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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

"Brasil está de volta à cena internacional", diz Lula na China em posse de Dilma no Banco do Brics

26
Fev23

Para uma menina do Recife

Talis Andrade

 

 

Recupero um texto que publiquei em 2012. Mas não é possível, há 11 anos? Uma explicação é que talvez o tempo tenha passado muito depressa

 

por Urariano Mota

 

Penélope, a menina do Recife a quem me dirijo em 2012, não está só, ainda que fale em seu nome ao me procurar por e-mail. De modo bem didático, ela me conta que, num coletivo de alunos da 8ª série do Instituto Capibaribe, prepara um trabalho para ser exibido na feira de conhecimento da escola. E que esse trabalho foi solicitado pelos professores Mauro Santos, de Português, e Júlia Vergeti, de História. Eu deveria responder logo que ainda há educadores no Recife. Mas me calo para aqui terminar a didática da história.

Penélope Andrade tem apenas 13 anos. Pois a menina mocinha me procura pra saber notícias da ditadura no Recife, e com uma maturidade que talvez eu não tivesse na sua idade. É preciso dizer que o mais ardente em curiosidade sou eu? O que viria das perguntas e entrevista da menina? Acompanhem por favor a história.

 

Quantos anos tinha nessa época? E o que fazia? – Penélope começa. 

Ao que respondo:

– Quando houve o golpe, no dia primeiro de abril e não em 31 de março como os militares golpistas dizem com medo, porque desejam afastar o ridículo que é um golpe no dia universal da mentira, em primeiro de abril de 1964 eu estava com 13 anos de idade.

Era estudante de escola pública, que na época era a melhor escola que havia, e de tal maneira que chamávamos as escolas privadas de PP (Pagou, Passou). Eu era um adolescente angustiado – e que adolescente não é? – carregado de traumas familiares (aqueles traumas que não confessamos a ninguém), que adorava ler, que sonhava em ser ator de teatro, poeta, desenhista, pintor e galã de cinema. Se possível, na ordem inversa. Mas o espelho e a realidade me livraram de ser Rodrigo Santoro. (Embora digam que depois de maduro eu melhorei muito…). As ideias da esquerda já me chegavam, mas eu era um reacionário leitor de Seleções Reader’s Digest, uma revista infame de propaganda norte-americana. Pra minha sorte, os amigos que mais me influenciaram eram de esquerda. De um deles ouvi pela primeira vez o nome Darwin, e a sua teoria da evolução, que batia de frente contra a criação do homem por Deus, como eu acreditava e discutia furioso. Em resumo: eu tive a sorte de as melhores pessoas que eu conheci, quando eu mais precisava, terem sido de esquerda. Isso foi, é uma riqueza sem tamanho.

 

– Considerando fatores econômicos e político, sabendo que nessa época estávamos sendo governados por João Goulart, como estava a situação do país? – Penélope continua.

Respondo:

– O Brasil era subdesenvolvido, o que quer dizer: atrasado, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Pra você ter ideia, os trabalhadores da zona da mata de Pernambuco, os cortadores de cana, recebiam menos, muito menos que o salário-mínimo. Foi no primeiro governo de Arraes, a partir de 1962, que os trabalhadores da cana tiveram a conquista do salário-mínimo. Isso foi tão bom, que Paulo Cavalcanti (historiador e jornalista, comunista histórico do Recife) contou que os trabalhadores compravam 2 relógios, “um pro horário de verão, outro pro horário de mesmo”. As ligas camponesas nasciam e ameaçavam o domínio dos latifundiários, os grandes donos de terras. O Nordeste, Pernambuco em particular, fervia muito além do frevo. Estávamos com o MCP, Movimento de Cultura Popular, que reunia artistas de valor, engajados na luta pelas reformas (como chamavam as reivindicações para dar ao povo o direito de cidadão), um movimento em que Abelardo da Hora, o maior escultor do Brasil, vivo e trabalhando ainda hoje, criou tantas esculturas, lindas, como o Vendedor de Pirulito, que pode ser visto no Parque 13 de maio.

Abelardo da Hora 

 

Era o tempo em que no Recife estavam Celso Furtado, Josué de Castro, Paulo Freire, intelectuais que foram reconhecidos em todo o mundo, mas perseguidos pelo regime militar que se instalou. Vale dizer, a repressão que se abateu veio com força absoluta sobre os pernambucanos, a ponto de cometerem barbaridades públicas, como o espancamento de Gregório Bezerra nas ruas, com golpes de ferro na cabeça. Queriam inclusive enforcá-lo na praça de Casa Forte. Esse era o tempo e o clima. Um país que exigia reformas urgentes, que os Estados Unidos interpretaram como um caminho aberto para o comunismo, e por isso apoiaram o golpe que os militares deram.

 

– Após o regime, como foi a redemocratização do país e a escolha do presidente? – A menina do Recife pergunta.

Respondo:

– Você pulou cedo demais. Antes de “após o regime”, houve o pior, o “durante o regime”. Isto é, o tempo da ditadura. Você não pode nem imaginar o filme de terror, pior que um filme de terror, porque era real, insuportavelmente real, os anos de ditadura. Artes, música, cinema, literatura censuradas. Jornais sob censura prévia. Prisões, mortes e assassinatos sob torturas. Deixo pra você alguns artigos que escrevi sobre aquele tempo em Ivanovitch, 1964  e Raquel, a viúva que amamos, mais suave, mas igualmente verdadeiro.

