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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

23
Dez22

O bizarro autogolpe do candidato a Messias

Talis Andrade

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Terão sido as arruaças de 12 de dezembro um estertor ou um ensaio para o 1o. de janeiro?

 

“A besta que viste\ foi e já não é\ e há de subir do abismo\ e irá à perdição   

(Apocalipse de São João, 17, 8)

 

por Flávio Aguiar /A Terra É Redonda

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Para mim não há dúvidas de que o atual usurpador do Palácio do Planalto está tentando manter-se nele através do que se criou a moda de chamar um “autogolpe”. Ou seja, trata-se de um golpe de Estado promovido por quem já está no locus do poder, em busca de mais poder.

Em nosso passado houve alguns autogolpes, a começar pelo fechamento da Constituinte em 1823, por D. Pedro I. Os primeiros anos depois da Proclamação da República foram marcados por “autogolpes”, desfechados por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. A proclamação do Estado Novo, em 1937, também foi um “autogolpe”.

Outra tentativa de tal quilate em nossa história, é atribuída, por uma parte das interpretações a respeito, ao então presidente Jânio Quadros, em 1961. Esta parte das interpretações avalia que Jânio Quadros renunciou com o objetivo de ser reconduzido à presidência nos braços do povo, com plenos poderes. A tentativa falhou. Nem o povo acolheu-o nos braços, nem as Forças Armadas o acolheram dentro de seus quartéis ou blindados. Instalou-se uma crise política que quase levou o país à guerra civil, com os ministros militares tentando, sem resultado, impedir a posse do vice-presidente João Goulart. E o desenlace da crise passou pela criação da épica Rede da Legalidade, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e pela saída conciliatória da Emenda parlamentarista, articulada, entre outros, por Tancredo Neves.

Uma outra interpretação vai na linha de afirmação atribuída ao então coronel Golbery do Couto e Silva, segundo a qual Jânio Quadros renunciou porque faltou alguém que o trancasse no banheiro. Quer dizer, Jânio Quadros renunciou porque chegou ao auge das crises de depressão que o assolavam na solidão de Brasília. Talvez a renúncia tenha sido fruto de ambas as hipóteses conjugadas.

Também a proclamação do Ato Institucional no. 5 foi um “autogolpe”, fechando mais o regime já fechado da ditadura de 1964.

Bem, mas hoje a história é outra. Está claro que o usurpador do Palácio do Planalto está tentando algo. O que será este algo? Provocar o caos, abrindo as portas para uma “intervenção militar”, tradução branda para “golpe de Estado”, e assim permanecer no Palácio usurpado? Negociar uma “zona de conforto” para si e para sua família depois do 1o. de janeiro? Não se sabe ao certo, podendo uma das hipóteses ou ambas estarem certas. Estará ele deprimido? De início parecia que sim, com aquela pose de cabeça descaída quando ouviu a notícia de que seu adversário ganhara a eleição que ele esperava vencer graças às torpes manobras que o favoreciam. Agora não se sabe. Pode ter-se retirado para o sepulcro do Palácio que usurpou para ressuscitar gloriosamente depois. Neste sentido, terão sido as arruaças de 12 de dezembro um estertor ou um ensaio para o 1o. de janeiro? Ou seriam ambas as coisas?

O certo é que o usurpador do Palácio se deu, nele mesmo, um autogolpe. Ou seja, renunciou sem renunciar. Escondeu-se. Esfumou-se. A não ser para provocar mais desmontes no Estado, atingindo a educação, a saúde, até a água do Nordeste. Criou um vácuo para açular a corja que anseia por uma arrebentação militar que sufoque a legítima e legal manifestação das urnas.

Não há paralelo disto em nossa história. Um governo instituído, ainda que por usurpação devido às manobras de 2018, que não governa mais, e um governo eleito que já governa por tabela, ainda que mais por retórica do que por atos concretos, uma vez que ainda não é governo, nem de direito nem de fato. Mas já governa, reconhecido pelos seus pares internacionais e por declarações de intenção, já que o governo, como disse, não governa mais, nem mesmo desgoverna, como fazia antes.

Apenas se ausenta, para estimular o caos, como se viu na “Noite da diplomação” na capital da República, com as hordas de arruaceiros à solta pelas ruas. O usurpador gerou seu próprio fantasma, como um Macbeth que se auto-assassinasse. Talvez Macbeth seja uma imagem grandiosa demais para tamanho candidato a Messias, pois o personagem de Shakespeare era tresloucado, mas valente. Quem sabe a melhor imagem para o nosso (nosso?) candidato a Messias seja a de Smerdiákov, o sinistro e prepotente, mas impotente personagem de Os irmãos Karamázov, de Dostoievski.

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É uma situação historicamente insólita, sem precedentes. Quem falou em nome da manutenção da ordem é o futuro ministro da Justiça, enquanto o atual, em meio às arruaças, jantava tranquilamente em um restaurante e as hordas assaltavam outro, queimando veículos e aterrorizando famílias.

Pelo que se vê no noticiário, o usurpador acolheu no Palácio pelo menos um arruaceiro que temia ser preso. No recinto presidencial há ofertas de lanchinhos para quem exige a ruptura com a Constituição, ou seja, o golpe de Estado.

O Brasil segue. O ministro do Supremo Tribunal Federal, antes denunciado pelas esquerdas como anti-democrático, agora é louvado como o campeão da democracia. E com justiça, diga-se de passagem. Onde estamos? Na completa surrealidade. Em todo caso, algumas balizas se mantém. Curiosas balizas. Como em 1961, as esquerdas revolucionárias defendem a ordem e a legalidade, dentro da pax que alguns ainda denunciam como a da liberalidade burguesa. Muita gente das direitas se filia a este movimento de defesa das instituições. A ala conservadora radicalizada prega a subversão das mesmas instituições, querendo solapa-las para impor seus desmandos. As Forças Armadas continuam em suas casernas, ilhadas pela horda que pede a sua intervenção. Correligionários do usurpador golpista abandonam seu navio, condenando-o ao auto-ostracismo.

O governo dos Estados Unidos, antes semeador de golpes pela América Latina e alhures, também defende agora a legalidade e a posse do presidente eleito, de esquerda. O tempora, o mores! Decididamente, o Brasil não é para principiantes. Nem mesmo que sejam candidatos a Messias.

 

30
Nov22

Riocentro 1981 é aqui e agora: legado de Jair Bolsonaro é o retorno dos atentados terroristas

Talis Andrade

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Atentado no Riocentro durante a ditadura militar, em 30 de abril 1981.

 

 

 

 

Uma extrema direita de intricadas conexões com o aparato estatal de segurança pública volta a promover ataques como não se via há quase 40 anos

 

 
 

MADRUGADA DE SEGUNDA-FEIRA, 28 de novembro: quatro tiros de calibre 38 são disparados contra as portas de um bar – àquela altura fechado – na Asa Norte, Plano Piloto de Brasília. Alguns dias antes, o nome da Casa MimoBar figurou em uma lista de estabelecimentos a serem boicotados por “patriotas” na capital.

Outro estabelecimento brasiliense, um café chamado Objeto Encontrado, vem sofrendo ataques de vandalismo sistemáticos após o segundo turno das eleições. Suas portas passaram a amanhecer cobertas de fezes humanas – o carro de uma funcionária também foi emporcalhado. Na madrugada de domingo, dia 27, câmeras instaladas após a onda de ataques flagraram um homem urinando na porta do café, fechado naquele momento. Uma escolha não usual, uma vez que a área que circunda o local é toda gramada e arborizada – e menos iluminada.

Em comum, os dois bares têm, além da presença na lista dos patriotas, um público majoritariamente progressista e LGBTQIA+ – e a vizinhança de blocos residenciais habitados por oficiais da ativa e da reserva do Exército.

Em 1º de novembro, véspera dos primeiros protestos golpistas de inconformados com a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, tiros atingiram um escritório do Partido dos Trabalhadores em Pontal do Paraná, litoral do estado. Como nos casos em Brasília, escolheu-se um horário em que não havia ninguém no local: a ideia era – ao menos por ora – assustar. Meter medo. Intimidar.

São três entre tantos casos registrados nos últimos dias que trazem à lembrança um modus operandi que o Brasil não via desde a virada de 1979 para 1980. Naquela época, os alvos eram bancas que vendiam jornais alternativos que denunciavam a já então moribunda ditadura militar. Os ataques ocorriam quase sempre de madrugada: usando bombas ou simplesmente ateando fogo, os terroristas passavam o recado de que os jornaleiros não deveriam “colaborar com o comunismo” (soa familiar?). Só em São Paulo, a ditadura atacou 30 bancas naquele período. E houve ataques por todo o país e também a locais como escolas de samba, sindicatos, teatros, livrarias.

Naquele início dos anos 1980, os atentados eram obra de militares da linha dura inconformados com a abertura “lenta, gradual e segura” admitida por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Ocorriam sob o olhar complacente das polícias estaduais – que, o mundo descobriria anos depois, eram cúmplices de torturas e assassinatos nos porões da ditadura. E culminaram, em 30 de abril 1981, no atentado no Riocentro. O Exército (com auxílio da polícia fluminense) criou uma farsa para causar terror entre os quase 10 mil presentes em um show que comemorava o dia do trabalhador: buscava-se colocar a culpa em movimentos de esquerda e justificar uma nova guinada autoritária.

Mas a bomba explodiu antes da hora no colo de um sargento, estripou o capitão sentado ao lado dele no carro estacionado no Riocentro e expôs também a canalhice que se armara. Após o episódio, o governo do último ditador militar, João Baptista Figueiredo (avô de um patético comentarista da rádio Jovem Pan), tombou para nunca mais se levantar. Os terroristas de extrema direita, por prudência, acharam melhor se retirar para a sarjeta mais próxima.

Banca de jornal da rua Joaquim Floriano destruída por um incêndio na madrugada. A banca foi alvo de um atentado a bomba menos de um mês após sua arrendatária, Maria Teresa de Paula Lou, ter recebido um panfleto apócrifo com ameaças por vender publicações da imprensa "alternativa" e "comunista". No contexto de abertura política, atentados foram realizados por todo país por radicais.

Em 1980, os terroristas de extrema direita queimavam bancas de jornal, como esta em São Paulo. Agora, chutam repórteres. Foto: Folhapress

 

Ao menos desde 2018 (quando uma caravana liderada por Lula foi alvejada a tiros em Laranjeiras do Sul, no Paraná, num caso que a polícia e o Ministério Público locais jamais se deram ao trabalho de esclarecer), a tigrada tem se sentido à vontade para voltar a dar as caras. Novamente, trata-se de inconformados com a derrota – desta vez, nas urnas – de um governo militar, truculento e obcecado por pintar seus adversários como “comunistas”, como se isso legitimasse qualquer que seja a estratégia usada para derrotá-los.

Não há, até o momento, indícios, informações ou testemunhas que liguem o aparato estatal – ou militares da reserva – a ataques como os relatados na abertura deste texto. Por outro lado, estamos, em 2022, mergulhados num caldeirão muito mais complexo que o de 1980. Basta pensar no papel das redes sociais e dos fóruns hospedados na deep web – os chans – em um outro ato de terrorismo de extrema direita, que matou quatro pessoas e feriu 12, cometido por um jovem nazista na semana passada em Aracruz, Espírito Santo.

Isso não significa, entretanto, que se deva eximir de culpa autoridades que até agora foram – no mínimo – lenientes com os atos golpistas. Nem é o caso de falarmos de Jair Bolsonaro: como dizia o Barão de Itararé, de onde menos se espera é que não vem nada mesmo. Mas olhemos para quem tem a si mesmo na conta de gente séria: o caricatural ministro da Defesa e general do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e os comandantes das Forças Armadas – Marco Antônio Freire Gomes, do Exército; Almir Garnier Santos, da Marinha; e Carlos de Almeida Baptista Junior, da Aeronáutica.

Paulo Sérgio, o ministro, topou ser o Sargento Pincel de Bolsonaro na esquete de humor chinfrim montada pelos fardados para dar ao presidente e “mau militar” – palavras de Ernesto Geisel – a chance de não reconhecer uma derrota eleitoral legítima. Freire Gomes, Garnier e Baptista Junior não se saíram melhor: publicaram uma carta em que arvoram para as forças que comandam o papel de “moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”. É até possível ser mais golpista que isso. Mas não é fácil.

Ao mesmo tempo que requerem para si um papel que a Constituição que juram defender não prevê, os três chefes militares – notadamente Freire Gomes – assistem bovinamente ao desfile de golpismo diante de seus gabinetes. Em Brasília, o comandante do Exército beberica cafezinhos tendo entre si e o pôr do sol faixas que pedem a dissolução do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e desafiam a posse de Lula (“não sobe a rampa”). Na lorota contada pelos militares, é apenas uma “manifestação pacífica e crítica aos poderes constitucionais e à atividade jornalística”. Falando em jornalistas, houve mais de 60 ataques contra profissionais da imprensa nos atos golpistas. Em 1980, queimavam bancas. Agora, chutam repórteres.

 

            Estamos num caldeirão muito mais complexo que o de 1980 – basta pensar no papel das redes e dos chans
 
 

Fico curioso ao imaginar qual seria a reação de Freire Gomes e seus pares caso algum gaiato resolvesse montar acampamento na Praça dos Cristais, em frente ao Quartel General, com faixas berrando pedidos pela dissolução imediata do Alto Comando do Exército. Ou, mais modestamente, pela prisão do general da reserva Eduardo Pazuello pelo trágico comando do Ministério da Saúde durante o auge da pandemia de covid-19. Não creio que haveria tempo para estrear a barraca.

