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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Out21

Desmatamento e modelo agrícola aumentam risco de 'tempestade de poeira'

Talis Andrade

nuvem poeira.jpg

 

Nuvem de poeira no interior de São Paulo

por João Fellet /BBC

A tempestade de poeira que engoliu cidades do interior de São Paulo, no domingo 26/09/2021, tem relação direta com a existência de grandes porções de solo seco e sem cobertura vegetal na região hoje, segundo especialistas entrevistados pela BBC News Brasil.

O fenômeno impactou várias cidade do nordeste paulista, como Franca, Ribeirão Preto e Barretos. A região tem forte presença do agronegócio e um dos menores índices de cobertura florestal original do país.

Também houve registros do fenômeno no Triângulo Mineiro, região vizinha da área atingida em São Paulo.

Coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Humberto Barbosa diz que a tempestade foi causada por uma combinação entre ventos fortes, seca intensa e solos desprotegidos.

mapa brasil clima.jpg

A tempestade de poeira se formou no fim do período seco. Nesta época, diz ele, muitos agricultores deixam os solos nus para plantar no início das chuvas.

Como a região vive uma seca extraordinária e enfrenta altas temperaturas, a camada superficial do solo se ressecou e ficou vulnerável à ventania.

"A ventania gerou uma erosão eólica, que removeu não só a poeira como também o material de queimadas recentes", diz Barbosa.

Ele diz que imagens de satélite de alta resolução feitas na véspera da tempestade mostram grande quantidade de terra nua nos arredores de Franca.

franca nuvem poeira.jpg

 

Imagem de satélite dos arredores de Franca, uma das cidades impactadas pela tempestade de poeira

 

O principal produto agrícola da região afetada é a cana-de-açúcar.

"A impressão digital está lá: é muito clara a relação (da tempestade de poeira) com a degradação do solo", afirma.

Já a principal entidade que representa os produtores de cana-de-açúcar diz que a nuvem de poeira se formou por causa da seca excepcional e de incêndios acidentais em canaviais (leia mais abaixo).

 

Pouca vegetação nativa

Segundo o Relatório de Qualidade Ambiental 2020 - análise feita anualmente pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo de São Paulo -, resta pouca vegetação nativa na região impactada pela tempestade de poeira.

O relatório agrupa todos os municípios paulistas em 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Na unidade que engloba Ribeirão Preto, resta 13,29% de vegetação nativa; na de Franca, 10,83%; e, na Barretos, só 5,52%, o menor índice do Estado.

Em todo o Estado de São Paulo, sobra 17,5% da vegetação original. Isso faz com que o Estado, o 12º maior do país, tenha a segunda maior área agrícola entre todas as unidades da federação, só atrás de Mato Grosso.

As matas remanescentes em São Paulo se concentram nas serras do Mar e da Mantiqueira, onde o relevo acidentado dificulta a atividade agrícola.

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Mapa mostra que remanescentes de vegetação nativa no Estado de São Paulo se concentram no litoral

 

Renovação de canaviais

Gerd Sparovek , professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, diz à BBC News Brasil que a nuvem de poeira se deve à rara coincidência dos seguintes fatores: a ocorrência de ventos muito fortes num período em que há grandes extensões de solo seco e sem cobertura vegetal.

"Os canaviais, principal cultivo agrícola da região, vêm de dois anos consecutivos de um verão pouco chuvoso e que, neste ano, também foram afetados pelas geadas", afirma Sparovek.

Com isso, muitos canaviais se tornaram improdutivos e foram derrubados para dar lugar a uma nova plantação, diz ele

mapa seca.jpg

 

"Na renovação dos canaviais, quase sempre, durante algum tempo, o solo fica sem cobertura e desagregado pelo preparo com gradagem (quebra de torrões para uniformizar a superfície)", afirma.

Sparovek diz que as mudanças climáticas influenciaram o fenômeno. "O que levou os canaviais a ficarem improdutivos foram as estiagens atípicas no verão e geadas atípicas no inverno", afirma.

