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Recupero um texto que publiquei em 2012. Mas não é possível, há 11 anos? Uma explicação é que talvez o tempo tenha passado muito depressa
Penélope, a menina do Recife a quem me dirijo em 2012, não está só, ainda que fale em seu nome ao me procurar por e-mail. De modo bem didático, ela me conta que, num coletivo de alunos da 8ª série do Instituto Capibaribe, prepara um trabalho para ser exibido na feira de conhecimento da escola. E que esse trabalho foi solicitado pelos professores Mauro Santos, de Português, e Júlia Vergeti, de História. Eu deveria responder logo que ainda há educadores no Recife. Mas me calo para aqui terminar a didática da história.
Penélope Andrade tem apenas 13 anos. Pois a menina mocinha me procura pra saber notícias da ditadura no Recife, e com uma maturidade que talvez eu não tivesse na sua idade. É preciso dizer que o mais ardente em curiosidade sou eu? O que viria das perguntas e entrevista da menina? Acompanhem por favor a história.
Quantos anos tinha nessa época? E o que fazia? – Penélope começa.
Ao que respondo:
– Quando houve o golpe, no dia primeiro de abril e não em 31 de março como os militares golpistas dizem com medo, porque desejam afastar o ridículo que é um golpe no dia universal da mentira, em primeiro de abril de 1964 eu estava com 13 anos de idade.
Era estudante de escola pública, que na época era a melhor escola que havia, e de tal maneira que chamávamos as escolas privadas de PP (Pagou, Passou). Eu era um adolescente angustiado – e que adolescente não é? – carregado de traumas familiares (aqueles traumas que não confessamos a ninguém), que adorava ler, que sonhava em ser ator de teatro, poeta, desenhista, pintor e galã de cinema. Se possível, na ordem inversa. Mas o espelho e a realidade me livraram de ser Rodrigo Santoro. (Embora digam que depois de maduro eu melhorei muito…). As ideias da esquerda já me chegavam, mas eu era um reacionário leitor de Seleções Reader’s Digest, uma revista infame de propaganda norte-americana. Pra minha sorte, os amigos que mais me influenciaram eram de esquerda. De um deles ouvi pela primeira vez o nome Darwin, e a sua teoria da evolução, que batia de frente contra a criação do homem por Deus, como eu acreditava e discutia furioso. Em resumo: eu tive a sorte de as melhores pessoas que eu conheci, quando eu mais precisava, terem sido de esquerda. Isso foi, é uma riqueza sem tamanho.
– Considerando fatores econômicos e político, sabendo que nessa época estávamos sendo governados por João Goulart, como estava a situação do país? – Penélope continua.
Respondo:
– O Brasil era subdesenvolvido, o que quer dizer: atrasado, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Pra você ter ideia, os trabalhadores da zona da mata de Pernambuco, os cortadores de cana, recebiam menos, muito menos que o salário-mínimo. Foi no primeiro governo de Arraes, a partir de 1962, que os trabalhadores da cana tiveram a conquista do salário-mínimo. Isso foi tão bom, que Paulo Cavalcanti (historiador e jornalista, comunista histórico do Recife) contou que os trabalhadores compravam 2 relógios, “um pro horário de verão, outro pro horário de mesmo”. As ligas camponesas nasciam e ameaçavam o domínio dos latifundiários, os grandes donos de terras. O Nordeste, Pernambuco em particular, fervia muito além do frevo. Estávamos com o MCP, Movimento de Cultura Popular, que reunia artistas de valor, engajados na luta pelas reformas (como chamavam as reivindicações para dar ao povo o direito de cidadão), um movimento em que Abelardo da Hora, o maior escultor do Brasil, vivo e trabalhando ainda hoje, criou tantas esculturas, lindas, como o Vendedor de Pirulito, que pode ser visto no Parque 13 de maio.