Deputados defendem frente democrática, como a das Diretas Já, que reuniu, entre outros, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães (Foto: Célio Azevedo)

 

A redemocratização do país não veio como sonhávamos. Ou seja, queríamos a realização, a continuação da história interrompida, com o aprofundamento da democracia pela qual o povo lutara antes do golpe. Queríamos trabalho para todos, as artes e a ciência para todo o mundo, o socialismo no poder, a punição severa dos crimes praticados pelos torturadores. Nada disso se cumpriu. Para nós, a redemocratização começou a dar uns lampejos no governo Lula e na continuação com a presidenta (atenção, a forma “presidenta” é legítima) Dilma. Começou, apenas.

 

– Que heranças econômicas foram deixadas após o regime? Você as considera boas ou ruins? – Penélope continua.

Respondo:

– É claro que a herança vinda do regime é a pior possível. Tanto do ponto de vista social, porque houve um desmantelamento da qualidade do ensino público no Brasil (e a direita, esperta, põe na conta do pós-ditadura), quanto do econômico, porque aumentou a centralização do desenvolvimento no Sudeste. Isso quer dizer, o Nordeste afundou sob os anos de ditadura. A cultura brasileira foi rompida, rasgada, e muitos de seus melhores artistas enlouqueceram (Glauber, Torquato Neto, Vandré…).

Mais: e se houve algum avanço econômico, e depois de 21 anos algum deve ter havido, paga o preço de tantas pessoas cortadas, barbarizadas? Seria o mesmo que acreditar que a herança deixada por um homem morto é melhor que a sua vida.  

 

– Comparando o antes e depois do regime militar o que mudou na sua vida?

– Muito mudou. Fiquei menos feio e sou escritor. Mas as perdas pessoais foram imensas, e aqui faço uma homenagem a uma pessoa em particular, que vem a ser o seu tio-avô Luiz Paulo. Ele foi uma das melhores pessoas que conheci naquele maldito ano de 1973, quando foram assassinados seis militantes socialistas no Recife, e sobre os quais escrevi Os Corações Futuristas e Soledad no Recife. (Em 2023, acrescento: “A mais longa duração da juventude”)

Urariano Mota

 

Luiz Paulo era um intelectual, um escritor de grande senso de humor, que perdemos antes do seu fim, porque ele se autoexilou em São Paulo, por conta das burrices e divisões autofágicas na esquerda do Recife. Com ele fundamos o jornal A Xepa, o primeiro jornal alternativo no Recife sob a ditadura. E escrevo “com ele” pra não dizer: A Xepa foi Luiz Paulo e o resto. Para esse jornal, dele veio o maior estímulo e dedicação, porque acreditávamos, na época, que estávamos fundando um novo Pasquim no Recife. Sonhar era bom e Luiz Paulo esteve ao nosso lado nesse sonho.

E aqui terminei a entrevista.

Terminei, não, fiz uma pausa, fizemos uma pausa, eu e Penélope, eu e os alunos como ela. Essa continuação da história que passamos adiante, essa continuidade de gênese e recriação do mundo com que nos confraternizamos, esse despertar de educadores para a realidade política da ditadura é como descobrir um mundo melhor do que imaginávamos.

Calderón de La Barca dizia que a vida é sonho, ao que a realidade nos diz que o sonho é a vida, apesar de tantos pesadelos. O que afinal guarda uma coerência interna, pois o pesadelo é gêmeo univitelino do sonho. Esse pesadelo imenso e geral tem pausas e intervalos felizes, como o da curiosidade histórica dessa mocinha Penélope. Para mim, ela é A menina do Recife a quem mando um sorriso e um abraço.

OS_CORACOES_FUTURISTAS urariano mota.jpg

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02
Dez22

Quem canta Chico a ditadura espanta (letra e música) - III

Talis Andrade

ditadura 5.png

 
Roda viva
 
Chico Buarque 
 
 
 
 
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
 

Há 54 anos, peça de Chico Buarque era alvo de censura e violênciaO dia em que o espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, foi reprimido em  Porto Alegre | GZH

 

chico-buarque-nos-ensaios-da-peca-roda-viva-em-196

 

Chico Buarque nos ensaios da peça "Roda Viva", em 1968. Imagem: Reprodução

 

Redação UOL

O tumulto que tomou a apresentação de “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos”, em Belo Horizonte, acabou se tornando um símbolo da polarização política que ronda o país.

De improviso, o ator e codiretor Claudio Botelho fez referências à uma possível prisão do ex-presidente Lula e ao impeachment de “uma presidente ladra”. Recebeu uma reação forte por parte da plateia, que com vaias e grito de “Não vai ter Golpe”, impediu que a peça continuasse. Botelho tentou seguir o espetáculo, mas já era tarde: “Vocês são piores que os militares, vocês pararam Roda Viva”, gritou, antes de ser retirado do palco.

Há 54 anos, a peça “Roda Viva”, que é lembrada no musical da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, se tornaria um símbolo da resistência contra a ditadura militar. Os contextos díspares revelam que a ação sofrida foi muito além do que uma mera manifestação, como ocorrida no último sábado.

Com poucos meses em cartaz, a peça de Chico era aparentemente apolítica. Contava a história de um ídolo da música que decide mudar de nome para agradar o público, se tornando uma figura manipulada. A submissão do personagem aos mecanismos da indústria cultural ressoava, nas entrelinhas, uma reflexão sobre a questão política na época -- muito mais séria do que a polarização entre "coxinhas" e "petralhas". 

No dia 18 de julho de 1968, cerca de 100 pessoas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiram a força o Teatro Galpão (hoje Teatro Ruth Escobar), no encerramento da apresentação, destruindo os cenários e agredindo o elenco.

A edição da Folha de S. Paulo no dia seguinte noticiou que os elementos estavam “armados de cassetetes, soco-inglês sob as luvas” e que espancaram os atores Marília Pêra, André Valli e Rodrigo Santiago. “Depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e equipamentos elétricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e seviciadas”.

