Jato divulgou uma projeção indicando que estima recuperar com as condenações e acordos R$ 40 bilhões para os cofres públicos. De concreto, a Petrobras conseguiu recuperar bem menos apenas R$ 2,5 bilhões, sendo que o valor é exatamente o mesmo que a própria estatal foi obrigada a pagar em multa decorrente de ação movida nos Estados Unidos relacionado às denúncias da Lava Jato.

Fernando de Paula e Rafael Moura, do IESP/UERJ, apontam que “a desestruturação dos setores de construção civil e petróleo/gás contribuiu sobremaneira para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015 e levou à desarticulação de alguns dos poucos setores em que o capital doméstico era competitivo a nível internacional”.

 Ainda de acordo Fernando de Paula e Rafael Moura, do IESP/UERJ os principais efeitos da Lava Jato para a crise se concentraram na indústria de construção civil, setor deteriorado pela paralisia resultante da retração aguda dos investimentos estatais. Estes dois economistas da UERJ destacam que a atenuação da política econômica ortodoxa praticada durante o primeiro governo Lula, somada a um papel crescentemente ativo por parte do BNDES a partir de 2007, além do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aceleraram de fato o crescimento através de investimentos em infraestrutura e representam hoje o último ciclo de expansão do setor de engenharia na história brasileira.

 Segundo estes economistas a revitalização do intervencionismo estatal e das capacidades burocráticas de planejamento estratégico foi fundamental para uma maior inserção da infraestrutura na agenda pública nacional, corporificada na construção e concessões de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos o que objetivamente vinha minimizando o gasto logístico, denominado pelos industriários de Custo Brasil. Estes investimentos em setores intensivos na absorção de mão de obra que garantiram, junto com o aumento no setor de serviços, que o governo Dilma Rousseff terminasse seu primeiro mandato em uma situação próxima ao pleno emprego.

Como dado de verificação objetivo da relação direta da Lava Jato com a crise econômica assinalamos aqui os indicadores da construção civil entre 2014 e 2017, período em que o setor registrou saldo negativo entre contratações e demissões de 991.734 vagas formais (com preponderância na região Sudeste); entre 2014 e 2016, representou 1.115.223 dos 5.110.284 (ou 21,8%) da perda total de postos da população ocupada no período; e, desde o segundo trimestre de 2014 até o último de 2018, apresentou forte retração em suas atividades.

É possível observarmos ainda a descapitalização e o desmonte das maiores empreiteiras brasileiras. Dados levantados pelo jornal O Empreiteiro mostram que somente entre 2015 e 2016, por exemplo, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa tiveram queda em suas receitas brutas de, respectivamente, 37%, 31% e 39%.

Entre 2016 e 2017, a Odebrecht assistiu a um recuo de 40% do mesmo indicador; enquanto a Camargo Corrêa de 41% e a Queiroz Galvão, de 24%. A Odebrecht é o caso mais emblemático, a maior construtora nacional em 2014 tinha um faturamento bruto de R$ 107 bilhões, com 168 mil funcionários e operações em 27 países. Em 2017 – três anos e meio após a eclosão do escândalo e com seu presidente e herdeiro preso Marcelo Odebrecht – seu faturamento era de R$ 82 bilhões, com 58 mil funcionários e atividades apenas em 14 países. Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa – também assistiram a um derretimento conjunto de seus ativos financeiros consolidados de uma ordem de R$ 25,77 bilhões em 2014 para aproximadamente R$ 8,041 bilhões em 2017 (perda de 68,57%). [Continua]

21
Jan20

Vitória do entreguismo de Moro: Guedes vai anunciar em Davos abertura do Brasil para empreiteiras internacionais

Talis Andrade

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247 – O golpe de misericórdia nas constutoras brasileiras, que eram multinacionais e foram destruídas pela Operação Lava Jato, será dado por Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. "O governo Jair Bolsonaro pretende aproveitar a presença de megainvestidores nesta semana, em Davos, para fazer um anúncio de abertura inédita aos estrangeiros interessados em participar de licitações e concorrências públicas no mercado brasileiro.  A ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, é divulgar nos Alpes suíços a adesão do Brasil ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC). Com isso, ele deseja mandar um sinal claro à elite política e econômica global de que o país se compromete com a agenda de liberalização", informa reportagem de Daniel Rittner, no Valor Econômico.