Era o tempo em que no Recife estavam Celso Furtado, Josué de Castro, Paulo Freire, intelectuais que foram reconhecidos em todo o mundo, mas perseguidos pelo regime militar que se instalou. Vale dizer, a repressão que se abateu veio com força absoluta sobre os pernambucanos, a ponto de cometerem barbaridades públicas, como o espancamento de Gregório Bezerra nas ruas, com golpes de ferro na cabeça. Queriam inclusive enforcá-lo na praça de Casa Forte. Esse era o tempo e o clima. Um país que exigia reformas urgentes, que os Estados Unidos interpretaram como um caminho aberto para o comunismo, e por isso apoiaram o golpe que os militares deram.
– Após o regime, como foi a redemocratização do país e a escolha do presidente? – A menina do Recife pergunta.
Respondo:
– Você pulou cedo demais. Antes de “após o regime”, houve o pior, o “durante o regime”. Isto é, o tempo da ditadura. Você não pode nem imaginar o filme de terror, pior que um filme de terror, porque era real, insuportavelmente real, os anos de ditadura. Artes, música, cinema, literatura censuradas. Jornais sob censura prévia. Prisões, mortes e assassinatos sob torturas. Deixo pra você alguns artigos que escrevi sobre aquele tempo em Ivanovitch, 1964 e Raquel, a viúva que amamos, mais suave, mas igualmente verdadeiro.
A redemocratização do país não veio como sonhávamos. Ou seja, queríamos a realização, a continuação da história interrompida, com o aprofundamento da democracia pela qual o povo lutara antes do golpe. Queríamos trabalho para todos, as artes e a ciência para todo o mundo, o socialismo no poder, a punição severa dos crimes praticados pelos torturadores. Nada disso se cumpriu. Para nós, a redemocratização começou a dar uns lampejos no governo Lula e na continuação com a presidenta (atenção, a forma “presidenta” é legítima) Dilma. Começou, apenas.
– Que heranças econômicas foram deixadas após o regime? Você as considera boas ou ruins? – Penélope continua.
Respondo:
– É claro que a herança vinda do regime é a pior possível. Tanto do ponto de vista social, porque houve um desmantelamento da qualidade do ensino público no Brasil (e a direita, esperta, põe na conta do pós-ditadura), quanto do econômico, porque aumentou a centralização do desenvolvimento no Sudeste. Isso quer dizer, o Nordeste afundou sob os anos de ditadura. A cultura brasileira foi rompida, rasgada, e muitos de seus melhores artistas enlouqueceram (Glauber, Torquato Neto, Vandré…).
Mais: e se houve algum avanço econômico, e depois de 21 anos algum deve ter havido, paga o preço de tantas pessoas cortadas, barbarizadas? Seria o mesmo que acreditar que a herança deixada por um homem morto é melhor que a sua vida.
– Comparando o antes e depois do regime militar o que mudou na sua vida?
– Muito mudou. Fiquei menos feio e sou escritor. Mas as perdas pessoais foram imensas, e aqui faço uma homenagem a uma pessoa em particular, que vem a ser o seu tio-avô Luiz Paulo. Ele foi uma das melhores pessoas que conheci naquele maldito ano de 1973, quando foram assassinados seis militantes socialistas no Recife, e sobre os quais escrevi Os Corações Futuristas e Soledad no Recife. (Em 2023, acrescento: “A mais longa duração da juventude”)
Luiz Paulo era um intelectual, um escritor de grande senso de humor, que perdemos antes do seu fim, porque ele se autoexilou em São Paulo, por conta das burrices e divisões autofágicas na esquerda do Recife. Com ele fundamos o jornal A Xepa, o primeiro jornal alternativo no Recife sob a ditadura. E escrevo “com ele” pra não dizer: A Xepa foi Luiz Paulo e o resto. Para esse jornal, dele veio o maior estímulo e dedicação, porque acreditávamos, na época, que estávamos fundando um novo Pasquim no Recife. Sonhar era bom e Luiz Paulo esteve ao nosso lado nesse sonho.
E aqui terminei a entrevista.