"A frente fria e o vento também foram extremos. As mudanças climáticas, segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), já alteraram os extremos climáticos em todo o planeta", completa.

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Raízes ajudam a manter o solo coeso; quando removidas, erosão é facilitada

 

Revolvimento intenso do solo

Segundo Humberto Barbosa, da Ufal, imagens de satélite mostram que, na área afetada pelo fenômeno, o solo de muitas propriedades foi revirado por máquinas agrícolas para prepará-lo para o plantio.

Essa prática, aliada ao uso intenso de fertilizantes e pesticidas na região, reduz a quantidade de matéria orgânica no solo, segundo o pesquisador.

A matéria orgânica cobre o solo e ajuda a mantê-lo coeso. Sem essa proteção, ele fica mais sujeito a se esfarelar com o vento ou a ser carregado pelas chuvas.

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Terras agrícolas com solo seco nos arredores de Barretos, uma das cidades afetadas pela nuvem de poeira

 

Por isso, diz ele, muitos agricultores mundo afora têm abandonado técnicas que revolvam o solo e priorizado práticas menos invasivas.

Barbosa afirma que o procedimento de revolver o solo "sempre foi utilizado, mas as condições climáticas já não são as mesmas do passado".

Como a região vem enfrentando secas cada vez mais intensas, afirma ele, a movimentação do solo amplia o risco de erosão e de tempestades de areia.

O fenômeno pode causar problemas de saúde na população afetada, motivar acidentes de trânsito e contaminar rios.

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Plantação de tomate feita sobre a palha da safra anterior

 

A solução, diz ele, é investir em técnicas que mantenham a matéria orgânica no solo e evitem a erosão.

Um desses métodos é o chamado plantio direto na palha, no qual a semeadura é feita sobre restos da lavoura anterior. Assim, a terra não fica exposta.

Porém, dados do último Censo Agropecuário, de 2017, mostram que a técnica ainda é pouco empregada da região.

Em Ribeirão Preto, dos 29.675 hectares usados pela agricultura, só há plantio direto na palha em 253 hectares - 0,8% do total. Em Franca, o índice é de 5%.

Por outro lado, em regiões do país que cultivam grãos, como milho e soja, a maioria dos agricultores já adota a técnica, diz Gerd Sparovek, da Esalq-USP.

Segundo ele, há algumas dificuldades à adoção do plantio direto na cana, como o risco de pragas.

Mas Sparovek diz que há outras tecnologias que permitiriam manter o solo da região coberto, como a rotação de culturas.

"Reduzir as áreas sem cobertura é desejável e necessário não só pela erosão eólica como também pela erosão hídrica, principal problema de erosão e degradação do solo da agricultura tropical", afirma.

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Agricultor trabalha em sistema agroflorestal, onde não há prática de revolver o solo

 

Outra ação que deve ser estimulada, segundo ele, é o reflorestamento de áreas mais sensíveis à erosão - medida já determinada pelo Código Florestal, mas que ainda carece de implementação.

Porém, segundo a Única, principal associação que representa o setor de cana-de-açúcar no Brasil, os produtores já adotam práticas adequadas de conservação do solo.

Diretor técnico da entidade, Antonio de Padua Rodrigues diz que a poeira não veio de canaviais em processo de renovação, mas sim de plantações de cana que não se desenvolveram por causa da forte seca.

Outra possível fonte da poeira, segundo ele, foram áreas atingidas por incêndios acidentais onde a cana já havia sido colhida.

Ele diz que os produtores de cana mantêm o solo coberto com palha após a colheita, ainda que antes do plantio revolvam o solo e não façam o plantio direto na palha. Ele afirma, porém, que neste ano muitas áreas pegaram fogo, deixando o solo exposto.

"O setor tem os melhores especialistas, os melhores consultores em solo. Foi uma coisa acima do normal por ter sido um ano muito seco: a cana não cresceu, muita área pegou fogo, e aí você não tem a palha e tem a cinza", afirma.