Por que, então, a complacência com gente que transformou o Setor Militar Urbano de Brasília num imenso lamaçal coalhado de barracas e centenas de carros, camionetes e caminhões semi-atolados, como num delírio febril de um festival de Woodstock em que a Banda dos Corações Golpistas do Clube Militar é headliner e as drogas bateram muito, mas muito mal? Não consigo pensar num único motivo que tenha a boa fé e o cumprimento estrito dos deveres militares como ingredientes.

Vem mais por aí: falta pouco mais de um mês para a posse de Lula e Alckmin. É razoável supor que a militância petista, habitualmente numerosa e organizada, irá se deslocar maciçamente a Brasília – fala-se em 150 mil pessoas, multidão semelhante à presente no ato golpista de 7 de setembro de 2021. Muitos virão de ônibus, em caravanas que partirão de quase todos os cantos do país. E precisarão atravessar estradas que, até há pouco, estavam bloqueadas por manifestantes golpistas acobertados pela Polícia Rodoviária Federal.

A PRF, aliás, já mandou avisar seu estafe que irá faltar dinheiro para a manutenção de viaturas. No governo de transição, a história foi lida como uma desculpa para que a corporação liderada pelo bolsonarista declarado Silvinei Vasques – investigado por prevaricação e violência eleitoral e réu em processo por improbidade administrativa – possa fazer corpo mole nos dias que antecedem a passagem da faixa presidencial. A equipe de Lula detectou que também falta dinheiro para pagar as diárias de policiais federais que, em eventos como a posse presidencial, são deslocados para atuar em Brasília. Na PF, não há grana sequer para a emissão de passaportes.

Pelo que se viu até agora, é razoável imaginar que o Exército seguirá a não fazer nada para retirar da porta de suas instalações a turba sequiosa por um golpe de estado e uma ditadura. É provável que vários entre eles estejam armados. Ainda que venham a ser impedidos, como prometem as autoridades, de chegar à Esplanada dos Ministérios em 1o de janeiro, nada garante que não estarão no caminho dos lulistas que rumam a Brasília – seja já na capital ou em estradas pelo país. E aí, quem irá intervir? A PRF, de Silvinei Vasques? Ou as polícias militares, boa parte delas comandadas por gente como o infame Hudson Leôncio Teixeira, que admitiu no Paraná que prevaricou em favor dos golpistas?

O último legado do governo de Jair Bolsonaro e seus cafajestes é a volta ao Brasil de um terrorismo da extrema direita de intricadas e insondáveis conexões com o aparato estatal de segurança pública.

Que estejamos atentos para prevenir o novo Riocentro.

17
Jul22

I - Míriam Leitão fala sobre as torturas vividas durante a ditadura militar

Talis Andrade

Um passado que não passa | Ciência Hoje

 

(Observatório de Imprensa, 19/08/2014) A mulher serena na frente do homem inquieto. A repórter experiente perante a autoridade calejada. A entrevistadora firme ante o ministro gelatinoso. A profissional de imprensa olho no olho com sua fonte. Uma brasileira, presa e torturada na ditadura, frente a frente com o ministro da Defesa que hoje comanda o Exército que ontem, na ditadura, prendeu e torturou a mulher, a repórter, a jornalista, a brasileira que o questionava (leia abaixo o depoimento inédito de Míriam Leitão sobre as torturas que sofreu).

Esse dramático confronto de 22 minutos brilhou na tela da TV numa noite de quinta-feira, no final de junho de 2014, quando a jornalista Míriam Leitão, 61 anos, fez para a GloboNews uma notável entrevista com o ministro da Defesa, Celso Amorim, 72 anos. Viu-se então uma aula prática do melhor jornalismo, confrontando a convicção com a dúvida, a energia com a tibieza, o categórico com o evasivo, a verdade com a mentira. A repórter se agigantando num diálogo em que o ministro se apequenava, acuado, hesitante, gaguejante.

Míriam fez o que o resto da grande imprensa, acomodada e preguiçosa, não fez. Foi a Brasília ouvir o chefe civil dos militares, apenas nove dias após a entrega à Comissão Nacional da Verdade (CNV) de uma insossa, imprestável sindicância de quatro meses realizada pelos três comandantes das Forças Armadas (FFAA). Diante de questões objetivas com nomes, datas e locais de mortes e torturas apontadas pela CNV, os chefes da tropa responderam, num catatau de 455 páginas, que não registravam nenhum “desvio de finalidade” em sete centros militares do Exército, Marinha e Aeronáutica onde foram meticulosamente documentados casos de graves violações aos direitos humanos pelo regime militar de 1964-1985. Os oficiais-generais das três Armas simplesmente negaram a ocorrência de abusos até mesmo nos sangrentos DOI-CODI da Rua Tutoia, em São Paulo, e da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, onde a CNV já constatou pelo menos 81 mortes por tortura. Os comandantes esqueceram até dos 22 dias de suplício no DOI-CODI paulistano a que sobreviveu em 1970 uma guerrilheira chamada Dilma Rousseff, hoje casualmente presidente da República e, como tal, comandante-suprema dos generais que omitem a crua verdade sobre a ditadura das FFAA (ver “Quem mente? A presidente ou os generais?“).

Semblante sério, como recomendava o tema e exigia o embate, a jornalista entrou de sola na entrevista:

 

Míriam– Ministro, os militares disseram que não houve desvio de função, mas a resposta causou perplexidade…

Amorim – […] A CNV não perguntou se as pessoas foram torturadas. Ela focaliza muito na destinação dos imóveis. Com esta pergunta, a resposta também sinaliza uma resposta formal. Não houve, não há registro formal de desvio de funcionalidade…

 

Míriam– A CNV fez as perguntas erradas?

Amorim – Ela não fez as perguntas que ela não precisava fazer […] As FFAA não negam, nem comentam. Elas não contestam. Elas simplesmente não entram [no assunto]. Se um estabelecimento, militar ou outro qualquer, é usado para tortura, isso não é um ilícito administrativo. Isso é um crime […] Especificamente sobre as torturas, ela [CNV] não faz nenhuma pergunta, ela afirma. E as afirmações [da CNV] não são contestadas.

 

Míriam– Uma coisa é o DOI-CODI prender. Outra coisa é matar o preso.

Amorim – Isso é horrível. Não é um desvio de finalidade, é um crime. […] Se você disser que as respostas são formais, eu concordo. Até acho que elas são formais. Elas não são mentirosas, nem descumprem formalmente o que foi perguntado. Elas decepcionam quem…

 

Míriam– … elas omitem a questão principal, ministro. As pessoas foram mortas dentro de instalações militares, foram torturadas, e não foi para isso que se criaram essas instalações. Elas existem para defender o Brasil, não para torturar e matar brasileiros.

Amorim – Não há a menor dúvida. Tortura e morte é errado em qualquer lugar. Eu acho isso e a sociedade brasileira acha isso…

 

Míriam– Mas os seus comandados não acham. Como ministro da Defesa, o sr. é o comandante dos comandantes militares. O sr. não deveria levá-los a tomar uma decisão sobre isso? O que eles fizeram nessa sindicância foi tergiversar sobre a questão fundamental que se pergunta…

Amorim – Nós estamos completando uma transição, a última etapa da transição é o relatório da CNV. A CNV vai produzir um relatório final e todos terão que se posicionar diante dele. Quanto às respostas em si à CNV, elas atendem ao que foi perguntado formalmente. Não houve nenhuma pergunta, tipo “o sr. confirma que houve tortura e morte?”. Até porque eu sei que a resposta aí seria: “Todos os documentos da época [da ditadura] foram destruídos”.

 

Míriam– É o que eles dizem, aliás.

Amorim – Não houve nenhum esforço, nenhuma pretensão de negar os fatos…

 

Míriam– O jornalista Zuenir Ventura escreveu que, se [tortura e morte]não era desvio de função, então era norma. O que o sr. diz dessa conclusão?

Amorim – Acho que tortura e assassinato de uma pessoa indefesa é algo indefensável. Se isso era norma explícita, eu não… eu creio que não. Mas, implícita, talvez fosse. Infelizmente, era um governo ditatorial. Ninguém vai discutir isso. Você sabe muito bem: eu deixei meu cargo na Embrafilme porque autorizei a elaboração de um filme pago pela empresa em que a OBAN era o tema central.

 

Arte do convencimento

 

Amorim, sempre diplomata, não esclareceu bem aos telespectadores esse episódio que o dignifica e está relacionado à OBAN, a Operação Bandeirante, a repressão unificada em São Paulo que antecedeu em 1969 o DOI-CODI criado no ano seguinte. Ele não “deixou” o cargo, ele foi exonerado em abril de 1982 da presidência da Embrafilme, a estatal de cinema da ditadura, por pressão dos generais do governo Figueiredo, irritados com o temerário financiamento que a empresa concedeu ao cineasta Roberto Farias para produzir Pra Frente, Brasil. Era um filme de 105 minutos, estrelado por Reginaldo Faria, Natália do Valle e Antônio Fagundes retratando de forma contundente, pela primeira vez no cinema, os horrores da repressão sem limites. Os personagens eram calcados nos algozes da OBAN, no delegado do DOPS Sérgio Fleury e nos empresários que financiavam a tortura do regime. O ator Carlos Zara interpretou o sádico “Dr. Barreto”, o policial inspirado em Fleury, que havia torturado seu irmão, Ricardo Zaratini, um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano Burke Elbrick em 1969. O ator Paulo Porto encarnou o personagem inspirado no industrial Henning Boilesen que – como caixa da OBAN no meio empresarial e amigo do poderoso ministro Delfim Netto – foi executado por guerrilheiros em abril de 1971. Lançado em 1982, Pra Frente, Brasil ganhou cinco prêmios em festivais internacionais e, após uma arrojada exibição em Gramado, RS, conquistou o troféu de melhor filme do festival de cinema mais importante do país. Em seguida, foi censurado e retirado das salas de exibição. Só voltou a ser mostrado no início de 1983, liberado sem cortes.

Hoje comandante dos militares que no passado o expurgaram do serviço público, Celso Amorim agora tem bons motivos para medir a diferença no calendário.

Amorim – O Brasil precisa das FFAA. E os militares de hoje não são os militares de ontem. Nós precisamos dialogar com estes militares de hoje. Eles tem que saber separar o que foi o passado e o que é hoje. O 31 de março já não é mais comemorado…

 

Míriam– Mas eles mesmos não fazem esta separação, quando não admitem os erros do passado. Até para preservar a instituição [das FFAA], eles não deveriam fazer esta separação?

Amorim – Você quer minha opinião pessoal? Acho que devem [fazer a separação]. Mas, isso não se faz com uma ordem. Isso é uma mudança cultural. Porque, as ordens eles podem até obedecer. Isso é uma mudança cultural que vem aos poucos. Essa ordem depende do diálogo. Há outras concepções culturais das corporações. Como isso se concilia, é uma coisa complicada. Não vou entrar aqui numa discussão filosófica sobre culpas coletivas, ou culpas intergeracionais. O tempo vai fazer com que isso ocorra. O primeiro passo é eliminar as coisas oficiais, como as comemorações do 31 de março. Nunca ouvi de nenhum militar, pelo menos comigo, nunca ouvi nenhum defender a tortura, sob nenhum aspecto. Nenhum veio aqui e disse: “Ah, mas naquele caso tivemos que fazer isso…”. Nenhum. Nunca ouvi. Nem direta, nem indiretamente.

 

Míriam– E nem condenaram, também…

Amorim fecha os olhos, suspira, e não diz nada. É salvo pelo intervalo do programa de entrevista, aos 13’33’’. Na segunda parte, Amorim volta falando das coisas positivas que vê hoje na área militar.

Amorim – […] Como a criação do Estado Maior Conjunto das FFAA, subordinado diretamente ao Ministério da Defesa. Ou seja, o Ministro está na cadeia de comando, inclusive das operações militares. E temos um secretário-geral civil, no mesmo nível dos comandantes. Incluímos disciplinas de direitos humanos em todas as escolas militares. Os livros [das escolas militares] devem ser aprovados pelo MEC e fazem parte do currículo. Os colégios militares são excelentes. Você poderia me perguntar: “Mas, o sr. não pode dar uma ordem?” Posso, mas eu prefiro convencer. O convencimento tem mais durabilidade. Aprendi isso com a diplomacia. Acho que o convencimento é melhor do que uma ordem estrita.

 

Míriam – Em algum momento as FFAA vão se deixar convencer a pedir desculpas ao País pelos crimes cometidos na ditadura, para que eles não se repitam?

Amorim – Esta é uma questão complicada. Eu não sei… Acho que… talvez, talvez. Eu esperaria… Acho que o grande input para isso seria o próprio relatório da CNV, o tratamento que ele vai ter e como será recebido pela sociedade. Agora, você tem um conflito entre duas concepções. Uma, as FFAA de hoje pedindo desculpas pelo que não foi feito por elas? Não sei… Eu, como ministro das Relações Exteriores, se formos pedir desculpas por tudo que tenha sido feito pelo Itamaraty, inclusive no tempo da ditadura, talvez fosse complicado para mim… Acho melhor ir mudando, mudando a prática, e deixando aquilo que se deve ver e analisar para o Judiciário, o Congresso, a sociedade… Mas, não sei… Talvez fosse bom para eles [os militares]. Eu acho…

Gaguejando, vacilando, traindo suas dúvidas internas, Amorim revelou na GloboNews as incertezas existenciais que são antigas e comuns entre os sete homens que ocuparam o Ministério da Defesa desde sua criação, em junho de 1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Nascida 14 anos após a queda da ditadura, a pasta reproduzia a experiência de nações mais avançadas nos padrões democráticos. É a realização administrativa da constatação feita por um médico francês do século passado, Georges Clemenceau (1841-1929), o primeiro-ministro da França nos anos turbulentos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que diagnosticou: “A guerra é uma coisa demasiadamente grave para ser confiada aos militares”. Para expurgar a arrogância natural de 21 anos de regime de exceção no Brasil, onde a voz da caserna com frequência se confundia com os rugidos mais assustadores da caverna autoritária, um Ministério da Defesa ocupado por um civil tinha, como primeira vantagem, tirar o intocadostatus ministerial das Forças Armadas habituadas ao cachimbo torto da hegemonia sobre a República e do arbítrio sobre todos.

