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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

05
Jun22

Recorrência de catástrofes naturais no Brasil impõe reflexões sobre injustiça ambiental

Talis Andrade

Veja fotos do deslizamento de terra que matou sete pessoas em Recife -  Fotos - R7 Brasil

 

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Vista aérea dos deslizamentos de terra ocorridos no Jardim Monte Verde, na divisa do Recife com Jaboatão dos Guararapes, após as chuvas torrenciais que atigiram a região na última semana de maio. 28/05/2022 via REUTERS - DIEGO NIGRO/PREFEITURA DO RECIFE
 

 

Especialistas apontam a pressão humana sobre o meio ambiente e dizem que a população preta e pobre é sempre a mais atingida pelas catástrofes naturais no Brasil

 

Raquel Miura /RFI

Não se chegou nem à metade do ano e 2022 já tem a marca de tragédias ambientais no Brasil. Desmoronamentos de terra e inundações no Rio de Janeiro e na Bahia, no início do ano e, agora, a água que destruiu casas e matou moradores também em Pernambuco. Num ano de ciclone no sul e frio congelante em boa parte do país no outono, muitos se perguntam qual o peso da ação humana nesses fenômenos.

Osvaldo Girão, do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diz que as chuvas caíram na época prevista, porém chama a atenção o volume de precipitação e a repetição de eventos de tamanha intensidade.

“Foi um evento normal para o período, porém a intensidade é que está sendo muito forte, bem como a recorrência desses eventos, que estão se repetindo num curto espaço de tempo, o que não acontecia antes. Pode ser um reflexo das mudanças climáticas”, disse Girão à RFI.

Segundo o geógrafo, há vários fatores que entram nessa análise. “Por exemplo, estamos desmatando demais nos últimos anos, nos últimos séculos. A ampliação do plantio, das atividades agropecuárias, tudo isso repercute no sistema atmosférico e oceânico, provocando uma mudança na dinâmica de vento, da umidade, da temperatura”.

Mais de 380 pessoas morreram soterradas ou arrastadas pelas chuvas neste ano no país. O pesquisador Gustavo de Mello Baptista, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), afirma que é preciso pelo menos 30 anos de coleta de dados para analisar um evento da natureza e atestar uma mudança climática. No Brasil, esses estudos são relativamente novos, começaram na década de 1930. Por outro lado, Baptista diz que o lockdown do começo da pandemia do coronavírus  evidenciou a pressão do homem sobre o meio ambiente.

“Algumas agências espaciais da Europa,  do Japão e a Nasa, nos Estados Unidos, fizeram um levantamento no início da pandemia, quando muitas pessoas em vários locais do mundo estavam trancadas em casa, e mostraram que os índices ambientais melhoraram. O ar ficou melhor, a poluição caiu. Isso mostra que é preciso repensar o que estamos fazendo, o que estamos destruindo, desmatando”, defendeu à RFI o professor da UnB.

Ausência de políticas públicas

Para os especialistas, mais do que quantificar o peso da ação humana nessas catástrofes, é preciso agir para impedir novas tragédias. “Recife tem um déficit habitacional muito grande, há uma ausência de políticas públicas, de avaliação de risco. É preciso levar isso em conta urgentemente porque, do contrário, teremos todo ano muitas mortes”, alertou Girão.

A expressão-chave diante de tantas vidas perdidas é justiça ambiental, na opinião de Gustavo de Mello Baptista. “É preciso se atentar para a distribuição de renda, para a política ambiental, para a justiça ambiental. Quando a gente pensa nessas tragédias anunciadas, vemos que a população preta e pobre é sempre a mais atingida", adverte o geógrafo. 

“A gente viu que um vírus pode gerar uma pandemia que atinge todo o mundo, mas até nisso os países pobres tiveram mais dificuldade para ter acesso à vacina. É preciso repensar tudo isso, é imperial uma reflexão pós-Estocolmo para se avaliar situações de risco e combater a injustiça ambiental”, conclui o professor do Instituto de Geociências da UnB.

