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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

01
Out21

Doentes atrapalham a economia

Talis Andrade

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por João Paulo Cunha

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Em meio a tantos absurdos que se somam a cada dia, foi revelado de forma quase natural a raiz de tanto horror no combate à pandemia pelo governo federal: doentes fazem mal à economia. 

Depois de uma sequência de inépcia, descaso, militarização, charlatanismo, falta de empatia, desprezo à ciência, crueldade, corrupção e outros crimes, a verdade final foi dita com todas as letras. Havia um pacto, uma aliança, uma estratégia ditada a partir da economia. Ou melhor, como foi explicitado, do Ministério da Economia. As digitais de Paulo Guedes não estão apenas nas planilhas dos péssimos números das finanças públicas, mas nas quase 600 mil vidas perdidas.

Todos devem se lembrar da antiga e insensata disputa apresentada entre a dimensão sanitária e econômica da pandemia. Parecia que havia se estabelecido um dilema entre sanitaristas e economistas, sobre a melhor forma de enfrentar a doença e suas consequências para a sociedade. Na falsa contraposição, um lado não se importava com as baixas para os negócios e empregos; o outro não tinha sensibilidade para a dor das famílias. O desprezo pelas ciências da vida se escorava numa preocupação com a vida material. Chegou-se a dizer que padeceríamos de mais mortes por desemprego e suicídio do que pelo vírus.

Na verdade, a divisão foi apresentada pelo governo federal como anistia para sua ação negacionista no combate à doença, que apostava na morte como saída biológica inevitável, travestida na ideia de imunidade coletiva ou de rebanho. Por isso não cabia investir em testes, vacinas, atendimentos e medidas não farmacológicas. Era só deixar a morte fazer seu trabalho saneador e suspirar um desumano: “e daí, todo mundo morre um dia”. Há um componente sadomasoquista no fascismo. De um lado, defende-se o extermínio dos fracos; de outro, submete-se ao poder como forma de se sentir próximo a ele. O fascista é antes de tudo um covarde.

O que vem sendo revelado nos últimos dias é mais grave e profundo. Não houve apenas uma abordagem equivocada em termos científicos, mas um plano traçado estrategicamente para que chegássemos aonde chegamos. As mortes por covid-19 não foram uma consequência, mas um instrumento utilizado com método. Além do Ministério da Saúde, foram convocados tanto alguns profissionais da área, como falsos profetas do tratamento precoce, como empresas e planos de saúde. A ordem foi dada: matem os brasileiros doentes porque eles fazem mal aos negócios. O comando foi assassino, mas travestido de liberalismo.

Progressão do terror

Frente a isso, a incompetência gerencial, a falta de uma política consequente e até os esquemas de corrupção traçados para a compra de vacinas, com toda sua gravidade, são ações de criminosos menores e até certo ponto medíocres. Há uma progressão de terror entre um burocrata, comerciante ou deputado que combina a compra de insumos com propina e um dirigente de plano de saúde que mata seus pacientes para fechar as contas e nutrir a falsa esperança de que está tudo bem e que já passou a hora de sair às ruas. No primeiro caso a morte é uma consequência hedionda, no segundo é o motivador da ação.

O que a CPI da covid revelou nos últimos dias, com os procedimentos experimentais que só encontram paralelo no nazismo, praticados pela Prevent Senior, além de estarrecedor é metódico. E coletivo, já que defendidos, entre outros, por Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto (e até Anthony Wong, mártir da própria infâmia) e financiado por empresários como Luciano Hang. 

O que foi feito, às custas da vida de pessoas que pagaram para receber atenção, é exatamente o cumprimento do que foi chamado de “pacto”, a partir de uma demanda do Ministério da Economia. Vale tudo no campo sanitário para devolver a dinâmica dos negócios e fazer girar a roda da economia, dos tratamentos ineficazes à falsa sensação de segurança conferida por eles. De quebra, se abre uma franja de oportunidades para empresários inescrupulosos dispostos a lucrar com a pandemia.

No entanto, não se trata apenas de um projeto genocida para salvar a vida material, mas de um programa que visava também aumentar os ganhos da operadora disposta a levar esse alinhamento à frente. Um prêmio macabro pela subserviência ao poder e indigência ética na condução de seu negócio. Em outras palavras, além de contribuir para o propósito de criar uma impressão de normalidade para empurrar as pessoas para as ruas e o contágio, a Prevent Senior agia em nome de seus próprios interesses econômicos.