 

Dust Bowl

Práticas agrícolas inadequadas são apontadas como uma das causas para o Dust Bowl, uma série de tempestades de areia que atingiram o sul dos Estados Unidos nos anos 1930.

tempestade poeira_dustbowl_bbc.jpg

 

Tempestade de poeira ocorrida em Oklahoma (EUA) nos anos 1930

 

Na virada do século 19 para o 20, boa parte da região havia sido desmatada para o avanço da agricultura. Até que uma forte seca deixou os solos vulneráveis a ventanias.

Em poucos anos, milhões de hectares de terras antes consideradas férteis se tornaram inaptas para a agricultura.

O desastre estimulou o governo dos EUA a criar uma agência para educar agricultores sobre como conservar os solos, existente até hoje.

Segundo Gerd Sparovek, nas décadas de 1960 e 1970, houve um grande esforço para alterar o preparo do solo na região, o que fez com que a erosão eólica fosse controlada.

Hoje o fenômeno deixou de ser comum na região, embora ainda ocorra em zonas áridas dos EUA, como no deserto do Arizona.

mapa.jpg

 

11
Ago21

Mudança do clima acelera criação de deserto do tamanho da Inglaterra no Nordeste

Talis Andrade

Área desertificada

Área desertificada no interior de Alagoas, onde fenômeno atinge 32,8% de todo o território estadual, o maior percentual em todo o Semiárido

 

 

  • por João Fellet /BBC News 

 

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 9/8, reforça que o Brasil abriga uma das áreas do mundo onde a mudança do clima tem provocado efeitos mais drásticos: o Semiárido.

O relatório aponta que, por causa da mudança do clima, a região — que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais — já tem enfrentado secas mais intensas e temperaturas mais altas que as habituais.

Essas condições, aliadas ao avanço do desmatamento na região, tendem a agravar a desertificação, que já engloba uma área equivalente à da Inglaterra (leia mais abaixo).

Criado na ONU e integrado por 195 países, entre os quais o Brasil, o IPCC é o principal órgão global responsável por organizar o conhecimento científico sobre as mudanças do clima.

O documento apresentado nesta segunda (AR6) é o sexto relatório de avaliação produzido desde a fundação do órgão, em 1988.

 

'Área seca mais densamente povoada'

"O Nordeste brasileiro é a área seca mais densamente povoada do mundo e é recorrentemente afetado por extremos climáticos", diz o relatório.

O IPCC afirma que essas condições devem se agravar: se na década de 2030 o mundo deve atingir um aumento de 1,5°C em sua temperatura média, em boa parte do Brasil os dias mais quentes do ano terão um aumento da temperatura até duas vezes maior.

Em várias partes do Semiárido, isso significa verões com temperaturas frequentemente ultrapassando os 40°C.

mapa da desertificação no Semiárido

 

Mapa aponta diferentes graus de desertificação no Semiárido

 

Hoje, segundo o IPCC, o mundo já teve um aumento de 1,1°C na temperatura média em relação aos padrões pré-industriais.

Para limitar o grau do aquecimento, é preciso que os países reduzam drasticamente as emissões de gases causadores do efeito estufa — como o gás carbônico, produzido pelo desmatamento e pela queima de combustíveis fósseis, e o metano, emitido pelo sistema digestivo de bovinos.

 

Morte da vida no solo

Para o meteorologista e cientista do solo Humberto Barbosa, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), temperaturas extremas põem em xeque a sobrevivência no Semiárido de micro-organismos que vivem no solo e são cruciais para a existência das plantas.

Há dois anos, Barbosa diz ter encontrado temperaturas de até 48°C em solos degradados no interior de Alagoas.

"A vegetação não crescia mais ali, independentemente se chovesse 500 mm, 700 mm ou 800 mm. Não fazia mais diferença, pois toda a atividade biológica do solo não respondia mais", afirma.

Sem vida no solo, aquela região se tornou desértica, como tem ocorrido em várias outras partes do Semiárido.

Na Ufal, Barbosa coordena o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), que desde 2012 monitora a desertificação no Semiárido.