"O acordo, conhecido pela sigla em inglês GPA (Government Procurement Agreement), garante o acesso dos signatários a um mercado estimado em US$ 1,7 trilhão por ano. Seus integrantes ficam obrigados a dar isonomia de tratamento entre empresas nacionais e estrangeiras que entram em contratações públicas nas áreas de bens, serviços e infraestrutura", aponta o texto. A reportagem destaca que fica praticamente impossível reeditar algumas políticas industriais adotadas no passado recente. O governo Dilma Rousseff, por exemplo, tinha como um dos pilares do Plano Brasil Maior a concessão de margem de preferência de até 25% a produtos nacionais em licitações nas áreas de defesa, medicamentos, maquinário e até têxteis, como uniformes fornecidos às Forças Armadas.

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28
Set19

A desindustrialização brasileira e a desigualdade social. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que 95% da população

Talis Andrade
"Brasil está atravesando a mais grave crise desde a década de 1880"
Patricia Fachin entrevista Márcio Pochmann 
 
 

Versão em espanhol

lenta recuperação da economia brasileira indica que o país “passa pela mais grave crise desde a década de 1880” e a renda per capita do ano de 2019 é “quase 9% menor ao do mesmo ano de 2014”, quando iniciou a recessão econômica, diz o economista Márcio Pochmann à IHU On-Line. Apesar de a renda nacional não ter aumentado nos últimos anos, “a riqueza dos já muito ricos segue aumentando, uma vez que o ônus de toda a crise tem sido repassado para a classe trabalhadora. Em 2018, por exemplo, enquanto o PIB teria variado 1,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, os ganhos financeiros foram multiplicados por mais de sete vezes”, menciona. E acrescenta: “Neste primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil fecha a primeira década perdida em termos econômicos do século XXI. Nos últimos 40 anos, o país acumula duas décadas perdidas”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o economista reflete sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira e sobre a inserção do país na revolução tecnológica. “A industrialização é a coluna vertebral de um país desenvolvido. Com a precoce desindustrialização brasileira, o Brasil regride à condição da procissão dos milagres descritos por Sergio Buarque de Holanda no seu livro a “Visão do Paraíso”, que predominou entre o início da colonização lusitana (1500) e o final da República Velha (1889-1930). Ou seja, a dependência do exterior determina o tipo de produção interna que deve ser fomentada para a exportação, conforme demonstraram os anteriores ciclos econômicos do açúcar, ouro, borracha, café e agora dos bens do agronegócio assentados na exploração dos recursos naturais e mão de obra barata”, avalia.

 

Márcio Pochmann (Foto)

Márcio Pochmann é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente é professor titular no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Entre seus livros, destacamos Políticas do trabalho e de garantia de renda – O capitalismo em mudança (São Paulo: Editora São Paulo); E-trabalho (São Paulo: Publisher Brasil, 2002) e Desenvolvimento, trabalho e solidariedade (São Paulo: Cortez, 2002). 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Como o senhor está analisando a conjuntura nacional, em especial a situação econômica do país? Como analisa especificamente os dados que apresentam uma lenta recuperação econômica?

Márcio Pochmann - O Brasil passa pela mais grave crise desde a década de 1880, quando o capitalismo se tornou o modo de produção dominante. Já são seis anos de uma economia paralisada no patamar quase 5% inferior ao registrado no ano de 2014, sendo a renda per capita do ano de 2019 quase 9% menor ao do mesmo ano de 2014. Isso se a renda nacional fosse equanimemente repartida, pois para 90% da população houve piora, salvo os 10% mais ricos, inclusive com o aumento da quantidade de bilionários.

Noutras palavras, a renda nacional não aumenta, porém a riqueza dos já muito ricos segue aumentando, uma vez que o ônus de toda a crise tem sido repassado para a classe trabalhadora. Em 2018, por exemplo, enquanto o PIB teria variado 1,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, os ganhos financeiros foram multiplicados por mais de sete vezes.

Com a crise, a aceleração do desmonte da sociedade urbana e industrial, o esvaziamento das políticas públicas, a ausência do Estado e o distanciamento das instituições de representação de interesses (partidos, sindicatos, associações estudantis e de bairros, entre outras) trazem consigo o protagonismo crescente de igrejas e de milícias e crime organizado.

Não há experiência internacional comprovada de país que conseguiu crescer sustentadamente com o receituário neoliberal atualmente aplicado no país. Neste primeiro ano do governo Bolsonaro, o Brasil fecha a primeira década perdida em termos econômicos do século XXI. Nos últimos 40 anos, o país acumula duas décadas perdidas. 