 

Gritos e sussurros

 

Rebaixando os ministros militares ao nível de comandantes, sob o tacão de um civil na Defesa, o país imaginava se vacinar contra recidivas no delicado processo da regeneração democrática. O problema é que, em vez de Ministro da Defesa do Estado, cada um dos ocupantes do posto assumiu o equivocado papel de ministro da defesa dos comandantes militares. Desde o primeiro e mais fugaz, Élcio Alvarez, que durou meros sete meses no cargo, até o mais longevo, Nelson Jobim, que Lula legou a Dilma e sobreviveu no posto por longos 50 meses. Mais do que encarnar o papel de comandante civil do governo sobre os escalões militares, os ministros acabaram vestindo a farda de porta-vozes dos quartéis e seus chefes, tornando mais difícil o pleno reconhecimento das diferenças cruciais que existem entre os Exércitos da ditadura e da democracia – e que nem os comandantes sabem separar, como reconheceu Amorim para Míriam.

O atual ministro da Defesa, profissional do Itamaraty desde 1989, quando o país teve sua primeira eleição direta para presidente em três décadas, levou para o cargo as manhas da diplomacia, esquecido de que o tom acatado nos quartéis é a ordem gritada e peremptória, não o sussurro do lerdo convencimento ciciado nas missões diplomáticas. O que Amorim aprendeu com as luvas de pelica nos salões atapetados do Itamaraty não combina com os coturnos empoeirados dos campos de manobra dos generais. São áreas diferentes, são mundos separados. O ministro da Defesa, com ingenuidade, confessou na GloboNews que é um chefe que abdica de suas atribuições: em vez de mandar, como se faz e se espera na caserna, prefere convencer, como nem os diplomatas às vezes conseguem.

Militar, desde a academia, sabe que o ofício do soldado é obedecer, assim como a missão do comandante é comandar. O diplomata Amorim, com a muleta da “durabilidade”, prefere convencer. Nas praias da Normandia, nas areias de El Alamein, nas colinas de Waterloo, nas alturas de Monte Castelo, no estreito das Termópilas, no mar revolto de Midway, onde ecoaram algumas das batalhas épicas que todo oficial de Estado-Maior estuda nas aulas de tática e estratégia em combate na academia, os militares não esperavam ser convencidos para cumprir sua missão, para comandar e obedecer, para matar ou morrer. Se fossem esperar pelo moroso convencimento proposto por Amorim, os generais teriam perdido a batalha, a guerra, a vida e talvez a honra.

O general francês Charles De Gaulle (1890-1970), que não convencia mas sabia mandar, tinha esta áspera opinião sobre os colegas de carreira de Amorim: “Diplomatas são úteis apenas sob bom tempo. Assim que chove eles se afogam em cada gota”. O parlamentar inglês Henry Wotton (1568-1639), embora embaixador, era ainda mais cínico: “O diplomata é um cavalheiro honesto enviado ao exterior para mentir pelo bem de seu país”.

 

Agente da borrasca

 

Como o cavalheiro honesto que é, Amorim poderia dizer a verdade pelo bem do país começando por um único pedido de desculpas, na condição de ex-ministro das Relações Exteriores, por uma grave truculência cometida por seus polidos pares de diplomacia exatamente no tempo da ditadura: o Centro de Informações do Exterior (CIEx), o serviço secreto criado dentro do Itamaraty, no primeiro governo da ditadura, o do general Castelo Branco. Foi obra e engenho de um diplomata sempre útil e que sorvia cada gota da borrasca, Manoel Pio Correa Júnior (1918-2013), um anticomunista ferrenho que se notabilizou pela caça aos comunistas na carreira diplomática e pelo combate aos “vagabundos, bêbados e pederastas” que encontrou pelo caminho. Uma de suas vítimas mais notáveis foi o diplomata e compositor Vinícius de Moraes, cassado pelo AI-5. O poetinha brincava com os amigos: “Ei, eu sou o bêbado, viu?”.

 

Livro: Dentro da Companhia Diário da Cia - Philip Agee | Estante Virtual

 

Capitão R/2 da Cavalaria, o sóbrio Pio Correa vestia sobre o terno de diplomata a capa de agente da CIA, servindo na estação do Rio de Janeiro da agência de inteligência norte-americana, conforme revelou o ex-agente Phillip Agee na página 384 de seu livro de memórias, Por Dentro da Companhia (Edição Círculo do Livro, 1976). Ali, para constrangimento de Amorim e qualquer cavalheiro honesto, o homem da CIA no Uruguai relatou, no diário de Montevidéu datado de 17 de junho de 1964, menos de três meses após o golpe no Brasil:

[…] a base do Rio [da CIA] decidiu enviar mais dois de seus elementos para a embaixada do Brasil aqui – além do adido militar, coronel Câmara Sena. Um deles é um funcionário de carreira de alto nível do ministério das Relações Exteriores do Brasil, Manoel Pio Correa, que virá como embaixador; o outro é Lyle Fontoura, protegido de Pio Correa, que será o novo primeiro-secretário. Até o mês passado, Pio era embaixador do Brasil no México, onde, de acordo com o currículo enviado pela base [da CIA] do Rio, demonstrou muita eficiência nas tarefas operacionais para a base [da CIA] da Cidade do México. Contudo, como o México não reconheceu o novo governo militar do Brasil, Pio foi chamado de volta ao seu país e a base [da CIA] do Rio de Janeiro providenciou para que fosse nomeado para Montevidéu, que no momento é o ponto em ebulição da diplomacia brasileira. Assim que chegarem os novos elementos do corpo diplomático, Holman [Ned. P., chefe da CIA em Montevidéu] entrará em contato com Pio, enquanto O’Grady [Gerald, subchefe da CIA] se encarregará de entrevistar-se com Fontoura. De uma forma ou de outra, a base [da CIA] do Rio está decidida a elaborar operações contra os exilados, e – ao que parece – Pio é o homem indicado, pois tem perserverança suficiente para manter as pressões sobre o governo uruguaio.

Com a mão pesada da CIA, Pio Correa foi premiado pelo governo Castelo Branco justamente com a embaixada em Montevidéu, onde se concentravam os inimigos que acompanharam João Goulart e Leonel Brizola ao exílio. Lá, o agente duplo da CIA Pio Correa, com o braço forte do adido militar, o coronel Câmara Senna, outro serviçal da agência americana, começou a montar o seu CIEx, formado inicialmente por uma rede de contatos que incluía políticos, militares, juízes, delegados de polícia, fazendeiros e comerciantes que fechavam o cerco sobre as atividades de Jango e Brizola no Uruguai.

A bem sucedida experiência uruguaia o levou, como secretário executivo do chanceler Juracy Magalhães, a redigir e assinar a portaria ultrassecreta que criou o CIEx no governo Castelo Branco. Tão secreta que nem constava da estrutura formal do pudico Itamaraty. A existência do CIEx só seria confirmada em 2007, exatamente quando Amorim era o chanceler do segundo governo Lula. A constrangedora revelação coube à monumental série de reportagens produzida pelo repórter Cláudio Dantas Sequeira, do Correio Braziliense, revelando a ação repressiva da primeira agência criada sob o amparo do Serviço Nacional de Informações (SNI) e de seu criador, o general Golbery do Couto e Silva.

O repórter descobriu que, no início, o secreto CIEx foi camuflado como Assessoria de Documentação de Política Exterior, ou simplesmente ADOC, com verba secreta e subordinado à Secretaria Geral de Relações Exteriores. Dos primeiros anos da ditadura até 1975, funcionou dissimulado como seu criador na sala 410 do quarto andar do “Bolo de Noiva”, o Anexo I do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Desmontado com a ditadura em 1985, o lugar hoje abriga a inofensiva Divisão de Promoção do Audiovisual. Vasculhando 20 mil páginas de documentos com 8 mil informes escondidos nos arquivos do CIEx, o repórter Sequeira apurou que, dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, os nomes de 64 das vítimas estavam lá, nas pastas secretas de Pio Correa. Atuando em linha com os adidos militares das embaixadas, a tropa civil dos adidos do CIEx de Pio Correa foi decisiva na atuação do Brasil na Operação Condor, o Mercosul da repressão que caçava e matava sob o mando e desmando dos generais do Cone Sul do continente.

 

Proposta indecente

 

Como chefe dos diplomatas, Amorim não lembrou de pedir desculpas pelo CIEx. Como chefe dos militares, Amorim chegou a pensar em um pedido de desculpas dos generais pelos 21 anos de ditadura. Foi o que ele fez em 18 de fevereiro passado, em seu gabinete no Ministério da Defesa, em Brasília, na audiência que concedeu aos seis comissários da Comissão Nacional da Verdade. O ministro se remexeu na cadeira, surpreso e incomodado com a entrega inesperada do requerimento da CNV, listando sete locais de tortura e morte administrados pelo Exército, Marinha e Aeronáutica. Ele reagiu com uma proposta inusitada, que desconcertou os comissários: ofereceu, em nome dos comandantes das FFAA, um pedido público de desculpas ao país pelos excessos cometidos em duas décadas de arbítrio. Em troca, Amorim pediu à CNV garantias de que não haveria a temida revisão da Lei de Anistia que a ditadura se autoconcedeu em 1979 no governo Figueiredo, para salvar a pele e a biografia dos torturadores até hoje impunes.

Os comissários reagiram na hora, com a altivez devida, rejeitando a proposta indecente de Amorim. Ela apenas retrata a preocupação crescente dos quartéis com uma provável recomendação de impacto no relatório final da CNV, a ser apresentado ao país em dezembro próximo. É cada vez mais forte a tendência na CNV para recomendar a revisão da anistia da ditadura, diante das pesadas evidências e contundentes provas documentais que se acumulam sobre abusos e violências cometidos pelo regime arbitrário de 1964. Aceitar os termos do Ministro da Defesa para o pedido de desculpas dos generais seria uma indesculpável barganha política que fere o bom-senso e a ética.

Seria coisa ainda pior, a transgressão de um mandamento pétreo proclamado pelo mestre maior de Amorim e seus colegas de carreira: “Um diplomata não serve a um regime e sim ao seu país”, ensinou o diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), o chanceler que atravessou quatro governos da nascente República, no início do Século 20, e ampliou o Brasil redesenhando suas fronteiras. Os generais de hoje devem pedir desculpas à Nação pelos erros cometidos pelos generais de ontem como um imperativo ético que demarca fronteiras morais e faz uma justa e sanitária separação entre o Exército da democracia, a que eles servem, e o Exército da ditadura, que eles deveriam repudiar para preservar a honra e a imagem histórica da corporação.

Amorim esqueceu de se desculpar na GloboNews pelo desonroso CIEx. Não recordou da ideia de um pedido de desculpas dos generais ao país. E, distraído, não lembrou da ficha da repórter que o entrevistava no seu gabinete. O ministro da Defesa, até pela autoridade do cargo, conhece os detalhes da biografia de Míriam Leitão que o Brasil desconhece. Amorim esqueceu que era entrevistado por uma sobrevivente da ditadura e das torturas que os generais sob seu comando agora negam, como negaram as torturas no DOI-CODI onde padeceu a guerrilheira da VAR-Palmares Dilma Rousseff.

 

O “doutor” e a jibóia

 

Míriam não integrava a luta armada, como Dilma. Nos idos de 1972, aos 19 anos, Míriam era uma militante da base estudantil do então clandestino PCdoB, que tentava derrubar em Vitória (ES) a mesma ditadura que mantinha Dilma no cárcere, em São Paulo (SP). “A gente apenas pichava muros, espalhava cartazes nos pontos de ônibus e nas cabines de orelhões. Lembro que um dia pichei ‘Viva a guerrilha do sul do Pará! Abaixo a ditadura!’ Um idealismo de jovens que acreditavam naquilo, que sabiam que era preciso resistir a tudo aquilo, até mesmo com um simples panfleto”, lembrou Míriam.

Mineira de Caratinga, filha de um pastor presbiteriano e de uma professora primária, sexto filho do casal (depois de três mulheres e dois homens) numa família de 12 irmãos, ela cursava o primeiro ano de História quando conseguiu um emprego na redação de uma rádio de Vitória, o que mudaria sua carreira para sempre. Estreava na profissão como repórter quando sentiu na carne o peso da repressão, sequestrada e presa durante três meses, entre dezembro de 1972 e fevereiro de 1973, no quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército em Vila Velha, onde foram encarceradas e torturadas cerca de 40 pessoas – a maioria estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo e um dos professores, o médico Vítor Buaiz, que fundou o PT, elegeu-se prefeito de Vitória em 1989 e sagrou-se governador do Estado em 1994.

Livro: Brasil: Nunca Mais - Dom Paulo Evaristo Arns | Estante Virtual

Na primeira parte do livro Brasil: Nunca Mais, dedicado a “Castigo Cruel, Desumano e Degradante”, o Capítulo 2 fala sobre “Modos e instrumentos de tortura”. Na página 39 do trabalho, um resumo do projeto original em 12 volumes escrito por Ricardo Kotscho e Frei Betto, existem oito depoimentos de presos políticos torturados sob a rubrica “Insetos e Animais”.