Terminei, não, fiz uma pausa, fizemos uma pausa, eu e Penélope, eu e os alunos como ela. Essa continuação da história que passamos adiante, essa continuidade de gênese e recriação do mundo com que nos confraternizamos, esse despertar de educadores para a realidade política da ditadura é como descobrir um mundo melhor do que imaginávamos.
Calderón de La Barca dizia que a vida é sonho, ao que a realidade nos diz que o sonho é a vida, apesar de tantos pesadelos. O que afinal guarda uma coerência interna, pois o pesadelo é gêmeo univitelino do sonho. Esse pesadelo imenso e geral tem pausas e intervalos felizes, como o da curiosidade histórica dessa mocinha Penélope. Para mim, ela é A menina do Recife a quem mando um sorriso e um abraço.
Ditadura militar e zoofilia de serial killers (sadismo sexual)
Quais são as músicas censuradas na ditadura militar?
7 músicas censuradas durante a ditadura militar
Quantas músicas de Chico Buarque foram censuradas?
Os principais cantores censurados pela Ditadura Militar foram: Caetano Veloso, Chico Buarque, Elis Regina, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Kid Abelha, Milton Nascimento, Raul Seixas, Paulo Coelho, Toquinho, Vinícius de Morais, Odair José e Torquato Neto. Chico Buarque de Hollanda, por sua vez, teve pelo menos 10 canções censuradas.
Quem censurava as músicas na ditadura militar?
As músicas da ditadura militar expressavam o descontentamento dos artistas com as barbáries cometidas durante esse período da história brasileira. E assim como as peças de teatro, filmes, poesias e outras obras elaboradas nesse período, a produção musical estava susceptível à censura por parte dos militares.
Quantos livros foram censurados na ditadura militar?
A quantidade exata de livros censurados na ditadura ainda é desconhecida. Desde 1970, o Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Ministério da Justiça tornou-se responsável pela censura a livros. Entre 1970 e 1982, o órgão analisou oficialmente pelo menos 492 livros, dos quais 313 foram vetados.
Quais foram os cantores que foram exilados na época da ditadura?
Artistas brasileiros que foram exilados na Ditadura Militar
Quais foram os principais cantores que se opuseram à ditadura militar?
Em 1979, João Bosco e Aldir Blanc compuseram “O bêbado e a equilibrista”, que fala sobre os exilados. É um retrato do Brasil no final do período ditatorial, com mães chorando (Choram Marias e Clarisses) pela falta de seus filhos, os “Carlitos” tentando sobreviver (alusão a um personagem de Charles Chaplin.
O que é o AI-5?
O AI–5 é uma norma legal instituída pelo governo militar que estabelecia prerrogativas para que os militares pudessem perseguir os opositores do regime. Consistia basicamente em uma ferramenta que dava legalidade jurídica para o autoritarismo e a repressão impostos pelos militares desde 1964.
Porque a música Jorge Maravilha foi censurada?
Em Jorge Maravilha, Chico cantava: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, o que gerou a especulação de que Amália Lucy, fã declarada dele e filha de outro presidente militar, o general Geisel, tinha sido ahomenageada da canção. Chico sempre negou que tenha composto a música para Amália.
Quem lutou contra a ditadura militar?
Neste cenário, lançaram-se à luta armada dezenas de organizações, das quais destacaram-se a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Vanguarda Armada …
Porque a música Tiro ao Álvaro foi censurada?
O documento oficial que veta “Tiro Ao Álvaro” (canção de 1960) dá a justificativa de “falta de gosto”. A letra brinca com a oralidade do povo de São Paulo ao contar com as palavras “tauba”, “automorve” e “revorve”.
Quais livros foram censurados?
Censurado: 6 livros que foram tirados de circulação
Quais os livros proibidos no Brasil?
Confira abaixo os títulos e onde foram censurados:
Quem era os exilados?
Significado de Exilado substantivo masculino Pessoa que, por razões políticas, foi obrigada a deixar sua pátria, seu país; expatriado, desterrado: os exilado voltarão ao Brasil. … Etimologia (origem da palavra exilado). A palavra exilado deriva como particípio do verbo exilar, pela junção de exílio-, e -ar.
