Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

11
Dez22

Senzalas & campos de concentração

Talis Andrade

Jornal PASQUIM "Brasileiro é tão Bonzinho! É... Mas

 

Nos consideramos gente boníssima, mas somos?

 

por Alex Castro

O Brasil se considera uma nação boa e pacífica. Mas é só porque esqueceu ter sido a maior economia escravocrata de todos os tempos.

Muitas vezes, o sono tranquilo não é consciência limpa: é falta de memória.

"O melhor bife batido da cidade está na Lanchonete Doi-Codi!"

senzala 1.jpg

Senzalas eram lugares de morte, tortura, exploração. Por que associar seu restaurante a ISSO?

No coração do centro histórico de Paraty, cidade colonial construída com o sangue e o suor de muitos escravos, em pleno mês da consciência negra, acabou de ser inaugurado um novo restaurante:

Senzala Churrascaria Rodízio.

Não deveria me chocar mas ainda me choco. Afinal, o que não falta, em todo Brasil, são estabelecimentos chamados Senzala.

Na Alemanha, pelo menos, não existe nenhum Restaurante Auschwitz.

Eles teriam vergonha.

 

As maravilhas do tráfico humano

Nesse cela, eram colocados para morrer de fome os escravos problemáticos. Elmina, uma maravilha da arquitetura colonial portuguesa!

senzala 2.jpg

Em 2009, Portugal promoveu um concurso para escolher as "7 Maravilhas de origem portuguesa do mundo".

Dentre os vinte e sete indicados, muitos eram locais fortemente identificados com a escravidão, com a compra e com a venda, com a morte e com a tortura, com o desterro e com o desenraizamento de milhões de pessoas. Pessoas como eu e como você. Pessoas cujo sofrimento não deveria ser esquecido:

Por exemplo, o forte Elmina foi construído em 1482 para fazer ali o comércio de escravos, hoje abriga um museu onde os visitantes são convidados a visitar as celas onde os Africanos ficavam confinados antes de serem enviados para as Américas. No sítio da votação, encontra-se uma longa descrição do forte e nem sequer uma linha, uma palavra mencionando o tráfico de africanos escravizados. ...

É como se Auschwitz participasse em uma eleição das sete maravilhas alemãs no mundo.

(Leia mais ou confira a lista dos vencedores.)

 

A feliz união das raças da maior democracia racial do mundo!

senzala 3.jpg

Todos são iguais... mas um tem maior expectativa de vida que os outros. Adivinha qual?

Ninguém realmente deveria ficar surpreso. No mundo lusófono, o apagamento da memória da escravidão sempre foi a regra.

A grande maioria dos brasileiros aprende na escola que nosso lindo país foi construído por brancos, negros e índios, todos felizes, de mãos dadas e cantando kumbayá. Como se a colonização do Brasil tivesse sido um comercial da Benetton.

Para manter a mentira primordial no cerne do nosso mito de origem, a escravidão nunca é mostrada em seu verdadeiro horror:

Sim, alguns de nossos avós escravizaram nossos outros avós, mas, no fim das contas, eram todos bons amigos, os escravos eram muito bem tratados e, olha só, pelo menos nunca tivemos as leis racistas dos EUA! No Brasil, país bondoso e generoso, até a escravidão era a melhor do mundo!

(Aliás, não faz sentido falar em "escravidão melhor" mas, somente nos Estados Unidos, a população escrava tinha crescimento vegetativo, ou seja, aumentava e se reproduzia. No resto da Américas, a mortalidade era tão alta que, mesmo com os nascimentos, era preciso sempre importar novos escravos. O Brasil foi o maior importador de escravos de todos os tempos porque aqui, nessa terra tão bondosa e tão pacífica, era onde eles mais rapidamente morriam. Esse artigo clássico de Herbert S. Klein explora essas contradições.)

 

Somos tão legais hoje que nem parece que éramos tão escrotos ano retrasado!

senzala 4.jpg

Sim, vamos parar de falar de racismo! Afinal, essa tática tem dado tão certo no último século... (pra nós, brancos, claro!)

Um trecho do Hino à Proclamação da República, escrito em 1890:

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País…

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis.

Somos todos iguais! Ao futuro

Saberemos, unidos, levar

Nosso augusto estandarte que, puro,

Brilha, ovante, da Pátria no altar!

Somente um ano e meio depois de abolida, a escravidão já começava a ser sistematicamente lavada da memória nacional.

 

Escravidão e Holocausto, ensinados lado a lado

"Eu, Barack Obama, o 44º presidente eleito dos Estados Unidos, peço desculpas pela escravidão."

senzala 5.jpg

Para muitos brasileiros, o bicho-papão racial são os Estados Unidos. Não podemos implementar cotas, pois senão "nos tornaríamos um Estados Unidos"; "temos muitos defeitos mas pelo menos não somos os Estados Unidos", etc etc.

Pois eu morei lá e morei aqui, e estudei a fundo a história da escravidão nos dois países. Somos ambos profundamente racistas, mas o Brasil é pior por um motivo:

A cultura do deixa-disso. Por pensarmos que o não-falar sobre o racismo e a escravidão vai resolver por si só o problema.

Enquanto isso, o presidente norte-americano, em visita a Gana, um dos principais portos exportadores de escravos, afirmou que a escravidão, como o Holocausto, é daquelas coisas que não pode ser esquecida.

Para Obama, a visita aos calabouços de escravos remeteu à sua viagem ao campo de concentração Buchenwald: ambos nos fazem lembrar da capacidade humana para cometer o Mal.

E completou afirmando:

A escravidão e o Holocausto deveriam ser ensinados nas escolas de modo a conectar a crueldade passada aos eventos atuais.

 

Homens que não entendem porque tanto alarde pelo câncer de útero

senzala 6.jpg

"Nunca esqueça! Nunca esqueça! Sai dessa, pô!"

Desconfie sempre de quem fala "sai dessa" quando o "essa" é algo que ele nunca experimentou.

Afinal, do ponto de vista de quem está bem acomodado e seco no convés do barco, não há motivo pra se debater tanto lá embaixo no mar só porque tem água entrando nos seus pulmões... SAI DESSA!

 

"Por que esses cadeirantes preguiçosos não deixam de se fazer de vítima e sobem as escadas como todo mundo, hein?"

senzala 7.gif

A meritocracia do Brasil, em uma charge.

Pior ainda são aquelas pessoas (muitas negras) que são contra as cotas (e similares) argumentando que "nunca precisaram delas".

E eu faço uma cara pensativa e respondo:

Concordo, claro, como não? E tem mais, também sou contra esse negócio de diálise em hospitais públicos e rampas para cadeirantes nos prédios.

Oras, se passei a vida inteira sem precisar de nenhuma dessas coisas, é porque não são tão importantes assim, certo?

Afinal, dado que eu sou o centro do universo e a medida de todas as coisas, as pessoas só deveriam receber o que eu recebi e as únicas necessidades válidas são as que eu também tenho!

(Sobre isso, leia meu texto O assunto não é você.)

Somos os melhores em esquecer nossos crimes

Durante sete anos, morei em Nova Orleans, principal porto escravista norte-americano. Assim como o Rio de Janeiro, uma bela cidade, sexy e musical, turística e carismática, construída nas costas de escravos desesperados e agonizantes.

Um dia, enquanto passeava com meu cachorro pelo bairro universitário, uma soccer mom enfiava cuidadosamente seus quatro filhinhos, todos brancos e roliços, em seu jipão utilitário de luxo, também branco e roliço. Era uma senhora baixinha e gorducha, bochechas rosadas e orelhas de abano, carregando mochilas e merendeiras, parecendo dotada daquela infinita paciência que só uma mãe de quatro meninos pode ter. E, em seu para-choque traseiro, discretamente, estava o adesivo:

The South Will Rise Again (“O Sul se Erguerá Novamente”)

Como não se sentir ameaçado? Não conheço o contexto dessas palavras. Por tudo que sei, é um inocente desejo de revitalizar a economia local. Mas, ainda assim, nenhuma racionalização poderia apagar o meu calafrio ao ler aquela frase; nenhuma explicação lógica faria aquele adesivo soar menos sinistro. De certo modo, era como se o ressurgimento do Sul fosse indistinguível e indissociável do reescravizamento de toda uma raça.

E pensei: o Brasil foi tão ou mais escravista do que o Sul dos Estados Unidos, e resistiu por muito mais tempo até libertar seus escravos. Ainda mais doloroso pra mim, dos nove únicos deputados que tiveram a cara-de-pau e a temeridade de votar contra a Lei Áurea em pleno maio de 1888, já na véspera do século XX e na contra-mão de todos os ventos filosóficos do XIX, oito eram do Rio de Janeiro. Legítimos representantes eleitos do meu estado.

Entretanto, não ficamos nem o Rio e nem o Brasil maculados por essa nódoa. Um adesivo “O Brasil Crescerá” despertaria calafrios? Claro que não. Nem o Paraguai tem medo do Brasil. E concluí, aliviado: ainda bem que pelo menos o bom nome do meu país e do meu estado não estão ligados à escravidão.

Um segundo depois, bateu o estranhamento: mas… por que não?

A falta de calafrios não corresponde à falta de crimes. O Sul dos EUA teve, no Norte, um vizinho incômodo que manteve viva a memória de seus crimes. Já em nosso caso, simplesmente varremos nossos crimes para debaixo do tapete.

Não somos mais virtuosos: somos melhores em esconder o corpo.

(Ao contrário do que muita gente pensa, a Abolição não foi um "presente da monarquia", mas uma lei disputada voto a voto no Parlamento, somente sancionada pelo Poder Executivo, naquele momento representado pela Princesa Isabel. Mais detalhes nesse meu rascunho de uma História da Abolição.)

 

"Shoah", um documentário impossível

senzala 8.jpg

"Shoah", o fim da viagem.

Shoah é uma palavra íidiche que significa "calamidade". Para muitas pessoas, é um termo preferível à Holocausto – que, afinal, significa "oferenda aos deuses".

"Shoah" também dá título a uma das grandes obras de arte, de qualquer arte, do século vinte, realizado pelo boy-toy de Simone Bouvoir, Claude Lanzmann.

São nove horas de filme, sem nenhuma imagem de arquivo: são somente depoimentos, e depoimentos, e depoimentos. Lanzmann entrevista três tipos de pessoa: sobreviventes, algozes (oficiais de campos de concentração) e testemunhas (poloneses que moravam perto dos campos).

Com os sobreviventes, Lanzmann é implacável. Ele praticamente os obriga a falar:

“Não foi uma crueldade fazê-las reviver, através da fala, tudo o que sofreram, no caso dos judeus. Era absolutamente necessário. Não acho que tenha sido sádico, mas fraternal. Durante as entrevistas, eu toco suas mãos, seus ombros, seus braços. Uma forma de dizer ‘eu estou com você’. Não faço interrogatórios para que alguém se diga culpado. Eles sofrem. Mas eu também sofro. Eu não os torturei. Eles se sentiram liberados. Eu não estava falando com uma pessoa qualquer, mas com um grupo muito especial de sobreviventes – e não há mais do que um punhado deles no mundo”.

Abaixo, talvez a cena mais emocionante no filme. O barbeiro não consegue falar, mas Lanzmann pressiona (em inglês):

Link YouTube | "Shoah", e a impossibilidade de lembrar

"Shoah" é um filme de insuportáveis silêncios: das nove horas de filme, cinco horas e meia são de puro silêncio. Diz Lanzmann:

"Não é uma reconstituição, não é uma ficção, não é um documentário. O filme é uma ressurreição, uma reencarnação, tem uma arquitetura, uma construção em torno de uma obsessão pessoal. Eu fazia sempre as mesmas perguntas, geralmente referentes à primeira vez. E não tinha nenhuma intenção de acusar, denunciar, culpar. Nada disso, isso não me interessava.

Houve uma decisão consciente de fazer um filme sobre o presente, e não sobre o passado:

"O pior dos crimes, ao mesmo tempo de ordem moral e artística, quando se quer consagrar uma obra ao Holocausto, é considerá-lo como passado. Meu filme é uma anti-lenda, um contra-mito, vale dizer, uma investigação sobre o presente do Holocausto ou, ao menos, sobre um passado cujas cicatrizes estão ainda tão fresca e vivamente inscritas nos lugares e nas consciências que ele se dá a ver numa alucinante intemporalidade. ... Os homens e as mulheres que falam diante da câmera dão sempre a impressão de não estarem contando lembranças, mas de as viverem mesmo, com força e clareza, no presente. ... Enquanto fazia o filme, a distância entre o presente e o passado foi totalmente abolida. Em Treblinka só havia pedras, filmei as pedras como um louco, por todos os lados. Quando o espectador vê as pedras de Treblinka, ele vê os judeus sendo mortos. Da mesma maneira que quando o trem chega a Treblinka o espectador vê a tabuleta com o nome do campo exatamente como os judeus que iam para morte deviam ver. É um ato de cinema muito violento. Por isso o filme é fundamentalmente uma invenção, não uma lembrança. ... O filme é sobretudo uma ressurreição, as pessoas entrevistadas revivem aquele tempo de tal maneira que, quando falam, até alternam os tempos dos verbos – presente e passado. ... No filme, quando as pessoas falam, confundem presente e passado. Na mesma fala, dizem: eu estava lá e pouco depois: eu estou lá."