23
Ago19

Bolsonaro, o cruel

Talis Andrade

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O Partido dos TRabalhadores criou uma página na internet para registrar as maldades do governo Bolsonaro.

Eis alguns títulos de reportagens:

Ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes anuncia a venda de 17 empresas estatais de atuação estratégica para o país e ameaçam acesso à serviços básicos
 
Em 2014, o Brasil era referência mundial na proteção das florestas. Em julho de 2019, o desmatamento avançou 278%
 
Os cortes foram confirmados um mês após o Ministério da Educação apresentar o plano “Future-se”, que tem como horizonte a privatização do ensino público
 
Habitação, educação, defesa nacional e direitos da cidadania são as áreas mais afetadas pelo contingenciamento total de R$ 31 bilhões neste ano
 
Deputados Alexandre Padilha e Zé Neto apresentaram requerimento para que ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, dê explicações sobre fim do programa
 
 
08
Jun18

A moradia no Brasil não é compreendida como um direito humano

Talis Andrade

Uma sociedade que naturaliza pessoas vivendo nas ruas é hipócrita e autodestruidora.

 

Os trabalhadores de baixa renda estão em um beco sem saída, entre morar em edifícios ou áreas de risco, ou terão que morar nas ruas que é uma tragédia humana. E para quem tem filho é um risco muito grande. Uma sociedade que naturaliza as desigualdades e as pessoas vivendo nas ruas é hipócrita e autodestruidora.

 

As pessoas não têm renda suficiente nem para pagar um quarto de cortiço ou aluguel em outro tipo de habitação sofrem despejos e para não irem para a rua emergencialmente apelam para a ocupação prédios abandonados

 

os movimentos de moradia que atuam no centro nascem a partir dessa necessidade com objetivo de lutar coletivamente e solidariamente por justiça social, direito à cidade e direito à moradia digna. As ocupações também são estratégias para denunciar a contradição social do grande número de imóveis abandonados.

 

A moradia no Brasil não é compreendida como um direito humano. Como a moradia gera muito dinheiro, a sua concepção é que se trata de uma mercadoria, onde as pessoas têm acesso conforme a renda.

 

Carla Jiménez entrevista Luiz Kohara

 

luiz kohara.jpg

 

O urbanista Luiz Kohara diz que a tragédia com o edifício Wilton Paes, que desabou em São Paulo, expôs a solidariedade paulistana e a demagogia dos governantes sobre o grave problema de habitação na cidade

 

O dia primeiro de maio parece ter ficado mais distante do que é de fato. O país que acaba de passar por uma convulsão com a greve dos caminhoneiros já deixou bem para o fundo da memória a tragédia do edifício Wilton Paes, que desabou em pleno feriado do dia do trabalho, no centro de São Paulo. Ao menos quatro vítimas fatais foram confirmadas, moradores que não conseguiram fugir a tempo quando o fogo começou a derreter as estruturas do prédio que foi ao chão. Outras centenas de pessoas ficaram desabrigadas, e muitas se instalaram no Largo do Paissandu , a poucos metros de onde ocorreu o desabamento. A prefeitura ofereceu recursos para aluguel social ou transferência para um dos albergues municipais, mas eles se negam. Querem manter-se ali, apoiados pelos líderes do movimento de moradia que os acompanha, como forma de pressão. Embora a fatalidade da metrópole com mais de 20 milhões de habitantes pareça se diluir no tempo, ela reflete um problema grave e perene, que deixa ao menos 1 milhão de famílias em situação vulnerável, explica o urbanista Luiz Kohara, doutor em arquitetura e urbanismo, e pós doutor em sociologia urbana. “Não é a primeira e nem a última tragédia do gênero”, diz ele, que aponta a falta de mobilidade do poder público para olhar, de uma vez por todas, para o problema habitacional como algo passível de solução.

 

Pergunta. Passado um mês da tragédia que atingiu o edifício Wilton Paes, o que fica de aprendizado sobre esse acidente que chocou o país?