Quem eram as pessoas torturadas na ditadura militar?
A casa dos horrores torturou até a morte jovens opositores do regime militar. Outros viveram a perversidade de serem torturados na frente de filhos crianças, como Amélia e Cesar Teles. O casal, de pouco mais de 20 anos, foi preso em dezembro de 1972, e apanhou seguidamente. Geraldo Vandré enloqueceu na tortura. Ficou atoleimado. Virou um farrapo humano. Ficou viciado em drogas para aliviar as dores da tortura. Exilado no Chile passou a ser informante em troca de cocaína. Vandré virou a soma de tortura + dor + droga + loucura + leseira. A ditadura torturou bebês, crianças. Vários serial killers foram forturadores. Torturadores que praticavam todo tipo de sadismo sexual, usando inclusive diferentes animais.
AI-5, ato institucional de 1968, exigia liberação de músicas, filmes e mais previamente à publicação; Chico Buarque, Gilberto Gil, Gal Costa e outros artistas essenciais brasileiros foram reprimidos
por Yolanda Reis
Em 1 de abril de 1964, começou o Regime Militar no Brasil. Uma das maiores lembranças da ditadura é o Ato Instucional nº5 - ou AI-5. Este, de dezembro de 1968, instaurou regras como junção dos poderes legislativo e executivo, toques de recolher, proibição de reuniões não autorizadas e, mais lembrado, a censura da liberdade de expressão.
A arte foi uma das que mais sofreu com as medidas. Depois do AI-5, músicas, filmes, livros, revistas e jornais precisavam de aprovação governamental prévia à publicação. Diversos artistas, vivos até hoje, tiveram canções censuradas. Os motivos iam desde subversão à palavras de grafia errada.
eparamos, abaixo, 10 músicas essenciais da cultura brasileira censuradas durante a ditadura - e explicamos porquê o governo militar não gostava delas:
“Cálice” (1973), Chico Buarque e Gilberto Gil
Letra: “Pai, afasta de mim este cálice / De vinho tinto de sangue”
Por quê foi censurada: o refrão, quando falado, vira “afasta de mim este cale-se”. Na folha de censura da Ditadura, aparece, anotado à tinta de caneta: “cale-se, cale-se, cale-se.” Era uma crítica à censura.
“Apesar de Você” (1970), Chico Buarque
Letra: “Hoje você é quem manda / Falou, tá falado / Não tem discussão / A minha gente hoje anda / Falando de lado / E olhando pro chão, viu / Você que inventou esse estado / E inventou de inventar / Toda a escuridão / Você que inventou o pecado / Esqueceu-se de inventar / O perdão / Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia”
Por quê foi censurada: A letra foi aprovada em primeiro momento. Depois de alguns meses, porém, o Tribuna da Imprensa comentou que era como um hino jovem. Reviram, perceberam o significado escondido, censuraram. Inclusive, o militar que a liberara antes foi punido. Buarque, em depoimento, disse que a canção era sobre uma mulher mandona. Não colou. A polícia invandiu a gravadora para destruir todas as cópias - por sorte, esqueceram da matriz, e a música original ainda existe.
“Jorge Maravilha” (1973), Chico Buarque
Letra: “E nada como um tempo após um contratempo / Pro meu coração / E não vale a pena ficar, apenas ficar / Chorando, resmungando / até quando, não, não, não [...] Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”
Por quê foi censurada: Depois de lançar “Apesar de Você”, Chico Buarque tinha todas as músicas automaticamente “interditadas”. Inventou o pseudônimo Julinho da Adelaide. Lançou, sob ele, “Jorge Maravilha”. Inicialmente aprovada, foi censurada quando o Jornal Brasil dedurou o músico. A partir disso, todas as composições submetidas ao governo precisavam ser acompanhadas pelo RG e CPF do compositor.
Acredita-se que a música seja uma provocação direta ao então presidente Ernesto Geisel, pois Amália Lucy, filha dele, declarou publicamente amar Chico Buarque. O músico nega: conta uma história da vez que foi preso e levado ao DOPS, e um policial pediu um autógrafo para a filha, pois esta o adorava.