Ao Jornal da Tarde, naquela semana, Marília relatou o cenário de horror: "Quis fechar a porta, mas eles já tinham me visto. Entraram quebrando os espelhos arrancaram minha roupa, deram socos. Saí correndo eles continuaram batendo. Pelo corredor havia mais rapazes e enquanto eu fugia sentia cassetetes nas costas. Não apanhei mais porque a Isa, camareira do teatro, correu para mim e me protegeu enquanto fugíamos"

A reação a toda aquela violência foi explicitada na opinião do dramaturgo Plínio Marcos. “Grupos terroristas procuram, através de atos violentos de terrorismo organizado por gente interessada numa ditadura violenta, agredindo trabalhadores em seu local de trabalho", disse à Folha.

Dois meses depois, a peça seguia com filas ainda maiores, quando sofreu violência semelhante dois meses depois, em Porto Alegre, com uma batida do Exército Brasileiro. A peça havia sido proibida pela censura, por ser considerada "degradante" e "subversivo".

Segundo o censor responsável, Mario F. Russomano, Chico Buarque havia criado "uma peça que não respeita a formação moral do espectador, ferindo de modo contundente todos os princípios de ensinamento de moral e de religião herdados de nossos antepassados".

Criado em homenagem a Chico Buarque, na ocasião de seu 70° aniversário, “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos” foi uma dos poucos espetáculos que conseguiu liberação para a citação de “Roda Viva”, considera pelo autor como uma peça ruim e datada, o que impediu novas encenações desde então.

Um dos alvos prediletos dos censores nos anos 1960 e 1970, Chico Buarque soube a manifestação política de Claudio Botelho e não autorizou mais o uso de suas canções neste ou em qualquer outro musical da dupla“O autor, amparado pela lei, tem a prerrogativa de autorizar ou não o uso de sua obra", explicou o assessor em um e-mail.

 

.Roda Viva - Revista da peça no Teatro Princesa Isabel"

 

Juíza volta a negar autoria de “Roda Viva” a Chico Buarque

Músico, teatrólogo e romancista processou o deputado Eduardo Bolsonaro por utilizar a canção indevidamente

247 - A juíza substituta do 6º Juizado Especial Cível da Comarca da Capital Lagoa, Mônica Ribeiro Teixeira, contestou, mais uma vez, que o cantor e compositor Chico Buarque seja o autor da letra da música “Roda Viva”, que em 1968 virou inspiração para uma peça de teatro quando o elenco foi espancado pelo regime militar, informa o jornal O Globo. 

Na ação, Chico cobra a retirada de sua música da postagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PL), além de uma indenização de R$ 48 milhões e publicação da sentença condenatória no Instagram.

Na decisão em questão, a referida juíza tem dúvidas se Chico é, de fato, autor de 'Roda Viva'. Segundo ela, há “ausência de documento indispensável à propositura da demanda, qual seja, documento hábil a comprovar os direitos autorais do requerente sobre a canção ‘Roda Viva’”

 

.Roda Viva"

 

Chamado de 'subversivo' pela Censura, 'Roda Viva', de Chico, faz 54 anos

Redação Folha de S. Paulo

Um dos marcos do teatro brasileiro, "Roda Viva" fazia sua estreia há 50 anos no Teatro Princesa Isabel, no Rio.

O diretor Zé Celso acabara de sair de outra montagem de impacto, "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, que estreara em setembro de 1967 em São Paulo e, naquele mesmo janeiro de 1968, fazia uma temporada carioca no Teatro João Caetano.

"Roda Viva" também marcou a estreia de Chico Buarque na dramaturgia –antes, porém, ele havia musicado para o teatro o poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto.

Escrito pelo músico "em 25 dias, trabalhando sem parar", segundo Chico contou ao "Globo" pouco antes da estreia, "Roda Viva" é uma alegoria de um artista (então vivido por Heleno Prestes) que ganha fama e é "engolido" pela indústria cultural.

Em determinada cena, como num rito mítico –ecoando o filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha"–, o protagonista chega a ser crucificado.

Entre as músicas, a famosa canção-título que diz "A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá".

Ao periódico carioca, Chico ainda disse durante os ensaios da montagem: "Meu tema é um desabafo, que não chega a ser autobiográfico".

O espetáculo enfrentou o recrudescimento da ditadura, que no fim daquele ano decretaria o AI-5, o mais severo dos Atos Institucionais.

Em julho de 1968, o CCC, Comando de Caça aos Comunistas, invadiu o Teatro Galpão, onde o musical fazia uma temporada paulistana. Destruiu o cenário e espancou artistas, entre eles a atriz Marília Pêra (1943-2015).

Em outubro, quando a peça estrearia em Porto Alegre, foi proibida pelo o Exército, que bateu nos atores no hotel onde estavam hospedados.

Censurada repetidas vezes pelo regime militar, "Roda Viva" foi considerada pelo governo um espetáculo "degradante", "subversivo" e que "desrespeita a todos e tudo, até a própria mãe".

Na análise do censor Mário F. Russomano, Chico foi chamado de "débil mental".

 

RODA-VIVA' DE CHICO BUARQUE GANHA NOVA MONTAGEM - Acesso Cultural

 
 
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31
Ago22

“Regra 34”, de Julia Murat, vence o Leopardo de Ouro no Festival de Cinema de Locarno

Talis Andrade

 

Festival de Cinema de Locarno
Festival de Cinema de Locarno © Locarno Film Festival / Ti-press
 
Texto por RFI
 

O filme “Regra 34”, terceira longa-metragem da cineasta brasileira Julia Murat, foi o grande campeão do Festival de Cinema de Locarno, na Suíça, um dos mais importantes da Europa, conquistando o Leopardo de Ouro. Outro brasileiro, Carlos Segundo, ficou com o prêmio de melhor curta-metragem autoral por "Big Bang". O anúncio foi feito neste sábado (13) durante a cerimônia de encerramento do evento.