Resposta. A tragédia, além de explicitar o grave problema de habitação que temos na cidade de São Paulo, evidenciou a solidariedade da sociedade paulistana nos momentos emergenciais de tragédia e a união de todos os movimentos de moradia comprometidos com o direito à moradia da população mais pobre, em apoio às famílias que residiam no edifício. Por outro lado, também mostrou que os governantes tratam o grave problema de habitação e a população mais pobre com discursos demagógicos para a sociedade de rápidas soluções. Passado mais de um mês, ainda continuamos sem solução definitiva. O mais grave foram os discursos dos governantes e candidatos às próximas eleições no momento da tragédia. De forma oportunista e voraz, foi a da criminalização dos movimentos de moradia e das famílias que residiam no edifício, também, como forma de fugir de suas responsabilidades. O aprendizado maior dessa tragédia é que se o problema da moradia das famílias dos trabalhadores de baixa renda não for enfrentado de forma massiva, tragédias como esta e outras silenciosas continuarão ocorrendo. Logicamente, enfrentar o problema da moradia é ter políticas urbanas que favoreçam o direito à cidade para todos e é enfrentar a questão fundiária urbana.

 

P. A prefeitura disse que faria um controle acurado com outros prédios em situação de risco para evitar tragédia semelhante. Qual sua opinião?

R. Há muitos edifícios na cidade de São Paulo que apresentam situação de risco, não é caso apenas das ocupações. Devido à grande repercussão do incêndio, a prefeitura formou um grupo executivo para vistoria das ocupações. No entanto, se não tiver objetivo de identificar os problemas e contribuir para solucioná-los de nada servirá. Digo isto porque a fiscalização para justificar apenas as remoções do problema somente servirá para gerar novos problemas sociais e transferência das situações de riscos para outros endereços. É importante destacar que nenhuma pessoa quer viver em situação de risco, e quando isso ocorre é devido à falta de alternativa.

 

P. O Largo do Paissandu virou o espaço de resistência das famílias que moravam no Wilton Paes antes. O que isso significa?

R. As famílias se mantêm no Largo do Paissandu por resistência à falta de solução efetiva dos órgãos públicos, que propõem como alternativa centros de acolhidas, os albergues, ou ajudam com aluguel de valores de 400 reais, que são insuficientes para locar um quarto precário no cortiço. Além de que as famílias perderam todos os seus poucos móveis que possuíam. O Largo do Paissandu expressa a continuação da tragédia das famílias e das crianças que se encontram em situação de extrema precariedades (frio, falta de sanitários, sem espaços para dormir, inseguranças) e sujeitos a todos os tipos de riscos. O Largo expressa resistência, dor, sofrimento e descaso público aos mais pobres.

 

P. Na sequência da tragédia, o que estava mais em pauta era o debate sobre o papel do movimento social que liderava a ocupação do edifício e menos a falta de moradia, um nó que carrega o país há décadas. Como jogar luz a esse problema?

R. No momento da tragédia, do incêndio que levou o edifício ao chão, houve presença permanente da imprensa nacional e internacional e grande comoção de toda a sociedade. Parte da imprensa estava mais preocupada em culpabilizar os movimentos sociais de moradia sobre tragédia, sem tratar a questão geradora da tragédia que é o problema da habitação. Nós procuramos explicar que as famílias são vítimas do problema da habitação devido à insuficiência de políticas públicas e dos baixos salários que são insuficientes para acessar uma moradia adequada, porque não era a primeira e nem a última tragédia do gênero anunciada. Também destacamos o “amanhã” das famílias, após a forte presença da imprensa e abrandamento da comoção. Era sim uma tragédia anunciada, não só do incêndio do edifício, mas porque para as populações mais pobres morar é um risco. A proposta do Plano Municipal de Habitação, que está na Câmara Municipal para ser aprovada, identifica que na cidade de São Paulo há 445.112 domicílios em favelas e 385.080 em loteamentos irregulares que necessitam de melhorias nas unidades habitacionais ou instalações de infraestruturas ou mesmo situações de remoções de devido ao alto grau de risco. Há, ainda, 80.399 domicílios em cortiços, 15.905 pessoas que estão morando nas rua, 103.664 lares coabitados por mais de uma família por falta de condições financeiras. Outros 187.612 domicílios em que as famílias têm ônus excessivos com os alugueis. São mais de 1 milhão de famílias vivendo precariamente. Isso tem muito a ver também com a mercantilização da moradia e o baixo salário dos trabalhadores. Um quarto precário de dez metros quadrado num cortiço, na região central de São Paulo custa entre 800 a 900 reais. Como pagar aluguel ganhando um salário mínimo? Se pagar aluguel, não come, não estuda. É um problema de contradição muito grande. O custo dos imóveis está cada vez mais caro.