Mais do que tudo, é um filme sobre a impossibilidade de recordar, de conceber, de articular o Mal:

Comecei precisamente com a impossibilidade de recontar essa história. Situei essa impossibilidade bem no início do meu trabalho. Quando comecei o filme, tive que lidar, por um lado, com o desaparecimento dos vestígios: não havia coisa alguma, absolutamente nada, e eu tinha que fazer um filme a partir desse nada. E por outro lado tive que lidar com a impossibilidade, até mesmo dos próprios sobreviventes, de contar essa história; a impossibilidade de falar, a dificuldade que pode ser vista ao longo do filme de trazer luz e a impossibilidade de nomear: seu caráter inominável.

Para celebrar os 30 anos de sua estréia, "Shoah" está sendo lançado em DVD pelo Instituto Moreira Salles. Recomendo nos mais enfáticos termos.

Mas não assista sozinho. É muito duro.

(Sobre "Shoah", leia também: A dificuldade de falar de "Shoah" e It's a beautiful thing.)

 

O Holocausto foi terrível mas não foi único

Estudo raça e racismo há muitos anos. Um dos meus livros preferidos sobre o tema é The Racial Contract, de Charles W. Mills.

Segundo Mills, o racismo seria um sistema político e uma estrutura de poder baseados em um Contrato Social (na verdade, um Contrato Racial) no qual os membros da raça dominante formariam um acordo tácito de, ao mesmo tempo em que garantem para si a maior parte das riquezas/oportunidades/etc da sociedade, também consentem em não ver o próprio sistema, criando assim a “alucinação consensual” de um mundo sem raças, meritocrático e igualitário, que passa a mediar sua interpretação da realidade.

Raça, para eles, sera invisível porque o mundo seria estruturado em função deles; eles seriam a norma em oposição a qual seriam medidas as pessoas de outras raças (“esses outros tem raça, não eu!”). Assim como o peixe não vê a água, os membros da raça dominante não veriam o racismo.

Mills também embarca em uma comparação perigosa, mas praticamente inevitável, entre o racismo e o Holocausto.

Visto de fora pelos não-europeus, que sabem na pele que a civilização européia se baseia em praticar barbarismo fora da Eueropa, o Holocausto não representaria “uma anomalia transcendental no desenvolvimento do Ocidente”, mas, pelo contrário, sua unicidade estaria apenas no aplicação do Contrato Racial contra europeus.

Ao colocar o Holocausto no contínuo cultural de outras políticas exterminatórias colonialistas européias, Mills não deseja negar o seu horror, mas somente sua singularidade histórica.

Tudo o que o nazismo tinha de operacional já vinha sendo aplicado, legitimado, tolerado, negado e esquecido pelos europeus há muitos séculos: a maior transgressão de Hitler seria aplicar contra europeus métodos que antes eram aplicados exclusivamente contra árabes, negros e índios.

A própria percepção do Holocausto, de um horror tão fora de escala e colocado num plano moral muito diferente de todos os outros massacres de não-europeus por toda a história, seria evidência da força ideológica do Contrato Racial.

Além disso, ao narrar o racismo como uma invenção aberrante de figuras como Gobineau e Goebbels, o Holocausto presta à intelligentsia européia do pós-guerra um importante serviço: sanitizou seu passado racial.

Link YouTube | "Nação do Medo", legendado, completo, um filmaço de ficção científica.

Por fim, Mills cita o romance de ficção científica “A Nação do Medo” (Fatherland), que mostra um futuro alternativo onde os nazistas ganharam a guerra e nunca existiu a memória do Holocausto.

Na verdade, aponta Mills, nós JÁ vivemos nesse mundo não-alternativo: a única diferença é que os vencedores foram outros, mas eles também apagaram a memória dos massacres que cometeram, esvaziando sua importância e subtraindo seu ultraje.

Daí o esquecimento dos horrores da escravidão.

(O livro de Mills é realmente brilhante: leia minha resenha completa.)

 

O Epcot da escravidão nos Estados Unidos

senzala 9.jpg

 

Em Williamsburg, escravo é perseguido.

Mas se devemos lembrar sempre a escravidão... como?

Nos Estados Unidos, a cidade de Williamsburg oferece uma janela ao passado. Em troca do passe diário de US$36, o visitante passa o dia em uma "autêntica" vila colonial, onde tudo é como antigamente (menos os banheiros!), todos estão vestidos à caráter, em roupas de época, falando em vocabulário antigo, essas coisas. É um dos destinos turísticos e educacionais mais famosos do país.

Entretanto, sempre foi criticado por apresentar uma versão muito fácil, sanitizada e maniqueísta da história. Mais do que tudo, cadê os escravos? Afinal, na época da colônia, os Estados Unidos tinham escravidão e metade da população de Williamburg era negra.

Hoje em dia, o parque faz um esforço consciente (e polêmico, claro) para retratar a escravidão: além de incluir mais atores negros, criou-se também um "passeio" chamado Enslaving Virginia ("Escravizando a Virgínia") especificamente sobre os horrores da escravidão.

Deve ser horrível mesmo: vários atores negros já se recusaram a interpretar os escravos (por considerar muito humilhante), as crianças choram tanto que foram criadas sessões explicativas posteriores para enfatizar que era tudo faz-de-conta e já aconteceu de visitantes interromperem o passeio para "salvar os escravos".

Melhor assim. Preferível ser repelido por um simulacro do horror que nos gerou do que fingir que ele nunca existiu.

 

Encenação da escravidão à brasileira

senzala 10.jpg

 

O guia do engenho, vestido de escravo, se oferece para ser chicoteado pelos turistas.

E no Brasil?

Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, já foi uma das cidades mais ricas do país, no centro da região que produzia a mais importante riqueza nacional: café. Hoje, é uma cidadezinha de vinte mil habitantes, que vive dos turistas que atrai com seus palacetes e fazendas coloniais – algumas com polêmicas encenações históricas.

Na fazenda São João da Prosperidade, há cinco gerações com a mesma família, a proprietária recebe os turistas vestida de sinhá e suas empregadas, de escravas:

Da janela, aponta a senzala: "Tenho 300 escravos" orgulha-se, voz impostada e dedo em riste. De repente, entra correndo pela varanda uma negrinha com remendos de algodão e cabelos presos em tranças. A menina, de apenas seis anos, se agarra à barra da saia da sinhá, põe o dedo polegar na boca e fixa os olhos nos visitantes. Basta um gesto da sinhazinha para que a pequena escrava abaixe a cabeça e saia da sala. "Não vê que estou com visitas?" – esbraveja a senhora. A menina vai brincar no alambique. Pouco depois, uma mucama adentra o salão, sob ordens de servir café aos convidados. (fonte)

Em uma fazenda próxima, Cachoeira Grande, que eu visitei agora em novembro, são só os empregados que estão vestidos à caráter: os proprietários se vestem e falam como se estivessem no século vinte.

Mais para o norte, na Zona da Mata de Pernambuco, o engenho Uruaé também encena a escravidão:

Vestido como "escravo da casa", o jovem guia mostra o "quarto da sinhazinha" e explica a genealogia da família proprietária do engenho através dos retratos na parede. Na senzala, que chegou a ter 300 escravos de uma vez, ele coloca uma peça de ferro no pescoço e anuncia, sorridente: "Quem era moreno como eu era aqui". O mais constrangedor vem depois, do lado de fora: o guia se amarra no tronco e pede que um voluntário simule açoitá-lo. Foi difícil arranjar alguém disposto a interpretar o papel. (fonte)

O engenho Uruaé também está na mesma família há sete gerações. Durante a visita, a proprietária afirma:

"A gente tem mais é que se orgulhar dos nossos que vieram antes. Nós ainda não fizemos nada."

Fui só eu que achei esse "ainda" um pouco sinistro? O que essa senhora ainda está planejando fazer, meu Deus? Re-escravizar todo mundo?

Mas isso é implicância minha. A raiz filosófica do problema é outra:

Como retratar os horrores do passado?

 

Qual é a medida certa do horror?

As encenações históricas da escravidão nas fazendas coloniais parecem não agradar ninguém.

Por um lado, argumenta-se que elas não são horríveis o suficiente. Que encenam somente os aspectos mais, digamos, reprodutíveis da escravidão, aqueles por definição mais doces e inofensivos. Que perpetuam a ideia de que a escravidão era somente uma forma de trabalho entre tantas outras.

Afinal, se a escravidão é algo que uma doméstica contemporânea pode reproduzir, se a escravidão se resumia a se vestir de branco e trazer café pra uma mulher que você chama de "sinhá", bem, então não era tão ruim assim, né? (Ou talvez ser empregada doméstica é que é horrível demais, mas não entremos nisso.)

Por outro lado, argumenta-se que são horríveis demais. Que mesmo doces e meigas, ainda mais quando encenadas pelos descendentes das vítimas, são sempre humilhantes:

Outros, no entanto, não sabem como reagir diante da interação realista dos 'escravos', que circulam vestidos em pobre algodão e, não raro, se curvam para obedecer às ordens da sinhazinha. "Será que esta criança tem idéia do que está fazendo? Ela ainda não tem idade para entender e pode ficar com a idéia de que deve se comportar como escrava, de que isso é normal" - indigna-se uma visitante paulistana, depois de recusar um copo d'água servido pela 'mucama'.

Já o historiador Milton Teixeira, que trabalha como guia de turismo nas fazendas do café, defende a prática:

Não é degradante representar um escravo. Se o turista se sente incomodado, muito bem. O passado de escravidão tem de incomodar bastante, e não deve ser esquecido. ... Ora, representações são feitas em toda parte do mundo. Na Europa, tem famílias pré-históricas; nos Estados Unidos, há simulação das batalhas da Guerra de Secessão, e, aqui no Brasil, é natural que haja uma encenação com escravos. Muito pior seria querer mostrar que não houve escravidão. (fonte)

Não deixa de ser simbólico que muitas dessas fazendas ainda estejam nas mãos das mesmas famílias. Ontem, lucraram nos ombros de seus escravos plantando cana ou café. Hoje, a mesma família continua lucrando nos ombos dos descendentes dos escravos, agora reduzidos a guias de turismo que reproduzem para turistas curiosos o horror da vida de seus avós.

Como escreveu o historiador e jornalista Fabiano Maisonnave, para a Folha:

De forma explícita ou não, as visitas aos engenhos transformam esses verdadeiros campos de concentração numa bufonaria, diluindo um dos piores crimes da humanidade, principal responsável pela imenso fosso social brasileiro, em um exemplo acabado do "racismo cordial". A escravidão é exaltada, a casa-grande, absolvida, e a cana-de-açúcar, revalorizada como "energia renovável", se torna bênção econômica do passado e do presente.

Mas como reproduzir de forma correta e didática o verdadeiro horror da escravidão? Como mostrar os corpos jovens mas enfraquecidos e fragilizados pelo criminoso excesso de trabalho? Como mostrar as marcas da tortura? Como mostrar as frequentes mutilações causadas pelo machete durante o corte da cana ou pelas engrenagens dos engenhos durante a moagem? Como mostrar as feridas emocionais de famílias desfeitas e de vidas sem esperança? Como mostrar os escravos revoltosos que davam e tiravam vidas para não voltarem ao cativeiro?

Será possível mesmo começar a quantificar esse horror? Quem dirá reproduzi-lo?

Existem encenações históricas em Auchwitz? O que o mundo pensaria de ver sorridentes atores descendentes de arianos brincando de depositar chorosos descendentes de judeus dentro dos fornos? Mas é só mentirinha, gente! É educacional!

senzala 11.jpg

Holocausto reencenado na Polônia. Grande idéia. Só que não.

(Na verdade, como o instinto humano da burrice é inesgotável, já houve tentativas de encenar o holocausto, como essa aqui na Polônia. Muitas vezes, dá merda e acaba em processo, como dessa vez no Texas.)

 

Escravidão: essa pica é nossa!

A escravidão africana nas Américas foi talvez a maior tragédia da Era Moderna.

Estima-se que cerca de 11 milhões de pessoas tenham sido transportadas à força da África para a América.

(Outras estimativas mais agressivas calculam que cerca de 40 a 75 milhões de vidas africanas tenham sido perdidas por causa do tráfico, entre mortos em guerras para obter escravos, em emboscadas para capturar escravos, ou em marchas forçadas para os portos exportadores de escravos no litoral.)

Dentre as muitas nações responsáveis por esse lucrativo e criminoso tráfico, os maiores culpados são os portugueses.

(Principais transportadores de escravos para as Américas: Portugal, 4,6 milhões; Reino Unido, 2,6 milhões; Espanha, 1,6 milhão.)

Dentre as muitas nações que receberam esses escravos e que construíram sua riqueza nas costas deles, o maior culpado é o Brasil.

(Principais destinos de escravos nas Américas: Brasil, 4 milhões; América Hispânica, 2,5 milhões; Índias Ocidentais Britânicas, 2 milhões.)