A cineasta conversou com a RFI sobre a participação do longa na competição. Na ocasião, Murat falou sobre as grandes expectativas para o festival. "Eu estou nervosa. Apesar de ser o meu terceiro filme, o nervosismo não passa. E é um filme bastante arriscado no que ele se propõe, não tanto do ponto de vista de linguagem, porque eu optei por fazer uma linguagem muito simples, mas do ponto de vista temático. Eu estou apreensiva, digamos ", afirmou. 
Julia Murat
Julia Murat © Andre Manteli

 

Em depoimento logo após a vitória, ela destacou que não acreditou quando foi informada sobre a conquista do prêmio. "Acho que a razão (de não ter acreditado) foi que o filme é bastante duro. É um filme que trata de temas difíceis, então eu nunca pensei que seria possível que mais de uma pessoa do júri o defenderia", contou. 

Ao agradecer a conquista, Murat lembrou que o último e único longa-metragem brasileiro a ganhar o Leopardo de Ouro foi “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, em 1967, época em que o país vivia sob o regime da ditadura militar. A diretora também fez um apelo, comentando que espera "que este prêmio ajude a nossa sociedade a compreender que precisamos de defender a democracia, mas também a diferença e que temos de apoiar o diálogo", em uma referência ao cenário turbulento no Brasil com a proximidade das eleições presidenciais.

 

"Regra 34" trata do desejo feminino 

 

O filme conta a história da estudante Simone, que ganha dinheiro fazendo performances online de sexo para pagar a faculdade de direito. O título remete à chamada regra 34 da Internet, que afirma que tudo na web tem seu equivalente pornográfico, e questiona como manter o equilíbrio entre desejo, liberdade e proteção, tanto para os indivíduos quanto para a sociedade.

"O tesão, o desejo feminino é um tema pouco abordado em geral, mas a construção de personagem feminina a partir de sua subjetividade, tentando não responder a um registro clichê do que seria este corpo da mulher, está em voga no cinema brasileiro atual", comentou Julia Murat. 

"'Regra 34' traz o cinema brasileiro de volta ao esplendor anárquico do 'cinema marginal'. Um trabalho ousado e político que pretende deixar uma marca. O corpo torna-se objeto político", comentou a diretora artística do festival, Giona Nazzaro.

Além do Leopardo de Ouro, Murat, de 42 anos, foi premiada no Festival de Berlim, em 2017, por seu segundo filme, "Pendular". 

(Com informações da AFP)

 

 

 

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15
Fev22

Marielle: as suspeitas de chantagem sobre Bolsonaro

Talis Andrade

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Pergunto: qualquer país que se pretenda civilizado pode conviver com esse nível de desinformação?

 

 

por Luis Nassif

- - -

Fato: a não descoberta do mandante do assassinato de Marielle só tem uma explicação: sua enorme influência política.

A partir daí, duas hipóteses: ou alguém ligado aos Bolsonaro ou às forças de intervenção, chefiadas por Braga Neto. Não há outra hipótese de poder político

O próprio Ministro da Justiça da época, Raul Jungmann, falou em personagens influentes. Não estava se referindo obviamente a nenhum chefe de milícia.

Pergunto: qualquer país que se pretenda civilizado pode conviver com esse nível de desinformação?

O assassino era contrabandista de armas e vizinho do presidente da República. E os filhos do presidente eram ligados ao chefe do escritório do crime. Como pode a ex-7a potência do mundo normalizar esse nível de suspeição em relação ao seu presidente? Bater no Monark é fácil.

Braga netto disse que poderia apontar culpados, mas não queria “protagonismo”. Como assim? Ele era o interventor do Rio.

https://oglobo.globo.com/rio/eu-poderia-ter-anunciado-quem-gente-acha-que-foi-diz-ex-interventor-sobre-caso-marielle-23363842

Em 2018, ainda no governo Temer, Braga Netto diz que a solução está próxima. Depois se cala e se torna o superpoderoso Ministro de Bolsonaro. Não há nada de estranho nisso?

https://oglobo.globo.com/rio/general-braga-netto-diz-que-caso-marielle-devera-ser-solucionado-ate-fim-da-intervencao-23027751

https://oglobo.globo.com/rio/ministerio-publico-recusa-delacao-premiada-da-viuva-do-ex-capitao-da-pm-adriano-da-nobrega-25391586

Há duas hipóteses terríveis. Espero que nenhuma se confirme. A 1a, de envolvimento da intervenção com a morte de Marielle (menos provável). A segunda, a de um general que, dispondo de informações, chantageou o presidente da República, livrando-o da suspeita de um crime abjeto

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ribis- marielle consciencia negra quebra placa car

negro bom é negro morto todo negro é bandido.p

 

Comenta Antonio Uchoa Neto:

República dos assassinos. O esquadrão da morte no poder. Às favas com os escrúpulos, juiz ladrão, com o supremo, com tudo. Nunca vi tanta desgraça junta.

Darcy Ribeiro, junto ao túmulo de Glauber Rocha: "O Glauber morreu de Brasil!" O Brasil é a doença que está nos matando, a todos. Os que não estão morrendo, figurativa ou literalmente, ou não se dão conta dessa doença, não são brasileiros.

São os assassinos, são as autoridades que cometem genocídio por omissão, ou homicídio através de sicários.