Imagem de satélite

 

Imagem de satélite mostra núcleo de desertificação em Gilbués (PI), um dos principais no Semiárido brasileiro

 

Em 2019, o laboratório revelou que 13% de toda a região estava em estágio avançado de desertificação. Essa área engloba cerca de 127 mil quilômetros quadrados.

"Na nossa região, naturalmente não haveria um deserto, só que a gente tem hoje um deserto", ele diz.

Barbosa explica: segundo a ciência, climas desérticos (ou áridos) são aqueles onde o índice de chuvas é inferior a 250 mm por ano. Nessas condições, a sobrevivência de plantas e animais é bastante difícil — daí o aspecto vazio de boa parte das paisagens desérticas.

Mas essas condições climáticas não se aplicam a nenhuma região do Brasil, nem mesmo o Semiárido, que continua a receber entre 300 mm e 800 mm de chuvas ao ano.

Ainda assim, a mudança do clima e o desmatamento criaram paisagens desérticas na região.

"O solo dessas regiões foi perdendo a atividade biológica, embora as chuvas continuem acima do que se espera para uma região desértica. Esse é o paradoxo", diz Barbosa.

Ele afirma que, nesse estágio, é praticamente impossível reverter o fenômeno. "O custo da recuperação de áreas desertificadas é alto, e no Brasil não temos capacidade econômica para fazer esse tipo de investimento."

 

Maior seca da história

Entre 2012 e 2017, o Semiárido enfrentou a maior seca desde que os níveis de chuva começaram a ser registrados, em 1850. Essa seca, que é atribuída às mudanças climáticas, ajudou a expandir as áreas desertificadas.

Barbosa diz que a pandemia dificultou a realização de viagens para medir o progresso da desertificação após 2019, mas tudo indica que o fenômeno segue avançando.

A área já desertificada equivale ao tamanho da Inglaterra, cerca de três vezes o tamanho do Estado do Rio de Janeiro, ou a 23 vezes a área do Distrito Federal. Essas terras não são todas contíguas e ocupam diferentes partes do Semiárido. Enfrentam, ainda, diferentes graus de desertificação, embora em todas o fenômeno seja considerado praticamente irreversível.

Alguns dos principais núcleos de desertificação ficam em Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Cabrobó (PE) e no Seridó (RN).

Imagens de satélite de Cabrobó

Imagens de satélite mostram avanço da desertificação na região de Cabrobó (PE) em 1969..

Imagem de satélite

 

... e em 2020

 

Imagens de satélite mostram como os núcleos têm crescido nas últimas décadas, enquanto as áreas verdes que os circundam vão rareando.

No núcleo de Cabrobó, que ocupa uma vasta área nas duas margens do São Francisco, as poucas manchas verdes na paisagem se devem a lavouras irrigadas com a água do rio.

Os Estados mais impactados pela desertificação são Alagoas (com 32,8% de sua área total afetada pelo fenômeno), Paraíba (27,7%), Rio Grande do Norte (27,6%), Pernambuco (20,8%), Bahia (16,3%), Sergipe (14,8%), Ceará (5,3%), Minas Gerais (2%) e Piauí (1,8%).

 

Região mais impactada do Brasil

A desertificação no Semiárido brasileiro foi citada pelo IPCC em seu relatório anterior, de 2019, que teve o pesquisador Humberto Barbosa como coordenador de um capítulo sobre degradação ambiental.

O relatório apontou que 94% da região semiárida brasileira está sujeita à desertificação.

"A região semiárida é a mais impactada (pela mudança do clima) no Brasil, e é a região onde você tem os índices de desenvolvimento humano mais baixos do país", afirma Barbosa.

Com o agravamento das condições climáticas, diz ele, tende a se acelerar o êxodo de moradores rumo a outras partes do país.

 

O papel do desmatamento

Para os cientistas, está claro que a desertificação tem sido acentuada pelas mudanças climáticas e tende a aumentar se as alterações continuarem se intensificando.