Reparem no tamanho da seta que nos cabe.

senzala 12.jpg

 

Dentre os muitos portos brasileiros que receberam essa massa humana desgraçada, o principal foi o Rio de Janeiro. (Dos nove deputados que votaram contra a Lei Áurea, vamos lembrar, oito eram da província do Rio.)

Além disso, quem inventou esse lucrativo e terrível modelo de negócios foram os próprios portugueses – não por acaso, os primeiros homens brancos a explorar sistematicamente a África. Em 1441, Antão Gonçalves teve a dúbia honra de se tornar o primeiro europeu a comprar e trazer para casa escravos africanos.

Depois disso, a história se desenrolou rapidamente, comprovando o tino comercial dos portugueses: já em 1452, arrancaram do Papa uma bula autorizando-os formalmente à escravizar os infiéis; em meados de 1470, estavam comerciando escravos no golfo do Benim e no delta do rio Níger; e, finalmente, em 1482, construíram a Fortaleza de São Jorge da Mina, em Gana, que em 2009 seria indicada candidata a "maravilha de origem portuguesa do mundo".

(Por si só, a escravidão é mais antiga que andar pra frente. Todos os povos de todos os continentes de todas as épocas já tiveram algum tipo de escravidão, mas quase sempre cerimonial e economicamente insignificante. A escravidão africana nas Américas é um novo tipo de fenômeno humano porque, pela primeira vez, temos nações economicamente dependentes de milhões de escravos que compõem muitas vezes a maior parte de suas populações.)

Por fim, muitos e muitos séculos depois, no outro extremo dessa triste história, a última nação das Américas a abolir essa escravidão africana inventada pelos portugueses, a nação que mais teimosamente se agarrou aos seus escravos até o último minuto possível, foi justamente a nação gerada do ventre português: o Brasil. Nós.

De um modo bem real e doloroso, é difícil evitar a conclusão que esse enorme crime contra a humanidade é, em grande parte, uma responsabilidade lusófona e, dentro disso, brasileira. (E, mais especificamente ainda, e não que os outros estados sejam inocentes, carioca e fluminense.)

Passei seis meses na Alemanha durante a década de noventa. Mesmo cinquenta anos depois da Segunda Guerra, mesmo entre meus amigos adolescentes cujos pais nem eram nascidos durante a guerra, basta uma menção a nazismo, Holocausto ou Auschwitz para fazê-los abaixar a cabeça em silêncio, envergonhados, culpados, tristes.

Nós, brasileiros, se tivéssemos vergonha na cara, se tivéssemos um pouco mais de memória, faríamos a mesma coisa ao ouvir menções a senzala, navio-negreiro, escravidão.

Essa pica é nossa.

 

Cais do Valongo, o elevador de serviço do século XIX

senzala 13.jpg

 

Desembarque de escravos no Cais do Valongo, pintado por Rugendas em 1835.

No Rio de Janeiro, o principal porto de desembarque de escravos foi o Cais do Valongo. Estima-se que, entre 1758 e 1843, tenham chegado por ele quase um milhão de pessoas. (897.748, segundo o The Transatlantic Slave Trade Database.)

Provando que não foi de repente que nos tornamos o povo que faz subir pelo elevador de serviço a doméstica que faz o nosso serviço sujo, em 1770 o desembarque de escravos é proibido no porto principal da cidade (onde hoje fica a Praça XV e o Paço Imperial) e transferido exclusivamente para o distante Valongo.

Afinal, quando se está chegando de um grand tour pela Europa, a última coisa que se quer ver é um escravo nu agonizando no cais perto de você! Pelo amor de Deus!

Por fim, em 1843, cada vez mais envergonhado com a escravidão que lhe pagava as contas, o Império desativa e aterra o Cais do Valongo, construindo por cima dele o elegante Cais da Imperatriz.

E fim de história. Assim esqueceu-se o Valongo. Afinal, nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país!

senzala 14.jpg

 

 

Uma escavação arqueológica em pleno centro do Rio de Janeiro.

Fast-forward para o presente. Em meio a um frenesi de obras para preparar o Rio de Janeiro para a Copa e para os Jogos Olímpicos, a prefeitura acabou de descobrir e desencavar o Cais do Valongo em pleno centro da cidade.

Agora reformado e reembalado para turistas ("são nossas ruínas romanas!", disse o empolgado prefeito), o Cais do Valongo foi inserido no recém-criado Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, ao lado de outras atrações como a Pedra do Sal, o Cemitério dos Pretos Novos (onde eram enterradas as vítimas da travessia atlântica) e os Jardins Suspensos do Valongo, esses últimos uma das coisas mais lindas e surpreendentes que já vi nessa cidade. (Veja o mapinha abaixo.)

senzala 15.jpg

 

O recém-criado Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, no Rio de Janeiro.

Mas que não seja só um espaço para turista tirar fotos.

O que falta ao Brasil e ao Rio de Janeiro, e o que esse circuito histórico pode começar a timidamente fornecer, é uma verdadeira compreensão dos horrores que engendramos, um pálido retrato do terror que aconteceu (e ainda acontece) debaixo dos nossos olhos, nesse nosso chão, na nossa senzala, no nosso quartinho de empregadas.

O texto que você está lendo só existe porque calhei de visitar o Cais do Valongo no dia seguinte de assistir "Shoah".

senzala 16.jpg

 

O Cais do Valongo, hoje, aberto à visitação pública.

 

É possível quantificar o horror?

O Holocausto perpetrado pelos alemães matou cerca de seis milhões de judeus, um terço de todos os judeus no mundo. Além de incontáveis milhões de outras pessoas.

Não é minha intenção negar nem suavizar esse horror.

Mas não foi nem de longe o único horror perpetrado por europeus em sua longa história de horrores.

É impossível visitar lugares de tortura e morte como Auschwitz, Treblinka, Sobibor sem uma atitude de respeito e reflexão, sem pensar na memória das centenas de milhares de pessoas que sofreram ali.

Mas por que nós, brasileiros, não temos a mesma atitude ao visitar uma senzala, o Pelourinho (onde os escravos eram castigados publicamente) ou o Cais do Valongo?

Auschwitz matou 1,1 milhão de pessoas, Treblinka, 900 mil, Sobibor, 200 mil.

Enquanto isso, o Brasil recebeu 4 milhões de escravos, sendo que um milhão só pelo Cais do Valongo, logo ali, no centro do Rio.

Quem consegue compreender a enormidade desses números? Quem consegue quantificar tamanho sofrimento?

 

O passado é presente

Por isso, ali de pé diante do Cais do Valongo, um dia depois de assistir "Shoah", eu tentei esquecer os números e somente imaginar como teria sido a experiência individual, una, indivisível, de pisar em terra firme ali, naquelas pedras, naquele chão.

Imagino que fui arrancado de minha família e de tudo que conheci; que atravessei o oceano cercado de pessoas agonizantes em um navio infecto; que não pude trazer uma roupa, um livro, nenhum objeto pessoal; que não sabia se jamais veria minha terra; que estava condenado a um castigo literalmente e potencialmente infinito, pois a escravidão não seria apenas minha, mas sim herdada por todos os meus descendentes até o fim dos tempos.

Imagino que o Rio de Janeiro, para mim, escravo recém-chegado, era um lugar desconhecido e cheio de horrores. Era o porto onde meus companheiros mais fracos vinham morrer. Era o chão onde começava a escravidão do meu corpo. Era minha primeira experiência nesse novo mundo onde seria cativo e explorado.

Imagino então que hoje o Rio de Janeiro continua sendo um lugar de horror para os meus descendentes, que são ao mesmo tempo a maior parte das vítimas de assassinato e também a maior parte da população carcerária, e ainda têm que ouvir que racismo não existe no Brasil.

Tudo isso aconteceu ontem, e continua acontecendo hoje. O passado, como uma pedra jogada no lago, cria ondas concêntricas na água e repercute no presente. O passado é o presente.

As cotas raciais são necessárias hoje não para corrigir as injustiças históricas do passado, mas para corrigir as injustiças cotidianas de hoje. As cotas raciais são necessárias porque hoje a Polícia Militar não invade do mesmo jeito a cobertura do descendente do escravista e o barraco do descendente do escravo.

O que fica claro é que não dá pra pensar nesses fenômenos como se pertencessem a universos tão diferentes assim. Não faz sentido chorar assistindo A Lista de Schindler e depois ir espairecer tomando o milkshake do Senzala.

senzala 17.jpg

 

Esse texto faz parte do livro Outrofobia: Textos Militantes, publicado pela editora Publisher Brasil em 2015. São textos políticos, sobre feminismo e racismo, transfobia e privilégio, feitos pra cutucar, incomodar, acordar.

Outrofobia, o espetáculo | alex castrooutrofobia | alex castro

 

22
Out22

General de pijama Paulo Chagas defende a volta da ditadura militar

Talis Andrade

www.brasil247.com - General Paulo Chagas

 

O general da reserva Paulo Chagas defendeu neste sábado (22) um golpe de Estado no País e criticou o Supremo Tribunal Federal (STF): "Não há dúvida de que o STF está conspirando a favor da eleição de um ladrão descondenado" [Não existe esse ladrão, nem existe esse condenado. O general de pijama é mentiroso. No final da vida, o sonho quase secular de ser um duce, um fürer)

Para Chagas, "isto", a eleição de Lula pelo voto livre, democrático e secreto da maioria dos brasileiros, "isto não é justo nem legal. O Gen Villas Bôas já teria resolvido isto, sem alarde, com uma discretíssima visita aos ministros do STF, porque, para ativar o bom-senso dos outros, basta prestígio e liderança!!", escreveu no Twitter. 

O Chagas testemunha que existiu os golpes de 2016, que derrubou Dilma, e o golpe  eleitoral de 2018 (vide tags), para colocar no poder o mais alfabetizado dos militares, o líder das forças armadas: o capitão Bolsonaro, considerado "mau militar" pelo ditador general Geisel. 

Chagas, perguntar não ofende: para defender o golpe, virou marechal de contracheque?

O STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentam acabar com esquemas de notícias falsas.

O TSE, presidido por Alexandre de Moraes, que também é ministro do STF, confirmou na quinta-feira (20) a investigação sobre uma rede de fake news miliciana, chefiada pela família Bolsonaro.

A Justiça Eleitoral mandou o Youtube desmonetizar quatro canais de apoiadores do ocupante do Planalto. Também suspendeu um trecho da propaganda dele exibida na última quarta-feira (19) na televisão por não cumprir regras eleitorais. O tribunal concedeu direito de resposta a Lula no Twitter de Bolsonaro.

As críticas do general Paulo Chagas ao STF se alinham com o posicionamento de Jair Bolsonaro (PL). Durante a sua gestão, o ocupante do Planalto tentou passar para a população a mensagem de que o Poder Judiciário atrapalha o governo. O incompetente e malandro chefe do Executivo federal também defendeu a participação das Forças Armadas na apuração do resultado da eleição. Que belezura de honestidade! Também defende um golpe militar, e um golpe pode ser o começo de uma guerra civil, de uma sangreira. 

ditadura golpe 13 dezembro.jpg

ditadura imprensa povo.jpg

ditadura militar historia.jpg

ditadura porao.jpg

ditadura-militar-e-direitos-humanos-73-638.jpg

ditadura-militar-no-brasil ustra2.gif

ditadura-militar.jpg

 
 
 
 
 
 
 
 
 
11
Set22

A outra independência

Talis Andrade

Image

 

Os tempos são sombrios, mas o futuro é uma questão em aberto que depende das nossas escolhas

por Gustavo Krause

- - -

O Bicentenário da Independência do Brasil inspirou o lançamento e relançamento de obras sobre o evento histórico. Atento ao curto espaço, dediquei algumas reflexões ao livro Adeus Senhor Portugal (Ed. Companhia das Letras) de Rafael Cariello e Thales Zamberlan Pereira e ao relançamento de A outra Independência: O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824 (Todavia) de Evaldo Cabral de Mello.

Ambos se distanciam da historiografia clássica marcada pela visão riocêntrica e centralista. Cariello e Zaberman enfatizam a crise fiscal que mobilizou a nascente “cultura política”, arejada pelas ideias iluministas e pela agonia do absolutismo.

De um lado, gastos extravagantes, uma burocracia parasitária e a corrupção emergente (relatório de Cailhé de Geine para o Intendente Paulo Fernandes), provocavam “ódio” e “cega prevenção” na opinião pública; de outra parte, as províncias do norte, notadamente Pernambuco, financiavam o déficit fiscal do erário e a iluminação do Rio de Janeiro, extorquindo impostos sobre a produção algodoeira.

Com precisão, os autores descrevem o cenário que precedem revoluções liberais: “gastos do governo, déficits crescentes, empréstimos do erário ao Banco do Brasil, emissão descontrolada de papel-moeda, inflação, aumento dos preços e serviços – aluguéis e alimentos – perda de poder de compra das famílias e falta de pagamento por parte do governo”.