Gente para quem a morte dos outros é fonte de prosperidade.

Matar indiscriminadamente, ou matar alvos certos, para essa gente dá no mesmo.

Bandido bom é bandido morto. Batalhadores (cf. Jessé Souza) bons são batalhadores mortos. Matar, matar, matar. Como eu não morri, tanto se me dá.

Perceber ódio, visceral ou não, nos olhos de vizinhos - gente que mora a poucos metros de nós - diante de certas notícias, é estarrecedor e deprimente.

E é essa gente, que nos cerca, que são os verdadeiros fâmulos da morte, ainda que os escandalize apontar-lhes essa pecha.

Meu cunhado relativizou a morte de Marielle Franco, ocorrida no dia do meu aniversário, fazendo eco a algumas fake news divulgadas logo depois - fotos, inclusive - que mostrariam a vereadora convivendo com traficantes. E era um homem bom, divertido, bom pai e bom marido, adorava cachorros. A cara dele, com o desmascaramento dessas mentiras, e o surgimento da verdade sobre os Bolsonaro, depois? Dir-se ia, 'não tem preço'. Mas tem, na verdade. Perder um pouco de fé, na humanidade.

Essa gente que comemora mortes, de quem quer que seja, deixa pelo caminho um pouco de sua humanidade; depois retornam desse pesadelo, mas retornam diferentes. Sempre com uma ponta de desconfiança do nosso renovado acolhimento. Creio que acalentam uma última esperança de poder dizer: 'tá vendo, eu tava certo!'

Ficam à espera de uma prova contra o Lula. De uma prova de que a esquerda matou Marielle. De uma prova que Adélio era um agente do PSOL. De uma prova de que Sérgio Moro não foi parcial. De uma prova que o Brasil está sob iminente ameaça dos comunistas.

Não sei. De uma prova de que o mundo é, de fato, como eles acham que é.

Em resumo: uma república dos assassinos, de esquadrões da morte, escrúpulos mandados às favas, de juízes ladrões, com o supremo, com tudo.

Contanto que fiquem sob a guarda de um ser benevolente, déspota ou não, tudo estará bem.

Não querem ser livres, nem autônomos, querem estar sob a proteção de algo, querem estar a salvo de pobres, pedintes, desvalidos, favelados, todos esses seres repugnantes que nos incomodam à mesa, nas ruas, no trabalho, nos aeroportos e nas universidade.

Na vida.

Maria do Rosário: Quem mandou matar Marielle Franco?

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31
Jul21

Artistas levantam campanha pedindo prisão de Mário Frias

Talis Andrade

 

por Guilherme Amado e Bruna Lima
 

O coletivo 342 Artes, formado por artistas brasileiros, levantou hoje a hashtag #MarioFriasNaCadeia pedindo a responsabilização do secretário Especial de Cultura pelo incêndio da Cinemateca Brasileira. A campanha chegou ao topo dos assuntos mais citados no Twitter.

Enquanto a Cinemateca queimava, o ministro do Turismo e seu subordinado, Mario Frias, que deveria cuidar especificamente da área, estavam em Roma. Segundo os funcionários da Cinemateca, o incêndio era uma tragédia anunciada devido ao descaso com a instituição.

Na manhã desta sexta-feira, Frias se pronunciou em seu Twitter sobre o assunto e botou a culpa no PT. “O estado em que recebemos a Cinemateca é uma das heranças malditas do governo apocalíptico do petismo”, escreveu o secretário.

O órgão está sem gestor desde 31 de dezembro de 2019, na época o então ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou, naquele ano, que não iria renovar o contrato com a organização social Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, responsável pela administração.

Nas mãos do governo federal, o patrimônio cultural brasileiro foi deixado de lado. Em julho do ano passado, o Ministério Público Federal apresentou uma ação contra a União alegando que a Cinemateca estava sob “estrangulamento financeiro e abandono administrativo”.

Galpão da Cinemateca não tinha auto de vistoria, diz Corpo de BombeirosImage

por Mariene Lino
 

O Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo informou nesta sexta-feira (30/7), em uma rede social, que advertiu o galpão da Cinemateca Brasileira que pegou fogo na quinta-feira (29/7) por falta do auto de vistoria da corporação.

O documento serve para certificar que o edifício tem condições de segurança contra incêndios, após ter sido vistoriado pelo Corpo de Bombeiros. A corporação deu prazo de 180 dias para a Cinemateca Brasileira regularizar a situação junto ao Departamento de Segurança e Prevenção Contra Incêndio.

O galpão da Cinemateca, localizado na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, foi atingido por um incêndio no final da tarde de quinta. O fogo começou no terceiro andar durante a manutenção de um ar-condicionado.

Os trabalhadores listam alguns dos materiais que podem ter sido atingidos pelo incêndio, a começar pelo acervo documental. De acordo com o manifesto divulgado nesta sexta, estavam armazenados no local grande parte dos arquivos de órgãos extintos do audiovisual – como, por exemplo, parte do Arquivo Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), que esteve em funcionamento no período de 1969 a 1990, e parte do Arquivo do Instituto Nacional do Cinema (INC), de 1966 a 1975. Outros documentos que estavam no galpão são cópias da biblioteca do cineasta Glauber Rocha.Image

menina
@aquelamulherla
a unica vez na historia em que um presidente visitou a cinemateca.Image
 

 

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14
Jun21

Zuzu Angel, o filme, 15 anos depois

Talis Andrade

Zuzu Angel - Filme 2006 - AdoroCinema

 

por Urariano Mota

Nestes dias, melhorou muito a crítica ao filme Zuzu Angel, de Sergio Rezende. Podemos até mesmo ler no jornal O Estado de Minas:

“Com certeza, muita gente ainda se lembra dessa mulher, principalmente porque, em 2006, sua história foi relembrada em um belo filme no qual a atriz Patrícia Pillar e o ator Daniel Oliveira fazem o papel de Zuzu e Stuart, ambos com interpretações magistrais.”