O quarto depoimento, registrado no livro nº 674, volume 3, páginas 782v-783 do projetoBrasil: Nunca Mais, é a transcrição parcial do auto de qualificação e interrogatório de uma jornalista, então com 20 anos, chamada Míriam de Almeida Leitão Netto. Suas palavras:

[…] que, apesar de estar grávida na ocasião e disto ter ciência os seus torturadores […] ficou vários dias sem qualquer alimentação;

[…] que as pessoas que procediam o interrogatórios, soltavam cães e cobras para cima da interrogada; […]

No livro de Kotscho e Betto havia outro depoimento, de um auxiliar de escritório de 31 anos, Dalton Godinho Pires, que em 1973, no volume 5 do livro n° 75, página 1224, revelou no seu interrogatório:

[…] havia também, em seu cubículo, a lhe fazer companhia, uma jiboia de nome Míriam […]

Não era uma piada. Era uma jiboia mesmo, um exemplar da boa constrictor, a segunda maior cobra do Brasil (só menor que a sucuri), que mede em média três metros de comprimento. O autor deste artigo lembrou desses dados e entrou em contato com Míriam Leitão para esclarecer melhor sua dramática passagem pelo quartel do Exército na praia de Piratininga, no bairro Prainha de Vila Velha, 12 quilômetros ao sul da capital capixaba. Míriam me contou:

“Fiquei presa ali, no 38º Batalhão. Os torturadores vieram de fora e, depois, sumiram. Eles trouxeram a cobra. Eu lembro que chamavam o pior dos torturadores, o dono da cobra, de Dr. Pablo.”

Dr. Pablo era o codinome de um dos mais truculentos oficiais do DOCI-CODI do II Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro carioca da Tijuca: Paulo Malhães, coronel do Centro de Informações do Exército (CIE). Em março passado Malhães deu um aterrador depoimento à Comissão Nacional da Verdade, numa sessão no Rio com a presença da imprensa. Ali confessou ter arrancado as arcadas dentárias e cortado os dedos de presos mortos sob tortura para não permitir a identificação dos corpos desaparecidos. Um mês depois da confissão, Malhães foi encontrado morto em seu sítio, na Baixada Fluminense, aparentemente vítima de infarto após ter a casa invadida por três bandidos, que fugiram dali levando, entre outros artigos bizarros para um ladrão, três pastas de documentos e o disco rígido de um dos dois computadores do coronel.

Dois anos antes, em junho de 2012, Malhães confirmou ser o dono da Míriam, a cobra que deslizou pela cela da aterrorizada Míriam no batalhão do Exército em Vila Velha. O coronel do CIE contou aos repórteres de O Globo Chico Otávio, Juliana del Piva e Marcelo Remígio que, na primeira metade da década de 1970, levou cinco filhotes de jacaré e uma jiboia para torturar os presos na carceragem do Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do I Exército, na Barão de Mesquita, sede do DOI-CODI carioca, onde podem ter morrido 30 presos, segundo estimativas da CNV.

Malhães tinha atuado na “Casa Azul”, o QG da repressão à guerrilha do Araguaia, instalado na antiga sede do DNER em Marabá, no sul do Pará. Ali, segundo levantamento da CNV, morreram 24 presos, 22 dos quais militantes do PCdoB, o mesmo partido pelo qual Míriam pichava muros e espalhava panfletos em Vitória antes do encontro dramático com a Míriam do Dr. Pablo. O coronel contou aos repórteres de O Globo:

“Eu estava um dia à beira de um rio, na região do Araguaia, quando senti a terra tremer. Descobri que estava sentado em cima de um ninho com filhotes de jacaré. Consegui pegar cinco, que batizei de PataPetaPitaPota Joãozinho. E ainda peguei uma jiboia de seis metros, que chamei de Míriam. Trouxe todos para o DOI-CODI, no Rio. Os filhotes de jacaré não mordiam. Só faziam tec-tec com a boca…”

O jornalista mineiro Dalton Godinho Pires, citado pelo Brasil: Nunca Mais, ficou quatro anos preso, mas gravou na pele e na memória os 90 dias de terror no PIC da Barão de Mesquita, graças à Míriam. Localizado em 2012 pelo repórter Chico Otávio, Pires lhe contou:

“Eles chegaram com um isopor enorme, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu. Cheguei a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que ela exalava, um fedor que custei a esquecer.”

Verso e reverso

 

Quando leu esta reportagem dois anos atrás, no jornal em que trabalha, Míriam teve uma longa e privada crise de choro, ao cruzar na memória de dor o relato de cobras e jacarés da repartição de terror do coronel Malhães. “Era muita coincidência. A ninguém eu disse isso, nem aos meus filhos”, confessou-me ela, sempre refratária a discutir publicamente o seu drama pessoal. “Guardo aqui a sensação de que a minha dor eu mesmo curo. Não é dela que se trata. O que é importante é a dor do país e ela faz certas exigências às instituições. Uma delas é esse reconhecimento das Forças Armadas de que erraram”.

Com a elegância exigida, Míriam preservou os limites institucionais de sua entrevista com o Ministro da Defesa, sem jamais confundir sua história de vida com a vida do país, embora elas se cruzem e se confundam. A consciência de que tinha diante de si uma sobrevivente da ditadura deve explicar o desempenho nervoso de Amorim na entrevista, ao tentar defender o que ele sabia, de corpo presente, não ser verdade. Aos 61 anos, mãe de dois filhos, ambos jornalistas (Vladimir, repórter da Rede Globo em Brasília, e Matheus, repórter da Folha de S.Paulo na sede do jornal), e avó de quatro netos, Míriam é hoje uma das mais importantes profissionais da imprensa brasileira. Acumula 24 prêmios de jornalismo, a terceira maior coleção de troféus no ranking nacional do site Jornalistas & Cia, logo atrás dos campeoníssimos José Hamilton Ribeiro, o mais premiado repórter brasileiro de todos os tempos, e Eliane Brum.

Em 2005, Míriam tornou-se a primeira jornalista brasileira a receber o Prêmio Maria Moors Cabot, patrocinado pela prestigiosa Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (EUA), uma das mais importantes do mundo. Em 2012, Míriam produziu para a GloboNews um programa especial de 50 minutos, A história inacabada, com um devastador relato sobre o sequestro, tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva. O trabalho lhe deu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, concedido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

Existe uma maneira simples para definir a qualidade do jornalismo e a essência da conduta profissional de Míriam Leitão. Veja e reveja os dois programas que ela conduziu com brilho e coragem para a GloboNews. Aquele sobre a história inacabada do desaparecido Rubens Paiva, este sobre o desempenho do irresoluto Celso Amorim. O ex-deputado e o atual ministro são, por razões opostas, o verso e o reverso de um mesmo país, ainda atolado no medo endêmico e no cinismo contagioso que rebaixa o debate sobre nosso passado recente.

 

As perguntas de Míriam e as respostas de Amorim provam, na telinha da GloboNews, que ainda existem jibóias que se enroscam na mentira e jacarés que tentam atemorizar a verdade. O didático enfrentamento na TV entre a repórter e o ministro deixou claro, para os que querem ver, quem enfrenta a jiboia e quem instiga os jacarés.

 

O inferno das duas Míriam: a jornalista e a jibóia

Três anos atrás, sem contar nada ao marido e aos filhos, Míriam Leitão fez uma furtiva viagem de volta ao passado e ao inferno de sua juventude.

Saiu do Rio de Janeiro e uma hora depois desembarcou em Vitória. Pegou um carro, atravessou a Terceira Ponte, que liga a capital à cidade de Vila Velha, do outro lado da baía, e seguiu em direção a um dos principais pontos turísticos do Estado: o morro da Penha, uma elevação de 150 metros de onde se admira uma bela paisagem. No alto está o velho Convento da Penha, com uma história de 454 anos. Ao pé do morro está outro monumento: o Forte de Piratininga, ali plantado em meados do século 16.

Forte de Piratininga, na Baía de Vitória, é joia arquitetônica a ser  preservada | A Gazeta

Forte de Piratininga, quartel do Exército, porão de tortura de Miriam Leitão 

 

Míriam não fazia um repentino programa de turista. Era uma dorida viagem interior ao cenário dos piores momentos que a jornalista passou em sua vida. “Quando o país começou a discutir a criação da Comissão da Verdade, por volta de 2011, decidi voltar lá. Eu quis fazer minha viagem pessoal, um retorno particular à minha história”, explica Míriam, no emocionado desabafo que faz pela primeira vez, quatro décadas após o inferno que amargou naquele cenário hoje encantador. Desde o final da Primeira Guerra Mundial, o forte lá embaixo abriga um batalhão de infantaria subordinado ao Comando Militar do Leste (antigo I Exército), no Rio de Janeiro. A construção mais antiga, redonda [na foto, no alto à esquerda], é o prédio histórico da Fortaleza São Francisco Xavier de Piratininga, reformado no século 17. Foi ali que a Míriam quase adolescente de 1972, uma menina grávida de 19 anos, desceu ao submundo da repressão desatinada que marcava o auge da violência do governo mais truculento da ditadura, o do general Emílio Garrastazú Médici.

No início do século 20, a unidade ainda se chamava 3º Batalhão de Caçadores. Em setembro de 1972, três meses antes da prisão ali de Míriam Leitão, o lugar mudou de nome, passando a chamar-se 38º Batalhão de Infantaria. Entre os 707 processos políticos vasculhados no Superior Tribunal Militar pelo projeto Brasil: Nunca Mais, seis deles procedem do único quartel do Exército baseado em solo capixaba, oriundos do belo forte de Vila Velha. Neles, constam 46 denúncias de torturas consumadas no antigo 3º Batalhão de Caçadores. Outros 13 casos de torturas envolvem o atual 38º Batalhão de Infantaria. Todos se referem ao ano de 1972. Um deles é o de Míriam.

Foi lá que Míriam enfrentou a danação de um nome que resumia como ninguém a truculência do regime: o coronel Paulo Malhães, o temido “Dr. Pablo” do DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita. Ao ver na TV o velho torturador de 76 anos depondo para a Comissão da Verdade, cinco meses atrás, Míriam chegou a duvidar que fosse o mesmo e fogoso oficial de 34 anos e cabeleira negra e farta que comandou seu interrogatório. Mas ela recorda bem que os outros militares o chamavam de “Dr. Pablo”, o codinome que Malhães usava no DOI-CODI. Existe outra forte coincidência a confirmar a identidade do doutor com o coronel. Malhães veio do Rio trazendo um acessório de tortura que o tornou inconfundível na mitologia da repressão, pelo inusitado da escolha: uma cobra.

Na verdade, uma jiboia que Malhães trouxe do Araguaia e casualmente apelidou de Míriam. Talvez para assustar ainda mais suas vítimas, o coronel dizia que a cobra media seis metros de comprimento. Um evidente exagero do “Dr. Pablo”, pois nem Míriam lembra de uma cobra tão grande. Jiboia dessa dimensão, com 6 metros e 120 kg de peso, só foi vista anos atrás no Camboja. Uma jiboia amazônica como Míriam é mais modesta, varia entre 2 e 3 metros e tem 50 kg de peso, ainda assim com tamanho suficiente para intimidar qualquer um.

Jornalista revela como foi torturada com uma cobra durante ditadura -  19/08/2014 - Poder - Folha de S.Paulo

Durante horas de um dia assustador a jiboia do “Dr. Pablo” foi a solitária companhia na sala onde Míriam Leitão esteve trancafiada no quartel. Quando voltou à vida, libertada três meses depois, a jovem franzina que só pesava 50 kg tinha perdido 11 kg no cativeiro, onde chegou com um mês de gravidez.

Para a visita agora a esse passado de terror, Míriam contou com a ajuda do ex-governador Paulo Hartung, que conhecia o comandante de 2011 da guarnição e facilitou o acesso da ex-presa. “Fui sozinha, não queria ninguém junto comigo. Era uma jornada só minha. Entrei e não precisei que ninguém me mostrasse o caminho. Era esquisito, não tenho bom senso de orientação, mas eu conhecia aquele quartel como a palma da minha mão. Percebi algumas reformas, paredes que não existem mais, escadas que mudaram de lugar, salas que foram modificadas. Não me permitiram ir a alguns lugares, mas o essencial estava na minha memória”, conta Míriam, hoje, com o tremor na voz que trai os demônios que assombraram aquele lugar. Ela posou para fotos junto à porta da cela onde ficou um tempo, tiradas pelo motorista que a acompanhava. E conseguiu voltar à sala grande onde passou a madrugada de horror com sua homônima jiboia. “O lugar agora é um anfiteatro, mas eu fui direto ao ponto onde me mantiveram de pé, nua, durante horas, antes e durante o tempo em que fiquei com a cobra. É uma imagem que não sai da minha cabeça. Ali eu fiz essa foto”, explica, abrindo pela primeira vez seu arquivo pessoal.

Míriam, em meio a tanto sofrimento, lembra de um paradoxo que vivia na época: “Minha cela ficava na fortaleza. Quando eu saía de lá à noite e era levada para outro local de tortura, eu a contornava e passava pela escadaria. Saía desse belo prédio circular, às margens da baía – e que hoje, por ironia, o Exército aluga para festas –, e era levada para a parte nova do quartel onde funcionavam algumas seções administrativas do quartel. Olhava aquele lugar lindo, lindo até hoje, o convento lá em cima, e pensava o quanto nada daquilo fazia sentido. Era uma beleza que contrastava com a violência daquele lugar. Eu não conseguia entender isso. Não entendia naquela época, não entendo até hoje”, diz Míriam, a voz embargada pela emoção da memória. Pela primeira vez, Míriam Leitão conta aqui como viveu, e sobreviveu, naquele lugar:

 

18
Mar22

Mulheres de ponta de rua e de ponta da praia

Talis Andrade

www.brasil247.com -

O romancista e jornalista Moacir Japiassu, no romance "Quando Alegre Partiste" conta como aconteceu no Rio de Janeiro a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O que seria um movimento religioso em defesa dos bons costumes, ou melhor dito, da Tradição, da Família e da Propriedade, TFP, era a propaganda de um golpe militar das elites, que marcou o declínio do catolicismo, e abriu o espaço, entre os deserdados de Deus, os exilados da Sociedade, os retirantes da seca e da fome, para os bodes, as novas-seitas da Teologia da Prosperidade, que defendem a benção financeira, exaltando os privilégios que a riqueza e o dinheiro podem trazer neste mundo, que os padrecos ofereciam o paraíso depois da morte. 