Sobre a obra de Evaldo Cabral de Mello, a prefaciadora, Heloísa Starling, afirma: “A Outra Independência é um livro fundador: revela a existência, entre 1817 e 1825, uma alternativa concreta ao processo de emancipação como empresado no Rio de Janeiro”.

adeus-senhor-portugal.jpg

O autor identifica esta alternativa no “ciclo revolucionário da independência” que continha um projeto de País: emancipado, republicano e autonomista. É injusta a pecha separatista imputada a Pernambuco. O ideal de autonomia preconizava a ampliação do poder local, opondo-se à matriz centralizadora e autoritária consagrada na constituição outorgada pelo Imperador: déspota no Brasil e liberal em Portugal.

As lutas libertárias de 1817 e 1824 – a “Revolução dos Padres” e a Confederação do Equador – foram severamente reprimidas, porém, imortalizadas em Frei Caneca. Além do sangue derramado, o território pernambucano foi esquartejado com a perda das comarcas de Alagoas e do São Francisco.

O baiano Cipriano Barata, notável defensor da liberdade, observou: “É certamente Pernambuco a província […] mais ciosa de sua liberdade e por isso a mais abundante de sucessos políticos e a mais capaz de servir de farol ao espírito público do Brasil inteiro”.

No presente, os tempos são sombrios, mas o futuro é uma questão em aberto que depende das nossas escolhas.

24
Jul22

"Orgulho de ser brasileiro"

Talis Andrade

Image

Da página da bacharel em Psicologia e Didática, e mestra em RH Recursos Humanos, Karina Cerqueira Andrade Lima

"Um amigo perguntou:
Porque tanto fanatismo com Lula? Porque tanta gente no seu julgamento em Porto Alegre?
Eu respondi o seguinte: Eu acho que é pelos programas lançados em seu governo quando era Presidente da República. O amigo então perguntou. Qual programa por exemplo?
Perguntei se ele estava com tempo pra que eu falasse de alguns desses programas, ele disse que era domingo e estava liberado.
- Então vamos lá meu amigo:
01) Fies
02) Pronatec
03) Prouni
04) Ciência sem Fronteiras
05) Mais Médicos
06) Farmácia Popular
07) Minha Casa, Minha Vida
08) Bolsa Família
09) Cisternas no sertão
10) Luz para Todos
11) Transposição do Rio São Francisco
12) Reativação do Transporte Ferroviário
13) Ferrovia Norte-Sul
14) Ferrovia Transnordestina
15) Aumento do salário mínimo acima da inflação
16) Água para Todos
17) Brasil Sorridente
18) Pronaf
19) FAT
20) Programa Brasil Sem Miséria
21) Bolsa Atleta
22) Bolsa Estiagem
23) Bolsa Verde
24) Bolsa-escola
25) Brasil Carinhoso
26) Pontos de Cultura
27) Programa Biodiesel
28) SUS
29) SAMU/UPAS
30 Saúde da Família
31) FGEDUC (Seguro do FIES)
32) Casa da Mulher Brasileira
33) Aprendiz na Micro e Pequena Empresa
34) MEI Microempreendedores Individuais
35) Pagamento da Dívida Externa ao FMI
36) Empréstimo ao FMI
37) BRICS
38) Retirada pela ONU do Brasil do Mapa da Fome
39) Reequipagem, Valorização e Autonomia da Polícia Federal
40) Liberdade para a PGR
41) Liberdade para o MP
42) Escolha para os órgãos da Justiça dos primeiros das listas das corporações
43) Jogos Pan-americanos
44) Copa do Mundo
45) Olimpíadas
46) 98 conferências nacionais de 43 áreas, como educação, juventude, saúde, cidades, mulheres, comunicação, direitos LGBT, entre outras.
47) Orçamento para a Cultura cresceu de R$ 276,4 milhões em 2002 para R$ 3,27 bilhões em 2014
48) Vale-cultura
49) Programa Cultura Viva
50) Programa Mais Cultura nas Escolas
51) PND - Política Nacional de Defesa - Investimentos em defesa cresceram dez vezes: de R$ 900 milhões em 2003 para R$ 8,9 bilhões em 2013
52) Participação das FFAA em 11 missões militares de paz da ONU
53) Projeto Submarino Nuclear
54) Modernização da frota de aeronaves da FAB com transferência da tecnologia
55) Pré-sal
56) Redução de 79% do desmatamento da Amazônia brasileira
57) Aumento em mais de 50% da extensão total de área florestal protegida.
58) Liderança mundial em redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Entre 2010 e 2013, o Brasil deixou de lançar na atmosfera uma média de 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano.
59) Valorização do polo naval
60) Refinaria Abreu e Lima
61) Novas usinas hidrelétricas: Teles Pires, Belo Monte, São Manoel, Santo Antônio, Jirau, São Luiz do Tapajós
62) Conferência Mundial Rio+20
63) PPP
64) PAC
65) Aumento exponencial do parque eólico brasileiro
66) Polos de desenvolvimento NE: Suape PE, Pecém CE e Camaçari BA: Investimentos somam cerca de R$ 100 bilhões.
67) Faculdades em muitos municípios do Brasil.
68) UNILAB
O PT tinha dinheiro para todos estes programas e projetos e ainda deixou um caixa de US$ 371 bilhões.
E o principal, O resgate da soberania nacional e eu tinha orgulho de ser Brasileiro."Image
 
- - -
Divulgue este blogue entre os exilados brasileiros. E leia o melhor do Jornalismo,  Ciência Política, História do Brasil, Sociologia, Psicologia Social, Economia.  Principalmente sobre as eleições presidenciais deste ano e a ameaça golpista de Bolsonaro e milícias. 
Marcio Vaccari
O Espirito Santo deveria estar triste...
 
Image
Ato de Bolsonaro tem réplica de arma gigante durante Marcha para Jesus -  www.hojeamazonia.com.br
 
Marcha para Jesus no ES tem Bolsonaro, arma gigante e caixão do PT
 
 
Marcha para Jesus: evento pró-Bolsonaro tem revólver gigante e pombos  pintados de verde e amarelo
17
Jul22

Conheça a história sombria do coronel Ustra, torturador e ídolo de Bolsonaro

Talis Andrade

ustra.jpeg

 

Sadismo, crueldade e mentiras formam a triste figura do coronel Ustra, o primeiro torturador condenado no Brasil. Luiz Eduardo Merlino morre mais uma vez

Juca Guimarães
Brasil de Fato

 

 

 

Ao declarar o seu voto no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) fez uma homenagem à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra chamando-o de “o pavor de Dilma Rousseff”, por ter comandado as sessões de tortura contra a ex-presidenta, que foi presa durante a ditadura militar.

A fala não foi de improviso, Bolsonaro leu o nome do militar em um pedaço de papel amarrotado. Foi um ato sádico, planejado, covarde e cruel, assim como eram as sessões de torturas em centenas de pessoas que aconteceram em São Paulo, no Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), sob o comando do coronel Ustra na ditadura militar, período em que foram contabilizadas 434 mortes  e desaparecimentos no país, segundo a Comissão Nacional da Verdade.

Em 2013, quando foi depor na Comissão Nacional da Verdade, décadas após o fim da ditadura, Ustra mostrou novamente a faceta dissimulada e mentirosa ao afirmar que não houve mortes dentro das instalações que comandava.

“[O Doi-Codi] foi um organismo de repressão política construído pela ditadura que misturava agentes da polícia civil, da polícia militar e do Exército com uma certa informalidade e agilidade necessária para que eles pudessem agir com a intensidade e brutalidade que agiram. O principal instrumento utilizado foi a tortura das pessoas suspeitas que eram presas,  envolvidas com a luta armada ou que tinham algum contato com elas. E são muitos os relatos que envolvem o nome do comandante Ustra na condução dessas torturas”, explica José Carlos Moreira da Silva, professor de Direito da PUC-RS.

Crueldade

Sob o comando de Ustra, o terror da tortura não poupou nem crianças.

“Neste caso da família Teles, que é um caso terrível porque os pais do Edson Teles e da Janaina Teles, na época o Edson tinha 4 anos de idade e a Janaina 9, eles foram torturados brutalmente e os filhos foram levados até as dependências do Doi-Codi e viram as pessoas torturadas e seus pais machucados. Num primeiro momento não os reconheceram. Eles ficaram ali durante um tempo sem a presença de nenhum parente e nenhuma pessoa conhecida sendo utilizados como moeda de troca para que os pais, a Amelinha Teles e o César Teles, pudessem falar o que eles [torturadores] queriam ouvir”, disse o professor e membro da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).

O caso da tortura da família Teles, em 2008, deu origem à primeira condenação que confirmou como torturador o chefe do Doi-Codi e herói do Bolsonaro. O Brasil é signatário de acordos internacionais que condenam a prática da tortura desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a assinatura da Convenção de Genebra. Por isso, as atrocidades comandadas por Ustra e exaltadas por Bolsonaro também eram ilegais, independentemente de quem eram ou o do que fizeram os torturados.

Membro da Comissão da Anistia por mais de dez anos, julgando casos de perseguidos políticos e pessoas que foram presas na ditadura militar, o jurista Prudente Mello tomou conhecimento de centenas de processos que apontavam o coronel Ustra como um dos principais agentes da tortura na ditadura militar.

"Era muito comum ouvir das pessoas que passavam por lá [comissão da anistia], que foram torturadas, reportando sobre o coronel Brilhante Ustra e as práticas de tortura que ele foi responsável. Os relatos ao longo dos processos de pessoas torturadas dão conta disso. Realmente não tem como esconder ou tentar invisibilizar este personagem que foi um personagem triste na história do Brasil. Nós temos que aprender com os erros que foram praticados e cometidos até mesmo para que eles não voltem a se repetir”, disse.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira

Processo

Luiz Eduardo Merlino morre mais uma vez

por Jornalistas Livres

- - -

A família de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, vive mais um momento de luto produzido pela justiça brasileira. No julgamento realizado nesta quinta-feira (10/10/2019), por 2 votos a 1, a 11ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), em São Paulo, não aceitou recurso e não recebeu a denúncia do MPF que pedia que fossem processados pelo homicídio do jornalista Luiz Eduardo Merlino, três agentes da ditadura.
O jornalista foi morto no Hospital do Exército, em julho de 1971, após 24 horas de tortura no DOI-Codi. 

Assistente da acusação Eloísa Machado afirmou durante o julgamento:

“A busca pela verdade faz parte da história dessa família há 48 anos”

Somente Fausto Di Sanctis foi favorável a levar os três servidores à julgamento pela morte do jornalista. O relator, desembargador José Lunardelli, e o presidente da turma, Nino Toldo, votaram contra a tese do MPF. Para eles, não há como contornar a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2010, que julgou constitucional a Lei de Anistia de 1979 e, por isso, não seria possível receber a denúncia. Cabe recurso da decisão.

Os denunciados são o delegado aposentado Aparecido Laertes Calandra e o delegado da Polícia Civil de São Paulo Dirceu Gravina, acusados de homicídio doloso qualificado (com intenção de matar), por motivo torpe e com emprego de tortura que impossibilitou a defesa da vítima. O médico Abeylard de Queiroz Orsini, à época, legista, é acusado pelo crime de falsidade ideológica, decorrente da falsificação do laudo necroscópico do jornalista. 

Apresentada em setembro de 2014, a denúncia do MPF contra os agentes foi rejeitada pelo juiz federal Fábio Rubem David Müzel, sob a alegação de que os acusados estariam cobertos pela Lei de Anistia. Em outubro do mesmo ano, o MPF recorreu da decisão.

A família de Merlino luta por justiça e punição dos torturadores e do mandante Coronel Alberto Brilhante Ustra, que comandava o centro de torturas e que deu ordem para que deixassem Luiz Eduardo Merlino morrer no hospital militar. Com a sua morte, em 2015, a punibilidade criminal contra ele foi extinta. Mas a família de Merlino moveu ação indenizatória.

O último e torturante episódio deste processo contra Ustra, foi em outubro de 2018, quando sob alegação de prescrição, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, absolvendo Ustra por três votos a zero. Em 2012, uma decisão de primeira instância havia condenado o coronel reformado ao pagamento de uma indenização às proponentes. 

+ SOBRE O CASO

Familiares de mortos e desaparecidos poderão retificar registro de óbito de seus entes amados

Assassinato de Luiz Eduardo Merlino pela ditadura tem novo julgamento

O caráter deplorável do nada brilhante coronel Ustra fraudou a causa da morte, dando conta que o jornalista tinha cometido suicídio ao se jogar debaixo de um caminhão numa estrada.

Anibal de Castro Lima e Souza, advogado da família do jornalista , falou ao Brasil de Fato sobre a relevância histórica de desvendar os crimes da ditadura e seus autores.

“É um caso importante, não só ao direito da memória da família do Merlino que foi brutalmente  assassinado pela ditadura, mas também para relembrar para a geração atual e a futura o que aconteceu na história do Brasil”, disse.

O advogado também comentou sobre a tentativa de transformar em herói um torturador.