Agora, por força da heroica Zuzu Angel, e do respeito à obra de um cineasta digno, o filme se tornou belo e com interpretações magistrais. Salve! Mas em 2006 não foi nada assim. Recupero o que publiquei no Observatório da Imprensa. zuzu angel: quem é essa mulher?

Zuzu Angel em NY no início dos anos 70, (© Acervo Instituto Zuzu Angel).

 

Se pudéssemos construir um texto somente a partir de citações, assim começaríamos um artigo sobre Zuzu Angel, a mais recente direção de Sérgio Rezende:

‘O filme conta a história de Zuzu Angel, uma estilista de sucesso internacional, que se vê diante dos horrores da ditadura e da tristeza de ter o filho, Stuart Angel, torturado e morto pelo regime militar.’ (Das primeiras notícias na imprensa.)

E sem comentário, saltaríamos para o que a crítica de cinema publicou depois sobre o filme na imprensa brasileira:

‘Zuzu Angel troca fala por discurso – Ao desenhar a personagem, Rezende e o co-roteirista Marcos Bernstein acentuam esse traço, o do chamado ao qual mãe nenhuma diria não. Cabe a Patrícia Pillar desempenhar quase sozinha o papel que coube, na Argentina, a movimentos de mães e avós de desaparecidos: assinalar a brutalidade do regime, expor o rosto das vítimas e cobrar providências… Quando o filme começa, Zuzu teme pela morte e escreve uma carta que atribui ao governo a responsabilidade por algo que lhe aconteça –encenação extremamente solene, por sinal…. A opção pelas idas e vindas no tempo, em oposição à reconstituição linear, serve ao clima de suspense que já havia em O Homem da Capa Preta e Lamarca. Aqui, no entanto, os saltos às vezes se assemelham a solavancos, como se a história de Zuzu precisasse ser revivida de acordo com uma estrutura preconcebida’ (Sérgio Rizzo, Folha de S.Paulo, 4/8/2006)

‘Cinemão para emocionar – Se nos anos 60 diretores como Ruy Guerra e Glauber Rocha apostaram no cinema como lugar de reflexão e crítica, nestes anos 2000 o que predomina é a tentativa de fazer filmes moldados ao mercado e bem-aceitos pelo público que vive à frente da tevê e adora Hollywood. Zuzu Angel, que estreia na sexta-feira 4, é mais um projeto saído do forno que tenta criar blockbusters brasileiros. Co-produzido pela Warner e apoiado pela Globo Filmes, o título, dirigido por Sergio Rezende, é forte candidato a sucesso de bilheteria. Seus trunfos: Patrícia Pillar, muito bem como a estilista Zuzu, a forte história da mãe que passa a lutar contra a ditadura depois de ter o filho assassinado por militares, nos anos 70, e a bem cuidada reconstituição de época. Seus problemas: um roteiro esquemático (qualquer referência ao passado é ilustrada por flashback e a narrativa apóia-se numa cômoda narração em off) e uma estrutura melodramática que sempre sobrepõe a relação mãe e filho às questões políticas’. (Ana Paula Sousa, CartaCapital, 4/8/2006)

‘Zuzu Angel esbarra em uma chaga que assola quase toda a nossa cinematografia: a dramaturgia. Roteiros ultratrabalhados, diálogos afinados a ponto de não permitir improviso, tudo passa por meticuloso tratamento antes da câmera começar a rodar. E o que falta é justamente a invenção do momento, saber se emancipar, visualmente falando, daquilo que está escrito no script. Falta, antes disso, saber traduzir texto em imagem…. O mesmo aconteceria com Zuzu se Patrícia Pillar não tivesse tanta felicidade em se encontrar dentro da personagem. Ela se supera. Mas escola de bons atores é outra coisa que não falta ao Brasil. O problema ainda é o roteiro’. (Marcelo Hessel, site Omelete, 4/8/2006)

O leitor já vê que um artigo assim não se escreve. Pega mal. Se ao menos adotássemos o recurso de citar sem aspas, copiar e colar, colar e copiar, mas com o cuidado de citar sem os incômodos sinaizinhos gráficos, um bom artigo para as folhas de todos os dias estaria escrito. Como a um ser humano ainda não foi dada a visão de mosca e de águia de uma só vez, o leitor sempre toma como leitura original o que se repete em diferentes órgãos, de imprensa. Plano geral e zoom, em um só indivisível instante, ainda não é possível. Mas pela compreensão bem que podemos organizar o que os olhos não alcançam. Acompanhem-nos, por favor.

Importa-nos aqui a coincidência, a unanimidade de um ponto de vista. Das mais às menos conservadoras publicações, parece ter havido um acordo prévio, uma comunicação pelo telefone móvel, em que os críticos de cinema concertaram e se acertaram em uma só corrente. Que é, em diferentes graus de lentes e letras: o filme Zuzu Angel é ruim, mau cinema, filme de oportunidade e apelação. Adotado esse ponto de vista, tudo o mais é complemento, vem como água de correnteza – basta seguir o movimento. Ainda que contra a corrente, nos vêm as perguntas:

1. Teria havido neste caso, como parece ocorrer à primeira vista, uma expressão pura e simples da verdade, nada mais que a verdade, no espírito de corpo de toda a crítica?

2. Ou, de modo mais simples, aqui triunfa a ideologia mais simples de aceitação do status quo, de recusa a um mundo que se deseja ver submerso, para todo o sempre e nas profundas submerso?

