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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

15
Jan23

O “Hino” ao Inominável, feito pra lembrar, pra sempre, o pior dos piores mandatários da nossa história; vídeo

Talis Andrade

hino_ao_inominavel.jpg

 

Redação Vio Mundo

- - -

No ar, o ”Hino” ao Inominável. Com letra de Carlos Rennó e música de Chico Brown e Pedro Luís.

Autoironicamente intitulada “hino”, é uma canção-manifesto contra a contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República.

Num vídeo criado pelo Coletivo Bijari (versão integral, acima, tem 13min40), 30 artistas interpretam-na.

Entre eles, Wagner Moura, Bruno Gagliasso, Lenine, Zélia Duncan, Chico César, Paulinho Moska, Leci Brandão,  Marina Lima, Mônica Salmaso e Zélia Duncan.

Os versos falam de temas recorrentes no discurso do ex-capitão, como a ditadura militar, racismo, machismo,  destruição ambiental.

Citam literalmente ou se baseiam em declarações dadas pelo ‘inominável’ e encontradas na internet e em jornais.

“Feito pra lembrar, pra sempre, esses anos sob a gestão do mais tosco dos toscos, o mais perverso dos perversos, o mais baixo dos baixos, o pior dos piores mandatários da nossa história. E pra contribuir, no presente, pra não reeleição do inominável”, frisa o texto que acompanha o vídeo lançado nesse em 17-09-2022.

“Na íntegra, são 202 versos, mais o refrão, contra o ódio e a ignorância no poder no Brasil”, prossegue o texto.

Que arremata: “Porém, apesar dele – e do que, e de quem e quantos ele representa – a mensagem final é de luz, a luz que resiste, pois, como canta o refrão ‘Mas quem dirá que não é mais imaginável / Erguer de novo das ruínas o país?’”.

Letra completa do “Hino” do Inominável, de  Carlos Rennó

“Sou a favor da ditadura”, disse ele,
“Do pau de arara e da tortura”, concluiu.
“Mas o regime, mais do que ter torturado,
Tinha que ter matado trinta mil”.
E em contradita ao que afirmou, na caradura
Disse: “Não houve ditadura no país”.

E no real o incrível, o inacreditável
Entrou que nem um pesadelo, infeliz,
Ao som raivoso de uma voz inconfiável
Que diz e mente e se desmente e se desdiz.

Disse que num quilombo “os afrodescendentes
Pesavam sete arrobas” – e daí pra mais:
Que “não serviam nem pra procriar”,
Como se fôssemos, nós negros, animais.
E ainda insiste que não é racista
E que racismo não existe no país.

Como é possível, como é aceitável
Que tal se diga e fique impune quem o diz?
Tamanha injúria não inocentável,
Quem a julgou, que júri, que juiz?

Disse que agora “o índio está evoluindo,
Cada vez mais é um ser humano igual a nós.
Mas isolado é como um bicho no zoológico”,
E decretou e declarou de viva voz:
“Nem um centímetro a mais de terra indígena!,
Que nela jaz muita riqueza pro país”.

Se pronuncia assim o impronunciável
Tal qual o nome que tal “hino” nunca diz,
Do inumano ser, o ser inominável,
Do qual emanam mil pronunciamentos vis.

Disse que se tivesse um filho homossexual,
Preferiria que o progênito “morresse”.
Pruma mulher disse que não a estupraria,
Porque “você é feia, não merece”.
E ainda disse que a mulher, “porque engravida”,
“Deve ganhar menos que o homem” no país.

Por tal conduta e atitude deplorável,
Sempre o comparam com alguns quadrúpedes.
Uma maldade, uma injustiça inaceitável!
Tais animais são mais afáveis e gentis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou o tema ambiental de “importante
Só pra vegano que só come vegetal”;
Chamou de “mentirosos” dados científicos
Do aumento do desmatamento florestal.
Disse que “a Amazônia segue intocada,
Praticamente preservada no país”.

E assim negou e renegou o inegável,
As evidências que a Ciência vê e diz,
Da derrubada e da queimada comprovável
Pelas imagens de satélites.

E proclamou : “Policial tem que matar,
Tem que matar, senão não é policial.
Matar com dez ou trinta tiros o bandido,
Pois criminoso é um ser humano anormal.
Matar uns quinze ou vinte e ser condecorado,
Não processado” e condenado no país.

Por essa fala inflexível, inflamável,
Que só a morte, a violência e o mal bendiz,
Por tal discurso de ódio, odiável,
O que resolve são canhões, revólveres.

“A minha especialidade é matar,
Sou capitão do exército”, assim grunhiu.
E induziu o brasileiro a se armar,
Que “todo mundo, pô, tem que comprar fuzil”,
Pois “povo armado não será escravizado”,
Numa cruzada pela morte no país

E num desprezo pela vida inolvidável,
Que nem quando lotavam UTIs
E o número de mortos era inumerável,
Disse “E daí? Não sou coveiro”. “E daí?”

“Os livros são hoje ‘um montão de amontoado’
De muita coisa escrita”, veio a declarar.
Tentou dizer “conclamo” e disse “eu canclomo”;
Não sabe conjugar o verbo “concl…amar”.
Clamou que “no Brasil tem professor demais”,
Tal qual um imbecil pra imbecis.

Vigora agora o que não é ignorável:
Os ignorantes ora imperam no país
(O que era antes, ó pensantes, impensável)…
Quem é essa gente que não sabe o que diz?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou de “herói” um coronel torturador
E um capitão miliciano e assassino.
Chamou de “escória” bolivianos, haitianos…
De “paraíba” e “pau de arara” o nordestino.
E diz que “ser patrão aqui é uma desgraça”,
E diz que “fome ninguém passa no país”.

Tal qual num filme de terror, inenarrável,
Em que a verdade não importa nem se diz,
Desenrolou-se, incontível, incontável,
Um rol idiota de chacotas e pitis.

Disse que mera “fantasia” era o vírus
E “histeria” a reação à pandemia;
Que brasileiro “pula e nada no esgoto,
Não pega nada”, então também não pegaria
O que chamou de “gripezinha” e receitou (sim!),
Sim, cloroquina, e não vacina, pro país.

E assim sem ter que pôr à prova o improvável,
Um ditador tampouco põe pingo nos is,
E nem responde, falador irresponsável,
Por todo ato ou toda fala pros Brasis.

E repetiu o mote “Deus, pátria e família”
Do integralismo e da Itália do fascismo,
Colando ao lema uma suspeita “liberdade”…
Tal qual tinha parodiado do nazismo
O slogan “Alemanha acima de tudo”,
Pondo ao invés “Brasil” no nome do país.

E qual num sonho horroroso, detestável,
A gente viu sem crer o que não quer nem quis:
Comemorarem o que não é memorável,
Como sinistras, tristes efemérides…

Já declarou: “Quem queira vir para o Brasil
Pra fazer sexo com mulher, fique à vontade.
Nós não podemos promover turismo gay,
Temos famílias”, disse com moralidade.
E já gritou um dia: “Toda minoria
Tem de curvar-se à maioria!” no país.

E assim o incrível, o inacreditável,
Se torna natural, quanto mais se rediz,
E a intolerância, essa sim intolerável,
Nessa figura dá chiliques mis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Por vezes saem, caem, soam como fezes
Da sua boca cada som, cada sentença…
É um nonsense, é um caô, umas fake-news,
É um libelo leviano ou uma ofensa.
Porque mal pensa no que diz, porque mal pensa,
“Não falo mais com a imprensa”, um dia diz.

Mas de fanáticos a horda lamentável,
Que louva a volta à ditadura no país,
A turba cega-surda surta, insuportável,
E grita “mito!”, “eu autorizo!”, e pede “bis!”

E disse “merda, bosta, porra, putaria,
Filho da puta, puta que pariu, caguei!”
E a cada internação tratando do intestino
E a cada termo grosso e um “Talquei?”,
O cheiro podre da sua retórica
Escatológica se espalha no país.

“Sou imorrível, incomível e imbrochável”,
Já se gabou em sua tão caracterís-
Tica linguagem baixo nível, reprovável,
Esse boçal ignaro, rei de mimimis.

Mas nada disse de Moise Kabagambe,
O jovem congolês que foi aqui linchado.
Do caso Evaldo Rosa, preto, musicista,
Com a família no automóvel baleado,
Disse que a tropa “não matou ninguém”, somente
“Foi um incidente” oitenta tiros de fuzis…

“O exército é do povo e não foi responsável”,
Falou o homem da gravata de fuzis,
Que é bem provável ser-lhe a vida descartável,
Sendo de negro ou de imigrante no país.

Bradou que “o presidente já não cumprirá
Mais decisão” do magistrado do Supremo,
Ao qual se dirigiu xingando: “Seu canalha!”
Mas acuado recuou do tom extremo,
E em nota disse: “Nunca tive intenção
(Não!) De agredir quaisquer Poderes” do país.

Falhou o golpe mas safou-se o impeachável,
Machão cagão de atos pusilânimes,
O que talvez se ache algum herói da Marvel
Mas que tá mais pra algum bandido de gibis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

E sugeriu pra poluição ambiental:
“É só fazer cocô, dia sim, dia não”.
E pra quem sugeriu feijão e não fuzil:
“Querem comida? Então, dá tiro de feijão”.
É sem preparo, sem noção, sem compostura.
Sua postura com o posto não condiz.

No entanto “chega! […] vai agora [inominável]”,
Cravou o maior poeta vivo, no país,
E ecoou o coro “fora, [inominável]!”
E o panelaço das janelas nas metrópoles!

E numa live de golpista prometeu:
“Sem voto impresso não haverá eleição!”
E praguejou pra jornalistas: “Cala a boca!
Vocês são uma raça em extinção!”
E no seu tosco português ele não pára:
Dispara sempre um disparate o que maldiz.

Hoje um mal-dito dito dele é deletável
Pelo Insta, Face, YouTube e Twitter no país.
Mas para nós, mais do que um post, é enquadrável
O impostor que com o posto não condiz.

Disse que não aceitará o resultado
Se derrotado na eleição da nossa história,
E: “Eu tenho três alternativas pro futuro:
Ou estar preso, ou ser morto ou a vitória”,
Porque “somente Deus me tira da cadeira
De presidente” (Oh Deus proteja esse país!”).

Tivéssemos um parlamento confiável,
Sem x comparsas seus cupinchas, cúmplices,
E seu impeachment seria inescapável,
Com n inquéritos, pedidos, CPIs.

………………………………………………………………

Não há cortina de fumaça indevassÁvel
Que encubra o crime desses tempos inci-vis
E tampe o sol que vem com o dia inadiÁvel
E brilha agora qual farol na noite gris.
É a esperança que renasce onde HÁ véu,
De um horizonte menos cinza e mais feliz.
É a passagem muito além do instagramÁvel
Do pesadelo à utopia por um triz,
No instante crucial de liberdade instÁvel
Pros democráticos de fato, equânimes,
Com a missão difícil mas realizável
De erguer das cinzas como fênix o país.

E quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

“Hino” ao Inominável

Produção e direção musical: Xuxa Levy

Produção e direção artística: Carlos Rennó

Colaboração musical e artística: Pedro Luís e Chico Brown

Intérpretes

André Abujamra

Arrigo Barnabé

Bruno Gagliasso

Caio Prado

Cida Moreira

Chico Brown

Chico César

Chico Chico

Dexter

Dora Morelenbaum

Héloa

Hodari

Jorge Du Peixe

José Miguel Wisnik

Leci Brandão

Lenine

Luana Carvalho

Marina Íris

Marina Lima

Monica Salmaso

Paulinho Moska

Pedro Luís

Péricles Cavalcanti

Preta Ferreira

Professor Pasquale

Ricardo Aleixo

Thaline Karajá

Vitor da Trindade

Wagner Moura

Zélia Duncan

Músicos:

Ana Karina Sebastião: baixo
Cauê Silva : percussão
Fábio Pinczowski: teclados
Juba Carvalho: percussão
Léo Mendes: guitarra
Thiago Silva: bateria
Webster Santos: violões
Xuxa Levy: máquina de escrever e programações

Participação especial: violoncelista Jacques Morelenbaum

Vídeo:

Coletivo Bijari
Edição: Guilherme Peres
Direção de fotografia: Toni Nogueira

19
Set22

Carta aberta aos meus parentes e amigos evangélicos

Talis Andrade

Evangélicos não podem continuar apoiando o governo Bolsonaro

 

Caros parentes e amigos evangélicos

Nossa divergência tinha sido de fundo político – eu não podia aceitar que evangélicos – gente que diz seguir a Bíblia e se diz contra a corrupção e pelo Bem – tivessem apoiado um candidato, cujo bandeira eleitoral era francamente contrária aos preceitos bíblicos de Moral, de Honestidade, de Respeito Humano, da Dignidade e Igualdade das Pessoas, do Respeito à Natureza e por aí afora.