"É triste porque primeiro porque é desumano, segundo porque ignora as leis e os tratados que o Brasil é signatário. O Brasil é fundador da ONU, a nossa Constituição veda a tortura. A tortura é definida no Brasil como crime, inafiançavel e imprescritível. As pessoas que negam isso ou que relativizam a tortura, na minha opinião, não conhecem a lei. Não acredito que uma pessoa ao sentar, raciocinar sobre o que está dizendo ou tomar conhecimento de alguém que foi torturado possa manter essa opinião”, disse.

Quando morreu, em outubro de 2015, o coronel Ustra morava em uma casa de alto padrão em uma área nobre de Brasília.

bolsonaro ustra.jpg

 

 

Mídia NINJA on Twitter: "Um homem que colocava ratos na vagina de mulheres"

 
Mídia NINJA
@MidiaNINJA
Um homem que colocava ratos na vagina de mulheres não pode ser considerado um homem de honra. É um torturador que precisa ir para a lata do lixo da história
12
Jul22

Comissão da verdade. Os depoimentos do coronel Ustra e Gilberto Natalini (vídeos)

Talis Andrade

Aroeira Ustra.jpg

 

por Pedro Eloi

- - -

Muitas coisas me passaram pela cabeça ao ler as declarações do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, no depoimento de ontem (10 de maio de 2013), perante a Comissão da Verdade. Seguramente este coronel, pelo que é acusado, é uma das figuras mais inomináveis deste mundo. Ele presidiu o DOI CODI, o grande centro de torturas do Brasil, de 1970 a 1974, nos chamados anos de chumbo da ditadura militar. Pesa sobre ele a acusação de mais de cinquenta mortes. Mortes, que na maioria dos casos, teriam sido consequência das torturas que ali eram aplicadas sistematicamente.

Vejamos as frases mais marcantes de seu depoimento: "Com muito orgulho cumpri minha missão. Portanto, quem é que deve estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. É o exército brasileiro, que assumiu, por ordem do presidente da República, a ordem de combater o terrorismo e sob os quais eu cumpri todas as ordens, ordens legais, nenhuma ordem ilegal". Afirmou ainda: "Todas as organizações terroristas, e mais de quarenta eram elas, em todos os seus programas, está lá escrito claramente: - o objetivo final é a instalação de uma ditadura do proletariado, do comunismo [...] Nunca cometi assassinatos, nunca ocultei cadáveres, sempre agi segundo a lei e a ordem. Não vou me entregar, lutei, lutei, lutei". Sobre corrupção e estupros no DOI CODI foi categórico: "Isso nunca aconteceu. Digo em nome de Deus". Quantas certezas!

Um relato para a história. Só o cultivo da verdade e da memória podem ajudar para que fatos jamais se repitam.

Que cada um tire as suas conclusões. Pensamento ou ideia que parte de um pressuposto errado, estará sempre errado. E o golpe militar foi uma vil agressão à lei e a ordem estabelecida. Mas vai muito além. Nada justifica a tortura. Quando o mundo, minimamente, fez por merecer o nome de mundo civilizado, o primeiro direito afirmado foi o da manutenção da integridade física das pessoas. Atentar contra isso é cometer a mais vil de todas as ignomínias. A Comissão da Verdade tem muito a dizer sobre estes sinistros anos de "luta pela legalidade e da ordem constituída". Ordem e legalidade instituída por quem e para quem? Esta pergunta sempre terá que estar presente.

Terminei de ler "Os subterrâneos da liberdade", de Jorge Amado. É sobre o Estado Novo. As torturas eram sistematicamente aplicadas como método dos interrogatórios. Até crianças eram torturadas na frente de seus pais. Em nome da liberdade se combatiam as liberdades contrárias a liberdade oficial. Na história romanceada de Jorge Amado, o torturador famoso de então era o Dr. Barros e o médico legista, o Dr. Pontes. Este, não suportando ver as atrocidades cometidas se cocainizava para suportar ver a bestialização humana e, acabou por se suicidar. Diante desta leitura eu me apavorei. Getúlio, pelas outras ações de seu governo, foi absolvido e está caracterizado como um grande presidente. A história apaga os fatos. Mas o que mais me apavorou foi ver a distância dos fatos. Os jovens de hoje estão tão distantes da ditadura militar de 1964 a 1985, como eu estou distante do Estado Novo. O fato que eu não vejo, que eu não presencio, não me apavora, ou pior, eu chego a duvidar de que ele de fato existiu.

Num magnífico texto sobre educação, Educação após Auschwtiz, Theodor Adorno nos faz perguntas extremamente intrigantes: as causas que produziram Auschwitz foram erradicadas, ou não, da humanidade? Haverá ainda carrascos dispostos a cumprirem ordens atrozes? As vítimas futuras serão apenas os judeus? As vítimas, não seriam todas pessoas que estão sobrando no mundo? E por mundo, entenda-se, mercado.

As respostas de Adorno são óbvias. Ninguém mais se apavora diante destes questionamentos. São fatos do passado, mas as causas que os provocaram ainda estão todas presentes. Portanto, podem se repetir.

Se Isto é um Homem - 9789722054027 - Livros na Amazon Brasil

A que situações o ser humano pode chegar sob os efeitos da tortura, a tal ponto de perguntar: É isto um homem?

Dos livros mais impressionantes que eu li estão dois de Primo Levi. É isto um Homem? e Os afogados e os sobreviventes. Primo Levi é um dos raros sobreviventes de Auschwitz.O primeiro foi escrito logo após a saída deste inferno e o segundo, uns dez anos depois. Reflexões mais do que amadurecidas. Me lembro dele falando do tribunal de Nurenberg. Lá todos se diziam inocentes. Todos diziam as mesmas palavras do coronel Ustra: "sempre agi segundo a lei e a ordem", ou então, "eu apenas obedeci". Devemos, contra todos os cânones da nossa cultura, aprender a desobedecer, quando a lei e a ordem são a própria desordem. Desobedecer, será então, o mais imperativo dever ético, se a pessoa não quiser ser julgada perante a história e perante a humanidade como um monstro humano.

Outra passagem, que nunca consegui esquecer, é aquela em que Primo Levi aventa a possibilidade do suicídio. A sua resposta para esta questão é a de que isso era impossível, pelo fato de ser o suicídio um ato humano e, a degradação era tamanha, que esta possibilidade não existia, pois viviam num estado animalesco: "Nossos dias tinham sido assolados, desde a madrugada até a noite, pela fome, pelo cansaço, pelo frio, pelo medo, e o espaço para pensar, para raciocinar, para ter afeto tinha sido anulado" [...] "Esquecêramos não só nosso país e nossa cultura, mas a família, o passado, o futuro que nos havíamos proposto, porque, como animais, estávamos restritos ao momento presente". É - o suicídio é um ato possível, somente para os humanos.

Muitos foram os afogados e poucos os sobreviventes. Relatos dramáticos de um sobrevivente.

Para todos os que tem dúvidas sobre o ocorrido, especialmente para aqueles que querem passar uma imagem de que a ditadura militar no Brasil não foi tudo isso, que foi até necessária, que foi uma ditabranda, deixo algumas linhas do prefácio do livro, que Levi busca em um outro sobrevivente, Simon Wiesenthal, que ouvia as cínicas afirmativas dos SS. "Seja qual for o fim desta guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos; ninguém restará para dar testemunho, mas, mesmo que alguém escape, o mundo não lhe dará crédito. Talvez haja suspeitas, discussões, investigações de historiadores, mas não haverá certezas, porque destruiremos as provas junto com vocês. E ainda que fiquem algumas provas e sobreviva alguém, as pessoas dirão que os fatos narrados são tão monstruosos que não merecem confiança: dirão que são exageros da propaganda aliada e acreditarão em nós, que negaremos tudo, e não em vocês. Nós é que ditaremos a história dos lager" - dos campos de concentração.

Para a Comissão da Verdade fica a incumbência de estabelecer a Verdade e que esta nos aponte para a direção do Nunca Mais - que nunca mais se repitam estes fatos e não para a versão da ditabranda, que tenta esconder a verdade, apenas com um único propósito, - o de que, pela ausência da memória, estes fatos se repitam mais facilmente.Alguém, evidentemente, tem interesse nisso.

A sessão pública para tomada de depoimentos de Marival Chaves e Carlos Alberto Brilhante Ustra, sobre as atividades que desenvolveram no Doi-Codi de São Paulo, começou às 8h40 e terminou às 12h23, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília.

Chaves foi o primeiro a depor. Ele revelou que os corpos de alguns mortos pela repressão eram exibidos como troféus em sessões internas no Doi.

Em seguida, o vereador paulistano Gilberto Natalini prestou seu depoimento e contou que foi torturado por Carlos Alberto Brilhante Ustra, que depôs em seguida e se negou a responder boa parte das perguntas feitas pela Comissão da Verdade.

Data: 10/05/2013 Edição: Thiago Dutra Vilela (CNV) Vinheta: Thiago Dutra Vilela (CNV) Trilha Sonora da Vinheta: Gustavo Lyra (http://abre.ai/dayone) Arte do canal: Paula Macedo e Isabela Miranda (CNV) Captação de imagens e áudio: Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

exercito ustra tortura por gilmar.jpg

 

 

12
Jul22

O Brasil está sob ocupação inimiga

Talis Andrade

Friends and relatives of Brazilian musician Evaldo dos Santos Rosa, who was killed by an army unit when it shot at his car by mistake, hold Brazilian national flags stained in red -as blood- during a protest at Vila Militar neighborhood in Rio de Janeiro, Brazil on April 10, 2019. - Brazilian military authorities detained 10 soldiers who were part of a unit that shot over 80 times at a vehicle in Guadalupe neighborhood, Rio de Janeiro, killing a man and injuring two others Sunday. (Photo by Mauro Pimentel / AFP)        (Photo credit should read MAURO PIMENTEL/AFP via Getty Images)

Foto: Mauro Pimentel/AFP via Getty Images

 

 

Como a Ucrânia, o Brasil sofreu uma agressão militar e está sendo ocupado por Forças Armadas hostis.

11
Jul22

A Grande Partida: Anos de Chumbo

Talis Andrade

Depois do livro A Grande Partida: Anos de Chumbo, Francisco Soriano toma para si a missão de reunir vários companheiros, sobreviventes da ditadura de 1964, para juntos relembrarem a saga vivida na luta clandestina, buscando a libertação da sociedade brasileira submetida ao terrorismo do Estado policial. 

Relatos comoventes, antes silenciados pelos traumas do regime, que nos passam informações preciosas sobre os últimos 50 anos de história do Brasil. Também uma renovação de esperança na construção de uma sociedade menos desigual e mais humana.

A Grande Partida : Anos De Chumbo. - 9788563367020 - Livros na Amazon Brasil

Ficha técnica:

Direção e edição: Peter Cordenonsi

Fotografia: Tiago Scorza

Som direto:Thiago Sobral

Direção de produção: Vera Moderno

Música tema original: Francisco Soriano

Produção executiva: Francisco Soriano e Peter Cordenonsi

 

 

11
Jul22

Chumbo Quente pelo Observatório de Imprensa - Primeira parte (documentário)

Talis Andrade

Chumbo Quente - 50 anos do Golpe de 64 — HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO

Observatório da Imprensa

 

No dia em que o golpe militar de 1964 completa 50 anos, o Observatório da Imprensa exibido pela TV Brasil levou ao ar o primeiro episódio da série “Chumbo Quente”. Na terça-feira (1/4), o programa examinou o papel da mídia na queda do presidente João Goulart e na instalação do regime de exceção. A imprensa foi uma das protagonistas daquele que se converteu em um dos mais dramáticos e conturbados períodos da história brasileira. Nos pouco mais de 30 meses de governo Jango, grande parte dos jornais cuspiu fogo contra o presidente enquanto poucos serviram de sustentação à política reformista. Nas bancas de jornal de todo o Brasil, em preto no branco, as várias faces da mesma realidade. Retrato de uma imprensa ainda em processo de profissionalização, as publicações dos anos 1960 não escondiam sua ideologia e seguiam a corrente política de seu proprietário. Mesmo que o preço fosse a imparcialidade.

O programa entrevistou uma série de testemunhas daquele período e especialistas no golpe militar, a saber:

>> Alzira Abreu – coordenadora do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

>> Ana Arruda Callado – jornalista e viúva do escritor Antônio Callado. Trabalhava no jornal Panfleto, de Leonel Brizola.

>> Carlos Chagas – comentarista político. Era repórter em O Globo.

>> Carlos Fico – professor de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

>> Carlos Heitor Cony – escritor. Era editorialista e colunista do Correio da Manhã.

>> Daniel Aarão Reis – professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF).

>> Ferreira Gullar – poeta. Era copidesque na sucursal carioca de O Estado de S.Paulo e presidente do Centro Popular de Cultura da UNE.

>> Fuad Atala – jornalista, autor de Réquiem para um leão indomado, sobre o Correio da Manhã, onde trabalhava na época do golpe.

>> Hélio Fernandes – diretor-responsável do jornal Tribuna da Imprensa.

>> Gilles Lapouge – correspondente de O Estado de S.Paulo em Paris há mais de seis décadas.