Denise Assis anuncia a volta das damas da Alta Sociedade que prometem pisar o chão das avenidas contra o velho inimigo, o comunista ateu, que ameaça tomar os latifúndios e as mansões dos devotos brasileiros da Santa Cruz, país povoado pelos sem terra, pelos sem teto, pelos sem nada.

 

Marcha de mulheres em SP, no sábado, pode marcar e reativação da CAMDEViva a História: Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964.

Por Denise Assis /Jornalistas pela Democracia

Quando os paulistanos virem passar, no próximo sábado, dia 19 de março, o cortejo de mulheres pelas ruas do Centro da capital, embrulhadas em bandeiras nacional e portando rosários, não se enganem. Pode estar sob seus olhos não apenas uma manifestação organizada e puxada pelo filho 03 de Bolsonaro, a comemorar feito idêntico, acontecido em 19 do mesmo mês, em 1964, dias antes da derrubada do presidente, João Goulart, com o nome de “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. 

O que ele chama de “marcha”, e assim passou à história, nada mais é do que um movimento conspiratório, bem urdido, que começou a funcionar dois anos antes, como um braço feminino do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipês), criado pelo então coronel Golbery do Couto e Silva, um dos integrantes do “grupo da Sorbonne” - assim denominado porque eram militares que pensavam -, ligados aos cursos de formação da Escola Superior de Guerra.

Em nota publicada na coluna Painel, da Folha, no dia 15, recente, há o registro de que Eduardo Bolsonaro está convocando – mas não vai comparecer, apenas virtualmente – para a “marcha”. Olhos abertos, oposição. O que pode estar nascendo aí é um movimento organizado, com o respaldo feminino, tal como naquela época. E de tamanha eficiência que elas, após a queda do presidente, foram levadas pelo departamento de estado americano, para palestrar nos Estados Unidos da América sobre “como derrubar um presidente comunista”.

Em 1962 essas senhoras se reuniam para rezar o terço semanalmente, na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Integrantes da sociedade carioca, tinham influência e maridos poderosos. Só para se ter ideia, uma delas, Eudóxia Ribeiro Dantas, era casada com o presidente da companhia aérea, Cruzeiro do Sul, e a fundadora do movimento, que recebeu o nome de “Campanha da Mulher pela Democracia”, a senhora Amélia Molina Bastos, era neta, sobrinha, irmã e mulher de general (o general-médico Virgílio Bastos).

Em meu livro, lançado em 2001, “Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe” – e não entendam como autopromoção, porque ele se encontra esgotado e só é encontrado sob a forma de E-Book –, eu reproduzo o relato feito por ela, onde conta como aceitou, em sua sala de jantar, em Ipanema, liderar a conspiração feminina para a derrubada de Jango. Dali a organização se espraiou para São Paulo, onde recebeu o nome de União Cívica Feminina (UCF); Liga da Mulher pela Democracia (LIMDE), em Belo Horizonte e Movimentação de Arregimentação Feminina, em Porto Alegre.

“Eu tinha reunido uns vizinhos, 22 famílias ao todo. Era parte de um trabalho meu para a Paróquia Nossa Senhora da Paz. Visitava os vizinhos, tentava descobrir seus problemas e os ajudava no que podia. Era um meio de levá-los a frequentar a missa e aproximá-los da Igreja. Nesse dia veio o vigário (Leovigildo Balestieri), que trazia as fichas para que nós nos comprometêssemos e para que eu as espalhasse entre os vizinhos. Depois, perto da eleição, o cardeal diria os nomes que podiam ser eleitos. Nesse dia o vigário disse que a coisa estava muito preta. Estavam aqui o Dr. Glycon de Paiva (braço direito de Golbery, no Ipês) e o meu irmão, o general Molina. Eles comentaram que se as mulheres não se metessem nós estávamos perdidos”. (ASSIS, 2001, p. 53).

E elas não só se meteram, como trabalharam feito formigas, abrindo espaços na imprensa com notas pela moral e os bons costumes, impedindo a apresentação de uma peça com Norma Bengel, em Belo Horizonte, e interpelando o ator Paulo Autran, a quem perguntaram: 

- O senhor não tem vergonha de ser comunista? – ao que ele retrucou: 

- Vergonha é a fome e o preço da cebola, pela hora da morte!

Durante dois anos elas se movimentaram, organizando “programas sociais” em favelas e comunidades carentes, como a vila de pescadores no Caju - bairro da Zona Portuária do Rio -, na Rocinha (ZS), onde distribuíam roupas usadas, calçados, cestas básicas e folhetos com mensagens “moralizadoras” e anticomunistas.

Na madrugada de 31 de março, que antecedeu a descida das tropas de Minas para o Rio, uma delas emprestou o seu apartamento, na Rua Barão de Jaguaribe, em Ipanema, onde foi montado o QG do golpe, com rádios transmissores e o ir e vir de oficiais. Eudóxia, passou a noite ticando canhotos de passagens aéreas, distribuídas a oficiais militares. O objetivo dos deslocamentos era enviá-los às demais capitais para que, se houvesse reação ao golpe, eles pudessem liderar a repressão e liderar os batalhões.

E, além de organizar a marcha em São Paulo, alertando para o “perigo vermelho”, elas ainda lotaram as ruas do Rio - o cientista político René Dreifuss calculou em 800 mil pessoas na Av. Rio Branco e arredores - fazendo com uma das mãos o “V da vitória”, enquanto na outra brandiam os rosários. 

Logo após esse “exemplo” de organização, foram levadas aos EUA onde, tal como Sergio moro, visitaram a CIA e palestraram sobre a arte de se golpear um governo democrático. Portanto, atenção, senhoras e senhores. Muita atenção para os rumos desta marcha. Esse rapaz que roda o mundo visitando desde príncipes esquartejadores, a lideranças de ultradireita e filha de presidente americano em véspera de capitólio, pode ter algo mais na cabeça, além de um boné de campanha do Trump.

 

eduardo vassalo trump.jpegTRIBUNA DA INTERNET | Reais dificuldades para nomeação de Eduardo Bolsonaro  como embaixador nos EUA

 
 
 
 
 
 
 
12
Jan22

Ministro do TCU nega pedido de procurador fã de Moro para atuar em ação

Talis Andrade

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Júlio Marcelo de Oliveira lavajatista queria participar no processo que apura a relação de Sergio Moro com a consultoria Alvarez & Marsal

 

Conjur - O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, negou o pedido do procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, para participar como custos legis no processo que apura a relação de Sergio Moro com a consultoria Alvarez & Marsal.

O procurador apresentou representação ao ministro Bruno Dantas, relator do processo, questionando a atuação do subprocurador-geral Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, no caso e alegando que a competência para atuar no processo contra Moro é dele próprio.

Em sua decisão, Dantas lembrou que já tinha dito que apreciaria o requerimento de intervenção na qualidade de custos legis quando fosse oportuno, à luz de elementos que pudessem indicar interesse público que o justificassem.

Mas Júlio Marcelo de Oliveira protocolou uma segunda petição, sem que seu requerimento anterior tivesse sido apreciado. Por isso, o ministro chamou a atenção do procurador, dizendo que ele está tentando obstruir os trabalhos do TCU e causar tumulto processual, em processo que "nem de longe justifica a atuação de dois membros do MPTCU".

O ministro lembrou ainda que as razões apontadas por Marcelo são insuficientes para satisfazer os requisitos legais que justificariam a atuação de custos legis. "Enfatizo que simpatia pessoal ou convergência ideológica não se confundem com interesse público", concluiu.

Alvaro Dias - Frase do procurador do TCU, Julio Marcelo... | Facebook

Entusiasta da finada "lava jato", Oliveira coleciona postagens que exaltam o ex-juiz, agora político. Em uma delas, ele postou uma fotografia em que aparece ao lado de Moro; em outra, ele posa ao lado do ex-procurador Deltan Dallagnol. Em 2016, Oliveira se engajou na campanha a favor das "10 medidas contra corrupção", uma das principais bandeiras lavajatistas.

Alvaro Dias - Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do... | Facebook

Vem Pra Rua Brasil - Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador do Ministério  Público junto ao Tribunal de Contas da União, sobre Deltan Dallagnol. |  Facebook

Mensagem no Vem Pra Rua

No Twitter, chamou Moro de "exemplo de magistrado e homem público" e disse que o ex-juiz "merece todas as homenagens". Quando da saída de Moro do Ministério da Justiça, afirmou na mesma rede social que o já oficialmente político é "um gigante que sempre se colocou a serviço do Brasil".  

 

 
08
Out21

Os crimes de Guedes e Campos

Talis Andrade

 

por Paulo Kliass /Carta Maior

As revelações trazidas a público recentemente pelo movimento “Pandora Papers” são prá lá de muito graves. Trata-se de um vazamento articulado de informações confidenciais que foram enviadas ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), tendo por fonte as bases de dados de contas bancárias e depósitos financeiros de natureza similar mantidas junto aos chamados paraísos fiscais. As extensas listas dão a volta pelos continentes e apresentam nomes de atuais e antigos Chefes de Estados, ministros e ex ministros, milionários, empresários e demais personalidades do globalizado mundo das finanças e do poder.

A participação tupiniquim nesse universo faz companhia a figuras como o Presidente do Azerbaijão e o Rei da Jordânia. Além disso, há suspeitas e denúncias envolvendo o Presidente Putin da Rússia, o presidente do Quênia e o ex primeiro ministro britânico Tony Blair. A lista de empresas brasileiras é extensa, com destaque para o grupo Prevent Senior, envolvido até o pescoço nos escândalos recentes da covid em revelações obtidas na CPI do Senado Federal.

Ao longo dos últimos anos foram divulgados vários dossiês desse tipo, contendo informações consideradas secretas nesse espaço sensível que tangencia a política, os negócios e os crimes. Em 2013 foi revelado o “Offshore Leaks”, em 2016 veio à tona o “Panama Papers” e em 2017 foi a vez do “Paradise Papers”. As razões para que esse tipo de aplicação financeira suspeita ainda seja realizada pode variar de caso para caso, de país para país, mas o fato inegável é que ninguém procura esse tipo de conta se não tiver nada a esconder ou nenhum imposto a sonegar. Os atrativos ficam por conta dos benefícios oferecidos pelos chamados “paraísos fiscais”, que se propõem a assegurar o sigilo das informações e a conceder a isenção tão desejada de tributos nas operações que oferecem à seleta clientela.



Listas e mais listas: escândalos em sequência

Até algumas décadas atrás, esse tipo de serviço era oferecido, em especial, pelas instituições bancárias e financeiras baseadas na Suíça. Muito antes da digitalização atingir também o universo das finanças internacionais, a alternativa de deixar os recursos a salvo em contas mantidas por bancos suíços era considerada bastante segura. A legislação daquele país estabelecia o total segredo das informações como um princípio organizador do sistema. A transparência passava longe de tais operações e apenas ocasionalmente alguma ou outra denúncia era objeto de vazamento.

Em abril de 1980, por exemplo, em plena ditadura militar no Brasil, um periódico da imprensa alternativa trouxe a público uma revelação escandalosa. O jornal “Hora do Povo” divulgou uma lista com políticos e empresários que seriam detentores de contas bancárias na Suíça. Ali estavam nomes como Presidente General Geisel e seu antecessor General Medici, além de ministros e ex ministros como Delfim Neto, Mário Andreazza, Roberto Campos, Golbery do Couto e Silva, Mário Henrique Simonsen, Shigeaki Ueki, e Jarbas Passarinho, entre outros. Apesar da baixa credibilidade das fontes utilizadas para a matéria, a divulgação atingiu o núcleo duro do regime. Tendo em vista a situação política que o país vivia naquele momento, a resposta do regime foi a apreensão da edição do jornal e o enquadramento do mesmo e de seus responsáveis na Lei de Segurança Nacional. Nenhuma denúncia foi investigada à época.

Apesar das enormes pressões internacionais e mesmo locais para que a legislação suíça fosse alterada, o processo de mudança foi bastante lento e apenas a partir do início de 2017 o segredo bancário foi oficialmente eliminado naquele país. Afinal, era de conhecimento geral que as regras do anonimato atendiam especialmente aos interesses do tráfico de drogas, do tráfico de armas, do contrabando em geral e de outras atividades ilícitas realizadas no plano internacional. Com a perda do sigilo no país dos cantões, ganharam mais espaço no submundo das ilegalidades aquelas operações conhecidas como “offshore” nos paraísos fiscais, onde o segredo continuaria - ao menos, em tese - a ser garantido aos depositantes.

Mais do que apenas a atratividade oferecida aos recursos de origem criminosa ou irregular, os paraísos fiscais converteram-se cada vez mais em alternativas para operações do coração do financismo internacional. O processo complexo e dinâmico de globalização e digitalização dos recursos financeiros em sua busca incansável por maiores taxas de rentabilidade supera os limites dos sistemas de investimento e as próprias fronteiras nacionais. Na verdade, o que se tem verificado ao longo dos últimos anos é um processo cuja marca principal é a tentativa de “normalização” de tais mecanismos de investimento fortemente carregado de viés especulativo.



