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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

16
Mar23

“A elite brasileira é uma elite de ladrão”, diz Jessé Souza ao lançar livro na França

Talis Andrade
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Por Adriana Brandão /RFI

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O livro “A Elite do Atraso”, do sociólogo brasileiro Jessé Souza, acaba de ser publicado na França pela editora l’Harmattan, com tradução de Jean-Luc Pelletier. Em francês, a obra ganhou o título de “Le Brésil et ses élites; l’esclavage em héritage” (O Brasil e suas elites, a escravidão como herança). O sociólogo reinterpreta o Brasil de um outro modo e afirma que no país “corrupta, é a elite”.

O sociólogo Jessé Souza
O sociólogo Jessé Souza RFI
 
 

Depois de passar uma temporada na França dando aulas na Sciences Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris, Jessé Souza está agora em Berlim, e conversou com a RFI por telefone.

O sociólogo é autor de mais de 15 livros, alguns deles publicados em inglês e alemão, que renovam a análise da questão social no Brasil e explicam o país sob um outro prisma. A “Elite do Atraso” é o seu primeiro livro lançado em francês.

Na obra, o autor critica clássicos da sociologia brasileira, como “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, e “Carnavais, Malandros e Heróis”, de Roberto da Matta. “Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Raymundo Faoro, Fernando Henrique Cardoso, Roberto DaMatta, ou seja, são as cabeças mais brilhantes do Brasil dos últimos 100 anos”, detalha. Esses autores ainda são muito usados e citados na França e Jessé Souza espera que o lançamento de “Le Brésil et ses élites” ajude os franceses a entender melhor o Brasil.

“O Brasil é percebido tanto pelos intelectuais como pelo povo inteiro de um modo elitista. Ou seja, foi criada no Brasil uma identidade nacional que é sempre produto desses grandes intelectuais que montaram uma ideia do Brasil que humilha o povo, chama esse povo de corrupto e eleitor de corruptos”, explica.

O sociólogo indica que essa teoria foi “antes de tudo, feita em São Paulo, sob os auspícios da elite paulista, para se livrar de Getúlio Vargas, o primeiro presidente a tentar a inclusão popular”. A versão da história que Jessé de Souza quis contar, “a história real”, segundo ele, é que “a elite é o problema. Quem rouba é a elite, por exemplo, por uma dívida pública que nunca foi auditada. O Brasil, no fundo, não tem nada a ver com Portugal. O Brasil tem a ver com a escravidão”, afirma.

 

Capa do livro do autor Jessé Souza
Capa do livro do autor Jessé Souza © Divulgação

 

Política criminalizada

A análise de Jessé Souza é alvo de críticas que dizem que ele minimiza a corrupção de políticos no Brasil. Ele responde que “o político, obviamente, ele é corrompido”, mas salienta que isso não pode ser usado como bode expiatório do processo histórico de dominação e de reprodução da desigualdade em um país rico.

“O importante é que a corrupção, no Brasil e em outros lugares, é realizada no mercado pelos proprietários”, que se beneficiam, por exemplo, de isenção fiscal. O sociólogo também faz uma comparação com a violação dos direitos dos povos indígenas brasileiros. “Essa coisa que está acontecendo no Brasil hoje, matando índio para tirar madeira, isso tudo é a elite brasileira funcionando, roubando. O nome disso é corrupção. Isso é ilegal, é contra a Constituição”.

Ele cita ainda o rombo das Americanas como mais uma prova de que “corrupta, é a elite”: “esse cara, Jorge Paulo Lemann, deu um cano de R$ 40 bilhões, entendeu? E esse cara era tido como um grande empresário do Brasil. A elite brasileira, é uma elite de ladrão.”

Jessé Souza espera que isso fique “claro para o povo brasileiro (que) aprendeu a se perceber, ele e seus representantes, como corruptos. Daí a ideia de criminalizar a política como único lugar da corrupção”. Ele acredita que “criticar as ideias é o primeiro passo, e o passo mais importante, para você mudar uma sociedade. É isso que é preciso compreender”.

 

Restituir a inteligência popular

O livro “A Elite do Atraso” foi publicado inicialmente no Brasil em 2017 com o subtítulo “Da escravidão à Lava Jato”. Em 2019, ganhou uma nova edição com o subtítulo “Da Escravidão a Bolsonaro”. Depois da reeleição de Lula em 2022, a obra continua mais pertinente do que nunca na opinião do sociólogo.

“O Lula continua falando exatamente contra os juros altos do Banco Central e você vê toda a imprensa o atacando por isso, por exemplo. Ou seja, essa elite não morreu. É uma luta desigual, né? Então, o Lula está dentro de um contexto extremamente hostil, adverso a ele.”

Para evitar novos “golpes”, como o que derrubou a presidente Dilma Rousseff e abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro, Jessé Souza espera que o novo governo compre “a batalha cultural” e a disputa narrativa com implantação de uma imprensa plural que explique ”para essas pessoas por que elas são pobres, por que elas não têm futuro num país que é rico”.

O principal desafio do atual governo, de acordo com Jessé Souza, é restituir a inteligência popular: “no fundo, o povo brasileiro, que é um povo inteligente como qualquer outro povo, foi imbecilizado pela elite e por sua imprensa. E você tem que restituir a inteligência popular”. Leia mais:

24
Ago22

‘É impressionante que um país de escravidão tão longa tenha a autoconcepção de que não é violento’

Talis Andrade

Nem a democracia nem a República estão consolidadas", diz Lilia Schwarcz -  Controversia

 

 
Por Ana Ávila
 

 

Nos anos 1980, quando a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz começou a pesquisar questões raciais no Brasil, teve que começar por convencer os colegas de que tinha um problema de pesquisa. “Na época, essa era quase uma falsa questão. Como eu sou um pouco triste, como Lima Barreto, eu persisti no tema”, diz ela. O Brasil que sempre se acreditou uma democracia das raças, há 35 anos tinha ainda mais dificuldade de reconhecer as diferenças que viviam dentro de si. Quando Lilia propôs um censo etnográfico, dentro da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, foi acusada de estar criando discriminação. Mas, filha de imigrantes, nascida em uma família judia, seguiu.

Em 1988, ela foi uma das professores responsáveis por uma pesquisa da USP que perguntou aos brasileiros se tinham algum preconceito racial. Resultado: 96% disseram que não. À segunda pergunta – se o entrevistado conhecia alguém que tinha – 99% responderam que sim. “Quando a gente pedia para descrever o grau de preconceito, nós não pedíamos nomes, mas as pessoas queriam dar. Era sempre, ‘meu melhor amigo’, ‘minha mãe’, ‘minha avó’, ‘meu tio’. A gente brincava que todo brasileiro se sente uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados”, lembra ela.

Desde então, Lilia se tornou uma das maiores pesquisadoras do tema no país, dá aulas na USP e em Princeton, nos Estados Unidos, publicou livros como “O espetáculo das raças” e “Brasil: Uma biografia” (em co-autoria com Heloísa Starling) e agora lança “Triste visionário: Lima Barreto”, uma biografia que busca os traços sociais da vida de um dos mais importantes escritores brasileiros. Lima, escritor negro, que se dizia anarquista, a favor do maximalismo, a ala mais radical da Revolução Russa, era um autor fora da curva que, segundo sua biógrafa, pagou caro por suas posições junto à crítica da época.

De passagem por Porto Alegre, Lilia conversou com o Sul21 sobre o que faz o Brasil ser, ao mesmo tempo, o país da miscigenação e de tantos preconceitos e sobre o que a vida de Lima Barreto, na virada do século XIX para o XX, diz de nós.

 

Lilia Moritz Schwarcz: 'Não é um acaso que Lima Barreto vem sendo retomado  agora'Lima Barreto - Triste visionário - Dois Pontos

 

Sul21: O Brasil nunca teve apartheid na lei, mesmo assim, a segregação segue sendo um traço latente da nossa sociedade. Porto Alegre é apontada como a capital mais segregada do país, por exemplo. Como esse racismo silencioso nos atinge?

Lilia Moritz Schwarcz: Eu sempre digo que esse é um aspecto importante, que a gente não tenha nenhum apartheid na lei. Por outro lado, o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, recebeu uma média de 50% dos africanos que saíram compulsoriamente do seu continente, teve uma lei curtíssima de inclusão social, que não previu qualquer tipo de aporte ou cuidado com essas populações. O que nós vimos no período pós-emancipação foi uma continuidade da escravidão, mas sem o sistema formal. Nada foi feito no sentido de mudar, pensando em programas de suporte, moradia, educação. Não houve nenhum projeto de inclusão dessas populações. Eu estudo um autor, o Lima Barreto, que justamente era uma voz isolada, que acusava a invisibilidade dos negros. Eu dei uma palestra na PUCRS, com quatro textos dele, brincando que o “negro não existe no Brasil”, porque basta não querer olhá-lo. Ele fala que existe esse processo de invisibilidade, não só das populações negras, mas também dos indígenas, das mulheres. O Brasil teve uma Constituição maravilhosa em 1988, uma constituição que previu a inclusão social. Nesses 30 anos, as pesquisas mostram que o Brasil não ficou um país mais justo. Para resumir, não temos uma discriminação no corpo da lei, mas a própria sociedade produz as suas regras e, nessa produção coletiva, a gente vai se revelando, como uma República muito falha, com instituições muito frouxas. Isso tudo são termômetros para medir a nossa democracia que vai muito mal, obrigada.