 
Por Rui Martins
Essa divergência se agravou porque, nestes três anos e meio de governo Bolsonaro, vocês mantiveram o mesmo apoio, fazendo-se cegos e surdos à necessidade de separar o joio do trigo, no dizer de uma parábola que conhecem melhor que eu.
 
Imagino que agora, com a revelação desse escândalo com três pastores envolvendo o Ministério da Educação, possamos rediscutir e restabelecer o diálogo.
 
Como já deixei claro, nunca coloquei em debate vocês e outros familiares e amigos por serem evangélicos. A questão da opção religiosa é individual e cada um tem a liberdade de crer ou ser o que achar melhor para si.
 
Minha divergência vinha do fato de achar um absurdo vocês e as entidades dirigentes dos evangélicos apoiarem um candidato à presidência que, exceto o nome Messias, nada tinha de evangélico.
 
Um apoio em troca de vantagens, verbas, cargos e ministérios.
 
Ora, gente de Deus não faz acordo com o Diabo, existem numerosos versículos bíblicos a esse respeito.
 
Alguns líderes evangélicos já se pronunciaram porque – e sobre isso já escrevi mesmo artigos – o evangelismo brasileiro de uma maneira geral vai ter além da cobrança terrena a “cobrança divina” , podemos dizer, por ter se envolvido com corruptos e com políticos desonestos, em lugar de usar os templos e os cultos e as pregações apenas para falar do Evangelho e não para fazer propaganda política em favor de pessoas.
 
Foi um enorme êrro, que vai ter um custo em termos de perda da imagem e da credibilidade no Brasil.
 
Mas, é claro, pode ser que, ouvindo só a propaganda do governo nas rádios, tvs e Internet, vocês prefiram continuar acreditando nos pastores e, por tabela, no presidente Bolsonaro.
 
Se vocês, se seus líderes fizerem isso, não preciso ser profeta para dizer que o estrago dentro das igrejas será bem maior, pois a falta de credibilidade gerará a descrença.
 
Na vida, as vezes temos a chance de corrigir erros cometidos.
 
É sua chance, de sua igreja, do seu pastor.
 
E se fizerem isso voltarei a respeitá-los.
 
Uma abraço fraterno de quem acredita num mundo melhor.
Rui Martins.
 
(Carta publicada também no Facebook e Youtube. A versão vídeo está em  https://youtu.be/VC-51al5bgk )

Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

 

19
Set22

Feministas evangélicas unidas contra o fundamentalismo religioso

Talis Andrade

 

Foto: Fernando Tatagima

 

 

Mulheres que romperam com o conservadorismo, mas permanecem na fé, conciliam política e feminismo

 

 

 

A população evangélica é formada em boa parte por mulheres. E, ainda que as denominações sejam muitas e tenham suas diferenças, historicamente várias igrejas reproduzem a ideia de que mulheres não devem ocupar os mesmos lugares e nem ter os mesmos direitos que os homens. Então o que significa ser evangélica e lutar por igualdade de gênero? A Revista AzMina ouviu essas mulheres e a íntegra da matéria pode ser lida a seguir.

Thayô Amaral, 28 anos, foi expulsa da igreja Cristã Evangélica do Brasil, mas não desistiu da vida religiosa que marcou toda sua infância e juventude. Nas reuniões de família, sempre havia um louvor, um testemunho ou alguém da liturgia, fazendo parte das conversas.  “Eu nasci no que a gente chama de lar cristão.” Uma minoria em 1994. Hoje, o DataFolha registra que são 30% de evangélicos no Brasil, e eles são alvo de disputa pelos políticos nas eleições de 2022.

Ainda nos primeiros anos, Thayô estudava em uma escola no fundo da comunidade de fé, na cidade de Goiânia, em Goiás. Durante os cultos, o pastor sempre separava um trecho do discurso para dizer que os fiéis não deveriam se sentar na roda dos escarnecedores. Para os adultos, esse era o lembrete de que eles eram diferenciados e, por isso, não deveriam se misturar com pessoas que não pertenciam à comunidade. Para as crianças, o escárnio estava até mesmo nos aniversários infantis que tocavam a música da Xuxa, febre nos anos 90. “Era a demonização do que eles chamam de mundo”. 

Essa separação do “bem” contra “o mal” e do “nós” contra “eles”, comum em algumas igrejas, foi usada por Jair Bolsonaro para se eleger em 2018, e segue sendo estratégia para insistir no cargo em 2022 com a ajuda da primeira-dama, Michele Bolsonaro. Desenhando inimigos imaginários, como a ideologia de gênero, e falando que precisa proteger os valores tradicionais da família, ele mira nas mulheres evangélicas – que são 60% dos brasileiros que professam essa fé, de acordo com o DataFolha. A publicitária Thayô está entre elas, mas está longe de ser a eleitora que o candidato à reeleição espera. 

 

A construção do movimento

 

Foi em 2018, com a eleição de Bolsonaro e dois anos depois da presidente Dilma Rousseff ser retirada do cargo executivo, que boa parte do movimento feminista evangélico brasileiro começou a se organizar em coletivos. “Rolou uma explosão de manifestações, uma resposta ao fundamentalismo”, diz a antropóloga Simony dos Anjos, secretária executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas. Na época, muito se falava sobre o impeachment ter ocorrido porque Dilma era mulher e as discussões sobre gênero começaram a ganhar o cenário com força. “A esquerda entendeu que precisava conversar com a ala evangélica”, destacou Simony.

Às vésperas de uma nova eleição presidencial (2022), Simony acredita que Michele Bolsonaro é a pessoa que tem conseguido se comunicar mais diretamente com a base evangélica. “Ela [Michele] diz que ora todo dia na cadeira do marido para ele ser um homem melhor e isso é exatamente a mesma coisa que a mulher evangélica faz pelo companheiro”, exemplifica Simony. Assim, além da identificação com a atual primeira-dama, o voto em Bolsonaro seria, também, um “gesto de fé.”, explica a antropóloga. É como se, ao ver que a oração de Michele foi atendida, convertendo Bolsonaro em um homem bem-sucedido e bom, essa mulher religiosa também pudesse crer que as preces dela, em relação ao próprio companheiro, também seriam.

 

Feminismo e direitos humanos sem intermediários

 

Olhar para as igrejas como uma realidade à parte da sociedade, segundo Simony, foi um dos erros que o movimento político de esquerda cometeu. “O evangélico é trabalhador, ele estuda, ele precisa de UBS (unidade básica de saúde). Qualquer discussão social e política vai ter efeitos na igreja”. Diferentemente do que por muito tempo se acreditou, os temas políticos ganham os púlpitos e pautam o comportamento das diferentes comunidades de fé. “A igreja não é uma bolha”. Não à toa, Simony ressalta que a Rede de Mulheres Negras e Evangélicas nasce em 2018, mesmo ano em que Bolsonaro se elegeu.  

 

Caminhos de diálogos

 

Várias das principais bandeiras da campanha de Bolsonaro, como a flexibilização do uso de armas, não convencem as evangélicas. “Muitas perderam seus filhos assim [assassinados]”, aponta Simony. Então, é preciso dizer que quando ela vota no Bolsonaro, ela está votando a favor das armas.” 

Quando o assunto é cuidado e proteção à família, a Covid escancarou os problemas na gestão da saúde pública, que levaram os pobres e pretos a morrerem mais. As demandas por atenção e sobrevivência estão represadas nessa população e, por isso, a fome e o próprio desrespeito às mulheres também são portas de entrada para conversar com a comunidade evangélica que é diversa e não representa um voto único. 

Simony dos Anjos é a candidata do PSOL à prefeitura de Osasco - Correio  Paulista

Simony dos Anjos, secretária executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, concilia fé e feminismo.

A Rede de Mulheres Negras Evangélicas se articula formando lideranças que sejam capazes de levar o feminismo para dentro de seus territórios. “Eu preciso que essa mulher entenda que Deus é mãe, porque se Deus fosse pai, no contexto brasileiro, seis milhões de pessoas não têm o nome do pai na certidão”, afirma Simony. E respeitar a fé dessas mulheres é fundamental para que o diálogo seja efetivo. “Quando essa mulher, negra, sozinha vai reconhecer o corpo baleado no IML, quem tá com ela lá? Deus.” 

 

 

 

Desinformação nos grupos religiosos

 

Dentre as coisas que assombraram as mulheres evangélicas nas últimas eleições, Simony recorda a ameaça de que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levaria ao fechamento das igrejas, uma notícia falsa criada por grupos bolsonaristas, repetida exaustivamente. E esse é o tipo de coisa difícil de desconstruir quando espalhada em massa. “Nós somos 70 mulheres negras que estão nos seus territórios nas cinco regiões do País se comunicando com as suas bases.” O movimento é potente, mas precisa de apoio. “Enquanto nós temos um grupo de WhatsApp, o Edir Macedo tem uma TV, né?”.

Há uma produção de desinformação em andamento para atingir especialmente mulheres evangélicas, afirma Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião e editora geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. As notícias falsas, focadas nesse público, tendem a se concentrar em ideologia de gênero nas escolas, erotização de crianças e perseguição religiosa a cristãos – a chamada “cristofobia”. Além disso, o já conhecido “kit gay”.  “A ideia é impactar essa mulher que quer salvar a família”, explica Magali. 

O trabalho do Coletivo, no combate às fake news religiosas, se intensificou no fim de agosto de 2022, na mesma intensidade que o volume desse conteúdo aumentou. “A transmissão vem, principalmente, por parte de lideranças evangélicas e católicas de grupos conservadores aliadas ao bolsonarismo.” Mas não é só o compartilhamento que gera preocupação. “Na produção vemos algumas lideranças: o deputado Marco Feliciano, a pastora e ex-ministra Damares Alves e o pastor Silas Malafaia”, conta. 

Olhar para isso é importante porque para 13,2% dos evangélicos, os pastores e irmãos representam a fonte mais confiável de notícias. É o que indica um estudo publicado em 2021 sobre desinformação e evangélicos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual Magali participou. Foi a partir dessa pesquisa que o “Coletivo Bereia” nasceu. Entre os evangélicos entrevistados, 77,6% afirmaram que já receberam notícias falsas em grupos relacionados a sua igreja. 

Diante desse cenário, o grupo analisa notícias que circulam em mídias religiosas, assim como conteúdos voltados à religião, e carimba os fatos com avisos de: verdadeiro, impreciso, enganoso, inconclusivo e falso. “Projetos [jornalísticos] de checagem existem muitos no Brasil, mas nenhum voltado para o que circula sobre religião em ambientes religiosos”, destaca Magali. 

 

Igreja curvada ao bolsonarismo

 

A historiadora Agnes Alencar, 34 anos, se considera feminista e evangélica, mas rompeu com a igreja Batista depois da eleição de Bolsonaro. “Vi todos se curvarem diante dele.” Ao não se encontrar mais naquele espaço, decidiu produzir o EBDcast – Escola Bíblica Dominical -, um podcast para contar histórias da Bíblia em que mulheres são protagonistas. Um dos primeiros episódios traz a história das parteiras que aparecem em Êxodo, no antigo testamento. “Elas fizeram um movimento de desobediência civil, porque o Faraó mandou matar os primogênitos e elas não só não mataram como inventaram desculpas”, conta Agnes. 

Para ela, as evangélicas feministas precisam ser vistas como parte importante da luta das mulheres. “Ela pode nunca ter lido Simone de Beauvoir e, ainda assim, entender que o marido dela não tem direito de bater nela, que o corpo é dela”, aponta Agnes, que vive a experiência religiosa desde a infância. “Eu sou a quarta geração de evangélicos.” 

Para escrever os episódios do podcast, Agnes se inspira na teologia feminista, que tem a missão de fazer a leitura de textos sagrados, entre eles a Bíblia, a partir de uma perspectiva feminista. “Quando você é criado na igreja, você aprende a ler a Bíblia como seu pastor te ensina. Certamente, eles não têm uma leitura neutra.”  

Agnes Alencar (@agnesalencar) / Twitter

A historiadora Agnes Alencar defende uma leitura da Bíblia, a partir da história das mulheres.