>> José Maria Mayrink – repórter especial de O Estado de S.Paulo. Trabalhava em O Globo.

>> Marco Antônio Coelho – em 1964 era dirigente do Partido Comunista Brasileiro e deputado federal.

>> Maria Celina D'Araújo – professora de Ciência Política da PUC-Rio.

>> Milton Coelho da Graça – jornalista, foi diretor de Redação da Última Hora.

>> Milton Temer – jornalista e político, oficial da Marinha cassado em 1964.

>> Moniz Bandeira – cientista político e escritor. Foi asilado no Uruguai, onde conviveu com João Goulart por conta de sua atividade política.

>> Pinheiro Júnior – era repórter da Última Hora e acompanhou a movimentação das tropas de Minas Gerais para o Rio de Janeiro.

>> Wilson Figueredo – era editorialista e chefe de Redação do Jornal do Brasil.

 

A transcrição integral do programa

 

Alberto Dines – Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Com uma liga de chumbo, Gutenberg fez os primeiros tipos móveis e, nos cinco séculos seguintes, o chumbo derretido foi a matéria-prima da tipografia, o antigo sistema de impressão. Com chumbo, fundiam-se letras, palavras, ideias e também se faziam balas, projéteis. Seu peso converteu o chumbo em sinônimo de opressão. Para lembrar os 21 anos de chumbo da ditadura militar e a aviltante censura por ela instaurada, trazemos a imagem do chumbo quente, o perigo liquefeito, enganosamente molhado, mortal. No início, todos os golpes se parecem. Como já acontecera três vezes antes, o golpe de 1964 começou como uma quartelada para depor um legítimo chefe de Estado e, poucos dias depois, já era uma ditadura: acanhada nas primeiras horas, logo ostensiva e em seguida esticada ao longo de 21 anos.

Nossa homenagem a Alberto Dines | Notícias | OBORÉ Projetos Especiais

Alberto Dines: Um golpe preparado e apoiado majoritariamente pela imprensa

 

Este golpe diferencia-se dos anteriores porque ocorreu em plena era da informação – ou da desinformação – foi um golpe preparado e apoiado majoritariamente pela imprensa, logo depois transformada em sua vítima e dócil escrava. Quando, no ano passado, o jornal O Globo surpreendeu a sociedade brasileira ao reconhecer como equivocado o apoio ao golpe de 1964, admitia implicitamente que grande parte da imprensa brasileira, além de apoiar a derrubada do presidente João Goulart, apoiou a ditadura nela incubada. Gesto ímpar, infelizmente sem seguidores, que, no entanto, poderá inaugurar o capítulo da diversidade na história da nossa imprensa.

A unanimidade, além de burra, foi a causadora desta tragédia. Estas edições especiais sobre o golpe de 1964 tentam o modelo de história oral, cruzamento de depoimentos pessoais para reconstituir um período em que a imprensa, além de testemunha, foi também participante.

 

Ferreira Gullar – Tem que apurar o que aconteceu e fazer parte da história do Brasil para as gerações que vêm aí [conhecerem] a verdade desse regime abominável.

 

Maria Celina D’Araújo – As Forças Armadas ficaram com essa mancha, com esse estigma de que assassinaram e torturaram pessoas em nome de alguns ideais políticos.

 

Carlos Fico – O golpe não previa a ditadura militar, mas houve um processo que transformou o golpe em ditadura.

A história política do Brasil se confunde com a história militar. E ambas atropelam a história da imprensa. Até mesmo a Independência tem sido fantasiada como façanha de soldados e o resultado é um tripé desigual, capenga. Incluindo a Proclamação da República até 1964, temos um total de 12 motins, vetos dos quartéis, golpes, contragolpes com quatro derrubadas de chefes de Estado. A imprensa sempre tomou partido, sempre participou e sempre foi punida com empastelamentos, atentados e censura. Nunca havia conspirado. Então veio 1964. Herdeiro do getulismo, João Goulart tem a imagem atrelada às reivindicações sociais e sindicais. Enquanto foi vice de JK, Jango sempre se relacionou bem com jornalistas e donos dos jornais. Quando Jânio Quadros renuncia, em agosto de 1961, Jango está em viagem à China.

 

Wilson Figueiredo – Nem o próprio Jânio Quadros contava que ia renunciar. Ele renunciou por uma distração. Um ato de distração. Acreditou que ninguém ia acreditar, todo mundo acreditou, levou ao pé da letra e o resultado foi o que se viu.

A presidência da República é ocupada pelo presidente da Câmara dos Deputados. Instala-se uma crise política porque os ministros militares são contrários à posse do vice.

Wilson Figueiredo – O Jango não era da corrente que ganhou a eleição, pelo contrário, ele era o perdedor. Então, essa inversão súbita abalou o país e o país ficou meio sem saber o que fazer, qual era o caminho.

Diante da perplexidade que toma o país após a renúncia de Jânio Quadros, a maior parte da imprensa defende o respeito à Constituição e endossa a posse do vice.

 

Fuad Atala – O Correio da Manhã tomou a posição, defendeu a legalidade da posse e assim permaneceu até, realmente, se concretizar. Acompanhou todo o processo daquela viagem que ele fez da China e para o Uruguai, até que ele entrou no Brasil. E o Correio da Manhã sempre defendendo a posse legal.

O Globo pede ao povo que aguarde tranquilamente a normalização da vida republicana e assegura que as Forças Armadas têm a situação sob controle. Abertamente anticomunista, o jornal em pouco tempo começará a questionar se Jango representa uma ameaça. O Diário de Notícias, com enorme penetração no meio militar, também levanta a bandeira da Constituição, mas desconfia da capacidade de governo de Jango. O Estado de S.Paulo é mais radical: contrário à posse de Jango, pede a convocação das Forças Armadas para evitar possíveis golpes subversivos.

 

Carlos Fico – Em 1961, a própria Rede da Legalidade, gerada pelo Leonel Brizola, tinha esse argumento fundamental, que era um argumento que demonstrava a absoluta inconstitucionalidade, a ilegalidade da ação dos ministros militares, porque se o presidente renuncia, assume o vice e ponto final, não há como discutir isso.

O Congresso aprova uma emenda que garante a posse de Goulart sob a condição de que o regime passe a ser parlamentarista. A imprensa vê a solução como uma demonstração de maturidade da democracia brasileira, mas alguns jornais são contrários ao novo sistema. Jango é empossado com poderes limitados. Vai fazer tudo para recuperar o poder total e o plebiscito de 1963 para a escolha do regime de governo será o seu primeiro desafio.

Jango sabe explorar as razões da inoperância do Executivo, o argumento convence a grande imprensa que logo esquece o charme do parlamentarismo e embarca num retorno ao presidencialismo. Um dos maiores presentes oferecidos a João Goulart naquele momento foi a oportunidade de calar Carlos Lacerda, governador da Guanabara.

 

Alberto Dines – Neste velho sobrado construído na Rua do Lavradio estava a Tribuna da Imprensa. Fui testemunha e mensageiro de um significativo presente oferecido pela grande imprensa ao presidente Jango: diante da difícil situação financeira em que se encontrava, o Jornal do Brasil comprou de Carlos Lacerda a sua fogosa Tribuna da Imprensa. Fui incumbido pelos donos do JB a fazer a transição entre a equipe que tocava o jornal e a nova. Recomendação expressa: o habitual ataque de Carlos Lacerda não poderia ser publicado. Em junho de 1962 vim a este prédio para iniciar a transição. Só houve um problema: o artigo de Lacerda com o habitual petardo contra Jango. Fui ao diretor do jornal, Sérgio Lacerda, e lhe passei a recomendação dos novos proprietários: “Lacerda, não”. Mas a “nova” Tribuna sem Lacerda não deu certo e o JB revendeu-a a Hélio Fernandes.

João Goulart tem a aprovação da maior parte dos jornais durante os primeiros meses do mandato. Até mesmo críticos da política de Getúlio Vargas, como o Diário Carioca e o Diário de Notícias, mudam de tom e apoiam Jango.

 

Alzira Abreu – A gente devia lembrar que os jornais tinham uma isenção fiscal de praticamente 70% na importação de papel, e o Jânio Quadros tinha cortado essa isenção. Então os jornais tiveram prejuízos enormes, tiveram que assumir esses 70% a mais para comprar papel no exterior. E o Diário Carioca apoiou João Goulart, inclusive como uma forma para obter recursos do Banco do Brasil para se manter. Da mesma forma, o Diário de Notícias também foi um jornal que apoiou Goulart quase até o final do seu governo.

A mais importante bandeira do governo é o projeto das Reformas de Base, que causa desconforto nas classes dominantes. O carro-chefe é a reforma agrária, que os jornais simpatizantes não engolem. Cresce o medo de que o Brasil siga o exemplo de Cuba e se torne comunista. Recuperado o poder, Jango não consegue exercê-lo, pressionado pelos setores mais radicais.

 

Maria Celina – A partir do momento que o João Goulart passa a concentrar poderes de um presidente, de chefe de Estado e de chefe de governo, ele se torna um alvo muito maior das críticas, da oposição e, ao mesmo tempo, a gente vai ter algumas dificuldades econômicas, de crescimento, de inflação, e que vão ser atribuídas, obviamente, a ele.

A radicalização política é agravada em setembro de 1963, com a Revolta dos Sargentos, em Brasília. O movimento reivindica o direito de sargentos, suboficiais e cabos exercerem mandato parlamentar, o que contraria a Constituição. Para a oposição, o presidente não é suficientemente firme ao enfrentar a revolta. A trégua na Tribuna da Imprensa dura pouco. O jornal volta a ser o adversário mais combativo de João Goulart. No início de outubro, Jango é convencido a calar o governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Malogrado o plano de prendê-lo, Jango tenta intervir no Estado da Guanabara, impondo o estado de sítio. Não encontra respaldo nem no seu próprio partido, o PTB.

 

Daniel Aarão – E o Jango, sentindo que ia ser derrotado, se retirou. Retirou a proposta. Mas ali ficou muito evidente que ele namorava a hipótese da permanência no poder com instrumentos de exceção.

Confronto aberto, ostensivo. A imprensa está alinhada contra o governo.

 

Moniz Bandeira – Tinha jornalistas, não vou citar os nomes deles, mas que eu sei que recebiam dinheiro, que eram agentes. E sei da influência que era exercida através das agências de notícias, das agências de publicidade.

A Última Hora é a última trincheira pró-Jango e dá amplo espaço aos seus projetos. Reforça o apoio popular às mudanças e denuncia a movimentação da oposição para derrubar o presidente antes que as reformas fossem executadas.

 

Pinheiro Jr. – Samuel Wainer era visto como uma espécie de eminência parda do governo do Jango. Portanto, tudo que o Jango queira fazer, inclusive as Reformas de Base, que são vistas como as verdadeiras causas desencadeadoras do golpe, a Última Hora deu o mais completo apoio possível.

O Diário Carioca centra a cobertura nos benefícios das reformas e no esforço do Executivo para promover as alterações constitucionais que viabilizam o projeto. Não há jornais moderados, tentando esvaziar a radicalização. Não acalma os ânimos a ideia do governo de iniciar uma série de grandes manifestações populares em vários pontos do país para forçar a aprovação das reformas de base. O primeiro comício será na Central do Brasil, coração do Estado da Guanabara, onde Jango pouco antes tentara intervir.

 

Wilson Figueiredo – Eu me lembro, na Avenida Rio Branco, no dia do comício, 13 de março, aquela multidão compacta que passava rumo à Central do Brasil onde ia haver o comício. Passavam uma agressividade terrível. Acenando para o Jornal do Brasil com ameaças – o que era natural: o clima político estava exaltado.

A Tribuna da Imprensa denuncia a convulsão das massas durante o discurso na Central do Brasil e acusa o presidente de querer se reeleger. Partidário da reforma agrária, o Correio da Manhã critica a radicalização tanto da direita quanto da esquerda. Defende as Reformas de Base, mas diz que o governo promove intranquilidade institucional ao agir de forma leviana e demagógica.

 

Fuad Atala – O Correio da Manhã chegou inclusive a apoiar as reformas de base que ele anunciou no início, mas foi chegando o momento em que começou a se radicalizar e perder um pouco o rumo do controle do governo. Aquele ambiente, realmente convulsionado, assustou o Correio da Manhã. O Correio da Manhã começou a sentir então que o Jango estava perdendo as rédeas do poder.

 

Daniel Aarão – Havia muito medo de que aquelas reformas, se fossem implementadas, iriam mudar completamente o Brasil. Iam virar o Brasil pelo avesso. Era um conglomerado muito heterogêneo e o que cimentava esse conglomerado da espada, da cruz e do dinheiro e com os esses segmentos populares – as Marchas da Família com Deus pela Liberdade são um grande movimento de massa no Brasil – o que cimentava aquilo tudo era o medo.

 

Milton Coelho – Olha o nome que eles deram para a marcha: ela botou quinhentas mil pessoas na rua em São Paulo. Se vê que a insatisfação da classe média, especialmente, era muito grande contra o governo do João Goulart.