[Este correspondente como representante do Sindicato dos Jornalistas de Pernanbuco na Fenaj, participou de um congresso de jornalistas em Porto Alegre na década de 60/70, quando os profissionais de Recife mantiveram contato com embaixadas de todos os Estados. Era hora de almoço, e havia uma natural fraternidade, quando de repente um jovem negro começou a chorar. Ficamos todos espantados, porque o gaúcho confessou que nunca tinha sido tratado como 'igual' pelos confrades de Porto Alegre]

 

Sul21: Embora tenhamos resistência em aceitar, nós somos uma sociedade de preconceitos. Que traços contribuíram para isso?

Lilia: Eu sempre digo que o presente está cheio de passado. Mas, a gente tem que tomar muito cuidado com essa frase, porque eu também não estou propondo um comodismo. “Isso é o passado, nós recebemos isso, não há nada a fazer”. Ao contrário. A gente está recriando as políticas de racismo. O Brasil foi uma colônia, não se passa pelo fato de ser colônia, organizada a partir de grandes propriedades, que nos geraram práticas de mandonismo local, de protecionismo, de favores, sem consequências. O Brasil não só foi o último país a abolir a escravidão, como teve escravidão em todo o seu território. Isso cria uma naturalização de que o trabalho não é digno, que o trabalho manual não é bom. Há um preconceito que vem desse contexto. Em terceiro lugar, acho que temos que falar dos patrimonialismos. Nós herdamos essa burocracia pesada de Portugal, a recriamos, e temos esse costume de não acreditar nas leis. Há um provérbio da época da Colônia que diz “quem rouba muito é barão, quem rouba pouco é ladrão”. Nós estamos vivendo esse contexto. O patrimonialismo é o mau uso da verba pública, que é efetivada para fins privados. A corrupção é uma ponta desse iceberg. Ela deteriora as nossas instituições republicanas totalmente.

 

Sul21: Falando do passado, o Brasil tem um problema para lidar com a memória. Isso também contribui para esses traços?

Lilia: Há uma diferença entre memória e História. Eu acho que não só nossa História carrega invisibilidades, como nós temos uma memória coletiva e afetiva que vai desconhecendo a violência que impera no país. É impressionante que um país de escravidão tão longa, de um sistema que supõe a posse de um homem pelo outro, tenha uma autoconcepção de que não é um país violento. Esse é um país extremamente violento. Os dados mostram números de estupros, o que fazemos com as crianças, casos de pedofilia, como somos uma sociedade muito homofóbica. E, mesmo assim, a gente guarda a memória de que somos um país pacífico. Quando eu escrevi “Brasil: Uma biografia”, as pessoas diziam: “nós tivemos só uma guerra”. Como assim “só uma guerra”? Nós tivemos uma guerra reconhecida, que foi a Guerra do Paraguai (1864-1870). Mas, se você pensar a quantidade de quilombos, de revoltas, de insurreições, não há como ser um país pacífico diante dessa nossa realidade estrutural, dentro de uma desigualdade imensa. As pesquisas mais recentes mostram uma concentração dos benefícios públicos, que gera problemas na educação, na cultura, nas áreas que são centrais para qualquer sociedade cidadã, que gera violência. Ou a gente enfrenta essa questão, essa nossa memória que é tão recôndita, ou a gente vai continuar partilhando dessa desigualdade.

 

Sul21: O que diferencia esse racismo à brasileira, de outros países como os europeus, Estados Unidos, África do Sul?

Lilia: A primeira coisa que a gente tem que deixar claro é que nenhum racismo é bom. Estou lendo agora, porque vou comentar a exposição do Jonathas Andrade, que é pautada numa pesquisa [sobre raça e classe], do Charles Wagley, encomendada pela Unesco, [nos anos 1950]. Ele fala exatamente que o racismo no Brasil é mild. É leve. Em geral, o suposto é: 1) que não temos apartheid, porque não temos na lei; 2) que temos um preconceito de marca, ou seja, em vez de ter preconceito na origem, vemos no fenótipo, se a pessoa é branca e manipulamos a cor social. Essa manipulação de cor social, depende da circunstância, do contexto, do local. O Lima Barreto descreve seu principal vilão, o Cassi, casado com a Clara dos Anjos (livro homônimo): “Cassi é branco para a linguagem do subúrbio, mas quando ele toma o trem da Central, ele é negro como são os brasileiros”. No Brasil, a gente manipula a cor. Há quem diga que isso é um racismo mais fluído. Eu discordo. Acho que são outras maneiras de falar de hierarquia. São maneiras de tentar driblar a ideia e dizer que nosso preconceito é menor, que, na verdade, nós não temos, que não há problema de raça no Brasil. Basta ver os dados do Censo, pra entender que raça é um plus. Os negros são mais discriminados no transporte, na saúde, no lazer, nas taxas de nascimento e morte. Não me parece que é um racismo leve.

 

Sul21: Tu trabalhas com o conceito de “raça social”. Pode explicá-lo melhor?

Lilia: Muita gente acha que não devemos ter cotas, porque só existe uma raça, a humana. Eu concordo. Biologicamente, o conceito de raça não se sustenta. O que me interessa como antropóloga e historiadora é entender não o conceito da biologia, mas como nós, brasileiros, manipulamos o conceito de raça. Mesmo que não exista o conceito biológico, nós, no nosso dia-a-dia, produzimos essas diferenças e chamamos de raça. As professoras colocam alunos negros no fundo da classe, porque dizem que eles são menos inteligentes e não precisam ficar na frente, porque não vão aprender. Eu já ouvi crianças dizendo que queriam ser anjos, mas que as professoras não deixam porque anjos precisam ser brancos. As batidas policiais param muito mais negros do que brancos. As grandes autoridades do dia-a-dia, porteiros de shopping, hotéis, bancos, só brecam pessoas negras. Então, ok, temos que concluir que raça é uma só, raça humana, mas tem que concluir também que a sociedade produz uma segunda natureza. E essa segunda natureza se enraiza em nós, como se fosse realidade. Vamos discutir pra sempre que a biologia não existe ou vamos enfrentar essa realidade? Por isso que eu chamo de raça social.

 

Sul21: Falando em cotas raciais, por que no Brasil temos tanta resistência para aceitá-las e por que tantos casos de fraude? A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, acaba de anunciar uma comissão para checar a auto-declaração de alunos cotistas, para evitar isso. 

Lilia: Eu tenho uma defesa por cotas há muito tempo. Não só porque acho que, com esse passado todo de que falamos, é preciso igualar para desigualar, mas, eu também defendo cotas pelo lado “positivo”, que é conviver com as diferenças. Eu trabalho com um grupo na USP que se chama “Mais é mais”. Trabalhamos com alunos negros, alunos que tiveram pelo menos três anos em escola pública, e a gente tenta fazer com que eles fiquem na universidade. Não basta só entrar. A experiência que eu tenho é que eles me ensinam muito, porque falam de lugares e experiências que eu não conheço. [Sobre as fraudes], o que a gente tem é que construir uma sociedade mais cidadã para, de alguma maneira, evitá-las. O primeiro trabalho é de conscientização, não é de persecução, porque há muito moralismo na nossa sociedade. Não se trata de atacar aquela pessoa que fez, mas de atacar essa sociedade que permite que aquela pessoa faça. Eu fico muito mais preocupada com esse trabalho mais amplo, para a sociedade, para que ela entende a importância das cotas. Essa comissão de verificação é uma comissão que me apavora. Porque eu estudei o século XIX, eu estudei as teorias de darwinismo racial, elas podem virar políticas de humilhação. Como você vai comprovar [sua raça]? Vai constranger? Vai constranger. Vai impedir? Não vai impedir. Fizemos uma primeira etapa, instituímos as cota, agora precisamos conseguir aprimorá-las.

 

Sul21: Tu estudaste essa questão do racismo científico no Brasil no livro “O espetáculo das raças”. Pode falar um pouco sobre esse período?