 

Se dentro do universo eclesiástico, Agnes costumava comentar esses assuntos para uma turma de até dez pessoas, no podcast as reproduções chegam a 5.000. A maior parte dos ouvintes é de mulheres. Agnes não foge de assuntos como homofobia, racismo e igualdade de gênero, e o foco não está em quem está fora da igreja, mas dentro dela. “Quero que elas escutem o episódio e construam com a gente uma outra forma de ler a Bíblia, porque isso influencia como eu vou agir politicamente no mundo”.

 

Feministas cristãs

 

Quando, aos 14 anos, Thayô Amaral foi estudar em uma escola do Rio de Janeiro, encontrou um mundo diferente. Descobriu que o desconforto ao escutar que uma mulher não podia ser pastora, tinha um nome: machismo e passou a estudar sobre a luta organizada das mulheres. De volta a Goiânia, permaneceu como professora da Escola Dominical, mas foi repreendida pelo pastor por dizer ao seu aluno que ele podia brincar com uma bola rosa, pois todas as cores eram feitas por Deus. 

Sem pertencer a uma igreja, ela criou a comunidade “Feministas Cristãs” – hoje com 5.000 pessoas no Facebook. E o estalo pra isso veio quando se sentiu ofendida com um comentário sobre evangélicos dentro de um grupo de feminismo na internet. Ela conta que sentia a necessidade de afirmar, quase o tempo todo, que nem todos eram do mesmo jeito. “A gente não tem abertura nem na igreja nem no feminismo para conversar sobre as nossas faltas”, desabafa.  

Thayô Amaral on Behance

Thayô Amaral criou o grupo “Feministas Cristãs” para falar sobre a luta por igualdade com quem compartilha da mesma fé

 

Por muito tempo os temas mais discutidos no grupo das Feministas Cristãs eram: homossexualidade, submissão e sexo antes do casamento. Mas com a eleição de Bolsonaro, a situação política também tomou conta do debate. Thayô acredita que é possível desidratar as ideias do bolsonarismo com o mesmo instrumento que ele usou para se fortalecer entre as mulheres evangélicas: a bíblia. 

Parte da estratégia seria mostrar para fiéis que ainda estão ao lado do presidente as diferenças entre o Deus cristão e quem afirma representá-lo. “Jesus ficou na frente de uma mulher que ia ser apedrejada”. Ela reivindica visibilidade e o apoio de outras vertentes do feminismo para espalhar a mensagem, mas percebe que essa união ainda está longe de acontecer.  

 

Disputa por narrativas

 

É preciso lembrar também que o feminismo evangélico é um grupo heterogêneo. Há quem já esteja familiarizada com a luta das mulheres há mais tempo, assim como há fiéis que estão entrando em contato com o assunto pela primeira vez. No coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero, “há quem ache que aborto é pecado, mas é a favor da descriminalização, e tem outras que já são engajadas na luta”, conta Izabel Lourenço, que faz parte da coordenação do grupo em Minas Gerais. Elas consideram importante se abrir para as diferenças, por isso investem na aproximação com essas integrantes. “A gente tem curiosidade de entender de onde vem essa mulher, sem condenar, mas trazendo fatos”, afirma Izabel.  

Quando o assunto é a teologia feminista dentro das igrejas evangélicas, Odja de Barros, 50 anos, é uma das maiores inspirações para as novas gerações. Nascida em Sergipe, aos 20 anos, ocupava um cargo de liderança dentro da Igreja Batista do estado, pertencente à Convenção Batista Brasileira. Ela já vinha estudando sobre a importância do protagonismo das mulheres na estrutura religiosa, e o impacto que isso poderia ter na própria comunidade a levou a assumir o lugar de pastora. 

Odja precisou ser estratégica para levar o feminismo ao púlpito. “Não trouxe primeiro com esse termo porque haveria uma rejeição de primeira, então comecei falando de gênero.” Na época, a direita conservadora cristã ainda não tinha inundado o debate com ‘a tal ideologia de gênero’.  “Se fosse hoje, não daria.”  

O primeiro passo que ela deu foi convidar um grupo de “fiéis” para fazer um estudo dos textos sagrados. O interesse foi geral. “Elas diziam que nunca tinham ouvido falar da Bíblia a partir das mulheres.” Em segundo lugar, com o grupo, Odja criou uma revista, escrita pelas próprias participantes, e, junto com elas, deu o nome de Flor de Manacá – uma árvore resistente, característica que Odja reconhece nas mulheres nordestinas. “Você as vê dizendo: ‘ah, eu sou uma Flor de Manacá’, e ela na verdade tá dizendo ‘eu sou feminista’, do jeito dela de dizer”, indica. 

Odja Barros: "a leitura machista da Bíblia é responsável pela cultura de  violência contra mulheres e LGBTs" - Brasil 247

Odja de Barros não se abstém de pautas como aborto e violência doméstica e leva o debate para as mulheres evangélicas

 

Doutora em teologia e pesquisadora na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, no Estado de Alagoas, Odja não se abstém de pautas como direitos reprodutivos e sexuais. Mas, quando tenta espalhar a mensagem para outras comunidades de fé, ainda enfrenta muitos obstáculos. É que isso ameaça o poder de quem está usufruindo daquele espaço, daqueles privilégios, explica Odja, por isso é tão difícil acessar outros lugares.  A maioria das mulheres que compõem o seu ministério é branca e de classe média – recorte racial que predominou na maior parte dos grupos e coletivos ouvidos pela reportagem da Revista Azmina.

17
Set22

Líderes evangélicas declaram apoio a Lula e Haddad

Talis Andrade

Ana Estela Haddad, Lu Alckmin e Lúcia França

Da esquerda para a direita: Ana Estela Haddad, Lu Alckmin e Lúcia França

 

Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito entregou carta para Lu Alckmin, Ana Estela Haddad e Lúcia França

 

 

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A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito entregou nesta 4ª feira (14.set.2022) uma carta de apoio às candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República e de Fernando Haddad (PT) ao governo de São Paulo para Lu Alckmin, Ana Estela Haddad e Lúcia França. 

Lu é mulher do candidato à vice-presidência na chapa de Lula, Geraldo Alckmin (PSB). Ana Estela é casada com o candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad. Já Lúcia, mulher do ex-governador do Estado Márcio França (PSB), concorre a vice na chapa de Haddad.

A carta é assinada por Nilza Valéria Zacarias e Fernanda Fonseca, da coordenação nacional da Frente.

Afirma que a frente religiosa trabalha “para que seus companheiros [Geraldo Alckmin e Fernando Haddad] sejam eleitos”. Segundo o texto, o mesmo é feito para que “Lucia França seja eleita vice-governadora do estado de São Paulo”. Eis a íntegra do documento (33 KB). 

O documento também pede para que Lu Alckmin, Ana Estela Haddad e Lúcia França compartilhem a carta “com a futura primeira-dama, Janja, e o presidente Lula”

Ao receber a carta, Lúcia França afirmou que “Jesus disse amai-vos uns aos outros e não armai-vos uns ou outros”

No geral, a carta defende a importância da participação de mulheres nos governos. Cita também: 

 

 

A pesquisa foi realizada pelo PoderData, empresa do grupo Poder360Jornalismo, com recursos próprios. Os resultados são divulgados em parceria editorial com a TV Cultura. Os dados foram coletados por meio de ligações para celulares e telefones fixos. Foram 3.500 entrevistas em 331 municípios nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. O intervalo de confiança é de 95%. O registro no TSE é BR-02548/2022.
 
 

13
Set22

Os ataques a mulheres jornalistas e a omissão das empresas de mídia

Talis Andrade

Jornalistas mulheres são agredidas e não têm apoio dos colegas homens e dos empregadores. Fonte: Freepik

 

Janara Nicoletti
Doutora em Jornalismo e pesquisadora do objETHOS

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A última semana começou com o ataque misógino do então ocupante da cadeira do Planalto a uma jornalista no debate eleitoral da Band, e terminou com o mesmo personagem atiçando sua militância contra uma comunicadora grávida ao postar indiretas contra ela em suas redes sociais. Em ambos os casos, além do ódio à mulher, o desrespeito à liberdade de expressão alheia e a falta de decoro, os ataques da militância cega mostraram como a violência de gênero contra as jornalistas brasileiras é usado para intimidar e deslegitimar a voz das mulheres que cometem o sacrilégio de fazer o seu trabalho. Mais importante, o que se viu em comum nesses e tantos outros casos de violência contra jornalistas é o silêncio dos donos da mídia. A falta de posicionamento dos contratantes das profissionais atacadas não apenas evidencia a falta de proteção da categoria frente aos ataques, mas também revela o descaso com um problema presente, mas invisibilizado pela omissão: a misoginia e os assédios contras as mulheres jornalistas nas redações. 

No dia 28 de agosto, a Band, em parceria com Folha de S. Paulo, UOL e TV Cultura, promoveu o primeiro debate eleitoral de 2022 com os candidatos à presidência da República. No terceiro bloco, quando jornalistas das empresas promotoras faziam perguntas aos candidatos, Vera Magalhães, da TV Cultura, perguntou a Ciro Gomes, com comentário de Jair Bolsonaro sobre a baixa cobertura vacinal e sua relação com informações falsas. Ao ter seu momento de comentário, Bolsonaro disparou: “Vera, não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como esse, fazer acusações mentirosas ao meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”. Em seguida, atacou a candidata Simone Tebet que atuou na CPI da Covid após sua reação solidária à jornalista.

O que se viu no primeiro debate dos presidenciáveis 2022 foi a representação clara da violência de gênero como forma de desqualificar uma profissional. Ao comentar o caso, o presidente da república usou do ataque duplo às mulheres no lugar de dar resposta. Como consequência, a repercussão da atitude machista e grosseira tomou o espaço do que deveria ter sido dedicado ao questionamento da jornalista. Mais uma vez, a misoginia foi usada como forma de evitar responder o óbvio.

Naquele domingo, um segundo fator de misoginia chamou a atenção: o descaso dos demais candidatos. Enquanto Bolsonaro atacou a jornalista e a candidata Simone Tebet, Ciro Gomes riu e depois passou a mão na cabeça parecendo estar desconcertado com a situação. Porém, em seu momento de fala sequer demonstrou qualquer tipo de aversão ou repúdio ao sexismo do seu oponente, falando em pacificar o país. Depois daquilo, as mulheres reagiram de alguma forma, mesmo buscando capitalizar para si. Entre os homens, apenas Luiz Inácio Lula da Silva manifestou solidariedade à jornalista, mas somente nas considerações finais do debate. O silenciamento dos homens que estavam em condições de agir imediatamente contra o ataque no seu primeiro momento de fala escancarou o descaso com a agressão misógina. Eles não disseram nada, assim como as empresas de mídia organizadoras do debate transmitido em TV aberta e pela internet.

 

Responsabilidade por omissão

 

Logo após o episódio, uma onda de declarações contra a fala do presidente e em solidariedade à jornalista tomou conta das redes sociais, desencadeando por lá uma nova onda de ataques. Jornalistas, a maioria mulheres, e entidades representativas repudiaram a fala agressiva. Porém, até o último domingo (4), as empresas organizadoras do debate não se posicionaram a respeito. Infelizmente, esta é uma prática recorrente no caso de violência contra jornalistas: profissionais são agredidos, ofendidos ou atacados online e offline e as corporações empregadoras não se manifestam publicamente. Muitos jornalistas sequer recebem suporte, enquanto outros acabam punidos.

A omissão nesses casos evidencia um vácuo na proteção dos profissionais da mídia. Faltam mecanismos de defesa dos trabalhadores, principalmente às mulheres vítimas de qualquer tipo de violência. Um relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras demonstrou que o Brasil ainda precisa avançar muito neste sentido. Na prática, os mecanismos de Estado existentes não atendem aos jornalistas brasileiros. 

Nos últimos anos aumentou o número de ações para monitorar e dar suporte às jornalistas vítimas de violência. Elas aparecem como reação à escalada de hostilidade contra a mídia, porém, ainda há muito a ser feito, especialmente do ponto de vista organizacional. É preciso que as empresas de mídia, assim como as novas iniciativas, tenham como princípio desenvolver ações para ampliar a segurança dos profissionais e oferecer suporte àqueles que sofrerem violência, especialmente as mulheres, que estão mais expostas e vulneráveis a assédios moral e sexual. Ações que precisam levar em conta a misoginia presente dentro do próprio setor e omitida por vários empregadores.