 

P. Uma equação que não fecha...

R. Entre janeiro de 2008 e março de 2018, um levantamento da FIPE/ZAP mostrou que os preços dos imóveis cresceram 257% e o salário mínimo, 130%. Esses números mostram que o problema da habitação é o problema do acesso à terra que esta sujeito à especulação imobiliária. Mesmo com grande produção de habitação, com o Programa Minha Casa Minha Vida, entre 2009 a 2015, o déficit entre as famílias de baixa renda cresceu. Os trabalhadores de baixa renda estão em um beco sem saída, entre morar em edifícios ou áreas de risco, ou terão que morar nas ruas que é uma tragédia humana. E para quem tem filho é um risco muito grande. Uma sociedade que naturaliza as desigualdades e as pessoas vivendo nas ruas é hipócrita e autodestruidora.

 

P. Como surgem os movimentos de moradia nesse contexto?

R. As pessoas não têm renda suficiente nem para pagar um quarto de cortiço ou aluguel em outro tipo de habitação sofrem despejos e para não irem para a rua emergencialmente apelam para a ocupação prédios abandonados – que não cumprem função social conforme estabelecidos pela Constituição Federal - para não ficarem com os filhos nas ruas. Assim, os movimentos de moradia que atuam no centro nascem a partir dessa necessidade com objetivo de lutar coletivamente e solidariamente por justiça social, direito à cidade e direito à moradia digna. As ocupações também são estratégias para denunciar a contradição social do grande número de imóveis abandonados, muitos desses sem pagar IPTU, descumprindo o estabelecido no Estatuto das Cidades, enquanto muitos não têm moradia. É também uma forma de pressionar os órgãos públicos para viabilizar programas habitacionais de interesse social. Sem pressão social não teríamos nenhum programa habitacional no País. Os movimentos tornam uma força coletiva e voz de dezenas de milhares que só não são ouvidos nas ruas reivindicações. Os movimentos de moradia além da luta por direitos são responsáveis pela formulação, elaboração e implementação da maioria dos programas habitacionais existentes no País.

 

P. Quantos movimentos do gênero existem?

R. Na cidade de São Paulo, há mais 100 movimentos sociais de moradia ou grupos organizados pelo direito a moradia com diferentes focos dos problemas habitacionais.

 

P. Mas tem oportunistas no meio...

R. Parte da luta dos movimentos de moradia é que não haja exploração para o acesso à moradia e as suas organizações sejam transparentes, participativas e justas. Como em qualquer segmento da sociedade pode haver pessoas que se aproveitam dessa situação, não cumprindo o que estabelecem os movimentos.

 

P. Você conhecia o MLSM?

R. Eu não tinha contato.

 

P. Educação, saúde, luta contra a corrupção. Tudo isso são reconhecidos como consensos nacionais. Moradia é consenso no Brasil?

R. Não. A moradia no Brasil não é compreendida como um direito humano. Como a moradia gera muito dinheiro, a sua concepção é que se trata de uma mercadoria, onde as pessoas têm acesso conforme a renda. Isso está totalmente errado. A moradia digna é um direito constitucional, então o seu acesso deveria ser tratada como serviço público, assim como é a educação, assistência médica, previdência. A moradia de interesse social deve ser entendida como parte estrutural do acesso de outros direitos e da inserção social. Sem moradia digna é impossível a estruturação familiar, ter saúde, ter educação adequada. Temos que mudar a concepção do acesso à moradia digna. Se é um direito não pode ser tratado como uma mercadoria que você compra conforme sua capacidade financeira. Há muitas experiências em vários países europeus e de outros lugares do mundo, onde as pessoas não acessam a moradia por meio da aquisição da propriedade privada, mas por meio de Programas de Locação Social realizado pelo poder público. A Locação Social pode ser por produção pública de habitação ou por mediação do poder público para acessar moradia no mercado privado. O acesso à propriedade privada é um segundo passo, mas essencial é o acesso a moradia digna.