IHU On-Line - Como compreende a chamada Revolução 4.0?

Márcio Pochmann - O progresso tecnológico tem sido utilizado como ideologia de acomodação da classe trabalhadora diante da gravidade socioeconômica em que o país vive, pois ao se adotar do terrorismo de dados não comprovados de destruição de empregos, objetiva-se submeter à pacificação pelo acirramento da competição individual no interior do mundo do trabalho pelas falsas saídas da qualificação e flexibilização dos contratos do trabalho, todas elas de padrão de vida e trabalho rebaixadas.

Acontece que os países atualmente com maior avanço tecnológico (EUAAlemanhaChina) não são os que apresentam maiores taxas de desemprego, pelo contrário. Têm problemas por conta da precarização dos postos de trabalho gerados pelo receituário neoliberal, mas não desemprego tecnológico.

Países como o Brasil, por exemplo, com desemprego massivo e que tem 1/3 da força de trabalho à procura de uma ocupação, não se destacam pelo avanço tecnológico. Aliás, no Brasil os poucos setores com algum investimento tecnológico foram os que mais empregos criaram, como nos casos dos setores financeiros (casas lotéricas, fintech e outros) e telecomunicações (call center, TV por assinatura e outras). Em geral empregos precários como aqueles que se expandem com a adoção das novas tecnologias de comunicação e informação na mobilidade de pessoas e mercadorias, como Uber e outras modalidades. Em síntese, a tecnologia não determina emprego, mas a política de repartição dos ganhos de produtividade que abre a possibilidade de melhor gerir a relação entre o tempo de vida e trabalho, permitindo reduzir jornada de trabalho, postergando a idade de ingresso no mundo do trabalho.

Na primeira Revolução Industrial e Tecnológica - RIT, ao longo do século XIX, o tempo de trabalho heterônomo (aquele realizado para financiar a sobrevivência) comprometia 2/3 do tempo de vida humano, em geral. Durante o século XX, com a segunda RIT, a política de redistribuição dos ganhos de produtividadepossibilitada pela inovação tecnológica permitiu que o tempo de trabalho ocupasse 40% do tempo de vida, em média.

Não fosse o terrorismo praticado pela retórica atual da tecnologia dizimadora de empregos, cujo objetivo é o de impedir que o poder dos trabalhadores seja traduzido em poder político, capaz de reconfigurar a política de redistribuição dos ganhos de produtividade, o trabalho heterônomo poderia significar cerca de 1/5 do tempo de vida, com ingresso no mundo do trabalho após a conclusão do ensino universitário, educação para vida toda e jornada semanal de 12 horas de trabalho.

Sem que o poder dos trabalhadores se converta em poder político, o salto nos ganhos de produtividade continuará sendo favorável a maior concentração da renda, riqueza e poder. No Brasil, somente os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que outros 95% da população, assim como apenas seis homens brancos e velhos (Jorge Lemann - AB Inbev, Joseph Safra - Banco SafraMarcel Telles - AB InbevCarlos Sicupira - AB InbevEduardo Saverin - Facebook e Ermirio de Moraes - Grupo Votorantimconcentram, juntos, uma quantidade de riqueza que equivale à somatória do que ganha a metade da população brasileira.



IHU On-Line - Nas últimas décadas, muitos economistas têm chamado atenção para a desindustrialização brasileira e para a falta de investimento em ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, muitos apostam que o futuro da economia dependerá dos avanços da chamada Revolução 4.0. Diante desse contexto, ainda faz sentido o Brasil se preocupar com o fenômeno da desindustrialização?

Márcio Pochmann - A industrialização é a coluna vertebral de um país desenvolvido. Com a precoce desindustrialização brasileira, o Brasil regride à condição da procissão dos milagres descritos por Sergio Buarque de Holanda no seu livro a “Visão do Paraíso”, que predominou entre o início da colonização lusitana (1500) e o final da República Velha (1889-1930). Ou seja, a dependência do exterior determina o tipo de produção interna que deve ser fomentada para a exportação, conforme demonstraram os anteriores ciclos econômicos do açúcar, ouro, borracha, café e agora dos bens do agronegócio assentados na exploração dos recursos naturais e mão de obra barata.