“Tiro Ao Álvaro” e “Um Samba no Bexiga” (1973), Adoniran Barbosa
Letra: “Meu coração até parece / Táuba de tiro ao álvaro [...] Teu olha mata mais / Que atropelamento de automover / Mata mais que / Bala de revorve.” (“Tiro ao Álvaro”)
“Domingo nois fummo num samba no Bexiga / Na Rua Major, na casa do Nicola / À mezzanotte o'clock / Saiu uma baita duma briga / Era só pizza que avuava junto com as braciola.” ("Um Samba no Bexiga")
Por quê foi censurada: Aparentemente, “falta de gosto”, como diz a anotação da folha de análise do governo. As palavras erradas eram típicas da persona de Adoniran, um homem simples dos subúrbios de São Paulo. Naquele mesmo ano, foram vetadas outras três composições do músico: “Casamento de Moacir”, “Despejo na Favela” e “Já fui uma Brasa”.
"Pra não dizer que não falei das flores" (1968), Geraldo Vandré
Letra: “Caminhando e cantando / E Seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não [...] Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer [...] Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na mão / Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição / De morrer pela pátria e viver sem razão".”
Por quê foi censurada: A música fala de movimentação, resistência, não conformidade. Não demorou para virar hino de resistência à Ditadura Militar. A primeira censura foi na apresentação dela em um programa da TV Globo. Não recebeu o lugar de melhor canção a mando do governo. Depois, proibida oficialmente por “ofensas” ao exército. Em 2009, foi eleita pela Rolling Stone Brasil uma das 100 Maiores Músicas Brasileirasde todos os tempos.
“Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)” (1973), Odair José
Letra: “Pare de tomar a pílula”
Por quê foi censurada: Fanfarrão e piadista, Odair José teve diversas faixas censuradas: “Vou Tirar Você Desse Lugar“, “Deixe Essa Vergonha de Lado”, “Cristo, Quem é Você?”, “Vou Morar Com Ela” e “Pare de Tomar a Pílula”. O motivo era que as letras, todas em tom de brincadeira, falavam sobre sexo - e iam contra a moral e bons costumes.
“Hoje É Dia de El-Rey” (1973), Milton Nascimento e Dorival Caymmi
Letra: “Filho, meu ódio você tem / Mas El Rey quer viver só de amor / Sem clarins sem mais tambor/ Vá dizer: nosso dia é de amor / [Filho:] Juntai as muitas mentiras / jogai os soldados na rua / nada sabeis desta terra / hoje é o dia da lua / Leva daqui tuas armas / então cantar poderia / mas nos teus campos de guerra / hoje morreu poesia.”
Por quê foi censurada: A música mostra uma conversa do Filho, que não gosta do rei, e do Pai, que acredita ser El Rey ser de amor. “Conteúdo nitidamente político,” julgou o censor da Ditadura.
“Cruel Cruel Esquizofrenético Blues“ e “Ela Quer Morar Comigo na Lua”, (1982), Blitz
Letra: “Esse vazio idiota que te consome/E some com a tua paz / Que se foi como aquela empregada radical / Que você mandou embora numa cena feia / Depois da ceia na noite de Natal / Só porque ela pegou no peru do seu marido” (“Cruel Cruel Esquizofrenético Blues”)
“Ela diz que eu ando bundando” (“Ela Quer Morar Comigo na Lua”)
“Vaca Profana” (1984), Caetano Veloso
Letra: “Dona das divinas tetas / Derrama o leite bom na minha cara / E o leite mau na cara dos caretas”
Por quê foi censurada: Considerada de mau gosto, tanto pelo título, quanto pelo conteúdo. Feriam a moral e bons costumes dos brasileiros.
“Opinião” (1964), Zé Keti
Letra: “Podem me prender / Podem me bater / Podem, até deixar-me sem comer / Que eu não mudo de opinião / Daqui do morro / Eu não saio, não”
Por quê foi censurada: Canção de anos antes do AI-5, foi censurada em 1968. A letra é composição contra a ideia do governo de derrubar as favelas; virou, porém, palavras de resistência. Em 1970, Zé Keti a regravou.
Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Gilberto Gil, quando fala, compõe. Ele compõe enquanto fala, ele é músico à procura da letra, o que fica mais claro quando reitera palavras, expressões, na busca. Refrão e degrau para o movimento seguinte
Um dos gênios baianos do mundo, um dos gênios brasileiros portanto, Gilberto Passos Gil Moreira completou 80 anos. Estamos todos de parabéns por sua vida fecunda. Creio que não será excessiva a lembrança de uma complicada entrevista que ele me concedeu no Recife, há 15 anos. Vamos ao texto escrito e gravado.
As dificuldades de um repórter! Esta entrevista foi feita a duras penas com o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, em fevereiro de 2007, mas merece ser relida também por revelar os ossos do ofício, e o périplo que é gravar em alguns minutos as opiniões de um superstar-ministro.
A entrevista que vão ler durou somente 17 minutos. Mas isso não foi conseguido com facilidade, nem foi construído em 17 minutos. O compositor, cantor, músico, agitador cultural, então ministro Gilberto Gil, pelo cerco e pelo assédio da imprensa, pela corte que lhe segue, pela roda de pessoas excitadas com a sua presença, pela quantidade de fotos e imagens que a todo minuto lhe tiram, pelos interesses econômicos, financeiros, culturais que o envolvem, que o desejam a todo instante, o senhor Gilberto Gil é um pop star. Com a diferença, em relação ao mundo pop, que o star é um homem que pensa, que teoriza, é um pop culto, e que está no poder político. Todos lhe sorriem. Todos lhe são simpáticos. Todos querem tocá-lo na aura, se possível com volta de algo mais concreto que a luz mística.
Esta entrevista ocorreu na noite do sábado 10.2.2007. Era o último dia do Ministro da Cultura no Recife, onde chegara para a Feira Música Brasil. Ainda que houvesse acertado dois dias antes, e só o deus Mu Dança sabe que forças intestinas arranquei para isso, por várias vezes pensei desistir. Não fosse a minha mulher, eu teria desistido da entrevista. Fugido, corrido. Aos meus desabafos, enquanto caminhava ao longo de um préstito real, sufocado, quando eu dizia, “vou desistir”, a senhora Francesca era mais prática, como sói acontecer com todas as mulheres de indivíduos desastrados: “Você fez o mais difícil. Não pode mais desistir”. E por isso eu segui, com o mesmo sentimento dos que seguem a caminho da primeira viagem de avião. Talvez na porta, um segundo antes do voo, eu pudesse desistir, pensava. E por isso eu seguia e fui.
Entendam a razão. Quando o Ministro e Compositor desceu do palco no qual respondera a perguntas de um auditório, ao me acercar dele, recebi cotoveladas, discretos empurrões, golpes elegantes no ventre, passagens bloqueadas com ares de acaso. Todos cometidos pela elite cultural e artística. As pessoas educadas, finas, se agridem com etiqueta. Impossível não lembrar de O Anjo Exterminador. Com a diferença de que, agora, todos podiam sair e não queriam. Desejavam todos estar em torno, bem próximos, e o inimigo era quem pensasse igual e à sua maneira. Todos queriam estar perto, conversar, receber um olhar, um incentivo, sair na foto com o Ministro, que vem a ser a mesma pessoa do compositor mundialmente famoso. Senti-me sob constrangimento por ser um, mais um dos que lhe sorriem, que procuram ser simpáticos, úteis, camaradas. Tão íntimos somos, não é? Em resumo, o escritor que lhes fala era mais um dos que adulavam o pop star. O sorriso deles, o ar prestimoso, obsequioso, era o meu. Eu os censurava e os repetia. Que imagem, meus amigos. Isso não foi nem era o meu espelho inesquecível.