Se nos permitem a expressão, vejamos. Mirem.

Um dos pontos comuns dos críticos é que o filme Zuzu Angel – supondo, claro, que o tomem como um filme – não se realiza como obra artística. E por quê? Aqui vamos do acessório ao momento parcial, que se deseja confundir com o específico. No que é exterior, acessório: trata-se de uma produção da Globo Filmes e da Warner, embora nada se escreva sobre em quê essa conjura de maus elementos haja determinado o conteúdo e a realização da obra. O princípio implícito é: dize-me quem te financia, que eu te direi quem és. Ou dito de outra maneira, essa arte industrial, que chamamos de cinema, pode até ser boa, a depender da fonte de financiamento.

Se assim não se expressam de modo tão brutal e claro, insinuam, de passagem, como quem nada quer – ora, esses artistas que são pagos pela Coca-Cola, esses artistas que não têm dinheiro próprio para construir um filme de larga distribuição… Deveríamos responder a isso: destruam, por motivo de origem de recursos, toda a produção do cinema dos últimos 50 anos, e depois vivam felizes com as obras de arte do super 8. Mas nada dizemos, porque outro impedimento se alevanta.

No elenco de Zuzu Angel existem atores da televisão, se é que são atores, da telenovela, da TV Globo, o que, o caso bem olhado, deve ser uma imposição da Globo Filmes, tudo a ver. Uma insinuação dessas sequer merece resposta, quando não nos sai da cabeça o patrimônio cultural de nome Fernanda Montenegro. E a própria Patrícia Pillar, como viemos a aprender. Mas não podemos correr sem anotar, de passagem: atores comem, atores bebem, atores precisam viver. Incriminá-los a partir do papel dos patrões, é o mesmo que confundir o bancário com o banqueiro.

E aqui entramos no reino dos sábios do cinema. Eles não se contentam em comentar, fazer uma crítica ao conjunto, ao produto final da empresa infame, digamos assim. Não. Os bons críticos passam a ensinar, apontar o dedo, como consultores indignados, porque o idiota do diretor não lhes seguiu os conselhos.

Mirem. O diretor Sérgio Rezende não sabe fazer flashbacks, porque “um dos principais problemas do filme reside em sua estrutura equivocada, que atira flashbacks aparentemente ao acaso ao longo da história, quebrando o ritmo da narrativa”, como lhe apontou um dos sábios. “A opção pelas idas e vindas no tempo, em oposição à reconstituição linear… Aqui, no entanto, os saltos às vezes se assemelham a solavancos”, segundo o crítico de cinema da Folha de São Paulo. Talvez, quem sabe, o diretor devesse advertir, sempre com um aviso na tela, como nos tempos do cinema mudo, em um quadro negro: ‘Flashback’. E recuava no tempo, para mais adiante voltar com a informação: ‘No presente’. E entre parênteses: (‘Presente de 1971’). Então todos compreenderiam, porque os avisos à margem do caminho sempre anunciam os buracos, que geram em um carro os solavancos.

Um ponto nevrálgico, no entanto, mais se torna agudo, conforme as lições publicadas pelos senhores críticos. É o roteiro, o guia e guión do filme. A falha vem apontada por gradações. Se na crítica de Sérgio Rizzo esse crucial defeito é mencionado de modo oblíquo, nas dos demais, não. No comentário da CartaCapital, o roteiro é esquemático e possui uma “estrutura melodramática que sempre sobrepõe a relação mãe e filho às questões políticas”. Na crítica do Omelete a coisa quase descamba para o perigoso reino da galhofa. “Zuzu Angel esbarra em uma chaga que assola quase toda a nossa cinematografia: a dramaturgia. Roteiros ultratrabalhados, diálogos afinados a ponto de não permitir improviso, tudo passa por meticuloso tratamento antes da câmera começar a rodar”.

Por Deus, se se fala sério, então é um escândalo. Pois o que falta justamente ao cinema brasileiro, o que é uma cruz que carrega somente aqui e ali solucionada, e perdão pela lembrança de O Pagador de Promessas, é justamente a crença dos nossos criativos diretores, que pensam que a imagem é tudo, ou quase tudo, que das lentes brotam magníficos filmes! Daí que a maioria dos novos bárbaros se torna apedeuta, com as honrosas exceções de sempre, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles, Lúcia Murat, Sérgio Rezende, Marcos Bernstein, e tememos possuir mais dedos que cineastas cultos.

E aqui sentimos ter que lembrar um lugar-comum, quando nos referimos certa vez à qualidade do cinema argentino:

“Dizer que o filme se apoia em um roteiro, e que o cinema argentino tem roteiros, bons roteiros, que se apoiam na fabulação da literatura, quando não realizam uma literatura no cinema; dizer que cinema não é só imagem, não é só uma câmera na mão, e que o caminho autoral, do diretor, passa pelo aprendizado também da leitura que não é cinema – tudo isto foi bem e melhor dito, escrito, em mais de uma oportunidade. Repetir esta trilha seria repetir a vereda-caminho-percurso trajeto e itinerário de um tedioso lugar-comum’. (La Insígnia)

Pelo visto, teremos que repetir ao infinito, porque cresce e prospera como erva daninha a crença de que a criatividade chega a prescindir de qualquer guia, o guión. Para os novos gênios, quanto mais genialidade sem letras, melhor. Câmeras, ação, nunca foi tão próprio dizer-se.