Lilia: Estudei as instituições científicas e culturais do século XIX: institutos históricos, museus etnológicos, faculdades de Medicina e de Direito. Estarrecida, notei que o Brasil da democracia racial estava a um passo do apartheid social. E que essas teorias do darwinismo racial eram de grande penetração na nossa sociedade. Elas ganham força no momento de desmontagem da escravidão e criam uma outra forma de desigualdade, na minha opinião, mais severa, que é uma desigualdade pautada na biologia. A suposição dessas teorias é que, não só as raças corresponderiam a realidades diferentes, mas a mestiçagem corresponderia à degeneração do indivíduo e da nação. Existiam alguns estigmas para comprovar essa degeneração: tuberculose, alienação, tatuagem, anarquismo e uma culpabilização dos traços das populações afro-brasileiras. O que vai acontecer é que essas teorias propõem modelos de apartheid social. As teorias ficam fortes entre 1880 até 1930 e, em 1950, elas ainda eram parte do currículo da Academia de Polícia e das faculdades de Direito. Então, o passado é bem próximo.

 

Sul21: Como o racismo científico influenciou a biografia de Lima Barreto?

Lilia: O Lima Barreto viveu nesse período de desmontagem do Império, sobretudo durante a Primeira República, nesse período que a gente chama de pós-emancipação. Um período que prometeu muita inclusão social e entregou muita exclusão. Eu sempre dou esse exemplo, acho ele muito forte, nós somos uma República cujo Hino Nacional é do Império. “Ouviram do Ipiranga, às margens plácidas”. Que eu saiba, quem estava no Ipiranga, era Dom Pedro II, não era [Marechal] Deodoro [da Fonseca]. Nós temos um Hino da República, que diz: “nós nem cremos que escravos outrora, tenham havido em tão nobre país”. É só um pequeno exemplo, junto com todos os outros que eu dei, de invisibilidade social. Lima Barreto foi um escritor que falou o tempo todo sobre discriminação, a nível pessoal e a nível coletivo também, acusou o tempo todo o racismo e era leitor do darwinismo racial. Por isso, foi muito perseguido também e escanteado. Diferente de outros escritores, ele tinha seu lado de intelectual propriamente dito. Uma pessoa que se pronunciava, que comparecia, que clamou muito por direitos, que era contra a política dos Estados Unidos e a favor dos africanismos, em um momento em que nem se reconhecia a existência de um problema. Era como plantar no deserto.

 

Sul21: Qual a importância de discutir a biografia dele hoje? Com novas perguntas em cima dela, como tu tens falado?

Lilia: Lima Barreto tinha uma biografia fundamental, escrita por Francisco Assis Barbosa, em 1952, e também tem críticos sensacionais. Uma questão que eu sempre digo para meus alunos, quando a gente vai fazer um projeto, é que uma parte dele é definir um objeto. Vamos dizer que meu objeto é Lima Barreto. A outra parte, tão fundamental quanto, é definir que questões você fará para seu objeto. A gente tem que fazer a mesma coisa para as sociedades contemporâneas. Eu perguntei ao Lima, com os textos dele, sobre questões como o racismo, feminismo, gênero, região, classe social, geração (o fato de Lima se definir como “dos novos” e se opor a Machado de Assis).

 

Sul21: Por que a escolha pelo título “Triste Visionário”, que parece carregar uma contradição em si?

Lilia: Eu fiz de propósito, porque a biografia toda é marcada por essa perspectiva de um personagem muito ambíguo, muito contraditório, como somos todos nós. Francisco de Assis Barbosa escreveu em um momento em que ninguém conhecia Lima Barreto. Ele tinha que construir esse personagem, apresentar como uma vítima da sociedade. E ele foi, mas no livro eu tento mostrar que nem sempre ele tinha uma postura de admirar. Ele foi muito contra João do Rio e a questão da homossexualidade, por exemplo. Era uma pessoa com projeto de entrar na literatura pela via do contra, que nem sempre era agradável. Além da contradição entre “triste” e “visionário”, você tem a contradição dos próprios termos. Triste é uma pessoa caída, chateada, é um termo que Lima Barreto usa muito. Mas, em São Paulo e no Rio, quando a gente fala que uma pessoa é triste, é também porque ela não desiste. Se pensar em visionário, pode pensar em alguém à frente de seu tempo, mas se pegar no Lima mesmo, ele usa visionário no “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, quando Floriano Peixoto, que é o único personagem histórico propriamente dito, entra no romance e os dois têm uma conversa ríspida, porque Policarpo quer introduzir o tupi-guarani como língua nacional. Floriano diz: “Policarpo, tu és um visionário”. Então, para o Lima, visionário é uma pessoa de visão, mas é também uma pessoa louca, ensandecida. Floriano não está fazendo um elogio. Tentei dar essa ambiguidade nessa relação dos termos.

 

Sul21: Sobre a importância dele, na literatura? Por que passado quase um século da morte dele, a presença de escritores negros com destaque na literatura brasileira ainda é tão escassa?

Lilia: O professor Alfredo Bose tem uma definição que eu gosto muito. Ele diz que Lima Barreto, Luis Gama e Cruz e Sousa não se conheceram, mas existe um fio existencial que os une. Esse fio é a dor e é a experiência das populações negras, no Brasil. Se você pensar em 1890, no censo, 50% da população era negra. No censo de 1900, tiraram o critério racial para não constatar que a população seria muito mais, se você pensar na subnotificação. Lima Barreto vai falar em um momento em que, a despeito da população afro-descendente ser majoritária, você conta em uma mão os autores que diziam fazer uma literatura negra. Eu não acredito que existe uma literatura negra como forma. O que existe, na minha opinião, é uma literatura como a de Lima que, primeiro, dá protagonismo para personagens negros. Segundo, as situações que vivem esses personagens negros fazem enorme diferença na narrativa. O que é muito importante. E terceiro, ele descreve com imenso cuidado a cor dos personagens. Ou seja, para ele, a raça importa.

 

Sul21: Que história dele tu achas que ajuda a resumir quem foi Lima Barreto?

Lilia: Há muitas histórias. Eu adoro uma definição dele, que ele diz que no Brasil, não há povo, só há público. Ele não podia imaginar a internet, mas nunca foi tão atual essa ideia de que aqui não há povo, só público. Tem uma passagem que eu gosto muito, quando foram fazer uma recepção na Embaixada do Chile e ele foi convidado. Todo mundo entrava, ninguém pedia convite, mas pra ele pediram. Então, ele escreveu: ‘para mim, pediram convite, e eu não gostei’.

12
Jul22

"Bolsonaro faz discurso violento, típico de um covarde", diz Lula

Talis Andrade

Correio Braziliense

 

Lula critica duramente o chefe do Executivo e fala sobre combate à fome

 

por Carlos Alexandre de Souza, Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Ana Maria Campos /Correio Braziliense

 

Lula chega nesta terça-feira (12/7) a Brasília para participar de um ato público, às 17h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Também vai cumprir agenda com empresários de vários segmentos da economia. Uma programação para, entre outros assuntos, tentar desconstruir o antipetismo com a ideia de uma aliança ampla para "reconstruir o Brasil".

Nesta entrevista, o ex-presidente explica que quer manter o auxílio de R$ 600 e que seu compromisso é novamente tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU. "Isso é um compromisso de vida. É a prioridade."

Sobre ataques do bolsonarismo aos seus apoiadores ou ameaças ao processo democrático das eleições, Lula diz que "Bolsonaro faz um discurso violento, cheio de bravata, bem típico de um covarde, que tenta estimular a violência no país". Também chama o atual presidente de "mentiroso".

 

No primeiro mandato, o senhor disse que não descansaria enquanto alguém passasse fome no Brasil. A fome voltou. Vai repetir esse compromisso?

Sim. Isso é um compromisso de vida. Conseguimos, com toda a sociedade, criar políticas públicas e promover inclusão social que tirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU, e agora estamos de volta. Essas políticas públicas foram desmontadas, e a fome voltou. Não tem por que o Brasil ter milhões de pessoas, milhões de famílias e crianças passando fome. Nós vamos resolver isso, é a maior prioridade.

 

Acredita que Bolsonaro vai respeitar o resultado da eleição?

Ele tem de respeitar. Não é opção dele.

 

O senhor já disse que é contra as RP9, as emendas de relator ao Orçamento, e que vai acabar com elas. Porém, para acabar, é preciso acertar com o Congresso. O Congresso, hoje, manda no Orçamento e, para 2023, vai tornar impositivas também essas emendas de relator. Como fará para acabar com elas, uma vez que até na oposição tem gente que apoia essas emendas e diz ser melhor ficar independente do governo?

Vamos conversar sobre isso com o Congresso eleito pelas urnas de 2022. Por isso, será muito importante o voto para deputado e senador nesta eleição. Eu acho que o país não pode ter algo chamado "orçamento secreto". Eu quero que o país tenha um orçamento participativo, com as pessoas podendo participar pela internet, opinar no destino dos recursos dos seus impostos.

 

Se vencer a eleição, vai manter o Auxílio Brasil a R$ 600?

Eu quero manter. O PT queria que o Auxílio fosse de R$ 600 já em 2020. Bolsonaro que fez uma coisa engraçada: criou uma série de benefícios em período eleitoral que duram até dezembro. Depois disso, vale a palavra do Bolsonaro, que não vale nada, como o mundo sabe, porque todo mundo sabe que ele é um mentiroso.