Porém, a degradação dos solos do Semiárido também se deve a outra ação humana: o desmatamento na Caatinga, o ecossistema natural da região.

Segundo Humberto Barbosa, ainda não se sabe quanto da desertificação se deve ao desmatamento e quanto se deve às mudanças climáticas. "É muito difícil separar os dois processos."

Quarto maior bioma do Brasil, abarcando 11% do território nacional, a Caatinga já perdeu 53,5% de sua cobertura original, segundo o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no país.

O bioma vem sendo destruído desde os primeiros séculos da colonização do Brasil, quando grandes áreas de vegetação nativa passaram a ser derrubadas para dar lugar principalmente a pastagens para bovinos.

A pecuária, aliás, é apontada com uma das principais causas para a desertificação no Semiárido.

Imagem de satélite

Imagens de satélite mostram avanço da desertificação na região de Irecê (BA) em 1984...

Imagem de satélite

 

...e em 2020

 

O pesquisador Humberto Barbosa explica que, muitas vezes, os bois são criados em áreas relativamente pequenas, compactando o solo ao pisoteá-lo repetidas vezes.

Com o tempo, nem mesmo o capim cresce mais ali, e a terra fica totalmente exposta à radiação do sol. A degradação se completa quando a chuva atinge a terra nua, levando embora os últimos nutrientes do solo.

Embora a destruição venha ocorrendo há séculos, mais de um quarto do desmatamento da Caatinga ocorreu após 1985, segundo o MapBiomas.

E neste ano, os índices de desmatamento deram um salto preocupante. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até 1° de agosto, houve na Caatinga 2.130 focos de queimadas— o maior número em nove anos e uma alta de 164% em relação ao mesmo período de 2020.

Os focos se concentram no oeste do bioma, onde a Caatinga se encontra com o Cerrado na região de fronteira agrícola conhecida como Matopiba (nome formado pelas iniciais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Como em outros biomas, o fogo é geralmente usado na Caatinga para "limpar" uma área antes do plantio. Mas as chamas acabam degradando o solo e limitam sua vida útil para a agricultura, estimulando a busca por novas áreas quando ele se esgota.

 

Falta de políticas públicas

Humberto Barbosa diz que, apesar da gravidade da situação enfrentada pelo Semiárido e da perspectiva de piora, não há qualquer plano governamental para mapear a desertificação e combatê-la.

A última iniciativa do governo federal nesse campo, afirma, foi o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN), lançado em 2006, mas descontinuado.

Tampouco há um sistema nacional para monitorar o desmatamento na Caatinga e orientar ações de fiscalização e controle — diferentemente do que ocorre na Amazônia, que conta com os sistemas Prodes e o Deter, baseados em imagens de satélite.

 

E o futuro?

Segundo o relatório do IPCC, sem ações contundentes para conter a mudança do clima, a Caatinga e outras regiões semiáridas do mundo "vão muito provavelmente enfrentar um aquecimento em todos os cenários futuros e vão provavelmente enfrentar um aumento na duração, magnitude e frequência das ondas de calor".

"De forma geral, as secas se ampliaram em muitas regiões áridas e semiáridas nas últimas décadas e devem se intensificar no futuro", diz o texto.

Os maiores prejudicados pelas mudanças serão as populações locais: segundo o IPCC, elas tendem a enfrentar oscilações na quantidade e regularidade de água, o que impactará gravemente sua "segurança alimentar e prosperidade econômica".

 

31
Out19

Óleo que contamina Nordeste pode vir de poço em alto-mar, aponta análise

Talis Andrade

Com base em imagens de satélite, pesquisador identificou grande mancha no sul da Bahia, compatível com vazamento de petróleo abaixo da superfície do mar. Origem pode estar na região do pré-sal.

 

Voluntária remove óleo da praia Pedra do Sal, na Bahia

Voluntária remove óleo da praia Pedra do Sal, na Bahia

  • Autoria Nádia Pontes

Há semanas atrás de alguma pista que pudesse indicar a origem das misteriosas manchas de óleo que vêm atingindo praias do Nordeste desde o fim de agosto, o pesquisador Humberto Barbosa, do  Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), busca respostas em imagens de satélite.