Offshores: tentativa de normalização das operações suspeitas

A ausência de regulamentação internacional para esses movimentos de capital faz com que os derivativos, as aplicações em fundos sem nenhum lastro na economia real e outras modalidades gestadas pela criatividade intensa do processo de financeirização descontrolada fiquem livres, leves e soltos para existir, se valorizar e migrar no éter do financismo globalizado. Como não existe um poder público supranacional com competência delegada para regular esses movimentos, a única alternativa que resta até o presente momento é esperar por uma nova crise para trazer um pouco esses atores ao mundo real. Porém, o que se percebe pelas experiências anteriores é que os Estados se mexem tão somente para evitar grandes prejuízos aos poderosos e promovem uma socialização dos prejuízos com imposição de perdas sobre a massa da população. Tudo isso em razão de uma passividade absoluta que o descontrole causa ao sistema.

Por aqui, a revelação de que o Superministro da Economia e o todopoderoso Presidente do Banco Central detêm recursos milionários em contas nesses paraísos fiscais não parece interessar muito aos grandes meios de comunicação. Uma das razões pode ser a divulgação anterior de que alguns destes grupos de comunicação estejam também envolvidos em operações semelhantes, como divulgado em listas de anos passados. Além disso, talvez eles não estejam lá muito interessados no desgaste e eventual substituição de figuras que garantem de forma rígida a austeridade e defendem com fidelidade canina os interesses do financismo no comando da economia brasileira. O fato é que o pouco destaque oferecido ao escândalo e a tentativa de passar panos quentes nas ilegalidades denunciadas é mais do que evidente.

Na verdade, pouco importa se Paulo Guedes e Roberto Campos Neto apontaram a existência das contas no exterior em suas declarações anuais à Receita Federal. A questão que se coloca é de um evidente e profundo conflito de interesses nos casos sob análise. Afinal, ambos são membros natos do Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado que define as regras e os detalhes operacionais de todas essas modalidades de aplicações financeiras. Além disso, a dupla é responsável direta pela definição de elementos essenciais da política econômica do País, inclusive no que se refere à política cambial. O caminho adotado por eles foi o mesmo de dezenas de outros brasileiros, que optaram por enviar seus recursos ao exterior em contas de offshores e chegam a serem devedores de quase R$ 17 bilhões em impostos aos cofres públicos. Tudo dentro da lei?



Pela demissão imediata de Guedes & Campos

Por outro lado, o governo Bolsonaro encaminhou recentemente ao legislativo projetos de alteração na legislação tributária. Ao longo da tramitação, Guedes convenceu o relator da matéria a retirar a incidência de Imposto de Renda sobre os valores mantidos nas “offshores”. Trata-se da mais evidente e descarada manifestação daquilo que se conhece no popular como “legislar em causa própria”. Com o detalhe de que estava ali se utilizando de seu poder de convencimento na condição de comandante da área econômica do governo na interlocução com os parlamentares.

Existe um conjunto de regras consolidadas no documento chamado “Código de Conduta da Alta Administração Federal”, aprovado em 2000 e que deveria servir como guia orientador para o comportamento dos ocupantes de cargos no alto escalão governo. São dispositivos que também deveriam nortear as decisões da Comissão de Ética Pública (CEP) nesse quesito. O disposto no § 1º do inc. II do art. 5º é inequívoco:

(...) “§ 1º - É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP venha a especificar.” (...)

Ora, sob tais condições, fica evidente os benefícios diretos e indiretos que foram direcionados para os recursos que ambos detinham e ainda detêm em contas nos paraísos fiscais. Em qualquer país minimamente preocupado com a definição dos limites entre os interesses públicos e privados essa questão já teria sido solucionada no momento da divulgação do escândalo. Não há solução possível que não envolva a demissão imediata de ambos de seus cargos no governo.

Sonegação: o problema mais caro no Brasil

 
 
23
Ago21

Por que Aras deve ser reconduzido à PGR

Talis Andrade

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por Antônio Carlos de Almeida Castro

 
“Não sou o Golbery, mas criei um monstro.”

– Sepúlveda Pertence.

O maior tribuno, grande procurador da República, o melhor ministro criminal do Supremo, ao falar sobre os poderes do Ministério Público na Constituição de 1988 e a famosa frase do ministro Golbery sobre a criação do SNI.

 

Sou um crítico ferrenho do presidente Jair Bolsonaro e de seu governo. Escrevo há meses sobre o desmanche que esse nazifascista está fazendo no Brasil em todas as áreas. Assinei junto à Comissão de Juristas do Conselho Federal da OAB um aditamento a uma representação dirigida ao procurador-geral da República, Augusto Aras, pleiteando a apresentação de denúncia criminal contra o presidente da República pela morte, por omissão, de pelo menos 1/3 dos brasileiros que perderam a vida em decorrência do Coronavírus.

Também fui um dos advogados que assinou o que a imprensa chamou de “superpedido de impeachment” caracterizado pela imputação de vários crimes de responsabilidade ao Bolsonaro. Sempre defendi que o presidente da República é um serial killer em termos de crime de responsabilidade.

Tenho escrito sobre a necessidade de se retirar os poderes imperiais das mãos do presidente da Câmara e do procurador-geral da República. Acabo de debater com o senador Randolfe Rodrigues essa minha posição. O Brasil está parado acompanhando a CPI e aguardando o relatório final que, certamente, apresentará provas contundentes contra o presidente da República, tanto por crime comum como de responsabilidade. Porém, se não houver mudanças legislativas, todo o trabalho da CPI poderá ficar dormindo nas gavetas de quem tem o poder imperial.

O procurador-geral da República é o dominus litis; só ele pode apresentar uma denúncia formal perante o Supremo Tribunal Federal contra o presidente da República. No momento anterior à formação do processo, o PGR tem mais poder do que os 11 ministros do Supremo. O Judiciário é um poder inerte; só age se provocado. Se o PGR pedir o arquivamento do parecer final da CPI ou simplesmente não se manifestar, nada poderá ser feito. É necessário mudar isso.

A CPI tem os poderes para propor mudanças, e não apenas para investigar. É necessário que seja feita uma mudança e que faça constar expressamente, por exemplo, que, na inação do PGR por 30 dias ou no pedido de arquivamento, a questão seja levada a um conselho de 5 subprocuradores, que dará a palavra final. Na Câmara é só prever um recurso necessário ao plenário da Casa, que é soberano. Esse é um debate necessário. E urgente.

Na próxima 3ª feira (24.ago.2021), o Senado irá analisar, sabatinar e votar a recondução do procurador-geral da República, dr. Augusto Aras. Até como um crítico ácido da sua atitude –ou, ainda, de sua não-atitude– frente aos inúmeros crimes cometidos pelo presidente Bolsonaro, sinto-me à vontade para defender a necessidade de aprovação de sua recondução à frente da Procuradoria-Geral da República.

A história fará justiça ao seu trabalho técnico, à sua independência e coragem no enfrentamento da verdadeira máquina que a tal força-tarefa de Curitiba, instrumentalizando o Ministério Público, montou dentro da procuradoria, em obscuro conluio com um ex-juiz de triste memória. Foi numa live do grupo Prerrogativas que o dr. Aras apresentou os números alarmantes de uma verdadeira Procuradoria paralela. E ele teve a coragem de fazer o enfrentamento.

Não devemos esquecer que foi a Lava Jato que pariu e embalou esse governo nazifascista. Foi esse grupo que, por um projeto de poder, prendeu o então candidato Lula e deixou abertas as portas para o Bolsonaro. Foi o ex-juiz, chefe de fato da força-tarefa, que, ainda com a toga nos ombros, aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. Mercadejou a toga e esbofeteou o Judiciário. Depois brigaram, mas típica briga de quadrilha na luta por poder.

A não recondução do dr. Aras significa a volta e a vitória do grupo lavajatista. O mesmo grupo que criminalizou a política, destruiu parte das empresas brasileiras e que a Suprema Corte apontou como o responsável que corrompeu o sistema de justiça. Talvez o mais grave caso de instrumentalização do Judiciário e do Ministério Público que se tem notícia. Essa é a decisão que o Senado terá que tomar na sabatina.

Basta retirar os poderes imperiais de se decidir solitariamente que estaremos afastando o risco de ter um procurador-geral que possa ostentar mais poderes do que o próprio Supremo Tribunal Federal. Mas se voltar o grupo da Lava Jato, teremos que, novamente, enfrentar um projeto de poder que vai muito além do Judiciário e do Ministério Público.

O Senado Federal tem a responsabilidade de fazer uma sabatina séria, profunda e exaustiva. Esse é o seu papel. A sociedade inteira está acompanhando. Quem conhece Brasília sabe que para a crítica, séria e grave, de proteção ao Presidente por parte do PGR, a saída é uma mudança legislativa. Repito: é preciso retirar os poderes imperiais incompatíveis com o sentimento republicano.

Mas, para enfrentar a volta do lavajatismo, pai e mãe desse governo assassino, é importante relembrarmos aquela época da força sem limites e do uso do aparato judicial para exercer o poder. Para evitar esse retrocesso, é preciso reconduzir o dr. Aras.

Como lembrava Lord Acton, em 1887: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

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Publicado no Poder 360 /Brasil 247

06
Dez20

“Eles sabem o que fizeram nos verões passados”

Talis Andrade

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Advogado de 25 réus da Lava Jato, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, aponta em entrevista os excessos da operação

 

Após mais de cem dias em isolamento absoluto em Brasília (DF) devido à pandemia de covid-19, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, se refugiou em meados de julho no balneário de Trancoso (BA), de onde concedeu essa entrevista por videoconferência à Revista JC.

Defensor de 25 réus da operação Lava Jata, o penalista está empenhado em uma campanha para denunciar os excessos cometidos pela força-tarefa que, segundo ele, incluem o desrespeito às garantias fundamentais dos investigados e a instrumentalização política do Poder Judiciário e do Ministério Público.

 

Revista Justiça & Cidadania – O senhor tem dedicado tempo para falar nas redes sociais e na imprensa sobre eventuais excessos da operação Lava Jato. Quais são eles?

Antonio Carlos de Almeida Castro – O que a advocacia me deu de mais importante na vida – são 40 anos de advocacia ininterrupta – foi exatamente ter voz, a possibilidade de poder falar e ser ouvido. Falar para vocês, por exemplo, é uma honra, um prazer e tem uma importância enorme, especialmente porque vocês têm um público muito respeitado e específico. É difícil chegar a eles salvo através da credibilidade e da força que a Revista tem.

Realmente, tenho dito não ter nenhuma dúvida da importância da Lava Jato. Foi uma operação que desnudou uma corrupção capilarizada que ninguém poderia imaginar, nem vocês jornalistas, nem nós advogados, nem o Ministério Público. Não tenho dúvida de que essa operação tentou, pelo enfrentamento, naquele momento fundamental, fazer passar de certa forma o Brasil a limpo. Só que sou advogado e antes disso, ou ao mesmo tempo, sou cidadão. Tenho a obrigação de fazer a crítica aos excessos.

Advoguei no primeiro dia da Lava Jato. Quando prenderam o Alberto Youssef no dia 27 de março (de 2014) ele me chamou para advogar para ele. Conheço a operação desde o primeiro dia e já ali senti um pouco do que poderia acontecer se tudo viesse à tona. Quando comecei a ver aprofundarem-se esses excessos, o excesso das prisões preventivas, a deturpação do instituto da delação premiada, o uso das prisões preventivas para conseguir a delação, lembrei de Lord Acton, que lá em 1870 dizia que todo poder corrompe e todo poder absoluto corrompe absolutamente. (…) Comecei então a denunciar Brasil afora, fiz uma coisa interessante. 

Meu escritório de advocacia é pequeno, mas é um escritório que adoro, são meus amigos, acho que temos uma função também social grande. Optei e falei para os meus colegas: “Olha, vou correr o Brasil fazendo esse debate. Não sou dono da verdade, mas quero fazer o debate sobre os excessos da Lava Jato”. E comecei a fazer esse combate e esse debate.

Os excessos hoje estão absolutamente evidentes. Eles são um grupo com um projeto de poder. Só que esse projeto de poder instrumentalizou o Poder Judiciário e o Ministério Público. O Sérgio Moro vai ter que responder por isso.

Não sou lulista e não sou petista, nunca tive partido político, mas agora, um juiz federal que se tornou juiz com jurisdição nacional é algo incrível. (…) Esse juiz esbofeteou o Poder Judiciário, no meu ponto de vista, ao determinar a prisão do principal opositor do presidente da República de hoje e aceitar discutir, ainda enquanto juiz, um cargo no próximo governo. Isso chama-se mercadejar a toga.

(…) É impressionante como o Poder Judiciário estava de certa forma capturado para esse projeto de poder do senhor Sérgio Moro. Hoje, não. Os excessos são tantos e tais que nós começamos a sentir que há uma reação institucional. Essa força-tarefa, na realidade, era coordenada pelo juiz, só isso já é uma ilegalidade enorme. Aquilo que eu dizia antes, porque eu sabia, pressentia e conversava, hoje está muito óbvio.

A questão da “Vaza Jato”, eles não questionam no fundo o que está lá, questionam a legalidade, como é que isso foi obtido. Não têm a coragem de dizer que “Os filhos do Januário”, que é o grupo deles, não são eles. Quando interessava eles diziam “o que nós temos que fazer é ver o conteúdo”. Agora, querem atacar pela forma. Quero o conteúdo e a forma, sou advogado criminal e tenho respeito enorme pela legalidade da forma de obtenção das provas. Só que não tenho nenhuma dúvida da instrumentalização, não digo do Ministério Público, porque o Ministério Público é um poder importantíssimo. Humildemente como advogado, lá em 1988, fiz o que pude fazer para fortalecer esse poder que é de uma importância enorme, mas acho que nós criamos um monstro.

É muito engraçado que o Golbery do Couto e Silva quando criou o SNI (Serviço Nacional de Informações, em 1964), quando depois começou a tomar aquele poder enorme, tenha dito “criei um monstro”. Anos depois o grande Sepúlveda Pertence, o maior advogado criminal que temos, que foi ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e antes um grande procurador, e que ajudou muito a fazer crescer o Ministério Público, ao ver esses abusos repetiu, parafraseando Golbery, “criei um monstro”. O monstro é essa parte do Ministério Público.