De acordo com o monitoramento Violência de Gênero da Abraji, somente em 2022 foram registrados 55 ataques com viés de gênero contra jornalistas no Brasil, sendo que 56,4% dos casos contêm discursos estigmatizantes, que buscam difamar ou constranger as vítimas. Segundo o monitoramento, 30,9% dos casos são ataques de gênero. Em 2021, foram 119, sendo 38% considerados violência de gênero. Já a pesquisa “O impacto da Desinformação e da violência política na internet contra jornalistas, comunicadoras e LGBT+” constatou que 53% das jornalistas que sofreram violência online admitiram que isso impactou sua rotina de trabalho. 

Em “The Chilling: global trends in online violence against women journalists; research discussion paper”, 73% das mulheres jornalistas afirmaram já terem sido atacadas online, porém, somente um quarto delas informaram os casos a seus empregadores. Mesmo assim, parte delas não recebeu suporte. Entre as respostas recebidas, segundo o estudo da Unesco, estavam o descaso, orientações para endurecerem frente aos ataques, além de casos em que elas foram questionadas sobre o que haviam feito para provocar as agressões.

Em 2022, a Unesco lançou um novo relatório para debater soluções e a responsabilização das empresas de mídia na proteção das jornalistas. Segundo o documento, as ações dos empregadores frente à violência de gênero era inexistente ou inadequada. Muitas vezes, elas acabavam gerando ainda mais dolo às mulheres expostas à violência. Com isso, o relatório destaca a sensação de abandono de muitas profissionais. As autoras do estudo avaliam que a relutância em denunciar os ataques online pode estar ligada a falhas sistêmicas como culturas organizacionais misóginas, patriarcais ou hostis no local de trabalho. Além de lideranças fracas e ausência de protocolos de denúncia e tratamento destas situações.

A violência contra mulheres na mídia deve ser observada a partir de uma perspectiva interseccional, uma vez que mulheres pertencentes a grupos considerados minoritários estão mais vulneráveis à violência, como por exemplo, indígenas, LGBTQIA+, negras, quilombolas. “Em outras palavras, uma abordagem feminista para a proteção de mulheres jornalistas consideraria sua segurança não apenas no trabalho, mas também no caminho para o trabalho, nas redações, e como preucupações com segurança podem envolver aspectos de suas vidas privadas”, aponta o relatório Equally Safe: Towards a feminist approach to the safety of journalists, da Artigo 19.

Devido à natureza da profissão, a jornalista é uma pessoa pública. Independente de estar ou não em uma empresa de mídia, a pessoa física se confunde com a identidade profissional. Esta visibilidade, somada ao mundo digital, a coloca num teto de vidro, amplificando a exposição e os riscos aos quais está exposta. No caso das mulheres que são jornalistas, pensar e expor suas opiniões, acaba sendo o suficiente para se tornar alvo de ataques misóginos. Muitas vezes, eles extrapolam a vida profissional e afetam também familiares. 

Em 2020, a Comissão de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas destacou que no universo midiático é esperado que as mulheres se encaixem em papeis estereotipados e atuem em um sistema com relações de poder desiguais entre homens e mulheres. Segundo o texto, elas são frequentemente visadas pelo seu trabalho, devido a sua voz, “especialmente quando estão quebrando as regras de desigualdade de gênero e estereótipos”.

No final de 2020, Andressa Kikuti alertou que a misoginia é um risco à liberdade de expressão ao debater os ataques online contra jornalistas mulheres. “Se eu dissesse que a maior parte das pessoas responsáveis por noticiar os assuntos mais importantes do dia o fazem sob condições de vulnerabilidade e violência? Seria preocupante, não é mesmo? Pois bem, infelizmente essa não é apenas uma afirmação hipotética.” Essas pessoas são as mulheres, afirmou a pesquisadora. Em 2021, Kikuti debateu outro tipo de violação de gênero presente no jornalismo brasileiro: a desigualdade do mercado de trabalho e suas consequências. As mulheres são maioria nas redações, são as que trabalham mais horas, recebem menos e estão mais expostas a assédios e violências.

A violência de gênero não se limita aos abusos e ataques feitos por terceiros. Ela aparece em estruturas de poder e dominação que as coloca em condição de inferioridade frente aos seus colegas homens, que são maioria em cargos de chefia. Se materializa por toques inadequados de colegas ou chefes, comentários ofensivos ou embaraçosos sobre corpo, peso, comentários depreciativos de suas habilidades e qualificações profissionais, entre outras situações cotidianas que aparecem naturalizadas no dia a dia das redações, porém, podem gerar danos profissionais e psicológicos em longo prazo.

Para se ter uma ideia, 83,6% das participantes da pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro afirmaram já terem sofrido algum tipo de violência psicológica nas redações. Outras 70,4% admitiram já ter recebido cantadas que as deixaram desconfortáveis enquanto exerciam seu trabalho. O estudo de 2017 mostra que  65,7% das participantes tiveram sua competência questionada por colegas ou superiores ou viram uma colega nesta situação, enquanto 64% relataram abuso de poder ou autoridade de chefes ou fontes. Além disso, 46% das respondentes informaram não existirem canais adequados para denúncias de assédio ou discriminação de gênero em seu local de trabalho.

É imprescindível que as empresas de mídia assumam seu papel em defesa das jornalistas e desenvolvam medidas efetivas de proteção às profissionais vítimas de violência, dentro e fora do seu local de trabalho. Além de posicionamento público, defesa jurídica e suporte psicológico, é preciso implementar protocolos de ações efetivas que combatam as violações aos direitos das mulheres, além de mecanismos de segurança para combater ataques externos. O relatório “The Chilling: What More Can News Organisations Do to Combat Gendered Online Violence?” destaca medidas que vem sendo adotadas por algumas organizações jornalísticas ao redor do mundo para garantir a proteção às jornalistas. Entre elas, estão os empregadores defenderem publicamente seus jornalistas vítimas de ataques, ampliar ações sobre questões interseccionais que precisam ser enfrentadas e criação de novas funções dedicadas a enfrentar de forma mais efetiva a violência contra os jornalistas.

Também é essencial que jornalistas homens tomem partido. É triste ver que maior parte das notas de repúdio a agressões contra mulheres venham de mulheres. Homens jornalistas devem assumir o papel de defensor da liberdade de expressão também quando mulheres são atacadas. E muito mais que cobrar decoro e se solidarizar pela vítima, a sociedade civil organizada precisa cobrar insistentemente a responsabilização das empresas de mídia pelo suporte e proteção de seus profissionais. O caso do primeiro debate eleitoral de 2022 escancarou a permissividade dessas organizações ao ataque misógino. Duas mulheres foram agredidas verbalmente em cadeia nacional. No decorrer da semana, a jornalista sofreu ainda mais ataques. Uma nota de repúdio não resolveria o problema central, porém ao menos demonstraria respeito a quem foi violada no seu direito profissional e civil de se expressar.

Mulheres jornalistas sofreram 6 ataques por mês em 2021 – Home | ABI –  Associação Bahiana de Imprensa

30
Ago22

Caso Vera Magalhães: Bolsonaro odeia as mulheres porque odeia a democracia

Talis Andrade

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por David Nemer /Publica Agência de Jornalismo Investigativo

 

 

  • Ataques de Jair Bolsonaro à jornalista da TV foram complementados por campanha de assédio online no Twitter e Telegram
  • Robôs foram usados para inflar apoio feminino ao presidente
  • Relembramos o histórico de ataques às mulheres de Jair Bolsonaro
  • Caso Vera Magalhães: Bolsonaro odeia as mulheres porque odeia a democracia

 

 

No último debate presidencial, no domingo (28/08), ao ser questionado pela jornalista Vera Magalhães sobre a queda da cobertura vacinal e desinformação difundida por ele, o presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais uma demonstração de misoginia, respondeu: “Vera, não pude esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão em mim. Não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.

 

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Na tarde de segunda-feira, o termo difamatório “Verba Magalães”, uma referência ao salário da jornalista na Tv Cultura, chegou aos Trending Topics do Twitter. 

Porém Vera Magalhães não estava só. Uma corrente liderada por mulheres ocupou o Twitter para demonstrar o apoio e solidariedade à jornalista. As contas mais relevantes foram da Fátima Bernardes (@fbbreal), Simone Tebet (@simonetebetbr), Andreia Sadi (@andreiasadi), Natuza Nery (@natuzanery), Patrícia Campos Mello (@camposmello), e Miriam Leitão (@miriamleitao).

 

Misoginia como projeto autoritário 

 

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O Bolsonarismo tende a aumentar seus ataques quando o alvo é mulher. Outro exemplo é a postura das redes de apoio ao presidente sobre a cantora Anitta. 

Ultimamente, devido ao posicionamento político da cantora, que declarou voto em Lula, os grupos bolsonaristas no Telegram têm se ocupado a deslegitimar o poder e a influência de Anitta, assim, como manchar a sua reputação. Desde o início de 2022, nos mesmos grupos bolsonaristas no Telegram monitorados pelo Sentinela Eleitoral, já foram proferidos mais de 1520 mensagens com tons misóginos e sexistas contra Anitta.

Durante o século 20, mulheres se organizaram e conquistaram diversos direitos ao redor do mundo, como o de votar, o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva, inserção social, educação, entre outros. A jornada para a conquista da igualdade de gênero parecia não ter volta. Porém, nos últimos anos, a ascensão de líderes autoritários em diversos países – apoiados em estratégias de desinformação online – não só comprometeu a democracia, mas promoveu sérios retrocessos aos direitos das mulheres. 

Segundo as pesquisadoras de Harvard Erica Chenoweth e Zoe Marks descreveram no artigo “A vingança dos Patriarcas – Por que os autocratas temem as mulheres” (aqui, em inglês), não é coincidência que a igualdade das mulheres esteja sendo revertida ao mesmo tempo em que o autoritarismo está em ascensão. Os direitos civis das mulheres e a democracia andam de mãos dadas, porém há uma geral dificuldade em reconhecer que o primeiro é uma pré-condição para o segundo.

De acordo com as pesquisadoras, autocratas e autoritários patriarcais têm boas razões para temer a participação política das mulheres: quando as mulheres participam de movimentos de massa, esses movimentos são mais propensos a ter sucesso e mais propensos a levar a uma democracia mais igualitária. Em outras palavras, mulheres totalmente livres e politicamente ativas são uma ameaça para líderes autoritários e de tendência autoritária – e, portanto, esses líderes têm uma razão estratégica para serem sexistas. Compreender a relação entre sexismo e retrocesso democrático é vital para aqueles que desejam lutar contra ambos.

Assim, nessa coluna, vale a pena dissecar pontos traduzidos do artigo de Erica Chenoweth e Zoe Marks para demonstrar como o bolsonarismo e seu líder Jair Bolsonaro atacam as mulheres como um meio para desmantelar a democracia brasileira. 

 

Histórico de misoginia 

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Jair Bolsonaro tem um histórico de falas machistas e de ataques às mulheres

  • Em 1998, quando era deputado federal, Bolsonaro agrediu pelas costas Conceição Aparecida Aguiar, na época gerente da Planajur, empresa de consultoria jurídica e que atendia ao Exército; 
  • Em 2011, Bolsonaro atacou Preta Gil quando ela o perguntou como ele reagiria se algum de seus filhos se envolvesse com uma mulher negra. “Eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o seu”, respondeu;
  • Em 2012, Bolsonaro votou contra a PEC das Domésticas que visava lhes assegurar direitos trabalhistas;
  • Em 2014, disse que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia. Bolsonaro também já afirmou que mulheres que decidem ser mães deveriam ganhar menos e, caso não estejam contentes, que busquem outro emprego;
  • Em 2016, durante o impeachment de Dilma, ele celebrou um torturador que inseriu baratas nas vaginas de mulheres, para mostrar que ele era “o terror”;
  • Em 2017, Bolsonaro afirmou que a sua única filha “veio uma mulher” porque ele deu “uma fraquejada”;
  • Em 2019, Bolsonaro em uma fala sexista e homofóbica, afirmou que o Brasil não poderia ser um país de turismo gay, mas que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade”.

Por outro lado, Bolsonaro ataca constantemente a imprensa, um dos pilares da democracia, porém não é de se surpreender que jornalistas mulheres são o seu alvo preferido. 

Em 2018, ao se pronunciar sobre um furo de reportagem da jornalista da Folha Patrícia Campos Mello, que revelou a contratação de disparos em massa com fake news na campanha de 2018, Bolsonaro disse que ela ” queria dar um furo a qualquer preço contra mim”. A declaração, com os tweets do seu filho Eduardo Bolsonaro amplificaram os ataques misóginos que já estavam acontecendo no Twitter e em grupos de WhatsApp. 