 

P. Como está a situação do aluguel social em São Paulo?

R. O Programa de Locação Social em São Paulo foi iniciada em 2002 com a resolução aprovada no Conselho Municipal de Habitação. Atualmente há seis empreendimentos públicos onde residem cerca de 1.000 famílias. Também, em 2004, foi aprovada a Resolução da Bolsa Aluguel que é uma forma de possibilitar o acesso da população de baixa renda à moradia no mercado privado por meio de subsídio da prefeitura até a moradia definitiva. Depois a prefeitura criou o Programa de Parceria Social e Programa de Ajuda de Aluguel, devido às exigências estabelecidas pelo Programa do Bolsa Aluguel e fazendo atendimentos aleatórios para situações de remoções e outros interesses. O Programa de Locação Social deve estar articulado com programas de produção habitacional, para que a utilização das unidades seja dinâmicas. O Programa de Locação Social e do Bolsa Aluguel, por apresentarem concepções diferentes dos programas que sempre existiram no Brasil, onde o problema da habitação é considerado solucionado com a entrega da chave e da propriedade. É necessário mudanças nas estrutura pública para a gestão patrimonial, condominial e social. Conheço muitas pessoas e famílias que avançaram socialmente com o acesso ao programa de locação social.

 

P. Um programa de habitação para quem mais precisa teria de ser bancado pelo Estado, pois o empresariado não vai se interessar pelo que não dá lucro. Como se resolve essa equação?

R. Empresas visam lucros, mas os interesses de lucros não podem se sobrepor ao interesse público e ao interesse social. Não pode ser permitida o lucro através da especulação imobiliária, na qual o empresário da construção ganha sem fazer investimentos ou tem ganho devido a de investimentos públicos feitos no entorno pago por toda a sociedade. Deve haver regulamentações para evitar ganhos especulativos. Onde há esse controle é possível maior viabilização de habitação social.

 

P. Mas qual tipo de controle?

R. Em 2003 estive em Turim, e lá havia valores referenciais, teto estabelecido pelo setor público para locação por metro quadrado, conforme as regiões da cidade. Havia controle sobre a questão do valor dos imóveis. No Brasil temos a Constituição Federal e o Estatuto das Cidades que tratam da função social da cidade e da propriedade, que se aplicadas conforme instrumentos previstos permitiria que o poder público tivesse um estoque de terra para produção habitacional. Se houvesse produção massiva de locação social ajudaria para regulação dos valores de alugueis do mercado. Também, como já disse é preciso aplicar o Plano Diretor onde prevê a Cota de Solidariedade e também ver outras formas de assegurar terras para que o poder público possa viabilizar moradias.

 

P. Mas neste contexto atual, com um governo que não pode investir por falta de recursos, de que forma se pode garantir subsídio continuado?

R. Primeiro é preciso que haja maior orçamento para a habitação em todos os níveis do Estado. Ter ou não ter recursos é uma questão de prioridade. Parte do problema da habitação não depende de produção de novas unidades habitacionais, mas melhorias das condições da infraestrutura, serviços públicos ou melhorias das moradias que é mais barato que construir novas moradias. O Estado precisa incentivar que proprietários como por exemplo desconto de impostos para que disponibilizem para locação social. Ele pode por exemplo incentivar cooperativas de habitação, onde grupos se organizam e recebem incentivos para produção de habitação a serem disponibilizados para habitação social. Também é preciso acessar o mercado popular através de financiamento. Não é fácil resolver este assunto, pois é um acúmulo de problemas de muitas décadas. Será preciso somar esforços dos órgãos públicos com os setores populares e da iniciativa privada para buscarem alternativas que seja orientada para a solução da questão social e não para que a habitação social seja mais uma forma de alta lucratividade. Numa cidade como São Paulo, é preciso ter todas as possibilidades funcionando juntos.