No segundo antes de entrar na conversa com vocês, estava exatamente escrevendo uma nota contra o atrevimento desse Deltan (Dallagnol) ao fazer uma crítica vulgar ao presidente do STF, ele um procurador da República, porque o presidente do Supremo deu uma determinação contra a Lava Jato. É como se eles fossem um superpoder.

Sempre digo que faltou a esses procuradores até um pouco de conhecimento literário. Se tivessem lido Fernando Pessoa, iam entender quando ele diz “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há homens no mundo?”. A grande imprensa criou uma mítica de que eram semideuses e eles acreditaram nisso. É um pouco essa a minha guerra permanente nos últimos anos.

 

RJC – Como o senhor avalia o modelo constitucional do Ministério Público no Brasil? Como pode ser aprimorada a atuação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)?

Kakay – Temos uma série de questões interessantes. (…) Eu me preocupo imensamente com um procurador-geral da República que tenha esse poder absoluto, que seja o dominus litis. Ele pode ao final de uma investigação apresentar ou não uma denúncia contra o presidente da República, por exemplo. Entendo e fiz um artigo nesse sentido – imediatamente depois, por causa desse artigo, veio uma proposta de emenda constitucional – que o procurador-geral da República deveria ter um mandato sem possibilidade de recondução, não poderia ser nomeado ao STF, pelo menos por um prazo de quatro a cinco anos, e que suas decisões que optarem pelo arquivamento de uma investigação contra um presidente da República, por exemplo, deveriam ser submetidas a um colegiado de pelo menos três ou cinco subprocuradores. É muito grave esse poder absoluto que tem a Procuradoria-Geral da República. 

Tenho sérias críticas ao CNMP. Não faço política de Ordem, mas a OAB, embora seja extremamente corporativista, pune muito, faz muito o enfrentamento das fragilidades da advocacia, ilegalidades e crimes. O número de punições da OAB é bastante razoável. No CNJ esse número é pequeno, mas existe ainda sim afastamentos e punições a juízes, embora talvez não seja o ideal da forma como é feito. Já o CNMP é absolutamente corporativista.

Nós tínhamos há muito pouco tempo mais de 20 representações contra esse procurador Deltan. Eles não julgam. Não é que protejam só no julgamento, com corporativismo, protegem ao não julgar, ao prolongar o julgamento. Inclusive, está havendo agora uma tentativa de mudar a composição do CNMP, porque isso é muito grave.

O Poder que tem a atribuição de apresentar ou arquivar a denúncia tem que ser muito controlado, judicialmente e constitucionalmente, porque é o Poder mais importante. Se um inquérito como esse que está aberto contra o presidente da República e contra o ex-Juiz Sérgio Moro chegar, por hipótese, a indícios veementes de crimes contra um ou outro, ainda sim o poder de apresentar a denúncia é exclusivo do procurador-geral da República. Então, temos um superpoder.

Queremos isso? Não quero um Poder Judiciário encastelado, superpoderoso, e nós vivemos hoje um super Judiciário com o enfraquecimento do Poder Legislativo. Vivemos uma crise grave, com um Legislativo acuado, sem muita força. Temos que investigar a todos, ninguém está acima da lei, mas esse enfraquecimento do Legislativo, em um momento em que o Poder Executivo está absolutamente fragilizado, fez com que nós tivéssemos um super Poder Judiciário.

 

RJC – É a criminalização da política em função do eventual uso político das investigações?     

RJC – Faço uma análise estrutural de tudo isso. Esse grupo da Lava Jato tinha uma estrutura muito bem montada e sedimentada, com uma estrutura de marketing muito mais forte do que a estrutura jurídica. Eles são muito melhores de marketing do juridicamente falando. Esses procuradores, na maioria das vezes, são fracos intelectualmente, o Moro é quase um indigente intelectual, mas eles têm uma estrutura de marketing muito forte.

Eles fizeram uma criminalização da política. Não que eu esteja dizendo que os políticos não devam ser investigados, pelo contrário, eles têm que ser investigados. Ninguém está acima da lei. Essa é a máxima, que serve para eles, porque agora eles também estão sendo investigados. Só que eles fizeram uma criminalização da política que beirou uma hipótese de crise institucional. Advoguei alguns casos no STF e felizmente o Supremo, com muita dignidade, chegou a não receber algumas denúncias, nas quais a criminalização era absolutamente evidente.

Temos dois brasileiros que honram o estudo jurídico no mundo inteiro, que são o Alaor Leite e o Luís Greco, que estão na Alemanha, e contratei a eles um parecer exatamente sobre a criminalização da política. Isso foi uma estratégia. Esse governo que hoje aqui está, o Governo Bolsonaro, que é um governo autoritário com viés fascista, nada mais é que o resultado dos excessos da Lava Jato. Você fez a pergunta de um milhão de dólares. Na origem da operação Lava Jato está a criminalização da política e a criminalização da advocacia, nós advogados tivemos um momento de muitas dificuldades por causa disso, e exatamente neste caldo de cultura foi forjado o governo autoritário que hoje está aí. 

Essa pergunta é a chave. A criminalização não foi à toa, ela veio para tentar fragilizar, criar uma hipótese exatamente para assumir o grupo que estava, em tese, dissociado da visão da política, que é o grupo do Bolsonaro, esse grupo que aí está hoje, que é um governo genocida, que não tem compromisso com a vida. (…)

 

RJC – O que virou a chave? 

Kakay – O poder, quando é demais, ele começa a perder até mesmo a essência do poder que é o respeito. Por exemplo, o questionamento que hoje o Deltan faz ao presidente do Supremo é absolutamente vulgar. Você tem o direito, e eu sou um advogado simplesmente, nunca tive cargo na vida, de questionar todos. Tudo o que acho que tem que ser questionado, eu questiono, escrevo, mas sempre com o respeito institucional. Eles começaram a achar que tinham poder demais, que podiam tudo, passaram a fazer abusos. Outro exemplo… Não sou lulista, nem sou petista, mas quando teve aquela liminar do Desembargador (Rogério) Favreto para a liberdade do Lula e o Moro desacatou a ordem do desembargador, tinha que ter sido preso.

 

RJC – Ele estava de férias…

Kakay – Podia estar dentro do gabinete dele, não podia fazer aquilo. O Poder Judiciário, mesmo esbofeteado, resta um pouco de dignidade em cada uma dessas pessoas. Tem um momento que chega, tem um momento que dói. Lembro do Raul Schmidt, sou o advogado dele, que é um brasileiro que vive em Portugal, e que muitos dizem que foi a maior derrota do Moro nesse episódio internacional. Havia uma questão de extradição e ganhei um habeas corpus em liminar do Dr. Leão (Aparecido Alves), que é um Desembargador de Goiás, convocado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Não tinha nada a ver com a decisão do Moro de prisão preventiva do Raul, era uma discussão técnica de extradição. Quando saiu a decisão, o Moro lá da prepotência dele, lá do quartel-general dele em Curitiba, determinou, como fez com o Favreto, que se descumprisse a decisão. Quando li ele determinar aquilo, falei “opa, agora ele mexeu primeiro com o advogado errado, segundo com o tribunal errado”. 

Imediatamente liguei para o chefe da Terceira Turma, Desembargador Ney Bello, que é um grande desembargador, independente e culto. Ele passou somente o seguinte recado para mim: “Não preciso falar com você. Sei o que aconteceu”. Só isso. O Poder Judiciário tem que se dar ao respeito. Ele deu um despacho absolutamente desmoralizante para o Moro, absolutamente duro. Isso é o que o Poder Judiciário tinha que ter feito desde então. Esses são os enfrentamentos que nós fazemos. (…)

 

RJC – Com essa mudança de percepção em relação à Lava Jato, muda a perspectiva do julgamento da suspeição do ex-Ministro Sérgio Moro? 

Kakay – Advogo no Supremo há quase 40 anos. Jamais, como advogado, quero ter a pretensão de falar o que o Tribunal deve fazer. Aprendi que devemos fazer a análise sem fazer projeções, mas digo que é um caso clássico. Se não tiver o julgamento pela suspeição, temos que abandonar o instituto da suspeição, porque são tantas e tantas provas de que ele é um juiz parcial, que não existe nenhuma hipótese de se criar uma solução parecida com a que ele fez. Ele desdenhou, abusou e instrumentalizou o Poder Judiciário. Ao falar em pensão ainda sendo juiz, ao tratar em ser ministro de um governo que ajudou a eleger, ele esbofeteou o Poder Judiciário. Você tem tecnicamente as diversas hipóteses de suspeição: instruiu procuradoras, “não leva a procuradora X não porque ela não é muito boa para perguntar”; falava o que era o correto a fazer; instruiu a procuradoria a como agir nas conversas. A suspeição me parece óbvia, o que temos que analisar é um passo à frente, se ele cometeu crime enquanto juiz. 

Isso não está sendo discutido, não aceito a hipótese de não discutir essa situação gravíssima. Não acho que simplesmente ele foi parcial. Acho que agora que foi comprovado que ele realmente tinha um projeto de poder, ao instrumentalizar o Poder Judiciário, a suspeição é absolutamente óbvia, ele pode ter cometido sim mais de um crime enquanto julgava o Presidente Lula.

Não sou advogado do Presidente Lula. Quando entrei com a Ação Direta de Constitucionalidade nº 43 para discutir a presunção de inocência, o Lula não era sequer investigado. Entrei porque sou um eterno angustiado pela questão dos presídios brasileiros. (…)

Que ele é parcial, qualquer estudante de Direito sabe. O Moro é a parcialidade. O primeiro direito do cidadão é ser julgado por um juiz natural e imparcial. Você me imagina julgando uma final de campeonato entre Cruzeiro e Atlético? Não tinha condições de julgar, marcaria o gol com a mão a favor do Cruzeiro. Sou um apaixonado e sofredor, hoje estamos na segunda divisão. 

As coisas mais simples às vezes são as mais importantes. O Moro outro dia deu uma entrevista e, se referindo a quando ele interrogou o Lula, disse: “Você lembra aquele ringue?”. Isso é uma vergonha. Ele se sentia no ringue com o Lula. Era um super-herói, muito frágil intelectualmente, mas com um projeto de poder muito forte, que nós ainda vamos descobrir realmente quem estava por trás, coordenando uma equipe de procuradores que, se fosse preparada intelectualmente, não teria se tornado interiormente tão poderosa. Teria se tornado poderosa pelo que fez e não pelo que quis fazer. Quando vi aquele outdoor daqueles meninos, eu falei “vamos derrubá-los”. Quem faz um outdoor ridículo daqueles, sabe que a coisa… Começou a briga interna, tem quatro que já saíram, por brigas. Agora começa… Eles vão ser responsabilizados criminalmente, não têm saída. (…)

O Brasil merece que seja feito esse enfrentamento, porque não é uma parcialidade comum. É uma parcialidade dirigida em todos os casos. O que estava por trás? Por que esse procurador Deltan atrevidamente hoje vem e  atinge o presidente do STF? Um procurador da República!? Até sou contrário ao excesso de formalismo. Sou o menos formalista que se possa imaginar, não uso terno, não tenho muito apreço por essas formalidades, mas eles têm quando interessa a eles. Por que um procurador da República se dirige ao presidente do Supremo criticando-o diretamente? É porque eles sabem que o poder deles está sendo questionado, sabem que estão sendo investigados, sabem o que fizeram no verão passado. 

26
Ago20

CNMP, como o 'Supremo Com Tudo', é a vergonha, o vexame e a desgraça do Brasil — O Lula que se dane!

Talis Andrade

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por Davis Sena Filho

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Os juízes e procuradores se tornaram, no Brasil, os signatários do vale tudo e os algozes da civilização. Eles são simplesmente os bárbaros com punhos de renda, beca, toga e um português afetado como o são suas culpas.

Enfim, o “julgamento” do chefe dos procuradores da Lava Jato, Deltan Dallagnol, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após ser, inacreditavelmente, 41 vezes adiado, soou, evidentemente, como um julgamento de cartas marcadas, que parte da população brasileira, que tem o mínimo de discernimento do que é justo ou injusto, considerou uma pantomima, que envergonha os mais talentosos palhaços de circo.

E assim tem acontecido também em todas instâncias do Poder Judiciário quando se trata de proteger àqueles que estão na linha de frente de combate ao Partido dos Trabalhadores e suas principais lideranças, que foram caninamente perseguidos e tratados como criminosos desde que Lula assumiu o poder em janeiro de 2003.

Nenhum partido de direita teve suas lideranças tão perseguidas pelos agentes de Estado, que agem como guardas pretorianos dos tubarões do sistema internacional de capitais e dos interesses da grande burguesia, que não aceitaram a derrota eleitoral para o PT em 2018 e, por sua vez, resolveram tomar o poder, por intermédio de um golpe de estado travestido de legal e legítimo, a ter à frente o abjeto e traidor Michel Temer, político medíocre, mas disposto a desmontar o Estado nacional e extinguir os direitos dos trabalhadores e aposentados.

Portanto, nada a estranhar ou duvidar e que não fosse o lugar comum, ou seja, diferente do que o esperado nesses tempos de intolerâncias e golpes baixos promovidos por agentes do Estado brasileiro, pois cúmplices e atores do golpe contra Dilma Rousseff e a prisão injusta de Lula, para que o líder de esquerda não fosse eleito presidente em 2018 e, evidentemente, alavancar ainda mais os programas de inclusão social do PT, bem como manter a política internacional de soberania, ou seja, exigir igualdade nas relações políticas, culturais e econômicas entre o Brasil e as nações.