No seu artigo, Chenoweth e Marks afirmam que, apesar da flagrante misoginia, autoritários e autocratas conseguem recrutar mulheres como protagonistas de seus movimentos políticos, como é o caso da Damares Alves e da primeira dama, Michelle Bolsonaro. 

Damares Alves promove discursos em que valoriza a maternidade e a família tradicional para obscurecer políticas desiguais de gênero. Já a Michelle Bolsonaro tem sido instrumental para tentar diminuir a rejeição do seu marido no eleitorado feminino — ela tem participado de comícios e convenções partidárias para promover a percepção que Bolsonaro se importa com as mulheres, ela chegou a afirmar que ele “sancionou 70 novas leis de proteção à mulher”. 

Porém, Bolsonaro sancionou 46 projetos, nenhum de autoria do seu governo, e vetou seis propostas que beneficiavam diretamente as mulheres, incluindo o trecho de uma lei que distribuiria absorventes de forma gratuita para pessoas em vulnerabilidade social. 

 

Fakes para demonstrar apoio feminino

 

O Bolsonarismo também usa as redes para demonstrar de forma artificial que as mulheres o apoiam. No dia seguinte ao debate presidencial (29/08), as hashtags #SouMulherEVotoBolsonaro e #MulheresComBolsonaro foram parar nos assuntos mais comentados do Twitter (Trending Topics).

Na visão do autoritário patriarcal, os homens não são homens de verdade, a menos que tenham controle sobre as mulheres em suas vidas. Bolsonaro, após ter o apoio incondicional da deputada Joice Hasselman, ao sentir que ela seria uma ameaça à sua liderança, cortou relações e, junto com a sua base, focou em atacá-la com mensagens e memes misóginos com referências à sua condição física. Diversas vezes em que Carla Zambelli se manifestou em coletivas com Bolsonaro, foi avisada para ficar quieta. Bolsonaro também demonstra controle sobre a primeira dama, Michelle, ao fazer insinuações sobre a vida sexual do casal.

 

Por que tanta raiva das mulheres?

 

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No último debate presidencial, a candidata Simone Tebet perguntou a Bolsonaro: “Por que tanta raiva das mulheres?” 

A resposta é simples: porque Bolsonaro odeia a democracia. Por mais que as mulheres brasileiras, e seus direitos, estejam sendo atacadas e ameaçadas, é preciso mais do que nunca reconhecer os seus esforços de resistência. É nelas que está a saída do Bolsonarismo.

Estudiosos da democracia muitas vezes enquadraram o empoderamento das mulheres como resultado da democratização ou mesmo como função da modernização e do desenvolvimento econômico. No entanto, como afirmam Chenoweth e Marks, as mulheres exigiram inclusão e lutaram por sua própria representação e interesses por meio de movimentos contenciosos de sufrágio e campanhas de direitos que, em última análise, fortaleceram a democracia em geral. 

Alguns, como o movimento pró-democracia do Brasil em meados da década de 1980, tiveram ampla participação feminina: pelo menos metade dos participantes da linha de frente eram mulheres. Atualmente, as mulheres são 52,7% do eleitorado brasileiro e assim podem ser decisivas na derrota não só do Jair Bolsonaro mas na derrota do bolsonarismo como um todo.

Se a história servir de guia, as estratégias autoritárias falharão a longo prazo. Como explicam Chenoweth e Marks, as feministas sempre encontraram maneiras de exigir e expandir os direitos e liberdades das mulheres, potencializando o avanço democrático no processo. 

Mas, no curto prazo, autoritários patriarcais descontrolados podem causar grandes danos, apagando conquistas que levaram gerações para serem alcançadas.

Colaboraram Natalia Viana, Yasodara Cordova e Laura Scofield

18
Jul22

Gravações mostram assédio moral de Pedro Guimarães na Caixa

Talis Andrade

Entenda: por que o copo de leite na live de Bolsonaro provocou controvérsia  | Sonar - A Escuta das Redes - O Globo

Bolsonaro e Pedro Guimarães realizam ritual nazista de tomar leite

 

Metrópoles - O agora ex-presidente da Caixa tinha acessos de fúria e usava termos de baixo calão em reuniões com subordinados

Os depoimentos revelados com exclusividade pela coluna nos quais funcionárias da Caixa denunciam episódios de assédio sexual envolvendo Pedro Guimarães, que até esta quarta-feira comandava o banco público, trazem também uma série de relatos de assédio moral.

Os testemunhos incluem situações em que Guimarães, a partir do cargo de presidente da Caixa, submeteu subordinados a constrangimentos diversos.

Ao longo da apuração, a coluna falou ainda com outros empregados da Caixa e reuniu elementos que corroboram os relatos.

Tivemos acesso, também com exclusividade, a registros em áudio que dão a dimensão dos arroubos, que ocorriam inclusive em reuniões de diretoria.

Guimarães, que deixou o cargo nesta quarta em razão das denúncias, detestava ser contrariado.

Com frequência, ele elevava a voz e usava palavreado grosseiro e até chulo para reagir a decisões tomadas pelos subordinados que o desagradavam.

Eis algumas dessas situações:

A fúria por perder remuneração de conselhos

Em uma reunião no fim do ano passado, Pedro Guimarães estrilou com executivos da Caixa em razão de uma decisão que havia sido tomada pelo conselho do banco sem que ele tivesse sido informado.

A coluna apurou com fontes ligadas ao Ministério da Economia que a fúria tinha a ver com dinheiro: o conselho havia aprovado uma mudança nas normas internas que passou a estabelecer um limite à nomeação de Guimarães para conselhos da própria Caixa e de empresas nas quais o banco tem participação.

Após a decisão, ele só poderia ser remunerado pela atuação em, no máximo, dois conselhos. Na prática, a mudança representava menos dinheiro no bolso do então presidente.

A partir de um levantamento em documentos oficiais da Caixa, a coluna apurou que, desde que assumiu o comando do banco, no primeiro dia do governo Jair Bolsonaro, Guimarães integrou pelo menos 18 conselhos. Pela participação na maioria deles, recebia remuneração.

A soma dos jetons a que ele tinha direito nesses conselhos alcança a cifra de R$ 130 mil. Além desses valores, Pedro Guimarães recebia ainda o salário mensal de presidente da Caixa, de R$ 56 mil.

A partir da alteração nas normas internas, a remuneração “extra” diminuiu sensivelmente. Guimarães atribuiu a aprovação da nova regra a uma suposta sabotagem de seus subordinados, que teriam deixado passar a mudança para prejudicá-lo financeiramente.

A certa altura da teleconferência, claramente irritado, ele diz que os executivos do banco estariam trabalhando contra ele e contra o governo, e que eles mereciam “se f.” com um eventual retorno do ex-presidente Lula ao poder. Ouça:

“Vocês têm que se f.”

 

Na mesma reunião, Pedro Guimarães pede a Celso Leonardo Derziê Barbosa, um amigo pessoal que ele alçou à posição de vice-presidente da Caixa, para anotar o CPF de todos os subordinados que estavam na conferência, para que fossem punidos com a perda dos cargos que ocupavam caso o teor da reunião vazasse.

Celso Leonardo, que chegou a ser cotado para suceder Guimarães na presidência da Caixa, é apontado como o diretor encarregado de promover a perseguição interna contra os funcionários que desagradavam ao amigo.

Neste momento da reunião, Guimarães diz que a tarefa tinha que ficar a cargo de Celso Leonardo porque Álvaro Pires, outro amigo dele levado para o banco e nomeado como assessor do gabinete da presidência, é “pau mole” e não teria coragem de adotar as providências. Pires é conhecido pelo apelido de Vreco. Ouça esse trecho da reunião:

“É p. mole”

 

Um presidente autoritário

O jeito grosseiro fica explícito em outros trechos das gravações às quais a coluna teve acesso.

Em uma das oportunidades, ao se queixar de decisões que haviam sido tomadas no banco sem passar pelo seu crivo, Guimarães diz não se importar com a opinião dos subordinados.

“Caguei para a opinião de vocês, porque eu que mando. Não estou perguntando. Isso aqui não é uma democracia, é a minha decisão”, afirma. Ouça:

“Eu que mando. Isso aqui não é uma democracia”

 

O tom é semelhante neste outro áudio, em que ele claramente ameaça de demissão os funcionários que tomarem decisões sem consultá-lo:

“Vocês são malucos”

 

Todos os poderes ao gabinete

Eram comuns as situações em que o caráter centralizador de Pedro Guimarães derivava para ataques e ameaças aos funcionários.

Nesta outra gravação, ele reclama de mais uma decisão dos executivos do banco que não havia passado pela aprovação da presidência.

E diz que, ainda que algum dos vice-presidentes da Caixa tivesse avalizado a decisão, o assunto deveria ter passado pelo crivo da chefe de gabinete da presidência, Rozana Alves Guimarães. “Manda todo mundo tomar no c.”, afirma.

“Manda todo mundo tomar no c.”

 

Acareações entre funcionários

Os funcionários ouvidos pela coluna afirmam que era comum Pedro Guimarães fazer acareações entre eles quando percebia alguma divergência em respostas a seus questionamentos. Além disso, a ameaça de demitir muitas vezes era cumprida, o que explicaria a alta rotatividade nos cargos de chefia da Caixa.

“A gente tem 37 cargos de dirigentes e mais de 100 pessoas já passaram por esses cargos desde que ele (Guimarães) chegou”, afirma uma subordinada do gabinete.

Perder um cargo de confiança pode significar muito. Executivos do banco recebem salários a partir de R$ 30 mil. Quando são demitidos das funções de chefia, eles voltam a receber o salário original, até dez vezes menor. Por isso, dizem os funcionários, muitos cediam aos caprichos de Guimarães.

“Você chega no nível máximo e de repente despenca. Vira um técnico bancário”, diz a funcionária de carreira, que relata ter sido vítima de assédio moral do então presidente do banco.

“Faixa branca” e “Long Dong”

No dia a dia, dizem os funcionários, a relação de Guimarães com seus subordinados mais próximos era repleta de palavrões, termos pornográficos e expressões ácidas que mexiam com a auto-estima deles.

“‘Pau mole’, ‘júnior’, ‘faixa branca’… É assim que ele chama todo mundo”, afirma um dos empregados da Caixa ouvido pela coluna.

As expressões eram usadas quando Guimarães queria dizer que os subordinados estavam desempenhando suas tarefas como se fossem profissionais iniciantes, inexperientes.

Quando não estava satisfeito com o resultado do trabalho de algum empregado, ele reagia irado. “Ele dizia: ‘Até meu filho faria isso melhor do que você’.”

Não eram incomuns as situações em que o assédio moral vinha acompanhado das expressões de cunho sexual, segundo o relato de uma funcionária que, assim como os demais colegas, pediu para não ser identificada nesta reportagem.

“Tem uma coisa que ele sempre fala que é assim: ‘Vai vir o Long Dong, vai entrar pelo c. e sair pela boca’. Fui até pesquisar por qual motivo ele falava tanto desse Long Dong. É um ator pornô. É muito assustador”, diz ela.

A neura com celulares

Segundo os depoimentos, por vezes Guimarães cismava que estava sendo gravado e, de repente, pegava os telefones dos subordinados para se certificar de que aplicativos de gravação não estavam acionados.

“Ele implantou na Caixa um ambiente de medo e de submissão, com o clima sempre tenso”, afirma uma funcionária.

A cultura do medo, diz ela, era um instrumento que ele entendia como necessário para uma gestão eficiente. “E ele fala que, se a sua equipe gosta de você, é porque você é um péssimo gestor. Funcionários, na visão dele, têm que te odiar o chefe. Diz que você tem que arregaçar todo mundo “, prossegue.

Surto ao vivo

Uma funcionária relata que Guimarães chegou a dar um murro na TV instalada em uma das salas usadas pela diretoria da Caixa por causa de um problema no som. Depois, mandou tirar o aparelho do local. A cena foi assistida por executivos do banco que, sob reserva, concordaram em falar à coluna.

Ainda de acordo com os relatos, Guimarães já danificou um computador da Caixa e arremessou um celular funcional contra a parede durante um dos acessos de raiva, na frente de funcionários.

Em uma live feita no canal da Caixa no YouTube para explicar o pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia, ele ficou revoltado com um problema ocorrido na transmissão. “Ele estourou e falou no ar que era para mandar todo mundo embora”, conta uma funcionária.

Pimenta na comida

Um episódio relatado pelos funcionários que aceitaram falar para esta reportagem tem pitadas de sadismo, embora envolva uma prática à qual Pedro Guimarães procurava dar contornos de brincadeira.