Em primeiro lugar, apresentando-se como opção de baixo custo para seus clientes. Em seguida, pela busca de protagonismo em protocolos que utilizavam tecnologias e medicamentos ineficazes e perigosos. Para isso, criou falsos procedimentos de pesquisa, deturpou dados e pretendia se lançar como alternativa assistencial reconhecida mundialmente. Para levar adiante esse projeto, usou pacientes como cobaias, encurtou tratamentos e tirou pacientes graves de respiradores. Há uma relação entre a morte e a liberação de leitos.

Não se sabe onde se localiza a maior desumanidade, se na obediência aos interesses de Guedes e do mercado ou na deturpação da assistência para garantir corte de custos. Nos dois casos, o imperativo da economia era apresentado como um valor e os doentes, sobretudo os mais graves, como um problema a ser retirado do horizonte. Valia tudo: falsear dados de pesquisas, retirar diagnósticos do prontuário, deslocar pacientes da UTI para unidades paliativas sem informação aos responsáveis, fornecer medicamentos inservíveis como alternativa para famílias desesperadas, ameaçar médicos e outros profissionais que não concordassem com a farsa. Falsificar atestados de óbito e praticar eutanásia.

Horror

Como relatou a advogada dos médicos da empresa, Bruna Morato, havia uma aliança direta entre os interesses do Ministério da Economia e a empresa, para que o país “não parasse”. Os profissionais que compuseram o gabinete paralelo, muitos deles com passagens pelo plano de saúde e sedentos de poder e cargos, garantiram que o plano para fazer a economia seguir sem percalços tinha respaldo em decisões técnicas, o que não era verdade e deixava a cada dia um rastro maior de mortes e sofrimento.

O alinhamento entre a economia e a política de saúde executada pelo governo federal, com contribuição criminosa de alguns profissionais ambiciosos e empresas deformadas moralmente, não tem outro nome: horror. Não é incompetência, ganância ou negacionismo. Vai além da política pública, sobrepuja a corrupção, está muito distante da mera ignorância. É um pacto com o mal, no sentido mais profundo da expressão. Não é possível ir mais baixo na escala humana.Image

O que pode acontecer com a Prevent Senior?

 
 
01
Ago21

Bolsonaro e o Progressistas: rendição ou volta pra casa?

Talis Andrade

Bolsonaro e o Progressistas: rendição ou volta pra casa?

Hoje se constata que Bolsonaro continua um anão, só que na ausência de gigantes, reais ou imaginários, aninha-se gostosamente no colinho de Ciro Nogueira e do seu Progressistas (Fotomontagem: Cult)
 

 

 
por Wilson Gomes /Cult
 

O governo Bolsonaro enfrenta o seu pior momento. Do ponto de vista dos prognósticos eleitorais, as chances de reeleição estão consideravelmente reduzidas, porque hoje apenas os bolsonaristas são votos garantidos em 2022. O bolsonarismo radical rosna e morde, mas continua minoritário, portanto, insuficiente para sozinho assegurar a eleição do seu líder. Além disso, a CPI vai fazendo estragos na retórica de imunidade à corrupção que foi essencial para que o país cometesse a loucura de eleger Bolsonaro em 2018. A cada enxadada, uma minhoca, a cada depoimento dado ou documento investigado saltam fora várias revelações de corrupção, prevaricação ou simplesmente de inépcia, inaptidão para governar.

O apoio popular escorre pelo ralo e a base parlamentar é alugada, pois, dentre outras coisas, há 20 meses o presidente governa sem sequer ter um partido para chamar de seu. Nada já o protege do impeachment desejado pela maioria dos cidadãos, a não ser o pagamento pela proteção que lhe oferece o Progressistas mediante cargos e verbas do orçamento, que era público e virou secreto nas mãos de Arthur Lira. A continuar minguando a sua popularidade e acelerando-se a decomposição da sua imagem pública, tampouco poderá o presidente fazer as entregas das reformas pelos quais já lhe pagaram antecipadamente, em apoio financeiro e voto, os seus credores das assim chamadas “classes empresariais”. Assim, quanto mais sangra Bolsonaro mais altas serão as taxas cobradas pelos partidos que lhe vendem proteção e promessas.