A diplomacia independente e multilateral do PT sempre incomodou a escravocrata e irremediavelmente colonizada casa grande brasileira, bem como seus lacaios que controlam as instituições e órgãos públicos, a exemplo de juízes, procuradores, delegados e generais, como se vê, sobretudo, no governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, talvez a administração da história deste País mais entreguista e subserviente aos Estados Unidos. Uma coisa de loucos...

Ressalto novamente, o que era esperado se confirmou no que é relativo ao CNMP. Trata-se de um órgão corporativo, que resolveu se comportar, tal qual ao Poder Judiciário, de forma política e ideológica, a proteger um de seus membros mais famosos, o procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, sujeito sorrateiro de ações deletérias, autor de inúmeras mentiras e armações, além de ser acusado de cometer crimes em série, que até hoje não foram devidamente investigados, para que o procurador chefe de um bando encastelado na Lava Jato seja punido de forma severa.

Simplesmente o paladino cristão e midiático, assim como o vingador da família, da propriedade e dos bons costumes lacerdistas, cujo codinome é Pastor, foi absolvido e agora ele irá lépido e fagueiro continuar com suas ações persecutórias, mentirosas e covardes, de cunho partidário e ideológico, a perseguir e a intervir em todos os processos de posse e ao alcance da Lava Jato, que permitam combater o PT e as esquerdas, ainda mais que se aproxima o certame eleitoral para prefeito, que é uma prévia para as eleições presidenciais de 2022.

Não esqueça, cara pálida, Deltan Dallagnol e Sérgio Moro influenciaram nas eleições de 2018, para favorecer o fascista Jair Bolsonaro e, concomitantemente, prejudicar Fernando Haddad, candidato do PT, quando vazaram criminosamente os diálogos entre Dilma e Lula com apoio da Globo, assim como às vésperas das eleições interviram ilegalmente no processo eleitoral, sendo que dessa vez vazaram a delação mentirosa de Antônio Palocci contra Lula, fato este que depois se comprovou como farsa e fraude.

O autor dessa sujeira fétida e asquerosa é o ex-chefe da Lava Jato, o ex-juiz Sérgio Moro — vulgo Marreco —, que ganhou como prêmio o cargo de ministro da Justiça do governo fascista de Jair Bolsonaro. Alguma dúvida, cara pálida?! Se tiver, recorra à história... Porém, tal sujeito desmedidamente ambicioso, de conduta torpe e propósitos golpistas não recebeu do mandatário fascista o galardão maior: uma vaga no Supremo Com Tudo (SCT), que, tal qual ao CNMP, é a vergonha, o vexame e a desgraça do Brasil.

Não há, contudo, condições para que o Brasil tenha a democracia resgatada, o Estado Democrático de Direito restabelecido quando sabemos que procuradores, juízes e delegados participaram, efetivamente, de um golpe de estado e resolveram intervir no processo político-eleitoral, interditar o Estado de Direito para que a esquerda eleita quatro vezes consecutivas fosse derrubada e, consequentemente, tomassem o poder, na mão grande, os políticos e partidos com programas ultraliberais e dispostos a atender os interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos e da burguesia e pequena burguesia tupiniquim, que odiaram a ascensão das classes mais pobres, por mais tímida que fosse.   

Porém, perguntemos: por que diabos essa gente, paga com altos salários pelos contribuintes brasileiros, tem tanto poder, ao ponto de se sentir impune e pronta para cometer outros abusos e crimes? Respondo: Os servidores públicos, de poder e mando, sequestraram o estado nacional para eles. Os melhores cargos do Estado pertencem a eles, de classe média e média alta, já que concurseiros que não possuem o controle empresarial dos meios de produção, mas “donos” dos melhores empregos da iniciativa privada e do setor público. Este é o “acordo” secular entre a pequena burguesia e a burguesia.

Com o tempo esses servidores se fortaleceram institucionalmente e passaram a atuar e agir em todos os segmentos e setores da sociedade, a partir da promulgação da Constituição de 1988. Os agentes públicos de poder e mando avançaram em atividades não condizentes por lei ao MPF e assim se tornaram tão poderosos, que a frase “Não sou o Golbery, mas criei um monstro”, do ex-procurador-geral da República, Sepúlveda Pertence, ao presidente José Sarney, em 1989, nunca foi tão real e atual.

O general Golbery do Couto e Silva afirmou em 1981, no governo do general João Figueiredo e durante o episódio da bomba do Rio Centro, que “Criou um monstro”. O monstro era o extinto SNI. A Lava Jato não se utilizou de bombas e nem torturou corpos, mas as mentes sim, e efetivou ações e atividades subterrâneas e ilegais que lembram os tempos da ditadura, sem dúvida.

O que esses agentes da Lava Jato ideológicos, ativistas políticos do campo da direita e politicamente parciais fizeram para combater, por meio da força do Estado, as lideranças e membros do PT, a exemplo de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, dentre muitos outros, está editorado, publicizado e grifado nos manuais da ditadura militar, assim como a história recente deste País irá registrar.

Os três petistas em questão estão a derrubar processo por processo elaborados pela Lava Jato e outros órgãos da Justiça, do MPF e MPE contra eles, porque, na verdade, eles não tem culpa no cartório e nada com o tempo para provar que seus inimigos políticos aboletados no Estado conspiraram criminosamente para demonizá-los publicamente e, com efeito, levá-los injustamente ao encarceramento.

Deltan Dallagnol e CIA construíram verdadeiras farsas como o Powerpoint criminoso, leviano e mentiroso que ele teve a desfaçatez de apresentar ao público e à imprensa de mercado, parceira principal dos golpes e crimes da Lava Jato. Aliás, a Globo está tão desmoralizada que seus jornalistas não podem cobrir movimentos sociais, sindicais e políticos nas ruas e praças, pois são hostilizados duramente pelas pessoas que não mais aturam décadas de péssimo jornalismo, porque manipulador, mentiroso, criminoso e covarde.

Palmas, então, para o colegiado do CNMP, que em vez de corrigir erros e punir aqueles que cometem malfeitos, como o procurador Deltan Dallagnol, prefere passar a mão na cabeça do ativista político de direita dos subterrâneos do MPF, sendo que ainda, nos gabinetes, após a impunidade do ardiloso procurador Dallagnol, tais julgadores devem dar risadas e a debochar da cara da nação, porque simplesmente eles podem tudo, até ter uma Constituição apenas para os procuradores, pois os juízes tem há muito tempo uma Carta para eles.  

O poder dessa gente é tão surreal, que atualmente o MPF engessa ou congela os atos e ações de executivos eleitos pelo povo brasileiro, a exemplo de governadores, prefeitos e servidores públicos da administração pública em todas as esferas governamentais, que governar virou uma atividade perigosa, porque tudo virou crime, além das insatisfações e aborrecimentos constantes, mais do que já acontecia corriqueiramente no dia a dia da administração pública.

Os semideuses procuradores e juízes resolveram, sem terem o voto popular e sem expor seus programas e projetos perante a população, administrar no lugar dos eleitos, sendo que qualquer ato de quem governa é questionado pelos paladinos varonis do MP e da Justiça, de acordo com seus interesses políticos, bel-prazeres e vaidades. Uma bagunça geral promovida irresponsavelmente pelos homens e mulheres de preto, que interditaram a política e engessaram a administração pública em busca do poder.

Trata-se de uma distorção monstruosa, além de ser o fim da picada. Não sei como esse processo dantesco e arbitrário irá terminar no Brasil, mas que as distorções e os casuísmos dos procuradores de classe média alta, que consideram que enfim chegaram ao paraíso tem de acabar, porque desse jeito não há como governar, evidentemente, conforme o que reza a Constituição. Os vingadores de capa e beca querem rivalizar com os outros poderes e assim procedem como se não houvesse o amanhã.

A verdade é que o CNMP não agiu como um como um colegiado que tem por função limitar os abusos de poder dos procuradores, bem como punir aqueles que mesmo mortais pensam que são deuses e, com efeito, são magnetizados pelo canto mavioso de seus interesses e covardias. A verdade é que Dallagnol cometeu um crime sem precedentes contra um homem que depois acabou preso injustamente.

O PowerPoint criminoso, leviano e mentiroso de autoria de tão abjeto sujeito foi indelevelmente perverso, porque caluniou, difamou, injuriou, criminalizou e demonizou um homem que não cometeu crimes, como está a se provar no decorrer do tempo e da história.

O relator do caso no CNMP, Marcelo Weitzel, considerou a ação de Lula improcedente, porque, em sua concepção corporativista, além de se valer de seu poder institucional, o Pastor Dallagnol do bando da Lava Jato não cometeu abuso de poder, apesar de chamar o Lula de ladrão e chefe de quadrilha para 210 milhões de brasileiros, com repercussão internacional. É mole ou quer mais, cara pálida?!

Parece gozação, mas não é, porque é assim que as coisas acontecem no Brasil e é também por isso que o MPF e o STF estão desacreditados por imensa parcela da sociedade brasileira. E os togados sabem disso, mas como mentiram e se acumpliciaram com os crimes da Lava Jato, eles agora terão de levar esse processo golpista e criminoso até o fim, doa a quem doer... E que se dane o Brasil e a história!

Os golpistas de classe média alta querem mesmo ir para Miami comprar bugigangas, além de Orlando para dar uma de Patetas ao cumprimentar o Mickey, o Pluto e o Donald. Contudo, eles sabem que sem justiça não há paz, mas não se importam, pois hereditariamente injustos. O CNMP, tal qual ao Supremo Com Tudo, é a vergonha, o vexame e a desgraça do Brasil. O Lula que se dane! É isso aí.

03
Ago20

Mentiras e imoralidades ficam mais fáceis em um regime neofascista

Talis Andrade

coco fascismo.png

 

Os que têm potencial e obrigação de reagir tratam o avanço neofascista como mais um fato cotidiano

por Janio de Freitas

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Com um largo passo, afastamo-nos mais da democracia, dos nossos direitos civis e da vigência plena da Constituição. E como se isso não acontecesse ou, se percebido, não fosse importante. A falta de reação proporcional é tão grave quanto o passo a que fomos empurrados.

Todos os governos de índole fascista começam a torná-la realidade por três ou quatro medidas que tolhem a liberdade de discordância.

Uma dessas medidas clássicas da derrubada de democracias é a identificação, fichamento e vigilância sigilosa de reais ou potenciais opositores ao autoritarismo. Uma das primeiras providências do gorilismo de 1964, por exemplo, foi a criação do SNI, serviço de espionagem interna mais tarde chamado de monstro pelo próprio criador, o sinistro general Golbery.

Tem essa mesma finalidade a função atribuída à Seopi, Secretaria de Operações Integradas, pelo recém-ministro da Justiça, André Mendonça, não muito menos sinistro na sua fisionomia sem expressão.

As atuais revelações do ex-repórter especialíssimo da Folha e hoje encontrável em blog no UOL, Rubens Valente, partem de um dossiê da Seopi, datado de junho.

São os dados e às vezes fotos obtidos em sua “ação sigilosa sobre 579 servidores federais e estaduais de segurança, e três professores universitários, identificados como integrantes do ‘movimento antifascismo’”.

Título do dossiê: “Ações de Grupos Antifas e Policiais Antifascismo”. Antifas é como se denominam os adversários ativos do fascismo em qualquer das suas formas.

O título explicita, portanto, o propósito da ação e do dossiê contra os defensores do regime democrático em vigor, como são, no caso e por definição, os antifas e os policiais antifascismo. Logo, trata-se de uma ação, sob ordens do próprio ministro da Justiça, mais do que inconstitucional, contra a Constituição em seu teor e vigência.

A Constituição não admite ações ou pregação contra o regime nela formulado. Tem a sabedoria da prevenção. Porque o início contra servidores e alguns professores, se não recebe a reação proporcional e legal, será, logo, estendido a outras linhagens da cidadania. Se ainda não foi.

E os que têm o potencial e a obrigação de reagir, até como defesa de si mesmos, trataram o revelado avanço neofascista como mais um fato cotidiano. Sim, os de sempre, jornais e TV, juristas, advogados, professores, intelectuais, artistas, políticos democratas — os visados.

O confronto entre os dallagnois de Curitiba e o procurador-geral Augusto Aras teve a preferência, brigas têm mais sensação. Acusada de caixa de segredos, a Lava Jato rebateu com a afirmação de que os seus arquivos “são avaliados por diversos entes, incluindo toda a sociedade”. Se isso não fosse mentira, não haveria o choque público por recusa do compartilhamento de dados pretendido pela Procuradoria-Geral.

Os dallagnois explicaram ainda as 38 mil pessoas e empresas constantes no seu arquivo, motivo de suspeitas de Aras. São menções em relatórios do Coaf, órgão de alegado controle da Receita Federal, mandados à Lava Jato para verificar suspeitas de lavagem de dinheiro.

Mas a Lava Jato não tem poderes para se meter em buscas a granel das vidas financeiras de pessoas e empresas. Fazê-lo é mais um dos seus habituais abusos de poder.

Executor dos objetivos da Lava Jato, Sergio Moro defende-o: “A operação sempre foi transparente e teve suas decisões confirmadas pelos tribunais de segunda instância e também pelas cortes superiores”. Mentira também. Até a segunda instância no Tribunal Regional em Porto Alegre, ainda que a contragosto, derrubou decisões da parceria Moro/Dallagnol. Nas cortes superiores, Moro recorreu até a pedido de desculpa, para evitar vexame maior.

Mas não faltará um registro simpático: os generais do bolsonarismo são pais dedicados. E dedicados até a simples amigas. Buscam-lhes bons cargos no serviço público, apesar de não terem habilitação. Como a nova representante do Ministério da Saúde em Pernambuco, Paula Amorim, nomeada pelo mérito de ter “relação de amizade e confiança” com o general Eduardo Pazzuelo. Os generais falavam de imoralidade dos políticos.

Em regime neofacista as mentiras e as imoralidades ficam mais fáceis. Justifica-se, pois.

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