Em jantares, especialmente durante viagens de trabalho, ele despejava pimenta nos pratos dos subordinados e os exortava a comer tudo até o fim, ainda que a contragosto.

A prática era entendida como mais uma das várias técnicas polêmicas usadas por Guimarães a pretexto de motivar as equipes sob seu comando – ele chegou a ser processado por obrigar empregados a fazer flexões em eventos públicos do banco e, quando decidia descer de escada os 21 andares do edifício-sede da Caixa, saía colhendo os funcionários que encontrava pelo caminho e os constrangia a acompanhá-lo.

No caso da pimenta, uma funcionária diz: “Quanto mais você chora e passa mal, mais ele ri. Ele é bem sádico. Em toda refeição de trabalho com ele tinha pimenta no prato de alguém”.

Citado em denúncias de assédio, vice-presidente da Caixa renuncia

 

02" da Caixa também teria cometido assédio: “Virou uma 'cultura' da  empresa” | Revista FórumUm dos executivos mais próximos de Guimarães, Celso Leonardo Barbosa também foi citado em denúncias de funcionárias da Caixa que já prestaram depoimento aos investigadores. A renúncia dele foi aprovada pelo Conselho de Administração do banco.

Barbosa, que nega as acusações, também é alvo de denúncia por abuso sexual apresentada na ouvidoria da Caixa. O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Tribunal de Contas da União (TCU) também se debruçam sobre o caso.

17
Jul22

Presa por Ustra na ditadura, Lúcia Skromov relata tortura física e psicológica

Talis Andrade

 

Presa por Ustra na ditadura, Lúcia Skromov relata tortura física e  psicológica | by eDemocratize | eDemocratize | Medium

Foto: Francisco Toledo/Democratize

 

“Eles usavam ratos, os colocando em uma espécie de funil, posicionando na região do ânus. Pegavam camundongos, pequenos, daqueles recém-nascidos, pra entrar. Imagina o estrago que ele fazia no intestino de uma pessoa”, falou ao Democratize a militante Lúcia Skromov, torturada pelo Coronel Ustra durante a ditadura militar

 

Lúcia Skromov foi presa pela primeira vez durante a ditadura em 1968, quando foi detida em uma passeata e levada para o Departamento de Ordem Política e Social, conhecido também como DOPS. Na época, ela era estudante de letras na USP e militava junto a movimentos estudantis.

Um ano depois, o militar de extrema direita, Emílio Médici, assume a presidência, a censura e a repressão passaram a ser ainda mais endurecidas. Nesse período surge a Operação Bandeirante (OBAN), um centro de informações e investigações que combatia toda e qualquer organização de esquerda. Essa entidade foi financiada por Henning Boilesen, que segundo Lúcia, foi o responsável por trazer técnicas de tortura praticadas por nazistas para o Brasil. Mais tarde, a OBAN ganhou um órgão complementar que pertencia diretamente ao Exército do Brasil, o Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi).

A militante comunista fazia parte do sindicato dos bancários, em que lutou pela equiparação de direitos das mulheres dessa categoria.

Lúcia relata que quando o Banco do Brasil e o Banco do Estado passaram a admitir mulheres, elas recebiam um salário menor que o dos homens para exercer as mesmas funções. As mulheres então, passaram a ocupar espaços dentro dos sindicatos, e levantavam as bandeiras pela equiparação de direitos e contra a ditadura. Organizavam ações para panfletar nos bancos e emitiam boletins através do sindicato. Além disso, ela colaborava com núcleos de formação marxista que existiam dentro de fábricas na região do ABC e Diadema.

Isso ocorre em um período em que a repressão e a perseguição contra os militantes de esquerda fica ainda mais acirrada, e em 1973 Lúcia é presa pela segunda vez.

Ela foi detida na região da zona norte de São Paulo com mais três companheiros de luta. Dessa vez, foram levados para o DOI-Codi, que era comandando pelo Coronel Carlos Alberto Ustra, local que ficou conhecido como ‘’a casa dos horrores’’, por ser onde aconteciam inúmeros casos de tortura, dos mais variados tipos e lá permaneceu presa por um mês.

Lúcia conta que nessa época, as prisões já eram imensas, e os agentes torturadores passavam a ganhar recompensas por seus trabalhos. Ela cita Charles Chandler como um oficial do exército dos Estados Unidos que veio ao Brasil para ajudar a implementar novas técnicas de tortura.

‘’Ele [Charles Chandler] veio junto com Boilesen, para fazer com que o interrogatório fosse um método capaz de retirar informações. E não há medidas e nem limites para esse interrogatório’’ — afirma Lúcia.

Embora existam testemunhos de militantes e até de militares, de que Boilesen freqüentava o DOI-Codi para assistir e participar de sessões de tortura, o Coronel Brilhante Ustra sempre negou que isso tenha ocorrido.

 

Presa por Ustra na ditadura, Lúcia Skromov relata tortura física e  psicológica | by eDemocratize | eDemocratize | Medium

Foto: Francisco Toledo/Democratize

 

Há também suspeitas de que Boilesen usava os carros da sua empresa, a Ultragás, para descobrir pontos de encontro de núcleos de esquerda.

’’A Ultragás colocava seus carros de venda estratégicamente em vários lugares da cidade em que eles suspeitavam que haviam pontos de encontro dos movimentos’’ — conta Lúcia.

Chandler e Boilesen foram mortos ainda na época da ditadura por militantes guerrilheiros de esquerda.

‘’Na verdade, a gente não pode nem usar a palavra executar, justiçaram o Boilesen, da mesma forma que justiçaram Chandler.’’ — diz Lúcia sobre as mortes do executivo e do militar que apoiaram o período ditatorial.

Texto por Mariana Lacerda
Reportagem por Mariana Lacerda, Carol Nogueira e Francisco Toledo

 

 

 

 

 

15
Jul22

Mulheres: repressão e resistência na ditadura militar (cinemateca)

Talis Andrade

Na ditadura, jornalismo feminista lutou contra a repressão - CartaCapital

 

As mulheres sempre estiveram presentes nos movimentos de contestação e mobilizações ao longo da nossa história. No período da Ditadura não foi diferente. Elas resistiram de muitas formas: se organizaram em clubes de mães, associações, comunidades eclesiais de base, em movimentos contra o custo de vida e por creches. Desafiando o papel feminino tradicional, participaram do movimento estudantil, partidos, sindicatos. Também, ainda que sempre em menor número que os homens, pegaram em armas, na tentativa de derrubar o regime militar. Foram duramente reprimidas. Foram elas ainda que iniciaram o movimento pela anistia.

 

Tabus e luta por direitos

 

A luta das mulheres por emancipação é antiga, já no século XIX elas se organizavam para combater as diferentes formas de opressão a que estavam submetidas, mesmo enfrentando muitas barreiras para se afirmar.

A partir dos anos 1960, a situação da mulher brasileira acompanhou o processo de industrialização e urbanização pelo qual o país passou desde a Segunda Guerra Mundial, mudança também influenciada pelos ventos do movimento feminista, que tomava força em outras partes do mundo.

A tradição patriarcal e machista da sociedade brasileira foi defrontada nessa época com questões referentes às mulheres: o direito ao estudo, ao trabalho, à participação política, ao uso de contraceptivos. Ou seja, a busca por direitos individuais e coletivos que lhes garantissem a condição de cidadania plena.

Para os mais conservadores, as mulheres deveriam cuidar apenas do espaço privado, da educação dos filhos, da ordem doméstica de trabalhos manuais e deveriam cuidar de sua honra vestindo-se adequadamente, sabendo se comportar com recato. No entanto, na classe operária as mulheres já estavam trabalhando nas fábricas têxteis ou trabalhando como empregadas domésticas, entre outras ocupações; e há muito tempo algumas de classe média trabalhavam como professoras, enfermeiras, secretárias, ainda que não fosse de forma contínua.

Nas famílias da classe média brasileira, desde meados dos anos 1960, as mulheres jovens ingressavam cada vez mais nas universidades, recebendo influência das mudanças comportamentais que abalavam a juventude na Europa e nos EUA. Nesses países, as mulheres começaram a romper com tabus, queriam ser mais do que “reprodutoras” e mães assexuadas. Além de lutarem para serem protagonistas na vida política, as mulheres passaram a lutar para ter direitos sobre o próprio corpo – incluindo-se aí o direito ao prazer sexual – e pela igualdade civil e respeito intelectual.

Enquanto livros como “O Segundo Sexo”, da francesa Simone de Beauvoir, e “Mística Feminina” de Betty Friedan, aprofundavam a questão da condição feminina, os movimentos feministas se radicalizavam, realizando manifestações públicas em favor da igualdade e da liberação do corpo. Um fato simbólico deste período foi a manifestação em 1968, organizada pelo Womens Liberation Movement, em Atlantic City, nos EUA, durante o desfile de Miss América quando uma coleção de itens femininos como cílios postiços e sutiãs foi jogada dentro de uma lixeira, chamada de Lixeira da liberdade (Freedom trash can). No Reino Unido dois anos depois,  o Movimento de Liberação da Mulher invadiu o concurso de Miss Universo com o slogan “Não somos bonitas, não somos feias. Estamos indignadas”. Na França no mesmo ano com muita ousadia as feministas fizeram uma intervenção no Arco do Triunfo, um dos monumentos mais emblemáticos de Paris, coroando a tumba do soldado desconhecido em memória a sua esposa desconhecida.

As mulheres não se contentavam apenas com o direito ao voto, conquistado a duras penas, mas queriam romper com os padrões rígidos impostos pela sociedade patriarcal, para isso lutavam pelo direito de interrupção da gravidez, pela liberdade sexual, contra a violência sexista, por seu direito ao trabalho e pela afirmação no mundo público como cidadãs. A pílula anticoncepcional colocou em questão a maternidade como destino obrigatório permitindo às mulheres desvincular a pratica de sua sexualidade à gravidez. A partir dos anos 1960, o mundo público, familiar e privado não seria mais o mesmo, ainda que a igualdade entre homens e mulheres seja até hoje uma árdua batalha.

No Brasil, essas manifestações tiveram mais impacto a partir da virada para os anos 1970. Um dos símbolos da mulher liberada foi a atriz Leila Diniz. Ela fumava, usava vestidos curtos e era extrovertida e irreverente. Sua foto na praia, grávida e com um minúsculo biquíni, é um dos ícones da nova mulher brasileira que emergia naquele momento e que deu muito o que falar. Até então, a mulher grávida não mostrava sua barriga em público.

 

Realidade das mulheres

 

Os movimentos de questionamento à ditadura e o feminismo emergiram em um contexto onde não havia igualdade jurídica nem formal entre homens e mulheres. Se por um lado a pílula anticoncepcional revolucionou a vida de muitas mulheres, ao mesmo tempo, em função do alto número de filhos nas classes populares, a ditadura militar sustentou uma campanha de controle de natalidade, com esterilização em massas, e ausência de informações sobre métodos contraceptivos, negando às mulheres o poder de decidir sobre qual método preferiam.  O Código Civil da época colocava as mulheres em uma posição de cidadãs de segunda categoria e dava aos maridos e pais poderes de decisão sobre elas. Por exemplo, para trabalharem fora de casa careciam do consentimento de um dos dois.

Mesmo assim a participação das mulheres nas atividades econômicas cresceu e se diversificou.  Em 1976 aproximadamente 30% das mulheres já eram parte da população economicamente ativa, contudo entre os homens esse numero chegava a 74.1%. Os postos mais valorizados no mercado de trabalho eram sempre masculinos e o espaço de projeção social e política era exclusivamente dos homens.

No campo as condições das mulheres não eram melhores. O aumento da pobreza rural levou milhões de pessoas a migrarem em direção às cidades. Em 1950 somente 13.3% da população vivia nas cidades, nos anos 1970 essa proporção praticamente se inverte e a população que vivia e trabalhava no campo passou a representar somente 27,8% do total. As mulheres do campo foram excluídas de um conjunto de políticas implementadas na época, já que não eram consideradas produtoras e nem reconhecidas como chefes de família e, portanto, responsáveis pelo sustento familiar. As mulheres solteiras, mesmo que chefes de família, não tinham acesso à terra, e as que ficavam viúvas perdiam o direito de uso da terra.

O crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho convivia com uma visão de que essa presença era uma “exceção”, que sua renda era complementar já que o sustento do lar ainda era garantido pelos homens. Isso serviu para justificar as condições de trabalho ruins, a desigualdade salarial, e a ausência de creches. Na segunda metade dos anos 1960 e ao longo da década de 1970, justamente quando o Brasil vivia um contexto político autoritário, as mulheres passaram a lutar cada vez mais por seus direitos e pela igualdade entre os sexos.

 

Mulheres, repressão e resistência

 

A resistência à ditadura militar contou com a participação ativa e protagonista de muitas mulheres, de diferentes formas, ainda que sempre em menor número do que os homens. Elas participaram do movimento estudantil, de partidos, sindicatos e organizações clandestinas, desafiando o papel de passividade e domesticidade que a sociedade da época lhes atribuía e enfrentando o machismo espalhado em toda sociedade.

Pelo menos uma centena de mulheres, na maioria jovens de menos de 30 anos e estudantes universitárias, tomaram parte diretamente na luta armada. Muitas delas foram presas e outras tantas assassinadas. Elas ficaram conhecidas pela coragem e por participações arrojadas nas ações armadas. Não foi a quantidade de mulheres participando dessas organizações que rompeu com os papeis tradicionais, mas a qualidade dessa atuação.

Mesmo atuantes as mulheres se deparavam com barreiras dentro das organizações em que participavam, que em geral não absorviam sua participação completamente. Seja porque o questionamento a valores e comportamentos machistas era tratado como um tema menor frente às grandes questões da revolução; seja porque consideravam a gravidez e a maternidade como algo incompatíveis com a militância, e mesmo por uma certa “divisão sexual” das tarefas revolucionárias. Era raro que chegassem a ser dirigentes dessas organizações, mas algumas vezes elas se encarregavam das ações mais perigosas, justamente por serem menos visadas pelas forças repressoras. Muitas tiveram papel de destaque em combates armados contra as forças de segurança do regime. Das mulheres que participaram da guerrilha urbana, cerca de 45 foram mortas ou estão desaparecidas até os dias atuais.  Quando não eram guerrilheiras, as mulheres atuavam como enfermeiras e professoras, como na Guerrilha do Araguaia, em que foram o primeiro elo de integração com a população camponesa local.

Essas militantes, não só na guerrilha, mas também nos partidos clandestinos, eram consideradas duplamente transgressoras. Primeiro, por desafiarem a ordem estabelecida, na tentativa de derrubar o regime militar, em segundo lugar, por contrariarem o papel de mães, esposas e donas de casa que a ditadura e a sociedade patriarcal reservavam para elas. Rompiam, assim, com estereótipos do que é ser mulher, ocupando o espaço público, a política, e até a luta armada. Por isso mesmo, quando eram capturadas pelo regime, as forças repressoras tentavam recolocá-las em seu “devido lugar”. Eram chamadas de “vagabundas” e “prostitutas” e eram obrigadas a ficar nuas em frente aos agentes da ditadura, sempre do sexo masculino. Quando encarceradas depois da tortura eram tratadas como igual dureza como conta o depoimento de Criméia Alice Schimidt de Almeida ou as memórias sobre a Torre das Donzelas.

A própria tortura das mulheres era diferente daquela destinada aos homens. Para além das perversidades que eles sofriam, elas foram alvo sistemático de violência sexual. Muitas grávidas sofreram abortamentos forçados durante as sessões de tortura. Em outros casos, eram aplicados choques elétricos em seus órgãos genitais, com ameaças de que não conseguiriam mais engravidar, foram estupradas por vários agentes do estado. Nem as crianças eram poupadas do terror: algumas mulheres foram torturadas em frente a seus filhos ou foram impedidas de amamentá-los. Crianças também foram torturadas física e psicologicamente para atingir suas mães.

Não foram apenas as jovens mulheres de classe média e universitárias que se organizaram durante o regime militar. A rápida urbanização das cidades brasileiras, sobretudo da cidade de São Paulo ocupada por migrantes vindos do Nordeste, de Minas Gerais e do interior paulista, fez expandir a organização às periferias. As comunidades começaram a ver surgir lideranças femininas que percebiam as dificuldades socioeconômicas e políticas a partir das dificuldades de seu cotidiano e se reuniam nos movimentos de bairro.

Nesses encontros, elas se uniam para pressionar o poder público por melhores condições de vida, lutando por moradia, escolas, postos de saúde, transporte coletivo, creches. Eram donas de casa, trabalhadoras urbanas, faxineiras, empregadas domésticas, comerciárias. Pessoas que, pelos laços de vizinhança e solidariedade, desenvolvidos para enfrentar a dura sobrevivência, se encontravam nas paróquias, sob a proteção principalmente da igreja católica, criando, assim, uma forma de organização e participação social das mulheres, em plena ditadura militar.

Apesar de muitas vezes estarem ligadas ao catolicismo, tradicionalmente conservador em termos comportamentais e da visão do papel feminino, as mulheres das classes populares acabaram desenvolvendo uma pauta própria de reivindicações, que incluía respeito dos seus companheiros, denúncias de violências domésticas [2]e igualdade de oportunidades.

Assim surgiram os clubes de mães, as associações de bairros, a oposição sindical, as comunidades eclesiais de base, o movimento contra o custo de vida. Em grande medida isso tudo ocorreu sob a proteção da Cúria Metropolitana de São Paulo, dirigida pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que abriu suas paróquias para acolher essa nova organização popular no período mais violento da ditadura militar, de 1970 a 1974, durante o governo do general Médici.

Além de militantes de base e lideranças políticas das organizações de esquerda, as mulheres tinham outras facetas que se tornaram importantes na luta pela anistia e pelos direitos humanos: companheiras, mães, filhas, irmãs, organizadas nas mais diversas formas de luta, procurando por maridos, filhas e filhos, pais, irmãos, incansáveis diante dos portões dos presídios. Por exemplo, em 1968 com o aumento das manifestações e da repressão contra a juventude surge um movimento de mães em defesa de seus filhos no Rio de Janeiro, que ficou conhecido como União Brasileira de Mães. Essas mulheres se conheceram, uniram-se e formaram comissões de familiares de presos e desaparecidos. Aquelas que haviam saído dos cárceres da ditadura iam se incorporando a essas comissões, levando sua experiência de luta e o testemunho de seu sofrimento. Desses grupos iria se originar o Movimento Feminino pela Anistia que, unindo mulheres e homens, se estendeu pelo país, ampliado pela formação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e seus comitês regionais espalhados por vários estados. As mulheres lideraram e formaram grande parte das lideranças na luta pela anistia, em diversas organizações.

 

Movimentos feministas

 

Nos anos 60 no Brasil surgiu a chamada Segunda Onda do feminismo, um movimento que no mundo inteiro crescia vinculado a nova esquerda, ao movimento negro, pacifistas e anti colonial. Sua reivindicação por direitos econômicos e políticos era indissociável das demandas por liberdade sexual e pelo direito ao próprio corpo. Essa associação se expressou na famosa citação de Simone de Beauvoir: o pessoal é político.

O contexto brasileiro trouxe um elemento importante para o feminismo daqui que foi a luta contra a ditadura. As mulheres eram presença constante nos movimentos de oposição ao governo e estavam envolvidas ao mesmo tempo nos movimentos de mulheres e no ativismo feminista. Para a maioria das organizações de oposição ao governo a luta das mulheres não era identificada como parte essencial da libertação do povo, o essencial era a luta de classes – o mais viria como decorrência – assim as feministas foram muitas vezes acusadas de trazerem questões pequeno-burguesas para o debate político perdendo o foco da luta mais geral contra o regime militar. Por outro lado, durante esse período houve um forte debate, que acompanhou o movimento feminista, sobre se as mulheres deveriam atuar na luta geral contra a ditadura ou na luta especifica pelos direitos das mulheres; ou mesmo nas duas juntas.

Respondendo a essas e outras questões foram várias as correntes de pensamento feminista que se formaram a partir de análises diferentes do patriarcado e da sociedade como um todo. Por isso é importante falarmos em feminismos no plural, já que a forma como cada um dos grupos entendia a sociedade e o funcionamento da opressão determinou suas formas de organização.

O ano de 1975 foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Mulher (e o primeiro ano da Década da Mulher), o que representou uma importante oportunidade para os grupos de mulheres. Em países como o Brasil que viviam sob regimes autoritários a agenda da ONU funcionou como uma justificativa institucional para reuniões estimulando o debate e a demanda de políticas voltadas para as mulheres.

Isso não significou o fim das restrições para suas reuniões. Em outubro de 1975, por exemplo, patrocinado pela Cúria Metropolitana, e pelo Centro de Informação da ONU foi realizado o seminário “Encontro para Diagnóstico da Mulher Paulista”, na Câmara Municipal. Ainda que liderado por mulheres que já vinham realizando grupos de reflexão e estudos sobre a situação da mulher, o seminário precisou da autorização do DOPS. Por questionarem os padrões de família e de feminilidade as organizações feministas colidiam com a ideologia disseminada pelo regime.

Obviamente, o Ano da mulher não mudou a cultura machista e opressora, mas estimulou as mulheres a se organizarem e a lutarem por temas específicos: direitos iguais para trabalho igual, liberdade sexual, direito ao prazer, direito a contraceptivos, direito ao aborto, contra a violência sexual em casa e na rua, contra a imagem estereotipada nos meios de comunicação. A partir de 1975, vários grupos se organizaram: Sociedade Brasil Mulher, Associação Nós Mulheres, Centro da Mulher Brasileira, Associação das Mulheres de A E Carvalho, SOS Mulher, Coletivo Feminino da Sexualidade e Saúde da Mulher, União Brasileira de Mulheres, Grupo de Mulheres Lésbico Feministas (GLF), e muitas outras, em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Belo Horizonte e outros estados.

Tudo isso era parte das transformações em curso. A participação feminina nos sindicatos cresceu mais do que o aumento da sua participação no mercado de trabalho. Entre 1970 e 1978, o numero de filiações de mulheres em sindicatos cresceu 176%. Assim nasceu também o trabalho de mulheres no interior dos sindicatos e, não sem resistência, começaram a formar, grupos, diretorias, núcleos voltados às mulheres e suas demandas.

Nesse período também surgiu a imprensa feminista publicando importantes jornais da imprensa alternativa: Brasil Mulher (de 1975 a 1980), com uma tiragem de 10 mil exemplares, o Nós Mulheres (de 1976 a 1978), Maria Quitéria (1977), nos anos 80 surgiram Mulherio (de 1981 a 1988), Mulher liberta Mulher (1980) e Chana com Chana (1981).

De 1975 a 1981, vários foram os momentos em que as mulheres unificaram suas atuações, fortalecendo a organização e o sucesso do movimento: em 1978, no Movimento pela Anistia, iniciado por elas; em 1979, no Movimento de Luta por Creches nos locais de Moradia; e, em 1979, 1980 e 1981, nos Três Congressos da Mulher Paulista, cujas decisões subsidiaram o processo da Constituinte.

As organizações políticas das mulheres resultou em mudanças importantes tanto nas organizações e movimentos sociais em relação às pautas feministas como nos direitos sociais e políticos assegurados por lei. O movimento deixou sua marca na Constituição de 1988, mas também em outras legislações mais recentes como a lei Maria da Penha (2006) e na regulamentação dos direitos das Trabalhadoras Domesticas (2015). A sub-representação das mulheres em espaços de poder, a permanência da violência contra as mulheres, a desigualdade salarial e tantos outros diretos negados tornam atual a luta das mulheres por igualdade e liberdade.

 

Habeas Corpus: que se apresente o corpo

 

Das portas das cadeias à anistia

(Trechos retirados do livro “Habeas corpus : que se apresente o corpo”, da Secretaria de Direitos Humanos da presidência da República, de 2010).

Na busca incessante por seus familiares presos ou desaparecidos, as mulheres iam para a frente dos presídios, buscando informações. Criméia de Almeida, que tão logo saiu da prisão passou a procurar por seu marido, André Grabois, desaparecido no Araguaia, lembra que no começo “encontrávamos outros familiares, mas agíamos com desconfiança, muito medo, sempre nos perguntando sobre os outros: será que aquele homem é realmente familiar de algum preso? Levou um tempo, mas acabamos criando certa relação”.

Diva Santana, que procurava por sua irmã Dinaelza Santana Coqueiro, também desaparecida no Araguaia, queria montar uma rede de apoio. Conta: “foi muito difícil a gente conseguir. O primeiro passo foi achar os familiares (…). A gente ia na universidade, no local de trabalho, para buscar maiores dados sobre essas pessoas. Foi assim que conseguimos juntar os familiares”.