12
Set19

“A Amazônia é propriedade do Brasil. É o Brasil quem tem que cuidar dela”, diz Lula ao Le Monde

Talis Andrade
media
Le Monde publicou uma entrevista exclusiva com o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira, 12 de setembro de 2019.Reprodução/Le Monde
 
 

O jornal Le Monde desta quinta-feira (12) traz uma entrevista exclusiva com o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, concedida na sala de imprensa da sede da Polícia Federal de Curitiba. Dizendo se sentir bem, moralmente e fisicamente, Lula ratifica sua inocência e se diz otimista sobre sua saída da prisão. Também falou sobre a soberania do Brasil sobre a Amazônia, mas defendeu o presidente francês, Emmanuel Macron, dos insultos de Jair Bolsonaro e membros do governo brasileiro.

“Sempre tive excelentes relações com todos os presidentes franceses, de esquerda como de direita, com Chirac, Sarkozy e Hollande. Sou solidário a Emmanuel Macron, depois dos insultos contra sua esposa. Foi uma grosseria injustificável, e isso não tem nada a ver com o povo brasileiro”, afirma o ex-presidente, em entrevista ao novo correspondente do Le Monde no Brasil, Bruno Meyerfeld.

Entretanto, Lula discorda da questão evocada por Macron sobre internacionalizar a floresta amazônica. “A Amazônia é propriedade do Brasil. Ela faz parte do patrimônio brasileiro. É o Brasil quem tem que cuidar dela. Isso não quer dizer que é preciso ser ignorante, que a ajuda internacional não é importante. Mas a Amazônia não pode ser um santuário da humanidade. Lembro que 20 milhões de pessoas vivem lá, precisam comer e trabalhar. Devemos também cuidar deles, levando em consideração a preservação do meio ambiente”, diz.

Para Lula, é preciso que os brasileiros reajam e se mobilizem pela defesa da natureza. O líder petista lembra ao Le Monde que durante seu governo foram criados fundos, financiados pela Alemanha e a Noruega, para proteger a floresta, além de 144 zonas naturais protegidas, permitindo diminuir o desmatamento ilegal. “Não podemos esperar nada de Bolsonaro e seus ministros sobre essa questão”, avalia.

 

"Governo de destruição"

Ao ser questionado sobre Bolsonaro, Lula adota um tom cáustico, afirmando que o atual presidente brasileiro destrói a educação, os direitos dos trabalhadores e a indústria brasileira. “É um governo de destruição, sem nenhuma visão de futuro, sem programa, que não é qualificado para o poder. É por isso que Bolsonaro diz tantas besteiras, que ele insultou a esposa de Macron e Michelle Bachelet, que ele briga com Maduro. É a loucura total. E, ainda por cima, se submete totalmente a Trump. Nunca vi disso!"

O líder petista também minimiza a vitória de Bolsonaro nas últimas eleições, avaliando que discursos reacionários sempre atraíram eleitores. “Bolsonaro é, antes de tudo, o resultado de uma rejeição da política. Nesses momentos da história, nos quais a política é tão odiada, as pessoas se apegam ao primeiro monstro que encontram. É lamentável, mas aconteceu”, diz.

Apesar da forte rejeição de parte dos brasileiros, Lula não acredita que o PT deva fazer uma autocrítica. Para o ex-presidente, apesar do intenso antipetismo, a sigla consegue chegar em primeiro ou segundo lugar a cada eleição há vinte anos. “Fernando Haddad obteve 47 milhões de votos. É muito! Sim, perdemos uma eleição, é verdade. Mas perder é normal na democracia. Não podemos ganhar sempre. No Brasil, há muitos antipetistas, mas também muita gente que acredita no partido, e outros ainda que precisam ser convencidos”, afirma.

Ao comentar sua esperança de sair da prisão, Lula não poupa críticas a Sérgio Moro, quem acusa de se articular com procuradores e mentir à Suprema Corte. Mas o ex-presidente está convicto de que um dia deixará o cárcere e “que um dia as pessoas serão responsabilizadas sobre o que aconteceu neste país”.Lula também afirma ao Le Monde não temer por sua vida, caso seja libertado. “O Brasil é um país de paz, com um povo que ama a vida. (…) Quero sair da prisão e falar com o povo. Sou um homem sem espírito de vingança, sem ódio. O ódio queima o estômago, dá dor de cabeça, dores nos pés! E eu estou bem, justamente, porque estou do lado da verdade. E, no final, é sempre ela que ganha”, conclui. 

 

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