Segundo o pesquisador, é sabido pela comunidade científica que o satélite europeu Sentinel 1-A é capaz de detectar derramamento de petróleo – e foi nele que o cientista apostou.

Imagens captadas no sul da Bahia mostraram, pela primeira vez, uma faixa da mancha de óleo ainda não fragmentada ou carregada pelas correntezas. Com cerca de 55 km de extensão e 6 km de largura, a uma distância de 54 km da costa, a mancha está numa região de intensa exploração de petróleo.

Em entrevista à DW Brasil, Barbosa explica o trabalho de análise científico e como chegou à hipótese de que a origem do petróleo que contamina praias há cerca de dois meses possa ser um poço de petróleo. A Marinha contestou o estudo.

 

DW Brasil: Como foi o processo de pesquisa com as imagens de satélite para se chegar à possível origem da mancha de petróleo? Dizia-se, até então, que imagens de satélite não eram suficientes para essa tarefa.

Humberto Barbosa: Primeiro eu tentei responder a uma grande pergunta: se a imagem a partir desse satélite europeu, de microondas, tecnologia SAR (radar que capta imagens, em qualquer horário do dia e da noite, mesmo em áreas cobertas de nuvens, tanto na superfície terrestre quanto marítima) consegue detectar manchas a partir de uma certa área. Eu já estava identificando várias manchas sempre com esse satélite, Sentinel, e não entendia por que o governo brasileiro não estava utilizando essas mesmas informações.

Houve um acordo da câmara setorial entre Brasil e Europa há três anos para fazer o uso dessas imagens. Estive na Alemanha e tive contato com outros grupos que já estavam com os dados bem encaminhados, e os dados do Sentinel seriam usados pelo Brasil. Todo mundo sabe que a melhor imagem seria a do Sentinel. Já há experiências na Ásia, no Pacífico, Oriente Médio que mostram que essas imagens têm capacidade de detectar derramamento de óleo.

Sessenta dias passados (da contaminação nas praias do Nordeste), o que a gente mais escutava dos órgãos governamentais é que as imagens de satélite não tinham capacidade para fazer detecção, que as manchas estavam na subsuperfície. A gente aqui já tinha essa resposta de que era possível.

A segunda pergunta era: qual era a origem disso tudo. Eu analisei segmento por segmento da imagem em toda a costa do Nordeste durante dois meses para encontrar um padrão que pudesse dar uma pista.

Na última segunda-feira, processei alguns dados, montando o quebra-cabeça, pois o satélite conseguiu pegar uma faixa privilegiada que ainda não havia sido mapeada. Consegui, com ajuda de pessoas que estavam em campo, validar algumas informações de manchas que o satélite mostrava.

Quando vi a imagem do sul da Bahia, eu vi a imagem de um fluido com resposta totalmente diferenciada da água onde ele estava menos dominante, ou seja, aquele corpo não pertence àquela água. Analisei se poderia ser um ruído do satélite, o que não se confirmou. Também pesquisei se teria havido algum abalo sísmico na região, o que não ocorreu, segundo os dados da USP (Universidade de São Paulo). Também chequei se haveria algum tipo de topografia do oceano que poderia interferir, o que não era o caso.

 

E como chegaram à conclusão de que poderia vir de um poço de petróleo?

Já tínhamos experiência com poços de perfuração, da altimetria, analisando teses de perfuração de poços. A Agência Nacional de Petróleo disponibiliza as informações da localização dos poços. Na região próxima de onde identificamos a mancha, na faixa de Porto Seguro, há intensa exploração [de petróleo], e nos últimos anos o pré-sal passou a fazer parte disso.