 

O senhor é contra o teto de gastos. E Bolsonaro encomendou uma bomba fiscal de R$ 41 bilhões? Isso não é irresponsabilidade fiscal?

Eu governei oito anos com responsabilidade fiscal, social, econômica, com todo o tipo de responsabilidade possível, sem precisar de teto nenhum. Em nenhum país existe esse teto. Nem no Brasil, onde a toda hora se cria uma exceção ao teto. O maior problema de teto no Brasil são as milhares de famílias que viraram sem teto nas grandes cidades, morando nas ruas. Esse é o teto que me preocupa.

 

Derrotar Bolsonaro é seu objetivo. Mas ele tem aliados em diversos estados. Onde estão os maiores desafios?

O povo brasileiro viveu meu governo. Saí da presidência com grande aprovação. E o povo brasileiro tem lutado para sobreviver ao governo do Bolsonaro, em que muitos morrem de covid, de fome, de tiro. Em que as pessoas buscam osso, buscam carcaça de frango, porque não podem comprar carne. Ele não tem muitos aliados, porque estão vendo nas pesquisas que não é uma boa se associar a ele. Então, em Minas, no Rio de Janeiro, em São Paulo os candidatos dos partidos dele estão é escondendo ele.

 

E no Distrito Federal? Ibaneis é aliado do presidente.

Vamos ver se essa aliança vai se firmar, inclusive pelo comportamento de Bolsonaro, que está longe de ser alguém confiável ou estável. Acho triste, no Distrito Federal, com tantos servidores públicos, as pessoas votarem em alguém que desrespeitou tanto o funcionalismo como Bolsonaro.

 

O PT já reconheceu todos os seus erros?

O PT é o maior partido do país, com centenas de milhares de filiados e milhões de simpatizantes. Governamos vários estados e cidades do país, várias vezes, com pessoas diferentes. Nada na vida é perfeito, sempre podemos aprender e melhorar, mas sempre respeitamos a democracia. Não sei se todos que desrespeitaram a democracia, derrubando uma presidenta honesta e elegendo um fascista, achando difícil a escolha entre ele e um professor que é um dos gestores públicos mais qualificados do país, não sei se eles reconheceram todos os seus erros.

 

Por que o antipetismo ainda é tão forte?

Porque o petismo é forte. E porque, para derrotar o PT após quatro vitórias eleitorais, foi necessário acumular muita mentira, estimular muita gente de extrema direita a sair do armário para derrotar um partido que construiu políticas sociais contra a fome e a pobreza, que foram inspiração e modelo no mundo todo.

 

Bolsonaro pode perder, mas o bolsonarismo continuará. Concorda?

Em qualquer país existe parte da população, uma minoria pequena, de extrema direita. A diferença é que Bolsonaro os estimulou, fez parecer bonito ser ignorante, exibir grosseria e preconceito, ser violento. Vamos ver depois da eleição como ficará o bolsonarismo. Bolsonaro foi, por 28 anos, um deputado irrelevante. Agora, será um grande trabalho consertar o estrago que ele fez no país: na questão ambiental, ao espalhar armas, atuando contra a ciência, a educação, contra nossas universidades. Será um grande trabalho que eu, junto com Alckmin, com a nossa experiência, e com toda a sociedade brasileira, não quero perder tempo, quero, desde a primeira hora, trabalhar para consertar o país.

 

Seus adversários mais ferrenhos afirmam que o PT jamais fez o mea-culpa do mensalão e do petrolão e que o senhor não foi inocentado. Como está se preparando para responder a essas argumentações ao longo da campanha?

Quem diz que eu não fui inocentado é alguém desesperado, que não tem a grandeza de admitir que me acusou injustamente, depois de termos provado a abertura de processos completamente forjados e parciais contra mim, como disseram meus advogados desde a primeira defesa que apresentaram, ainda em 2016. Eu venci em mais de duas dezenas de casos na Justiça. Juristas de renome internacional, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Itália, da Argentina, ficaram chocados com o absurdo da minha condenação por "atos indeterminados", quando leram a sentença do Moro. Fui absolvido na Justiça em Brasília da acusação de envolvimento em desvios na Petrobras e em outras empresas públicas, por meio de decisão definitiva. Nem os procuradores de Brasília recorreram da sentença que falava que as acusações tinham objetivos políticos. Eu fui o político mais investigado do país, e não acharam nada contra mim. Mas, depois de tantas e tantas mentiras contra mim e minha família, tem gente que não quer dar o braço a torcer.

A denúncia do tal "petrolão" foi recusada pela Justiça de Brasília. Pessoas foram condenadas no mensalão por um voto, que deve ter sido escrito pelo Moro, que admitia que não tinha provas contra mim. A Lava-Jato de Curitiba soltou executivos de empresas e diretores da Petrobras que eles descobriram que roubavam desde os tempos do PSDB, em troca de um bando de mentiras em delações. E destruíram as empresas, destruíram projetos de desenvolvimento, destruíram empregos. Os delatores foram soltos com parte do dinheiro, não tem nenhum mais preso, e milhões de trabalhadores honestos das empresas ficaram desempregados. Os adversários mais ferrenhos apostam nisso porque não sobrou mais nada para dizer, depois do desastre deles na economia, na educação e, inclusive, no combate à corrupção. Na época dos governos do PT, foram feitas as principais leis de combate à corrupção e também foi feita a Lei da Transparência. Hoje, com Bolsonaro, tudo é sigilo de 100 anos.

 

Sua campanha já foi vítima de dois ataques, um no triângulo mineiro, com um drone que atirou fezes sobre os seus apoiadores, e, na última quinta-feira, no Rio de Janeiro, com uma bomba caseira de fezes atirada contra o público. Como o PT e o senhor vão tratar desses temas? Como vai se preparar, por exemplo, para o 7 de Setembro, que hoje preocupa alguns partidos e até a Justiça Eleitoral?

Eu não gosto de comentar segurança, temos os responsáveis pela área, que cuidam disso. Em ambos os casos que citou, reagiram rápido, o sujeito do drone foi preso, o homem que jogou a bomba, também. O Bolsonaro faz um discurso violento, cheio de bravata, bem típico de um covarde, que tenta estimular a violência no país, inclusive, tivemos essa tragédia em Foz do Iguaçu. Isso de 7 de Setembro, ele, inclusive, já tentou antes. Não deu certo aquela vez e não vai dar certo de novo.

 

A redução no preço dos combustíveis tem sido difundida pelos bolsonaristas nas redes sociais como uma vitória do presidente e a PEC dos Benefícios é vista como um gol de Bolsonaro, porque não deixou margem para o PT votar contra a proposta, restou a obstrução. Como vai lidar com esse tema na campanha?

Também estamos tranquilos com isso. Tem gente que pensa que o povo é bobo. O Bolsonaro ficou três anos e meio no poder, não liga para nada, fica passeando de moto e espalhando mentira; chega perto da eleição, tenta comprar o voto do povo, que está em uma situação difícil, vendo o preço de tudo subir cada vez que vai ao supermercado. Aliás, em vez de reduzir os preços dos combustíveis enfrentando a questão da paridade internacional dos preços da Petrobras, abrasileirando os preços dos combustíveis aos custos em reais, monta esse pacote em cima de um calote nos governadores e prefeitos, tirando dinheiro da saúde e da educação nos estados e municípios. Se essa verba chegar para o povo, o povo tem mais que pegar o dinheiro — o PT não vai ser contra auxílio — e depois votar com sua consciência. O povo vai avaliar como Bolsonaro tem desrespeitado os trabalhadores, as mulheres, como foi um desastre na pandemia, que não tem nada de bom para apresentar, e vai votar contra ele.

 

Muita gente confunde Lula com o PT. Há quem diga que o partido só faz o que senhor quer e há quem diga que o senhor só faz o que o PT quer. Quem está certo?

Nenhuma das duas falas. Quem diz isso não conhece o PT, o que é até uma pena para quem acompanha política não saber da diversidade e da vida interna intensa do PT. No PT tudo é discutido, tudo precisa ter convencimento, se ouvem as divergências, se vota. O PT não é um partido que o secretário-geral fala, e ninguém responde. O PT é um partido nacional, espalhado em todo o país, com diretórios estaduais, municipais. E eu tenho muito orgulho de ser um dos fundadores do PT, mas, ao mesmo tempo, eu não quero ser candidato só do PT. Quero ser, junto com o Alckmin, candidato de uma aliança que, hoje, tem sete partidos, que tem apoio de pessoas de outros partidos, além desses sete, e quero ser candidato de um movimento de reconstrução do Brasil para ser presidente de todos os brasileiros.