 

Daniel Aarão – A imprensa entrou muito porque ela foi contaminada por isso; ela tinha receio, os jornais progressistas acabaram entrando no processo golpista, alguns apoiaram, para logo depois sair fora.

Uma nova revolta nas bases das forças armadas contribui para isolar o governo. Concentrados na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, integrantes da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais comemoram o aniversário da entidade, considerada ilegal. Dois mil revoltosos são liderados pelo Cabo Anselmo. Jango se recusa a punir os marinheiros. O Correio da Manhã alerta para a necessidade de acabar com a intranquilidade causada por medidas demagógicas. Pede que as Reformas de Base não sirvam de pretexto para uma série de aventuras que poderão conduzir a quarteladas e à guerra civil.

 

Milton Temer – Era um embate entre a Última Hora de um lado, O Globo de outro. O Correio da Manhã (era aquele jornal mais intelectualizado) e o Jornal do Brasil eram os jornais que estavam contra o governo, evidentemente, estavam contra o governo Jango, mas não tinham a radicalidade golpista da Marcha com Deus e a Família que O Globo patrocinava. E nem tinham o grau de combatividade, não estavam no contraponto do Última Hora.

A Folha de S.Paulo vê na constante insubordinação das Forças Armadas um fator importante para o agravamento da crise do governo João Goulart. A Tribuna da Imprensa não dá descanso ao governo e explora a quebra de hierarquia nas Forças Armadas e a tensão entre governo e militares. Ninguém estranhou o repentino aparecimento do Cabo Anselmo como líder dos marujos nem as diferenças entre a sua retórica articulada com a dos companheiros marinheiros.

 

Milton Coelho da Graça – O Cabo Anselmo era claramente uma pessoa infiltrada na Associação de Marinheiros e Fuzileiros. Porque tudo que ele fazia ele radicalizava, era tendente para irritar os militares. Ele esteve lá em Pernambuco e fez uma palestra para todos os funcionários. Modéstia à parte, eu virei para os companheiros e disse: “Esse cara é da polícia”.

A combalida base militar do governo João Goulart rui definitivamente em 30 de março. Como convidado de honra, o presidente vai a uma reunião da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. A presença do presidente é vista pela cúpula militar como provocação. Para grande parte da mídia, é o último ato do governo Jango.

 

Milton Temer – Achar que a mídia tem só um papel de observadora e registra a história é muito difícil de imaginar nos grandes momentos. Porque ela desempenha um papel fundamental sobre o senso comum, que é a maior parte da população, que é aquela que não está no comício, que é aquela que não está na militância, mas é aquela que constitui a massa crítica eleitoral e a massa crítica da base social.

O governo Jango só investe contra a imprensa uma única vez. No dia 31, às vésperas do golpe, o contra-almirante Cândido Aragão tenta intimidar os jornais com a sua habitual truculência. Sem o conhecimento de Jango. Acompanhado por 30 praças, paralisa a redação de O Globo e sitia o prédio. Empunhando uma metralhadora, vai ao gabinete da direção e avisa que suas ordens devem ser cumpridas. O jornal não circula no dia seguinte. Outro grupo toma a Tribuna da Imprensa, onde Aragão passa algumas horas. O Diário de Notícias também recebe a visita do contra-almirante.

 

Alberto Dines – Aqui na Biblioteca Nacional estão guardadas as coleções do Jornal do Brasil. Na tarde do dia 31, um pelotão de fuzileiros navais, em uniforme de combate e pesadamente armado, chegou ao velho prédio do JB na Avenida Rio Branco e deu alguns tiros para o ar. Queriam os cristais, usados nos transmissores da emissora, para tirar a rádio do ar. Não acharam. Enquanto isso, o Contel [Conselho Nacional de Telecomunicações] informa às rádios e às TVs que o governo federal não admitirá notícias falsas ou alarmistas.

O Correio da Manhã dá um ultimato ao presidente com dois editoriais, publicados na primeira página, que entram para a história política.

Basta! – “Se o Sr. João Goulart não tem a capacidade para exercer a Presidência da República e resolver os problemas da Nação dentro da legalidade constitucional, não lhe resta outra saída senão a de entregar o governo ao seu legítimo sucessor”. (Correio da Manhã, 31/3/1964)

Fora! – “O Sr. João Goulart não pode permanecer na Presidência da República, não só porque se mostrou incapaz de exercê-la, como também conspirou contra ela; como se verificou pelos seus últimos pronunciamentos e seus últimos atos”. (Correio da Manhã, 1/4/1964)

 

Fuad Atala – Ele se comportou de maneira a encontrar uma saída para o Jango. Concluiu que o Jango não tinha mais condição de governar, então propôs ou a renúncia dele ou que o Congresso fizesse o impeachment dele.

Os contundentes textos são escritos pelo grupo de editorialistas comandados pelo veterano Otto Maria Carpeaux e aprovados pela dona do jornal, Niomar Muniz Bittencourt.

 

Carlos Heitor Cony – Eu colaborei, colaborei porque o Edmundo Muniz, que estava como redator chefe, me telefonou e disse: “Eu quero ler para você, para você tomar conhecimento”. Ele leu para mim. Eu disse: “Tá, muito bem, concordo, é o espírito do Correio da Manhã, como bateu violentamente em João Goulart”. Então eu tirei duas ou três coisas, mudei uma vírgula, só. O Edmundo Muniz captou a coisa e o tom; o tom, o conteúdo, propriamente dito, veio do Carpeaux. Não foi uma análise política, foi, realmente, panfleto: “Basta!” e “Fora!”.

Na madrugada do dia 31, tropas deixam Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. A base militar de João Goulart não reage e o presidente é incapaz de articular resistência ao movimento militar. A Câmara dos Deputados declara a Presidência da República vaga.

 

Ana Arruda – Essa sessão da Câmara foi inesquecível. Porque o Doutel de Andrade, que era um líder do governo, estava discursando, dizendo que esse golpe não ia adiante porque os militares estavam com o Jango. Quando o Adauto Lucio Cardoso pediu um aparte, com aquela elegância do Adauto. “Não dou aparte a udenista nenhum”. O Adauto insistiu. “Meia noite e dois, já estamos em primeiro de abril, pode falar à vontade, deputado”, gozando. Aí o Adauto disse: “Eu queria avisar aos meus colegas da bancada do governo que o general Amauri Kruel já aderiu ao movimento militar e que o presidente João Goulart está saindo do país. Era isso que eu queria dizer, sr. Deputado”. Aí deu aquela loucura. Nós saímos correndo.

 

Moniz Bandeira – O presidente João Goulart, ao chegar ao Rio Grande do Sul, a Porto Alegre, conversou com o general Ladário Telles, que lhe disse não haver condições de resistência. Ele resistiria, mas não garantia a vitória. Jango tomou um avião, passou por outra fazenda dele e depois foi para o Uruguai. Ele sabia que não adiantava, que o golpe viria. Os americanos iam intervir. Seria uma sangreira, o nome que ele usou. “Não, Moniz, não dava para resistir, seria uma sangreira”. O Brasil seria arrasado, desindustrializado, a mortandade imensa. Os americanos estavam dentro do Brasil.

 

Marco Antônio Coelho – Nós, o PCB, éramos oposição ao Jango. Eu lutei contra aquilo, mas aquilo dominou o Plenário do Comitê Central. Portanto, mesmo aqueles que combatiam o golpe de Estado não tinham uma posição correta porque naquele instante o que nós deveríamos fazer seria assumir uma posição frontal de defesa do Jango. Mas, não. Surgiram então vários argumentos: “O Jango está conciliando, é um conciliador, ele não é um revolucionário”. Essa ilusão foi o grande erro da esquerda.

A articulação para derrubar o presidente encontra abrigo em um dos jornais mais tradicionais do país, O Estado de S.Paulo.

 

José Maria Mayrink – Os Mesquita, donos do jornal, conspiraram para derrubar o Jango. Isso começou com o Julio Mesquita Filho, que na época era um dos diretores do jornal. Havia reuniões de civis e militares na casa dele e havia também na casa do Ruy Mesquita.

 

Alberto Dines – A partir de agosto de 1961, os repórteres que cobriam as forças armadas, sem saber, passaram por um intenso aprendizado técnico. Antes, cobriam as solenidades, discursos. Neste final de março de 1964 já eram experts em questões militares. A movimentação de blindados era crucial, tanques só saíam da Vila Militar quando a situação era grave. Na manhã de 31, todos os indicadores apontavam para o regime de prontidão máxima. Mas quem nos deu a notícia da descida da tropa mineira do general Olímpio Mourão Filho foi o repórter Márcio Moreira Alves, que embora trabalhasse para um concorrente, o Correio da Manhã, era querido por todos. Entrou na Redação excitadíssimo, aos berros: “Titio telefonou, Minas está descendo, já estão em Juiz de Fora!”. O “titio” era Afonso Arinos de Melo Franco, recém-empossado como [secretário] do governo de Minas. Dias depois, quando a quartelada assumiu-se como ditadura, Márcio estava na oposição.

No dia 2 de abril, o país já está mergulhado no regime militar que duraria 21 anos. Em poucos dias, Castelo Branco é eleito pelo Congresso Nacional.

Carlos Fico – Eles aí já tentam levar a cabo seus desígnios através de uma argumentação, supostamente legal, constitucional. E daí toda essa preocupação que houve no golpe de encontrar uma forma aceitável do ponto de vista constitucional. A posse do Ranieri Mazzilli, a eleição pelo Congresso do Castelo Branco, aquele ato institucional com uma aparência de juridicidade, tudo isso denota uma preocupação com o erro que foi cometido em 1961.

 

Maria Celina – Conseguiu-se atrair para o movimento golpista os principais chefes militares, Castelo Branco, Costa e Silva, enfim, é tomar o poder sabendo que não havia facções militares que competiriam entre si. O que é surpreendente é que o golpe não foi o golpe, o golpe foi o início de um outro governo. A rigor, a ditadura militar não estava contida no golpe.

Com o golpe, os últimos pilares de sustentação do governo Jango são atacados pelas alas mais radicais. Ao som do Hino Nacional, o prédio da União Nacional dos Estudantes é incendiado.

 

Ferreira Gullar – Eu, naquela época, era presidente do Centro Popular de Cultura da UNE, o CPC. Peguei o telefone e liguei imediatamente para o Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho], que era uma das principais figuras do grupo, para ver o que a gente deveria fazer em face daquilo, daquela notícia, que ele apurasse direito. Combinamos que iríamos convocar a intelectualidade de esquerda, os artistas, as várias áreas de música, de teatro, de cinema, para nos reunirmos na sede da UNE, que era onde funcionava o CPC, para discutir o assunto e também tomar uma posição diante do que estava acontecendo.

A redação da Última Hora é depredada. Munidos de pedras e paus grupos antijanguistas tomam a garagem do jornal, disparam tiros e incendeiam carros.

 

Pinheiro Jr. – Quando eu cheguei na Última Hora, voltando de Juiz de Fora, quem estava no comando era o diretor de Redação Moacyr Werneck de Castro, a quem eu disse: “Estou com um material muito interessante sobre os acontecimentos de Juiz de Fora, o que você quer que eu faça?”. Ele falou: “Olha, você não faz nada não, vai embora para casa porque o Carlos Lacerda está na TV Rio incitando o pessoal a vir quebrar a Última Hora. Escrevi a matéria, juntei o filme e coloquei numa gaveta. Quando eu estava descendo e cheguei à Praça da Bandeira, encontrei com a turma que tinha vindo quebrar a Última Hora.

A Tribuna da Imprensa não esconde seu apoio ao movimento golpista. Comemora a queda de Jango e destaca a atuação do governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda.

 

Hélio Fernandes – No começo, a visão de todo mundo, inclusive minha, era deturpada. Realmente eles lançaram a ideia de que o país estava à beira de cair no regime comunista. A edição de 1º de abril, nós ficamos como todo mundo. Nós não sabíamos bem o que era. Ninguém sabia bem o que era. Todo mundo apoiou, não apoiou. Depois, todo mundo ficou contra, não ficou contra. Então, muita gente apoiou depois, muita gente apoiou muito, cresceu muito, enriqueceu muito, ganhou muitos canais de tudo.

O vespertino muda de tom a partir de julho, quando Carlos Lacerda critica a prorrogação do mandato de Castelo Branco e exige eleições para o ano seguinte. A Tribuna diz que o movimento está desmoralizado e se coloca claramente na oposição.

 

Daniel Aarão Reis – Muita gente, a meu ver, aceitou aquela derrota imaginando que, quando a poeira abaixasse, as coisas se restabeleceriam. Muitos políticos de direita estavam convencidos que as eleições presidenciais de 1965 seriam preservadas. Isso inclusive fez parte do acordo que o Castelo Branco fez com o JK. O JK mobilizava o PSD para apoiar o Castelo com o compromisso da manutenção das eleições em 1965. E muita gente que aceitou a derrota, aceitou “não, não vou lutar porque se eu lutar vou perder, e no final das contas essa coisa toda vai se restabelecer e no ano que vem as coisas voltam à normalidade”.