Comecei a olhar o padrão da imagem de satélite, busquei o que poderia estar interferindo. Eu tive a impressão de que aquele mancha me revelaria algo. O que ela tem em particular é a integração que ela mantém, embora ela tenha área que foi rompida. Nessa linha onde ela foi rompida você pode ver que um navio pode ter atravessado e ter rompido a mancha. É um navio que, junto com outros dois, está num posicionamento que não é um posicionamento geográfico normal de cruzamento de navios.

A Marinha informou que posicionou três navios no sul da costa da Bahia, porque em Abrolhos tem aparecido algumas manchas, e o satélite pega três navios muito perto das manchas.

Lembrando que 30 de agosto foi quando a primeira mancha encontrada, no litoral da Paraíba. A gente já está passando de sessenta dias. A quantidade de óleo que está derramando não pode mais ser apenas atribuída a um navio isolado.

O ponto extremo da mancha era o mais localizado e mais intenso, que me dava a percepção de que um fluido de densidade diferente está brotando em cima de uma superfície e poderia estar jorrando debaixo do oceano pra cima. Foi então que os poços de petróleo começaram a ser uma hipótese.

 

E como é possível diferenciar, com a imagem de satélite, a mancha que seria a origem do derramamento das outras que aparecem sobre o oceano? Quais são os elementos que permitem fazer essa separação?

Há uma terceira imagem que ainda não colocamos no site, embora ela já tenha sido registrada pelo satélite, e que pode ser acessada e processada por qualquer pessoa credenciada. Quando vi a mancha, fui em busca de imagens retroativas no sul da Bahia com olhar mais crítico.

Então, peguei um segmento mais afastado, no alto-mar, onde a imagem mostra a resposta de três fluidos. Um é dominante, que é a água do mar, diferenciada pelos ventos, pelas correntes, então torna o fluido da água do mar dominante na cena. O segundo é um fluido mais fino. O terceiro é estático, mais denso, podendo ser até do mesmo material do segundo fluido identificado, mas com densidade diferente.

A gente vê, nesse segundo fluido, como se fosse um balé "dançando" nessa água, com ventos arrastando. O terceiro fluido estava estático, muito mais pesado. Aí a gente precisa de muito mais informações da área, da região, a gente precisa coletar amostras para que possamos ser mais assertivos.

 

Isso quer dizer que esse pode ser o local de um vazamento de petróleo?

É um quebra-cabeça. Alguma coisa está acontecendo ali no sul da Bahia, isso é fato. É um padrão que não é simples de entender.

Embora não seja o nosso foco, estendi a nossa área de observação para o sul do Espírito Santo, onde encontrei uma mancha que não está associada às manchas do Nordeste, mas que tem a configuração de um fluido que não é água e não é ruído de satélite.

E tem uma quarta questão que são as informações meteorológicas. Essa região estava sob influência de correntes de ventos intensos no alto-mar que são dominantes nessa época. Isso provoca ressaca e foi determinante também para o transporte (do petróleo para as praias).

É difícil identificar a origem, porque as manchas se quebram. Mas, pela primeira vez nesta semana, encontramos um pedaço, um sinal e um padrão de fluido que não era água, onde algum navio cruzou provavelmente.

 

O senhor chegou a ser acionado pelo governo para ajudar no trabalho científico de identificação da origem do petróleo?

Não. Havia muitas questões que eu, como cidadão, não estava convencido. Já estava preocupado com o encaminhamento que foi dado no auge das queimadas na Amazônia, já que a gente também tinha um projeto de monitoramento. Sobre o petróleo no Nordeste, buscamos uma resposta para acalmar toda essa inquietação da própria sociedade, que acreditava que a gente não tinha ferramenta para encontrar uma resposta. Mas temos!

A imagem de satélite é um ferramenta mais fácil e disponível hoje, com custos razoavelmente baixos para que a resposta de ação a um desastre pudesse estar sendo tratado de uma forma muito mais ágil.

Escrevi ao Senado, fizemos um contato e devo enviar mais informações. Nas próximas semanas deve haver alguma reunião. Gostaria que outros cientistas fizessem também uma análise mais detalhada, que criticassem e pudessem cooperar com nosso trabalho.

 

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