É nesse quadro que se deve entender o avanço do Progressistas (ex-PP) na administração Bolsonaro, que esta semana teve um passo decisivo na entrega das chaves do Executivo a Ciro Nogueira, o cacique do partido, a figura que mais perfeitamente sintetiza a velha política que o bolsonarismo jurou que despreza e que vomitava em cima. Depois de assumir o Legislativo, através de Lira, o Progressistas, por meio do senador Ciro Nogueira, assumirá a Casa Civil, considerada pelo próprio Bolsonaro a pasta mais importante do seu governo, para, dentre outras tarefas, viabilizar a aprovação pelo Senado do nome de André Mendonça para o STF.

A rendição ao Progressistas foi um espetacular ato de capitulação, considerando-se todo o discurso de campanha e do primeiro ano de governo. Afinal, muita gente comprou Bolsonaro em 2018 como um anão intelectual e moral, sim, mas assentado no ombro de dois que à época eram considerados gigantes: Sérgio Moro e Paulo Guedes. Pois hoje se constata que Bolsonaro continua um anão, só que na ausência de gigantes, reais ou imaginários, aninha-se gostosamente no colinho de Ciro Nogueira e do seu Progressistas.

Assim que foi feito o anúncio da substituição do General Ramos por Nogueira, muitos foram desencavar declarações do futuro ministro em que ele diz, com todas as letras, que Bolsonaro é fascista. Mas a este ponto nem Bolsonaro está ligando para fichas limpas de corrupção nem o presidente do Progressistas se importa se o chefe do Governo é fascista. Este último está certo, posto que, afinal, não é Ciro Nogueira quem está entrando no governo. É o governo Bolsonaro que está sendo incorporado ao patrimônio do Progressistas.

Naturalmente, a tomada do governo pela coalização liderada pelo Progressistas é a repetição de algo que corre desde 2015: o chefe do Executivo Federal não consegue formar uma base parlamentar, os caciques dos grandes partidos fisiológicos articulam eles mesmos uma base e assumem o controle do governo. Foi assim com o segundo mandato de Dilma, com Temer e com Bolsonaro. Nós vivemos no pior tipo de parlamentarismo: mezzo parlamentarismo, mezzo presidencialismo. Quem tem bancada é que manda nessa bagaceira, mesmo sem ter tido um voto sequer para a Presidência da República. Quem forma mais rápido a melhor coalizão impõe ou evita impeachments, decide que reformas passa no Legislativo e que políticas públicas o governo está autorizado a implementar.

Nem sei por que agora inventamos de discutir o semipresidencialismo, a não ser que a ideia seja oficializá-lo, uma vez que é exatamente o que temos, um sistema em que um quase presidente governa juntamente com o meeiro. Bolsonaro ocupa-se de lives, ameaças à democracia, passeios de moto e lacrações, enquanto o Progressistas, que já era dono da Câmara, assume também a articulação política dentro do próprio Governo.

O fato é que Bolsonaro já nem se importa com as aparências, quem tem fome não escolhe o prato. Ele sabe que passou do ponto em que era ainda possível retornar no processo de rendição. Na verdade, mudou completamente a atitude e a retórica e até cogita mudar-se para a casa do parceiro e assumir definitivamente a relação. É nesse sentido que pode ser entendida a entrevista dada esta semana à Rádio Banda B, de Curitiba, em que fala do Centrão agora em termos carinhosos e edificantes. Vai-se a retórica da nova política, do fim do toma lá dá cá, do cargo que seria atribuído exclusivamente com base em competência e outros ouros de tolos que muito revoltado da antipolítica comprou como metal precioso em 2018. Em seu lugar entra a retórica da volta pra casa.

Na entrevista, Bolsonaro começa recusando o rótulo Centrão “como algo pejorativo, algo danoso à nação. Não tem nada a ver. Eu nasci de lá”, disse. “Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo de parlamentar”, constata. Se você fechar os olhos, consegue ouvir Roberto Carlos fechando o refrão de O Portão: Eu voltei, e agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar.

Nós já sabíamos disso, o bolsonarista não fascista que o escolheu para dar um basta na velha política e pôr um fim à corrupção é que possivelmente deve estar passando por um episódio de dissonância cognitiva. Em palavras simples, deve estar se sentindo o otário que realmente foi.

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