 

Alzira Abreu – A imprensa pede a subida dos militares, que os militares venham restabelecer a ordem; mas a imprensa, eu estou falando só da imprensa, mas grande parte da intelectualidade pediu, que eram pessoas mais à direita, pediram a vinda dos militares para restabelecer a ordem, não para impor uma ditadura. Depois que os militares assumiram o poder, eles resolveram permanecer no poder. E começa o período da censura, das prisões arbitrárias, isso vai levando os jornais a se afastarem dos militares.

A Folha de S.Paulo, opositora do presidente desde o impasse da posse, apoia a derrubada de Jango. E relembra que advertiu que a postura do presidente, ao se aproximar dos setores mais radicais, deflagraria uma profunda crise político-militar. O jornal endossa a decretação de um ato institucional. Para o jornal, os militares restabeleceram a ordem e a legalidade.

Editorial – “E isto se fez, note-se, com um mínimo de traumatismo graças ao discernimento das nossas Forças Armadas que agiram prontamente para conter os desmandos de um político que, cercado de assessores comunistas, procurava manobrar o país”. (Folha de S.Paulo, 5/4/1964)

O Globo segue a mesma linha e respira aliviado com a saída de João Goulart. Graças aos militares, o país está a salvo da “comunização”.

 

Carlos Chagas – O Roberto Marinho, desde de manhã cedo, estava informado de que estava havendo uma revolução. Mas esqueceu-se, ou não quis, falar para os seus repórteres. Ficou fechado lá na sala dele, até que a secretária dele veio na minha mesa e disse: “O que está havendo em Juiz de Fora?”. Eu disse: “Acho que nada, né?”. Ela disse: “Liga o rádio aí porque tem alguma coisa em Juiz de Fora”. E aí é que nós começamos, já ao entardecer, a ligar o rádio e pegar, em ondas curtas, emissoras de Juiz de Fora, que estavam naquela euforia dizendo: “Juiz de Fora, capital revolucionária do Brasil. Os generais Mourão e Guedes estão na rua, estão já descendo sobre o Rio de Janeiro”. Mas foi uma perplexidade geral porque ninguém sabia de nada.

O Globo vê com entusiasmo a rápida vitória do movimento sem derramamento de sangue e diz que a revolução triunfante deve impedir a infiltração de agitadores comunistas na vida pública.

 

José Maria Mayrink – Eu trabalhava no O Globo. Eu lembro que um colega falou: “Os nossos tanques estão avançando”, eram os tanques que viriam de São Paulo para enfrentar o Jango. E não eram os meus tanques, eu estava torcendo na verdade pelo Jango.

Contrariado por ter um artigo contra Carlos Lacerda vetado, Gilles Lapouge, correspondente de O Estado de S.Paulo em Paris, pede demissão logo depois do golpe. Lacerda é amigo de longa data da família Mesquita. O jornal não aceita a demissão e a celeuma vai parar nas páginas da publicação.

 

Gilles Lapouge – Carlos Lacerda estava em Roma, voltou por Paris e no aeroporto ele falava com os jornalistas franceses. Então, todo mundo compreendeu muito bem que havia qualquer coisa que está se fazendo lá, uma espécie de golpe. Eu disse ao jornal: “Não vou falar daquela conferência da imprensa do Carlos Lacerda porque, primeiro, não gosto muito daquele personagem”. O jornal me disse: “Mas você tem que fazer isso”. Pouco tempo depois, uns dias apenas, o golpe. Então, amigos do Brasil, do jornal, deram detalhes sobre isso e compreendi que era verdadeiramente um golpe militar de tendência fascista. Ora, isto eu não posso aguentar.

 

José Maria Mayrink – O Ruy [Mesquita], por consideração a ele, pela amizade que tinha a ele, mandou um telegrama dizendo por que não tinha publicado a entrevista do Lacerda. Aí o Lapouge escreveu uma carta ao Ruy em que dava as razões dele, e o Ruy respondeu com outra.

 

Gilles Lapouge – Ele me mandou um telegrama para dizer: “A direção não aceita a sua demissão, mas de todo modo você tem que esperar o número de domingo. Vamos responder publicamente à demissão”.

 

José Maria Mayrink – Os Mesquita defendiam o movimento e falavam que era uma coisa que iria durar pouco.

 

Gilles Lapouge – Ele fez talvez 10, 15 páginas com grande conceito sobre a revolução, a ideologia, a práxis, o comunismo, coisa assim. No final da carta dele, ele dizia: “Pedimos a você não ficar demitido, mas você tem que saber – aliás você já sabe, porque tem a lembrança da história de O Estado de S. Paulo – que no dia em que [o movimento militar] atacar o direito do homem, o Estado vai passar para a oposição”.

 

José Maria Mayrink – O Estado rompeu no ano seguinte, em 1965, quando o Castelo Branco, que esperava devolver o poder aos civis com as eleições de 65, então ele se retiraria, e o movimento convocaria eleições diretas para eleger um candidato, certamente de confiança, mas civil.

O Jornal do Brasil não era um jornal de colunistas, era um jornal de informação. Na página de Opinião, três artigos de fundo, sem assinatura, de responsabilidade da direção da empresa. Ao lado, os artigos de Tristão de Athayde e Barbosa Lima Sobrinho, que opuseram-se ao golpe desde os primeiros momentos e jamais foram censurados pela direção. Eram instituições intocáveis. Por isso, em abril de 1965, respondendo a um protesto de Tristão de Athayde, Castelo Branco, já como presidente, telefonou para oferecer satisfações. O pensador agradeceu ao presidente em um bilhete manuscrito.

A extensão da cobertura daqueles 19 dias e a necessidade de oferecer ao leitor uma conexão entre tantos episódios sugeriram um complemento em formato de livro capaz de reproduzir o clima trágico que se prenunciava. O título Os Idos de Março foi emprestado por Shakespeare, com trechos da tragédia inseridos no final. Os relatos vão até 15 de abril, o livro saiu no início de maio. O perfil de Jango escrito por Antônio Callado é arrasador:

“E quando, eventualmente, chegar à Presidência de República um homem de esquerda, Jango talvez reapareça. Como vice”. (Antônio Callado, Os Idos de Março)

 

Ana Arruda – Eu acho muito severo com o João Goulart. Se a gente ler direito, os pecados do João Goulart eram muitos também. Mas, evidentemente, que apontar pecados do João Goulart não significa querer uma ditadura militar. Longíssimo disso.

 

Alberto Dines – Onde é que a imprensa errou? Antes de 31 de março, errou ao adotar o uníssono. Errou ao submeter-se a um cronograma militar sem deixar aberturas políticas para recuos, ajustes e negociações. Jango tinha a seu lado vozes e forças moderadas. A pressa não deixou que fossem ouvidas. A grande imprensa impregnou-se com o clima do “manda brasa” que tanto criticava nos radicais próximos ao presidente. Os dois editoriais na capa do Correio da Manhã, que sinalizaram o início da operação militar, foram disparados por quem não entende de política. Ou de jornalismo. Antes do ultimatum, entre o “Basta!” e o “Fora!” não se ofereceram opções. E, em seguida, quando o Correio da Manhã deu a entender que não concordava com a violência e não admitia uma ditadura, um mínimo de solidariedade corporativa teria abortado o ímpeto da linha dura comandada pelo general Costa e Silva.

 

20
Abr22

Presidente do STM desdenha da revelação de áudios que comprovam torturas na ditadura

Talis Andrade

 

 

Por g1 — Brasília

 

O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Luís Carlos Gomes de Mattos, desdenhou, em sessão do tribunal nesta terça-feira (19), da divulgação dos áudios dos anos 1970 de integrantes do próprio tribunal que comprovam a prática de tortura durante a ditadura militar.

Segundo ele, a divulgação dos áudios é "notícia tendenciosa" com o objetivo de "atingir" as Forças Armadas.

Resgatados pelo historiador Carlos Fico, titular de história do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os áudios foram revelados no último domingo (17), na coluna da jornalista Miriam Leitão no jornal "O Globo".

[A jornalista Miriam Leitão foi presa e torturada dentro de um quartel do Exército. Tem mais: o general Luiz Carlos Gomes de Mattos foi nomeado para o STM por Dilma Roussef, também presa e torturada pela ditadura. E condenada por um tribunal militar, quando estudante 

 

Dilma Rousseff é interrogada por militares em 19

 
Três últimos presidentes eleitos criticam Bolsonaro por ironizar tortura a  Dilma - Amambai Notícias - Notícias de Amambai e região.

 A corte militar que julga Dilma esconde a cara. Tinha nojo do serviço sujo. Vergonha histórica]

 

O Superior Tribunal Militar passou a gravar as sessões em 1975, mesmo as secretas. Até 1985, são 10 mil horas de material. Com autorização da Justiça, Carlos Fico conseguiu copiar todas as sessões das gravações, que estão sendo transcritas.

"Tivemos aí alguns comentários contra o nosso tribunal ou contra a Justiça Militar de maneira geral", declarou nesta terça-feira o presidente do STM, para quem a intenção da divulgação é "atingir Forças Armadas, Exército, Marinha, Aeronáutica".

Segundo ele, os ministros do Superior Tribunal Militar são "absolutamente transparentes" nos julgamentos.Image

 

Não tenho resposta nenhuma para dar. Simplesmente, ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo. Aconteceu durante a Páscoa. Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém — porque a minha não estragou. Garanto que não estragou a Páscoa de nenhum de nós", afirmou.

Image

 

 

Gomes de Mattos se disse "incomodado" porque, na interpretação dele, do passado, "só varrem um lado, não varrem o outro". [Ainda bem que ele reconhece a sujeira do pau-de-arara, da cadeira do dragão e outros instrumentos de tortura varridos para longe, quando deviam ser parte de um museu, da triste memória de um Brasil cruel, desumano, da barbárie, da necropolítica. No mais sangue, muito sangue dos mártires da Liberdade, da Fraternidade, da Democracia, da Igualdade, sangue sagrado de heróis, de verdadeiros heróis. Assassinados pelos mesmos perversos, réprobos que enforcaram Tiradentes, que executaram Frei Caneca, e centenas de negros, de índios que lutaram pela Independência do Brasil]

"Apenas a gente fica incomodado que vira e mexe vem porque não têm nada para buscar. Hoje, vão rebuscar o passado. Agora, só varrem um lado, não varrem o outro. É sempre assim, já estamos acostumados com isso. Deixa para lá", declarou.Image

Para o presidente, as informações reveladas nos áudios são "besteiras" e "idiotices" para as quais, segundo ele, não devem ser dadas respostas.

"Nós temos a credibilidade do nosso povo, e isso aí é o mais importante. Às vezes dói, viu? Às vezes, dá vontade de você responder, sacudir, mostrar. Não adianta. Você vai sacudir, não vai adiantar nada, porque não muda. Passam-se os anos, e a pessoa diz a mesma coisa, as mesmas besteiras, as mesmas idiotices. E nós vamos ficar respondendo? Não, na minha opinião", disse.

Nos áudios, um general defende, por exemplo, a apuração do caso de uma grávida de três meses que sofreu aborto após choques elétricos na genitália.m outro trecho dos áudios, o ministro togado Waldemar Torres da Costa afirma durante um julgamento em 13 de outubro de 1976: "Começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que são realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e às vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente "

Em julgamento no dia 19 de outubro de 1976, o almirante Julio de Sá Bierrenbach diz: "Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. Imediatamente, as agências telegráficas e os correspondentes os jornais estrangeiros, com a liberdade que aqui lhes é assegurada, disseminam a notícia e a imprensa internacional em poucas horas publicam os atos de crueldade e desumanidade que se passam no Brasil, generalizando e dando a entender que constituímos uma nação de selvagens".

Segundo Bierrenbach afirmou na ocasião, "não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado".

Em entrevista a "O Globo", Carlos Fico explicou que, em 2006, o advogado Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu e, então, acionou o Supremo Tribunal Federal, que determinou a liberação do conteúdo. O STM, porém, acrescentou Fico a "O Globo", não obedeceu a decisão e, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos, decisão posteriormente referendada pelo plenário

Por telefone, o professor informou ao g1 que desde 2018 analisa os áudios e já está na metade do processo, o que abrange o período entre 1975 e 1979. Carlos Fico acrescentou ainda que, embora algumas pessoas tentem negar que houve tortura na ditadura, cabe aos historiadores apresentar a história como ela é.

"Quando a gente vive tempos traumáticos, algumas pessoas tendem a criar memórias que as apaziguem com o passado. Outra coisa é a história. Não há dúvida que houve tortura, isso é óbvio. É até um pouco reiterativo, repetitivo dizer que houve tortura. Houve. Ponto final. Claro que houve. Outra coisa é a memória que algumas pessoas constroem, de negação da tortura", disse o historiador.

Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade divulgou um relatório no qual responsabilizou 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura, entre os quais tortura e assassinatos. O documento também apontou 434 mortos e desaparecidos na ditadura; e 230 locais de violações de direitos humanos. Em manifestação divulgada na ocasião, o Clube Militar chamou o relatório de "coleção" de "calúnias" e de "absurdo".

Image
Image

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub