"O presidente de um país não pode confrontar a ciência"
por João Soares, Felipe Salgado/ DW
No início de março, Ian Bremmer, presidente e fundador da Eurasia Group, considerada a principal consultoria de risco político do mundo, reconheceu ter enviado a seus clientes a revisão de curto prazo mais problemática que escreveu desde a fundação da Eurasia, em 1998. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o relatório trazia um cenário de instabilidade social no horizonte, com rebeliões no sistema prisional dos EUA por falta de medicamentos e o aumento do nacionalismo e da xenofobia no âmbito internacional.
Atento a todas as partes do globo, o analista foi surpreendido pela postura do presidente Jair Bolsonaro perante o avanço da covid-19, a doença provocada pelo coronavírus, no país. No Twitter, o analista classificou Bolsonaro como o líder mais ineficaz do mundo democrático para lidar com a crise.
Em entrevista à DW Brasil, Bremmer afirma que a Eurasia baixou as projeções e expectativas para o Brasil em função do cenário atual. "O presidente de uma nação não pode confrontar a ciência e o bem-estar de seus cidadãos. Além disso, ele está minando a sua própria popularidade e causando divisões dentro da base de apoio à agenda de reformas econômicas no Congresso Nacional, o que pode conduzi-lo ao impeachment. No plano internacional, ele virou motivo de chacota", critica.
DW Brasil: O senhor afirmou no Twitter que Bolsonaro é o líder mais ineficaz do mundo democrático para lidar com a pandemia do novo coronavírus. Como a postura do presidente impacta a imagem do Brasil na comunidade internacional?
Ian Bremmer: Obviamente, há prejuízos. É muito pior do que o dano à imagem do Brasil provocado pelos incêndios florestais na Amazônia e os comentários absurdos feitos pelo presidente na ocasião. Todos sabemos que ele é um causador de problemas, um populista que gosta de dizer coisas inapropriadas e, por isso, é chamado de "Trump dos trópicos". Contudo, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump não está em confronto com seus próprios médicos. Nesta segunda-feira (06/04), Bolsonaro esteve muito perto de demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que seria um enorme desastre.
O presidente de uma nação não pode confrontar a ciência e o bem-estar de seus cidadãos. Além disso, ele está minando a própria popularidade e causando divisões dentro da base de apoio à agenda de reformas econômicas no Congresso Nacional, o que pode conduzi-lo ao impeachment. No plano internacional, ele virou motivo de chacota. É verdadeiramente lamentável, pois seu governo reunia condições para realizar as maiores reformas econômicas do mercado emergente nos últimos anos. Quando confrontado com o coronavírus, porém, sua ação foi desastrosa. (Continua)