Rosalina Santa Cruz, ex-presa política, que procurava por seu irmão desaparecido, Fernando Santa Cruz Oliveira, lembra que foi importante o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de dom Paulo Evaristo Arns: “Muitas tardes fui à Cúria Metropolitana de São Paulo apenas para poder estar com outras famílias, como a minha, praticamente para chorar juntos, trocar informações e conversar com dom Paulo Evaristo Arns, sempre pronto para nos ouvir, para nos ajudar”. Os familiares iam também aos escritórios de advogados de presos políticos. Ali descobriam um novo caso, uma outra mãe, outra família na mesma angústia.

Em 1975, Terezinha Zerbini, esposa de um general cassado, promoveu um abaixo assinado com a assinatura de 16 mil mulheres em favor da anistia. Surgia o Movimento Feminino pela Anistia. Maria Augusto Capistrano, esposa do desaparecido David Capistrano foi uma das participantes entusiastas do MFA. Ela lembra: “E começaram a acontecer aquelas reuniões no Teatro Ruth Escobar, grandes assembleias. A discussão era em torno da necessidade de um movimento pela anistia que abrangesse a sociedade e não fosse só ligado ao setor feminino. Então surgiu a ideia do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA)”.

Familiares de presos e desaparecidos deram contribuição relevante para os Comitês Brasileiros de Anistia que se propagaram pelo país, adquiriram envergadura e grande repercussão pública até à conquista da anistia em 28 de agosto de 1979.

 

Para saber mais

Filmografia/Documentarios/Videos

 

A Memoria que me Contam (2013)

Resumo: Um drama irônico sobre utopias derrotadas, terrorismo, comportamento sexual e a construção de um mito. Um grupo de amigos, que resistiram à ditadura militar, e seus filhos vão enfrentar o conflito entre o cotidiano de hoje e o passado quando um deles está morrendo.

Narrado como um quebra-cabeça, numa sequência de emoções e sensações, o filme expõe as contradições de um grupo de amigos, que resistiram à ditadura militar, e que hoje se reencontram na sala de um hospital para acompanhar a internação de Ana, uma antiga companheira. O convívio intenso após anos de separação, somado a presença dos filhos, gera um conflito entre as antigas ideologias e a visão que cada uma das personagens tem do grupo e da atualidade. Uma reflexão sobre o poder, a esquerda e os comportamentos distintos de duas gerações são o tema do filme. Ana, que é o motivo de reencontro do grupo aparece apenas jovem nas lembranças das personagens, como se nunca tivesse saído dos anos 60. Jovem, linda e perigosamente frágil. A Memória que me Contam Direção: Lucia Murat Roteiro: Lucia Murat e Tatiana Salem Levy Produção: Taiga Filmes Distribuição: Imovision Elenco: Irene Ravache, Simone Spoladore, Franco Nero, Clarisse Abujamra, Hamilton Vaz Pereira, Mário José Paz, Zécarlos Machado, Otávio Augusto, Miguel Thiré, Patrick Sampaio, Naruna Kaplan de Macedo

 

 

Memórias Femininas da Luta Contra a Ditadura Militar” (2015)

Resumo: O documentário é um projeto do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (Instituto de História/UFRJ) que aborda a trajetória de mulheres que atuaram na resistência à ditadura militar a partir de depoimentos do acervo “Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil”.

O documentário é um projeto do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (Instituto de História/UFRJ) que aborda a trajetória de mulheres que atuaram na resistência à ditadura militar brasileira a partir de depoimentos do acervo “Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil”. Coordenação: -Maria Paula Araujo. Pesquisa e montagem: equipe do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (Instituto de História/UFRJ): - Ana Caroline Alencar - Barbara Fuentes - Gabriela Machado - Isadora Gomes - Lays Corrêa - Luca Romano - Renato Dias Pais Apoio: - Universidade Federal do Rio de Janeiro e Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

 

Ditadura militar e violência sexual . Glenda Mezarobba

Breve entrevista com Glenda Mezarobba, mestre e doutora em ciência política apresenta de forma sintética como o tema da violência sexual foi abordado pela CNV.

Uma das características da ditadura militar brasileira, período que vai de 1964 a 1985, foi o uso da violência sexual como método de repressão e tortura. Quem nos conta esse aspecto peculiar dos anos de chumbo é Glenda Mezarobba, mestre e doutora em ciência política.

 

Que Bom te Ter Viva (1989)

Resumo: O filme aborda a tortura durante o período de ditadura no Brasil, mostrando como suas vítimas sobreviveram e como encaram aqueles anos de violência duas décadas depois.  Mais do que descrever e enumerar a tortura, o filme mostra o preço que as mulheres pagaram, e ainda pagam, por terem sobrevivido à experiência de tortura.

 

Que Bom te Ver Viva (1989), primeiro longa da diretora Lúcia Murat, é um marco, não só em sua carreira e no cinema brasileiro, mas principalmente na reflexão acerca de um período importante da história do Brasil: a ditadura militar.

 

Repare Bem (2012)

Resumo: Documentário narra três gerações de mulheres uma mesma família marcada pela resistência política. As câmeras contam a historia de Denise Crispim, filha de pais militantes, companheira do militante Eduardo Leite, conhecido como Bacuri. Estando grávida enfrenta o assassinato de seu irmão e a prisão de sua mãe. Com o nascimento da pequena Eduarda, Denise consegue asilo político no Chile, embora o golpe de Pinochet force mãe e filha a se mudarem para a Itália. Mais de quarenta anos após os fatos, as duas recebem anistia do governo brasileiro, e decidem contar a sua história.

Durante a ditadura militar no Brasil, Denise Crispim, filha de pais militantes, envolve-se com o guerrilheiro Eduardo Leite, conhecido como Bacuri. A relação dá origem a uma gravidez, no mesmo período em que o regime começa a perseguir a família de Denise. Em pouco tempo, seu irmão é assassinado e sua mãe é presa. Quando à Bacuri, ele é torturado durante mais de três meses, e depois assassinado. Com o nascimento da pequena Eduarda, Denise consegue asilo político no Chile, embora o golpe de Pinochet force mãe e filha a se mudarem para a Itália. Mais de quarenta anos após os fatos, as duas recebem anistia do governo brasileiro, e decidem contar a sua história.

 

Torre das Donzelas (2013)

Resumo: O documentário conta a história da luta das presas políticas no Brasil a partir da vida de mulheres militantes de esquerda e ex-companheiras de cela de Dilma Rousseff na ditadura militar. Elas estiveram presas juntas na década de 70 na Torre das Donzelas, como era chamado o conjunto de celas femininas no alto do Presídio Tiradentes, em São Paulo.

Há desejos que nem a prisão e nem a tortura inibem: liberdade e justiça. Há razões que nos mantém íntegros mesmo em situações extremas de dor e humilhação: a amizade e a solidariedade. Torre das Donzelas traz relatos inéditos e surpreendentes da ex-presidente Dilma Rousseff e de suas ex-companheiras de cela do Presídio Tiradentes em São Paulo. Elas estiveram presas juntas na década de 70 na Torre das Donzelas, como era chamado o conjunto de celas femininas do presídio. O filme remonta, a partir de fragmentos de lembranças de cada uma delas, uma instalação semelhante ao espaço do cárcere onde estiveram presas. Nesse cenário elas se reencontram 45 anos depois para romper com o silêncio e o medo de relatar os horrores de viver sob uma ditadura. Torre das donzelas é um exercício coletivo de memória feito por mulheres que acreditam que resistir ainda é o único modo de se manter livre. O filme que se aventura pelo campo experimental do documentário de reinvenção, tomando como referência algumas ferramentas do psicodrama, articuladas num jogo de reconstrução cênica com o apoio de uma instalação de arte semelhante ao ambiente da prisão. A partir de desenhos feitos por cada uma delas e nenhum parecido com o outro, o filme cria um campo de subjetividade ao erguer um espaço cinematográfico em que silêncios, pausas e reticências são tão importantes quanto as palavras. Direção: Susanna Lira

 

Várias Vidas de Joana (2009)

Resumo: Feito inteiramente de imagens de arquivo, o filme mostra a vida de Joana, uma mulher nascida no interior que se mudou para o Rio de Janeiro em 1968 para estudar. Sua história é contada junto como parte do momento histórico por vezes se confundindo com a da própria ditadura.

Documentário de Cavi Borges e Abelardo de Carvalho feito apenas com imagens de arquivo cedidas pela Cinemateca e Arquivo Nacional. O filme mistura a vida de Joana, que veio estudar no Rio em 1968, com a história daquele momento de ditadura.

Livros e textos por seção:

 

Tabus e Luta por Direitos

FERREIRA, Elizabeth F. Xavier. Mulheres, militância e memória. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.

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·         VARELA,  Nuria Feminismo para principiantes.

Links:

A história do movimento feminista

Rose Marie Muraro sobre o feminismo

Às mulheres da Guerrilha do Araguaia

Mulheres falam das marcas deixadas

Mulheres e a ditadura militar

Mulheres na resistência contra a ditadura

Mulheres mortas e desaparecidas na ditadura

Exposição homenageia mulheres que lutaram contra a ditadura

Mesa em 2014, no marco dos 50 anos do golpe, sobre mulheres e a ditadura:

Mulheres integraram “grupo de fogo” da luta armada durante a ditadura militar

Violência contra mulheres é tema na Comissão da Verdade de São Paulo

Livro “Luta Substantivo Feminino”

Livro “A mulher que era o general da casa”

Mulheres do Araguaia

Mulheres torturadas pela ditadura depõem na Comissão da Verdade

Comissões da Verdade debatem violência da ditadura contra as mulheres

Mães e guerreiras que enfrentaram a ditadura

A torre das donzelas

O feminismo político e a luta contra a ditadura civil-militar, de Maria Lygia Quartim de Moraes

Regime militar: Repressão à mulher teve duas frentes nas ditaduras

Amelinha Teles e a incansável luta contra o machismo: dos anos 1960 aos dias de hoje

Movimento Feminista Brasileiro/ Movimento de Mulheres. Uma versão histórica

Testemunhos das mulheres que ousaram combater a Ditadura

Livro “Onde está meu filho?”

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20
Jun22

O futuro é feminino (por Gustavo Krause)

Talis Andrade

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A energia do feminino é a força de atributos capazes de operar uma paz transformadora

 

 

por Gustavo Krause

- - -

Longe de mim a pretensão da profecia, até porque o ofício de profeta é perigoso. As previsões de grandes pensadores sobre o curso da história universal revelaram-se erradas. A minha referência independe de gênero. Trata-se de uma energia, de forças que circulam, de forma complementar, dentro de cada ser humano.

O título do artigo pode soar estranho e remeter para a o conflito político entre os gêneros, uma luta que revelou, ao longo de séculos, a mais violenta opressão do homem em relação à mulher. Violenta, culturalmente predominante e institucionalmente legitimada.

Atualmente, apesar das conquistas e avanços, todos os dados relativos à renda, ao emprego, à remuneração, à pobreza, à multifacetada violência, recaem sobre a mulher com novas responsabilidades e séculos de preconceitos. O mundo que aparentemente fora construído por homens e para homens vem mudando, reivindicando e ampliando o nobre espaço para emprestar ao feminino o significado de que não pertence, apenas, às mulheres.

Importante o registro por uma simples razão: não fora um embate permanente, conquistas graduais e um empoderamento social crescente, a energia a que nos referimos seria um apanágio a se revelar no ser masculino provavelmente em doses insignificantes.

A força a que me refiro é a que envolve paciência, afeto, acolhimento, compaixão, subjetividade, intuição, resiliência, e tantas outros atributos, gerando sociedades que exaltam, generosamente, feitos heroicos dos homens, mas são avarentas em reconhecer a jornada das heroínas.

É perceptível o desejo de viver a vida com a leveza proporcionada pelas virtudes do feminino: novo padrão civilizatório que não será uma dádiva dos antigos dominadores. Exige firmeza e coragem das mulheres para quebrar paradigmas

Eis o que diz a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), construída a partir dos resultados da Rio+20, em 2015, por 193 países: meta 5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública.

Pois bem, o Brasil, politicamente dividido, partidariamente fragmentado e socialmente empobrecido, parecia caminhar para o aprofundamento da crise político-institucional. Para o eleitorado, restava optar entre o atraso e o risco autoritário.

A terceira via ou o centro democrático eram dados como liquidados. Não é bem assim. Na semana passada, uma brisa refrigerou o ambiente: a energia feminina é a Senadora Simone Tebet por uma paz transformadora.

O eleitor não precisa fugir da urna.

6 mulheres empoderadas para você se espelhar no dia da mulher

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