Eu quero me reunir em janeiro, talvez até em dezembro, com os 27 governadores eleitos, para, juntos, resolvermos os problemas do país. Me reunir com os prefeitos. Não importa se gostam ou não de mim. Eu, quando fui presidente, respeitei a todos. Não fiquei pedindo para empresário me apoiar, não fiquei perguntando se ele votava em mim. Respeitei todas as religiões, todos os brasileiros, representei este país no exterior, busquei investimentos externos e mercados para nossas exportações. Eu sou uma pessoa que respeita a democracia, que gosta de ouvir a opinião dos outros, e respeito a divergência. O Brasil precisa voltar a ter diálogo, ter paz e ter um presidente que trabalhe para resolver os problemas. É a isso que quero dedicar os próximos quatro anos da minha vida.

 

12
Jun22

Parvoíces de Bolsonaro levam 33 milhões de brasileiros a passar fome

Talis Andrade

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por Paulo Fernando dos Santos, Paulão

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A volta da fome ao Brasil é escandalosa e revoltante. Principalmente por que mostra ao mundo inteiro a incapacidade, a incompetência e o desleixo do atual governo para com o povo brasileiro. O País está sem norte e sem gestão responsável, notadamente, quando se trata de cuidar bem das pessoas que mais precisam.

Os números revelados pelo 2º Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil nos remete a uma tristeza profunda. São aproximadamente 33,1 milhões de brasileiros passando fome no Brasil em 2022, o que representa mais de 15% da nossa população.

O levantamento aponta para um descaso sem precedentes desse desgoverno do senhor Jair Bolsonaro, quando nos mostra que 58.7% da população sofre com a insegurança alimentar em algum grau neste 2022. Na verdade, isso é um crime contra as pessoas que mais precisam de atenção do poder público.

Mas, na sua cruzada de retrocessos, Bolsonaro destruiu o País, quando desmontou as políticas públicas que surgiram durante os governos do Presidente Lula para cuidar bem das pessoas vulneráveis. Ao tempo em que tirou a comida da mesa dos pobres, ele simplesmente fez crescer os lucros dos banqueiros, investidores do mercado e dos seus apoiadores do agronegócio, essa gente rica do País, para quem ele só “governa”.

Em síntese, o desmonte das políticas públicas de combate à fome e a miséria no Brasil só fez piorar o cenário econômico e acirrou ainda mais as desigualdades sociais. Portanto, não foi cenário da

pandemia e nem os efeitos da guerra na Ucrânia, mas sim o despreparo, a arrogância e o descaso criminoso de Bolsonaro, que apareceu neste mundo para destruir qualquer que fosse o projeto de futuro, sonhado pelas camadas mais pobres deste País.

Combater a miséria foi uma missão bem sucedida do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, logo que assumiu seu primeiro mandato no Brasil. Com políticas de inclusão social, garantindo que cada pode brasileiro fizesse as três refeições por dia, ele conseguiu tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU, em 2014. Assim, foi registrada a marca de 36 milhões de brasileiros fora da linha da miséria. Isso se deu de forma transparente e responsável, conforme a própria Organização das Nações Unidas, via FAO, reconheceu. Essa marca está na história e o presidente Lula recebeu um prêmio internacional com essa conquista do nosso povo.

Agora, infelizmente, o Brasil volta ao Mapa da Fome de forma vergonhosa e criminosa. Bolsonaro há de ser responsabilizado para responder pela sua parvoíce e omissão ao acabar com o Programa Bolsa Família, ao destruir o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, ao destruir educação e a merenda escolar no País e com isso colocar mais de 30 milhões de pessoas na miséria.

Jair Bolsonaro é um ser desprezível que precisa ser freado na sua sanha destruidora. Que o povo brasileiro pense exatamente nisso, quando chegar a hora de dizer #ForaBolsonaro.

Charge Erasmo Spadotto - Menino com Fome - Portal Piracicaba Hoje

Charge: Barriga cheia. Por Miguel Paiva

José Guimarães - No Brasil com Bolsonaro, a fome voltou! Charge: Nando  Motta | Facebook

08
Jun22

Vozes da diversidade ecoam no jornalismo feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras

Talis Andrade

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Tendo alcançando certa sustentabilidade financeira, parte deste jornalismo insere no mercado de trabalho grupos que historicamente encontram barreiras discriminatórias para acessá-lo. Imagem: acrítica

 

Juliana Freire Bezerra /Objethos

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O Dia da Imprensa aconteceu na última quarta-feira (01/06). Em alusão à essa data comemorativa, o relatório Diversidade, Equidade e Inclusão: “devemos passar do discurso à ação” foi lançado pelo observatório de informação Media Talks. O documento é formado por um conjunto de artigos e entrevistas que discutem práticas concretas de incentivo à diversidade na mídia e como elas podem ser melhoradas, bem como as consequências da falta de pluralidade de visões e opiniões na indústria da comunicação. Especialistas e jornalistas de várias partes do mundo, incluindo o Brasil, foram ouvidos quanto a essa questão.

A jornalista brasileira radicada em Londres e uma das organizadoras do Relatório, Luciana Gurgel (2022, s/p.), explica que a diversidade não é “uma causa que interessa apenas a profissionais de imprensa em busca de oportunidades iguais às de colegas que não fazem parte de grupos minoritários ou historicamente marginalizados na profissão”. Embora esta por si só já seja uma grande questão, a discussão sobre a diversidade compreende também que a qualidade e a pluralidade das informações jornalísticas podem ser maiores ou menores, a depender de quem esteja ocupando os cargos de repórter, fotógrafo, editor, chefia (GURGEL, 2022).

É que, segundo os parâmetros internacionais aprovados pela Unesco em 2005, ações concretas de diversidade na mídia buscam representar a heterogeneidade humana, contidas no pensamento, na cultura, na fala de grupos sociais historicamente silenciados, como as mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, imigrantes, maiores de cinquenta anos, LGBTQIA+ (GURGEL, 2022). No caso específico do jornalismo, ela pode incidir nas escolhas de outras pautas investigadas, fontes consultadas, formas de apuração, bem como em novas estratégias de apresentação e socialização de informações, que sejam próximas e condizentes com as realidades vivenciadas por aquelas populações.

Embora seja um valioso instrumento nesta direção, uma sólida formação sobre as contradições sociais, em que sejam desenvolvidas também a empatia e a escuta atenta, não pode ser o único caminho percorrido pelo jornalismo para a visibilização de vozes e saberes pouco escutados. Esta questão levantada pelo professor e pesquisador da Universidade Carlos III de Madri, Luis Albornoz, em uma das entrevistas contidas no Relatório do Media Talks, lembra-nos que a diversidade abarca uma discussão já antiga em torno do direito das cidadãs e dos cidadãos de não apenas serem informadas (os), mas também de poderem comunicar suas versões da História. Se nas décadas de 1970 e 1980, a tônica deste debate se dava em torno da democratização dos meios de comunicação social (RAMOS, 2005), hoje compreende também a democratização do acesso aos cargos de decisão de grande parte da mídia, que continua preponderantemente concentrada nas mãos de poucos, em geral de homens brancos da elite econômica.

No contexto brasileiro, o assunto tem repercutido na imprensa tradicional – após pressões sociais -, mas ainda de forma tímida. Concretiza-se nos poucos casos de contratação de profissionais negros nas redações, na inserção de algumas mulheres entre vários homens em uma equipe de decisão do jornal, na busca por ouvir de vez em quando fontes especialistas que comumente não eram consultadas no noticiário televisivo, nos espaços e tempos conferidos a falas mais plurais.

Não por acaso, é justamente na práxis dos jornalismos desvinculados da imprensa tradicional e gestados por uma equipe dirigente com outro perfil, que as possibilidades de associar Direito ao Trabalho e Direito à Comunicação, tão caros à temática da diversidade, acontecem de forma mais robusta no país.  Em especial, destaca-se no Brasil o trabalho desenvolvido pelo jornalismo profissional feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras. Tendo alcançando certa sustentabilidade financeira para remunerar seus profissionais e assumindo como critério fundamental a contratação de pessoas provenientes das periferias e favelas brasileiras, parte deste jornalismo insere no mercado de trabalho grupos que historicamente encontram barreiras discriminatórias para acessá-lo. Fortalecem este movimento em torno da diversidade nas redações as iniciativas jornalísticas Voz das Comunidades, Nós, mulheres da Periferia, Desenrola e não me enrola, Periferia em Movimento, Favela em PautaAlma Preta, Amazonia Real, Agência Mural.