Todos os críticos, todas as críticas, se inclinam a dizer que, apesar da direção frágil, apesar das grandes falhas do filme, apesar de você, Sérgio Rezende, apesar de você, Marcos Bernstein, que teve o erro de cometer esse roteiro depois do magnífico Central do Brasil, apesar de tudo, dois artistas se salvam. Um é Chico Buarque, pela canção Angélica, que ele compôs em homenagem a Zuzu Angel após o assassinato dessa mãe sem medo. Uma composição bela, inolvidável, que cai em nossos ouvidos como o filho de Zuzu Angel, lançado ao mar. O outro é Patrícia Pillar, por sua representação, que cresce e toma conta do filme, apesar de. Nas palavras do crítico da Folha, ela chega a “desempenhar quase sozinha o papel que coube, na Argentina, a movimentos de mães e avós de desaparecidos: assinalar a brutalidade do regime, expor o rosto das vítimas e cobrar providências…”. (Vocês nos perdoem, mas somos obrigados a transcrever novamente tal sandice.)

Mas aqui, bem sabemos, é adotada a fórmula brasileira de elogiar contra. Acreditem, assim como o pau-de-arara da tortura, esta é uma invenção nacional. A saber: quando elogiamos muito Lima Barreto, isso quer apenas dizer que Machado de Assis é um mulato envergonhado. Quando elogiamos muito a letra do ‘poeta’ Chico Buarque, isso quer apenas dizer que sua melodia, sua música, é uma coisa menor. Ou seja, erguemos ao céu alguém para matar por aproximação quem lhe fica abaixo, muito abaixo.

E assim ocorre com o brilhante desempenho de Patrícia Pillar. Deseja-se com o elogio apenas ressaltar: é uma pena que tenha trabalhado com um diretor tão medíocre, em um filme tão abaixo do talento de uma grande atriz. Mas aqui o insulto, a injustiça, volta-se contra quem o faz como um bumerangue. Numa última citação, permitam por favor transcrever um genial crítico, que jamais encontraria lugar em nossa imprensa de todos os dias:

“Nesse ponto ouço distintamente uma pergunta dos meus inevitáveis adversários: – E se tivermos uma tomada de cena de longa duração, onde um ator representa, sem interrupção, sem cortes de montagem? A atuação dele cessará de impressionar? Não será o desempenho de um grande ator que causa impressão? Respondo: seria errado imaginar que a pergunta traz um golpe mortal à noção de montagem. O princípio desta última é muito mais vasto. É falso acreditar que um pedaço de filme onde o ator interpreta sem que o diretor tenha tocado na película seja uma composição ‘fora de montagem’. Absolutamente falso! Nesse caso é preciso procurar a montagem em outro lugar: na própria representação”.

Essa reflexão traz uma luz. Se isso se aplica a uma parte de um filme, o que diremos de todo o conjunto? A interpretação de Patrícia Pillar somente avulta porque há uma direção madura, porque existe um roteiro que imaginou as cenas, porque em Zuzu Angel existe um diretor que montou os seus vários momentos e nos deixa na retina uma imagem que não se olvida. Elementar.

Mas não podemos terminar sem o nome do criminoso das linhas citadas acima. Trata-se do cineasta e teórico de gênio chamado Serguei Eisenstein. Que, como se sabe, apesar do terrível defeito de ser socialista, realizou alguns filmes de atores magníficos.

 

 

 

 

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29
Mar19

A morte e a morte de Glauber Rocha ou: vamos rememorar

Talis Andrade

 

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por Denise Assis 

___

 

Um documento do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) localizado por mim, no Arquivo Nacional, durante os trabalhos de pesquisa da Comissão da Verdade do Rio, leva a uma inquietante conclusão: Glauber Rocha pode ter sido marcado para morrer, 10 anos e um mês antes da sua morte efetiva, que se deu em setembro de 1981, em Portugal.

Felizmente, pressentindo que o cerco da repressão se fechara em torno do seu nome a ponto de não conseguir mais produzir no país, exatamente naquele ano, o de 1971, com o CISA em seu encalço ele decidiu deixar o Brasil rumo ao exílio.

A percepção de que não dava mais para ficar, o salvou. No documento, protocolado como "confidencial", sob o nº 2044 - resultado de uma detalhada "arapongagem" sobre a sua vida -, bem no alto, uma anotação à mão causa arrepios. Lê-se claramente a palavra: "Morto". O que se segue deixa evidente que a repressão seguia cada passo das suas atividades por aqui, e com o consentimento do ministro. As informações foram encaminhadas ao gabinete no dia 21 de setembro daquele ano e recebeu o código 0546, no CISA.

glauber morto.jpg

morto 2.jpg

Ao deixar o Brasil seu primeiro destino foi o Chile, onde filmou um documentário sobre os brasileiros exilados, que não chegou a ser concluído. Em seguida viajou para Cuba, onde permaneceu um ano trabalhando no projeto de America Nuestra. Em 1976, Glauber voltou ao Brasil, depois de cinco anos de exílio. No ano seguinte, dirigiu o curta-metragem Di Cavalcanti, que ganhou prêmio especial do júri do Festival de Cannes. Rodou seu último filme: A Idade da Terra, em 1980.

Intuitivo, Glauber Rocha previu a própria morte. Em carta, escrita na adolescência, anunciou que iria morrer aos 42 anos, e quando chegou a Portugal, em agosto de 1981, onde participaria de um ciclo de filmes organizado pela Cinemateca Portuguesa, um mês apenas antes de sua morte, sentenciou: "vim para morrer em Portugal".

Em setembro, internado às pressas depois de um mal súbito, disse aos médicos que estava sentindo "muita angústia". Morreu dias depois. A causa oficial da morte de Glauber Rocha foi um choque bacteriano resultante de broncopneumonia. Na versão de sua mãe, Lúcia Rocha, o filho "não morreu da vontade de Deus; morreu de uma doença chamada Brasil".

 

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