 

 

12
Mai18

Brasil tem 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios

Talis Andrade

nada de moradia.jpg

Edésio Fernandes: 'É importante que a lei determine onde o pobre vai viver'

 

por Fernanda Odilla, Nathalia Passarinho e Luís Barrucho

Da BBC Brasil em Londres

 

O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no centro de São Paulo, não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil como jogou luz sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições adequadas, atraem milhares de pessoas em busca de teto.


O país tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também cerca de 6,05 milhões de imóveis desocupados há décadas.


Esse descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado uma onda de ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país, diz o urbanista Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London).

 

"A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe quantas pessoas vivem dessa forma, sem falar das práticas precárias de aluguel e o surgimento dos cortiços, sobretudo nas áreas centrais, agravado pelo crescimento da população de rua", diz Fernandes, pontuando que as novas ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em termos populacionais.


O professor cita como exemplo dessa nova onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo Horizonte. Formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne 30 mil pessoas numa área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013. Fernandes cita também a ocupação Povo Sem Medo, de São Bernardo, que em uma semana já tinha reunido 6 mil pessoas no ano passado.

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O professor Edésio Fernandes afirma que famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos representam 93% do déficit habitacional do Brasil

 

Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os mais pobres vão morar. "Não há planejamento e pensamento sobre onde vão viver os pobres. (...) Os centros de cidades estão perdendo população, mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia", afirma o professor, que é membro da Development Planning Unit da UCL.
Para resolver esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar a aquisição de propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma mescla de políticas públicas, que incluem também propriedades coletivas, moradias subsidiadas e auxílio-aluguel como medidas necessárias para acabar com o déficit habitacional, que é maior entre famílias que têm renda entre zero e três salários mínimos - cerca de 93% dos 6,9 milhões de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.


Cotas sociais e raciais para moradia

 

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'Em nenhum momento estamos pensando em política urbana a partir da questão racial', diz a arquiteta e urbanista Joice Berth

 

É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais em espaços com mais infraestrutura para negros.


"A gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala", afirma Berth, dizendo que bairros como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo, são bairros mais brancos e com maior renda "onde a negritude não pode estar".


A arquiteta pontua que "brancos e pretos pobres se parecem, mas não são iguais". Por isso, ela defende cotas não apenas em programas de aquisição de imóveis em conjuntos habitacionais, mas também uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.

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Para o arquiteto francês Philippe Rizzotti, o edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo na capital paulista, era um 'dos marcos da arquitetura'

 

Ela também acredita que está na hora de radicalizar as pautas. "Até porque com o advento das cotas (na educação) temos pessoas com novo olhar", observa.
Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis e manter os moradores que lá estão.
O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o "Brasil não tem tradição nem know how" para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e dificultar essa conversão. "Faltam tradição e tecnologia", salienta.

 

Perversidade


Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV) deixaram a desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população com renda mais baixa, o MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.
O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades para manter uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda em Londres, que usou material de baixa qualidade e inflamável em uma reforma antes da tragédia que matou 71 pessoas.

 

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Em Londres, incêndio consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda, reformado com material de baixa qualidade e inflamável

 

Ele também compara o incêndio da torre britânica com o do prédio do centro de São Paulo. "Os dois incêndios revelam muito mais do que a falência de um modelo e de uma política, revelam a perversidade dessa forma de se fazer cidade e moradia", afirma.
A falência, acredita Fernandes, também se estende ao sistema de representação política e reflete a falta de mobilização da sociedade para demandar seus direitos.
"Sobretudo, é a falência da nossa história de não confrontar a estrutura fundiária, segregada e privatista", diz.
Fernandes e Berth conversaram com a BBC e defenderam mudanças na política habitacional brasileira no sábado, durante palestra no Brazil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.

 


Decisão do STF faz gasto com moradia de juízes e procuradores crescer 20 vezes em 3 anos Lei aqui 

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