Das mãos e das mentes dos (as) Sujeitos (as) Periféricos (as) e Favelados (as) (pessoas negras, indígenas, brancas, jovens e experientes, femininas e masculinas), que dirigem, coordenam e produzem esse jornalismo, nascem histórias pouco contadas sobre as periferias e favelas brasileiras. Com o olhar apurado e sensível de um (a) morador (a) favelado (a) e/ou periférico (a), os (as) jornalistas destas iniciativas revelam que aquelas realidades não se resumem à violência, à pobreza e ao tráfico de drogas como historicamente foram retratadas. Visibilizando pautas, personagens, fontes, que até então eram desconhecidas publicamente, geram conhecimentos plurais sobre os diversos Brasis existentes no nosso país e mostram que a cultura periférica e favelada é pura potência, dinâmica em termos econômicos, intelectuais, políticos, artísticos. Faz parte do compromisso histórico deste jornalismo também denunciar a ausência e os desmandos do Estado nestas realidades. Complexificando e por muitas vezes corrigindo a imprensa comercial, por conhecerem intimamente as realidades sociais a que se reportam, iniciativas com esse perfil se aproximam dos preceitos e princípios estabelecidos pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, como a defesa dos Direitos Humanos. Ciente da relação entre a diversidade da força produtiva e a qualidade dos produtos jornalísticos, a Agência Mural de Jornalismo das Periferias, em São Paulo, disponibiliza em seu site uma declaração sobre essa questão.

“Nossa rede de correspondentes comunitários é formada por dezenas de comunicadores que moram ou cresceram em bairros de 36 distritos e em 17 cidades da região metropolitana de São Paulo. Temos entre 18 e 60 anos e somos de diferentes credos e religiões, etnias e raças, gênero e orientação sexual, além de possuirmos formação em várias áreas — jornalismo, publicidade, secretariado, economia, entre outros. Como uma agência de jornalismo, a diversidade em nossa redação colabora para que a nossa apuração e produção jornalística considerem, respeitem e promovam a pluralidade de visões de mundo que constrói a identidade das periferias paulistanas. Como moradores de lugares onde os índices de desenvolvimento humanos (IDH) são baixos, buscamos expor realidades além das violências sofridas — habitualmente exploradas na imprensa tradicional — e contar histórias a partir de perspectivas que não são consideradas oficiais: a dos cidadãos (residentes nas localidades onde o correspondente também mora)”

Redações diversas como essa, com cargos de decisões ocupados por pessoas que historicamente estiveram fora deles por motivações racistas, homofóbicas ou de discriminação de gênero, classe e/ou território, têm, portanto, a potencialidade de gerar cumulativamente versões múltiplas, e não únicas, sobre o que ocorre no mundo. E embora seja válido o argumento de que não há como garantir no plano individual que, ao ocupar um cargo de poder, alguém detentor de uma característica específica – seja quem for – irá caminhar no sentido do aprofundamento democrático, é certo que, coletivamente, as chances de redações diversas e inclusivas contribuírem na prática para o avanço do aprendizado social acerca das lutas por cidadania são altíssimas. O jornalismo feito sobre, para e a partir das periferias e favelas brasileiras tem escancarado isto e ao que parece a imprensa tradicional brasileira tem muito a aprender com ele.

11
Out21

Fome: não é falta de alimentos

Talis Andrade

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Por Ladislau Dowbor /Carta Maior / Blog do Miro

Ter fome no Brasil é um escândalo. Nos seus 8,5 milhões de quilómetros quadrados, equivalentes a 850 milhões de hectares, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017, nós temos 353 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas. Usa-se estabelecimentos, e não propriedades, porque há proprietários que são donos de numerosos estabelecimentos. Tirando áreas não agricultáveis, temos 225 milhões de hectares de solo agrícola, um imenso potencial de expansão da produção. No entanto, a análise do uso efetivo do solo, a lavoura, mostra que temos apenas 63 milhões de hectares de cultivo, somando agricultura permanente e agricultura temporária. Isso significa que do total de terras agricultáveis (225 milhões) e do que efetivamente usamos para cultivo (63 milhões) restam (arredondando), 160 milhões de hectares de solo agrícola parado ou radicalmente subutilizado com a chamada pecuária extensiva. Trata-se de uma área equivalente a 5 vezes o território da Itália. O Brasil, junto com as savanas africanas, apresenta a maior extensão de solo agrícola parado do mundo. Lembrando ainda que o Brasil tem as maiores reservas de água doce.

Não se trata de falta de gente para trabalhar a terra. O Brasil tem 212 milhões de habitantes, dos quais 148 milhões representam a população em idade de trabalho, entre 16 e 64 anos. A subutilização da mão de obra é quase tão absurda como a subutilização do solo agrícola. A força de trabalho é de 106 milhões de pessoas. Nestes, temos apenas 33 milhões de empregos formais privados, os que asseguram carteira de trabalho, aposentadoria, emprego efetivo. No setor público temos 11,5 milhões de pessoas, assim que a totalidade de emprego formal é da ordem de 45 milhões, frente a 148 milhões de adultos e 106 milhões que se declaram na força de trabalho. No setor informal, de pessoas que “se viram”, sem direitos, e com em média a metade de renda do trabalho formal, temos 38 milhões de pessoas, imenso potencial subutilizado. Acrescente-se os 15 milhões de desempregos abertos, pessoas que buscam ativamente emprego, mas não conseguem, e cerca de 7 milhões estimados como sendo “desalentados”, ou seja, não aparecem na força de trabalho porque cansaram de procurar. Ou seja, como ordem de grandeza temos 60 milhões de adultos subutilizados.

Ter tanta terra parada e tanta gente parada é um desafio estrutural, resultado de elites que dominam a terra, usam uma proporção pequena, e quando a usam é essencialmente para uma agricultura de exportação que gera pouco emprego. O país é hoje muito urbanizado, cerca de 87% da população vive em cidades. Essa urbanização é recente, fruto de um êxodo rural que se deu em particular durante a ditadura, quando houve expulsão da população rural para as cidades pela expansão dos latifúndios; ao mesmo tempo em que a expansão da classe média e média alta, característica do mini-milagre econômico dos anos 1970, atraía gente do interior pela perspectiva de emprego, expandindo as hoje imensas periferias metropolitanas. Temos terra parada, gente parada, e milhões vivendo com fome e na miséria em torno de prósperas metrópoles.

Acabar com o escândalo da fome no Brasil não constitui um desafio técnico ou de falta de recursos, e sim um desafio de organização política e social. Entre 2004 e 2014, o Brasil implementou um conjunto de políticas que tiraram o país do mapa da fome da FAO, isso que desde sempre parecia que o problema era insuperável. A criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário para apoiar a agricultura familiar, gerando políticas como o “Programa de Aquisição de Alimentos”, o “Luz para Todos” que expandiu a eletrificação no campo, o programa de merenda escolar, a elevação do salário-mínimo, o apoio a programas como “Um Milhão de Cisternas” no quadro da Articulação do Semi-Árido (ASA) e tantas outras iniciativas permitiram reduzir drasticamente o drama da fome, um drama secular resolvido em uma década. O Brasil tem bons técnicos e políticos capazes de implementar programas que promovem o desenvolvimento, e as coisas que devem ser feitas são evidentes. Inclusive hoje contamos com todo o aprendizado desta década que o Banco Mundial chamou de “década dourada da economia brasileira”, entre 2003 e 2013.

As pesquisas apresentadas por Renato Maluf mostram com que facilidade os avanços podem ser desestruturados, resultando hoje em 19 milhões pessoas com fome, e 116 milhões em insegurança alimentar [ i]. Com a liquidação do MDA, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, quebrou-se uma poderosa ferramenta de articulação de políticas do conjunto da cadeia alimentar. Retiraram-se os fundos que promoviam a construção de cisternas no Nordeste, medida particularmente cruel, pois se trata de um programa que desempenhava um papel essencial para as famílias mais pobres, com custo limitadíssimo e grande impacto produtivo. De forma geral, toda prioridade no mundo rural passou a ser dada ao complexo agroindustrial de exportação, setor que gera poucos empregos, tem impactos ambientais desastrosos, e praticamente não paga impostos (Lei Kandir de 1996). A agricultura foi reorientada para os interesses dos traders internacionais e nacionais de commodities, enquanto o conjunto da cadeia agroalimentar para o mercado interno foi desestruturado.

Vendeu-se ao país a narrativa de que a excessiva generosidade com os pobres por parte dos governos populares constituiu populismo irresponsável, que a Constituição de 1988 “não cabia no orçamento” e que doravante iriam “consertar” a economia. A realidade é que entre 2003 e 2013 a economia cresceu em média 3,8% ao ano, apesar da crise mundial de 2008, e que entre 2014 e 2019, ainda antes da pandemia, houve uma queda média anual de 0,4%. Em 2021, a economia Brasileira está abaixo do que era em 2011, e a fome no Brasil é superior ao que era em 2004. Não foi a política de inclusão social que não cabia no orçamento, e continua não cabendo, é a extração de recursos pelo sistema financeiro.

Carlos Lessa resume: na fase Fernando Henrique os bancos aumentaram os seus lucros ao ritmo de 11% ao ano, e na fase do governo popular, 14% ao ano. O volume de juros pagos aos bancos, sobre a dívida pública, as empresas e as famílias atinge cerca de 20% do PIB. O dreno financeiro é geral no mundo, qualificado de “financeirização”, mas atingiu um nível grotesco no Brasil, com taxas de juros ao mês equivalentes ao que nos demais países se cobra ao ano. Lembrando que desde 2003 os juros cobrados pelos bancos foram liberados, já que o artigo 192º da Constituição, que qualificava agiotagem como crime, tinha sido retirado. Com economia produtiva estrangulada, Dilma tentou, entre 2012 e 2013, reduzir as taxas de juros, por meio da CEF e do Banco do Brasil, e buscou dinamizar a produção com repasses para a indústria. As empresas, ganhando mais com aplicações financeiros do que com investimentos produtivos, não se interessaram. A financeirização se tornou mais forte ainda. O processo golpista, “cozinhando” o governo no interminável debate jurídico, que se estendeu de 2014 (Lava-Jato, paralisia da Petrobrás, Odebrecht e outros) até o início de 2016, permitiu à mídia colocar a crise no colo da Dilma. Não foi a política de inclusão de 2003 a 2013 que quebrou a economia, mas os ataques e promoção da “austeridade”. O essencial, em termos políticos e econômicos, era travar o processo distributivo e voltar a expandir os ganhos financeiros.

Guido Mantega resume a prova de força: “Em 2012-2013, começamos a atacar o spread dos bancos. Liberamos os bancos públicos para colocar mais crédito na economia com juros menores, fazendo concorrência. Os bancos privados baixaram o spread a contragosto. Fizemos inclusive uma campanha contra as tarifas dos bancos, que eram enormes no Brasil… isso nos custou uma luta política que nos desgastou. Começou a ter matérias na The Economist e no Financial Times criticando a nossa gestão, dizendo que estávamos intervindo. Eles estavam respondendo aos interesses do grande capital internacional. E os bancos locais também ficaram possessos com as nossas atividades, porque foi a primeira vez que o lucro deles começou a cair” [ii]. Enfrentar os interesses dos intermediários financeiros foi acima da força política do governo, a ofensiva geral começou em 2013, degenerou com a Lava Jato e a guerra eleitoral em 2014. A partir de 2014 a fase distributiva da política brasileira estava encerrada. A desigualdade, o travamento da economia e a fome voltaram a dominar.

O capital não pode ao mesmo tempo ser drenado por atividades financeiras especulativas e dinamizar a produção e o consumo. O endividamento das famílias trava o principal motor da economia, a demanda popular. As empresas, endividadas, também sofrem com a fragilidade da demanda, e têm a opção de fazer aplicações financeiras em vez de investimentos produtivos, aplicações que não geram produto nem emprego. O travamento da demanda e da produção – as empresas no Brasil trabalham com cerca 30% de capacidade ociosa – reduziram as receitas do Estado, tanto pelo lado do imposto sobre o consumo como sobre as atividades produtivas. O óbvio ululante da economia é que quando as famílias reduzem o consumo, as empresas não têm para quem vender, e o Estado recebe menos impostos, o que o leva a reduzir investimentos públicos e políticas sociais, gerando um círculo vicioso [iii]. A pandemia apenas agravou a estagnação pré-existente.

A razão de trazermos, para além da fome, a questão da política distributiva, é que não se trata, no Brasil, de um problema de falta de alimentos. Só de grãos produzimos o equivalente a 3,2 quilos por habitante por dia. O arroz e o feijão que produzimos é superior ao que toda a população poderia consumir. Mas o que produzimos no agronegócio é essencialmente para exportação, porque com a moeda desvalorizada os traders que comercializam nossa produção agrícola lucram 5 reais com cada dólar exportado, seja arroz, soja, milho ou carne. Além disso o solo que usam e monopolizam, produtivo ou não, não paga imposto, mesmo que represente uma fortuna acumulada: o ITR (Imposto Territorial Rural) simplesmente não é cobrado. E o produto exportado, com a Lei Kandir, desde 1996 é isento de imposto. Os bilionários que ganham fortunas com o processo tampouco pagam impostos: desde 1995 lucros e dividendos distribuídos são isentos. Criamos um paraíso especulativo, centrado no setor primário, mas com alta tecnologias e grandes volumes. Trata-se de um neo-colonialismo tecnificado.

Por outro lado, o pequeno e médio agricultor – que é quem alimenta o país, produz mais de 70% do alimento no mercado interno, gera emprego e dinamiza a pequena indústria de transformação de alimentos – perdeu o apoio que representavam as políticas distributivas do país e os sistemas de fomento direto. Os preços do arroz explodem, não por excesso de demanda, pois a população tem pouco poder de compra, mas porque resta pouco produto no mercado interno.

Em visita a uma cidade do interior, encontrei um amplo desemprego e subemprego, e muita terra parada em volta. Inúmeras cidades no mundo aproveitam o entorno rural para um cinturão verde horti-fruti-granjeiro que assegura empregos, alimento fresco, pequena transformação local, e dinamização econômica. O dinheiro investido retorna. O imenso impacto de sofrimento e de infância fragilizada, com futuro comprometido, que essa elite está gerando, é uma catástrofe para o país. A fome no Brasil, e em tantos lugares do mundo, não é um problema econômico, e muito menos de falta de alimento, e sim de falta de vergonha. E os responsáveis têm nome.

Notas
[ i] Renato Maluf – Fome no Brasil – entrevista Renato Maluf no Youtube – abril 2021, 52 min. – Texto da pesquisa aqui e entrevista em https://www.youtube.com/watch?v=Ynb_FT9dtzk
[ii] Guido Mantega – Entrevista no 247, 25 de junho de 2021
[iii] Veja L. Dowbor – Contas públicas: entenda a farsa – 2020

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04
Set21

Com 27 anos de história, Grito dos Excluídos vai às ruas dia 7

Talis Andrade

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Protestos no dia 7 de setembro acontecem desde 1995. Este ano, o Grito soma-se à campanha nacional #ForaBolsonaro

 

“Estar nas ruas é um ato democrático e, na Semana da Pátria, é um tempo favorável para seguirmos firmes nessa defesa”, afirmam os organizadores do “O Grito dos Excluídos”, movimento que mobiliza os trabalhadores do campo e da cidade desde 1995, quando ocorreu o primeiro manifesto público no dia 7 de setembro. O Grito dos Excluídos e das Excluídas é dos eventos mais tradicionais da história de luta do povo brasileiro.

Este ano, o movimento se une à campanha nacional #ForaBolsonaro, contra o desemprego e contra a fome que assolam o país. “Estamos vivendo um momento de crises – social, ambiental, sanitária, humanitária, política e econômica – sobretudo causadas pela ação nefasta de um governo genocida, negacionista e promotor do caos que visa principalmente destruir, de qualquer forma, a democracia e a soberania do nosso país”, denunciam.

“O Grito dos Excluídos e das Excluídas é um processo de construção coletiva, é muito mais que um ato. Por isso, nossa luta não se encerra no dia 7 de Setembro”, afirma a coordenação do movimento. “Nossa luta é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. O Grito é uma manifestação popular carregada de simbolismo, espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas da população mais vulnerável”. 

O grande ato para tirar o genocida do poder é também contrário aos cortes na educação, contra a reforma administrativa e as privatizações, e em defesa da vacina contra a Covid-19, que matou mais de 581 mil pessoas no país.

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O primeiro “Grito”, em 1995

O primeiro Grito dos Excluídos, realizado em 7 de setembro de 1995, aconteceu em 170 localidades do país e teve como lema “A Vida em Primeiro Lugar”.

A proposta dos protestos surgiu em 1994 durante a 2ª Semana Social Brasileira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com o tema Brasil, alternativas e protagonistas, inspirada na Campanha da Fraternidade de 1995, com o lema: A fraternidade e os excluídos.

A partir de 1996, as manifestações foram assumidas pela CNBB, que aprovou o Grito em sua Assembleia Geral, como parte Projeto Rumo  ao  Novo  Milênio (PRNM).

 

#ForaBolsonaro em todo o país

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Assim como o Grito dos Excluídos, os protestos pelo #ForaBolsonaro, que iniciaram em maio deste ano, têm o intuito de unir grupos, entidades e movimentos sociais que estão comprometidos com as causas das pessoas excluídas em um governo mal administrado.

O povo brasileiro voltará às ruas no dia 7 de setembro em todas as regiões do país e no exterior. O grande ato é, ainda,  contra o discurso de ódio de Bolsonaro que estimula a discriminação contra os povos tradicionais, a exclusão de grupos vulneráreis e a posse de fuzis ao invés de comida no prato. (Confira os locais das manifestações aqui).

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13
Mai21

Enquanto o povo passa fome, Bolsonaro faz churrasco

Talis Andrade
Marcio Vaccari | Humor Político – Rir pra não chorar
 
Maria do Rosário no Twitter
 
Maria do Rosário
O 13 de maio de 1888, apesar de marcar a data oficial do fim da escravatura no Brasil, na verdade, deu início à falsa ideia de que as pessoas negras teriam sido inseridas em uma sociedade que os trataria com dignidade e em condições de igualdade. Isso nunca aconteceu.
Nossa homenagem à força e talento da maravilhosa RUTH DE SOUZA. No Centenário de seu nascimento a ⁦⁦⁩ e o ⁦⁦⁦⁩ destacam sua trajetória pela cultura e pela liberdade no Brasil. Viva Ruth! ⁦⁦
Centenário de Ruth de Souza - Fundação Perseu Abramo
fpabramo.org.br
Intolerável. Num país em que se fomenta o ódio contra as mulheres e se promove a violência, esta cultura faz uma vítima a cada 100 minutos. É preciso q políticas de prevenção, educativas e de acolhimento de mulheres observem este dado, além da responsabilização dos estupradores.
@universa_uol
EXCLUSIVO: A cada 100 minutos, Brasil registrou pelo menos um caso de estupro coletivo.Image
Desigualdade extrema. Desrespeito extremo à vida humana.
Não paga 600 reais pra q famílias passem o mês e comprou quantos quilos dessa picanha à 1.799 o quilo pra almoçar? Sem-vergonhice.

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Enquanto o povo passa fome, Bolsonaro faz churrasco com picanha que custa R$1.799 o quilo
20
Nov20

Assassinato de João Alberto gera onda de repúdio no Direito brasileiro

Talis Andrade

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CRIME EM PORTO ALEGRE

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ConJur - O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, na véspera do Dia da Consciência Negra, causou comoção no meio jurídico brasileiro. O crime, cometido dentro de uma unidade do supermercado Carrefour de Porto Alegre por dois seguranças do estabelecimento, gerou indignação de magistrados e advogados de todos os cantos do país.

Leia a seguir as manifestações de repúdio dos profissionais do Direito brasileiro ao brutal assassinato do gaúcho de 40 anos:

Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal
"O Dia da Consciência Negra amanheceu com a escandalosa notícia do assassinato bárbaro de um homem negro espancado em um supermercado. O episódio só demonstra que a luta contra o racismo e contra a barbárie está longe de acabar. Racismo é crime."

Pierpaolo Bottini, advogado
"É chocante, assustador, aterrador. E não é a primeira vez. Não se trata de um caso pontual, ou de violência esporádica. É a agressão institucionalizada, empresarial, comercializada. Até quando vamos aturar a contratação da barbaridade, do racismo, da banalização da vida? Até quando empresas de segurança vão se gabar da truculência de seus funcionários? Até quando supermercados vão contratar esses serviços, revelando mais apreço a mercadorias do que a vidas? É hora de deixar de lado qualquer compostura e gritar por um basta."

Luiz Flávio Borges D’Urso,  advogado criminalista
"Justamente no Dia da Consciência Negra, todos ficamos sabendo da deplorável ocorrência da véspera, em uma loja do Carrefour na cidade de Porto Alegre, onde um cliente negro foi espancado até a morte por seguranças do supermercado. A reação a esse episódio deve ser legal e política, pois a sociedade brasileira não tolera mais esse tipo de comportamento que fere a consciência civilizada de nosso povo."

Camila Torres, advogada
"Tenho o entendimento de que é possível pedir reparação para o povo negro, fazendo com que isso se reverta em políticas, em ações que trabalhem contra o racismo. Então seria feito um pagamento à família da vítima e uma indenização que seria destinada à população em geral, a ser revertida para essas ações."

Yuri Carneiro, criminalista
"Temos duas consequências possíveis que serão discutidas em juízo. Mesmo que eles aleguem uma legitima defesa, o vídeo mostra que ocorreu ali o que o chamamos de Direito Penal de excesso em legítima defesa. Isso no mínimo. A legitima defesa só é uma tese válida quando se atua no sentido de parar a agressão. Não foi o caso."

Maíra Fernandes, criminalista
"Nesse dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, dói saber que, não bastasse o luto, ainda é preciso explicar que João Alberto foi vítima do racismo estrutural que parte da sociedade insiste dizer que não existe. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. Quantos mais precisarão morrer para que sejam tomadas medidas antirracistas reais em nosso país? Para além da responsabilidade civil do estabelecimento nesta morte trágica, é preciso que o episódio suscite a responsabilidade coletiva na luta por respeito e igualdade racial: esse é um dever de todas as empresas, dos três Poderes da República, de toda a sociedade."

Adib Abdouni, criminalista e constitucionalista
"As imagens divulgadas são prova contundente do excesso doloso havido na abusiva abordagem, feita com o emprego de violência desmedida contra a vítima. É patente o despreparo profissional dos autores das agressões que resultaram em morte, que responderão por homicídio doloso qualificado (Código Penal, artigo 121 parágrafo 2º, inciso II)."

Fernanda Tórtima, especialista em Direito Penal
"Não basta dizer que é inaceitável a situação. É preciso punir com rigor. É necessário investigar profundamente, inclusive a conduta de terceira pessoa que se encontra ao lado dos seguranças. É preciso verificar se houve instigação por parte de terceiras pessoas."

Claudio Bidino, criminalista
"Ainda que as empresas não possam ser responsabilizadas criminalmente, exige-se atualmente cada vez mais delas que assumam um papel proativo na prevenção e repressão dessas e outras infrações. Um histórico de irregularidades é um indício claro de uma política ineficiente de compliance, que, nos dias de hoje, não pode fechar os olhos para o racismo estrutural que permeia a nossa sociedade."

Marcus Vinicius Macedo Pessanha, advogado
"Por mais que nossa Constituição afirme que todos são iguais perante a lei e que nossa sociedade é baseada na solidariedade e na inclusão, de tempos em tempos percebemos que nosso racismo é estrutural e velado, estando incutido nos valores e relacionamentos. Basta que vejamos o reduzido número de negros em posição de destaque e liderança em grandes grupos empresariais e em cargos eletivos. Dessa forma, as ações afirmativas e demais políticas de inclusão social e recomposição da dívida histórica da sociedade possuem embasamento claro e livre de questionamentos em nosso ordenamento jurídico."

Diego Henrique, criminalista
"Em pleno Dia da Consciência Negra, uma das principais redes de supermercado do país, mais uma vez, demonstra que a carne negra é a mais barata. Vale destacar que este não foi um episódio isolado, 'problemas' com clientes negros em supermercados são recorrentes, vale lembrar de recente incidente no qual dois estrangeiros foram arrastados desmaiados para fora do estabelecimento após serem agredidos por funcionários."

Jorge Maurique, advogado, ex-presidente da Ajufe
"Cresci a poucas quadras onde ocorreu o cruel assassinato em Porto Alegre de um cidadão brasileiro, morto mediante pancadas de forma cruel! Me sinto triste e impotente diante de tanta barbárie. Isso aconteceu no século 21, no meu estado natal! Insuportável para alguém como eu, que dedicou a vida inteira à justiça, saber que isso aconteceu na cidade que amei e morei por tantos anos!"

Clique aqui para ler a manifestação da OAB

28
Fev20

de Eduardo de Paula Barreto

Talis Andrade

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GRADES DERRETIDAS

As máscaras dos hipócritas
Tornaram-se transparentes
E as candidaturas mitológicas
Mostraram-se incompetentes
Para lidar com a realidade
De um País que na verdade
Precisa de gente capaz
Para fortalecer a Democracia
E garantir a soberania
Sem comprometer a paz.


O Brasil já foi pujante
E respeitado em todo o Globo
Quando o seu governante
Era um homem do povo
Que teve como prioridade
Reduzir as desigualdades
E promover a inclusão
Desagradando as elites
Que nunca admitem
Que se reparta o pão.


Diante do fracasso dos golpistas
E de tantas amarguras
Muitos se tornaram saudosistas
E pediram o retorno de Lula
Que por ter certa a vitória
Sofreu a ação predatória
Que o fez prisioneiro
Para impedi-lo de voltar
À presidência e aumentar
A autoestima dos brasileiros.

 

Quanto maior a perseguição
Maior é a resiliência
Daquele que traz no coração
O apreço pela resistência
Que fortalece o destemido
Que vê em cada inimigo
Uma fonte de motivação
Para transformar as agruras
Em espada e armadura
Para cumprir sua missão.

 

O calor da indignação
E a chama da verdade
Derreteram as grades da prisão
Que foi fruto da arbitrariedade
De pessoas sem caráter
Que instalaram tais grades
Fundadas na injustiça
Pensando que assim
Decretariam o fim
Do espírito estadista.


A verdade venceu a mentira
O bem venceu o mal
E a lealdade venceu a perfídia
Que fingiu ser justiça imparcial
Agora para o Brasil ser feliz
O cidadão honorário de Paris
Deixará a injusta clausura
Para recolocar o País nos eixos
E o primeiro passo para tal feito
Será o seu nome nas urnas.

 

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