“Eu vou desistir, eu vou…”. A simpática assessora Nanan Catalão me concedeu: “Você tem um máximo de 20 minutos”. Certo. Mas onde? Iremos para algum lugar sossegado, uma reserva de paz nessa agitação? – A realidade tem a perversão de não ser conforme o nosso desejo. Eu não sabia que o mundo pop está acostumado a conversas sob luzes e câmeras e público ao redor. Para reforço do “eu vou desistir”, o compositor sentou-se em um banquinho, bem à vista de todos, à entrada do teatro. Um círculo de circo se abriu em torno de nós dois. Ficamos em uma arena. “Aqui mesmo”, Nanan apontou. Passei então a sorrir. Tiravam fotos do ministro, e se não houver uma segura edição, haverá um sujeito barbudo, perdido, a pensar em uma delas, “virei papagaio de pirata”. Aquele papagaio que aparece no ombro do pirata, bem sabem, no rótulo do Ron Montilla. Mas fotos não revelam pensamentos, podem apenas revelar caras assustadas, a sorrir. Menos mal. Ao trabalho. Já que chegaste até aqui…
Entre as minhas habilidades de repórter a pior delas é trabalhar com o gravador. Bom, eu estava com uma só fita cassete, cassete, isso mesmo, de uma entrevista com padres sobre a crise da Igreja em Pernambuco. Não havia outro remédio, eu deveria gravar por cima. Certo. Mas o que fazer com meu roteiro prévio, com a pesquisa feita durante todo o dia, em que alinhavei perguntas, intervenções, ditos espirituosos, que seriam ditos em sala fechada, eu e Gilberto Gil, quem sabe durante a noite inteira? “A sua vez é agora”, eu ouvi de Nanan. Era agora ou nunca, e eu não conseguia mais ler as perguntas anotadas em razão da miopia. Perguntas inúteis, naquela hora e circunstância. Então vamos, eu me disse, com uma resolução dos náufragos, se é que os náufragos têm alguma resolução. Notei então que a fita no gravador estava no fim – pelo menos à minha vista pareceu. E procurei, enquanto o Senhor Ministro esperava, achar o miserável e misterioso caminho por onde a fita seria retirada. Olhei para a minha mulher, e a sua cumplicidade me fez achar o caminho. Descobri, mudei o lado da fita. Muito bem, apertei a tecla vermelha. Gravando. Pergunto então ao compositor Gilberto Gil como foi o seu exílio em Londres, quando expulso pela ditadura. Ele me responde com um solo maravilhoso, a cantar em inglês. Que momento, que privilégio, eu me disse, e a fita parou de rolar, porque atingira o fim! Perdi a música. Um amigo então, o DJ e músico Tales, repôs a fita no lugar. E me avisou, gentil: “Está gravando”.
Não toquei mais no gravador, e por isso pude ver, ouvir e prestar atenção à pessoa do artista. Gilberto Gil, quando fala, compõe. Ele compõe enquanto fala, ele é músico à procura da letra, o que fica mais claro quando reitera palavras, expressões, na busca. Refrão e degrau para o movimento seguinte. Certo, dirão, isso é comum a toda e qualquer pessoa. Sim, mas observem esse trecho da entrevista: “Pedir pra fazer outro sucesso, depois outro sucesso, depois outro sucesso, o mesmo sucesso outra vez”, para concluir, “eu não quero”. Isso escrito não permite ouvir as modulações e melodia que ele imprime na voz. O ritmo, enfim. Quando ele se referiu a Paulo Francis, houve um trecho em que deu uma entonação ao adjetivo “inaceitáveis”, que procurei dar uma pálida ideia com um ponto de exclamação seguido de reticências. Ainda assim, se torna inaudível, na escrita. Direi então que o adjetivo “inaceitáveis” veio como uma ênfase, um trecho de um coco cantado por Jackson do Pandeiro. Percebem? Nele houve uma divisão silábica, que além da interpretação já é música. Inacei-táveis!… Diferente no entanto de Jackson, que era “esse jogo não é um a um, se o meu time perder eu mato um, é encarnado-preto-e-branco, é encarnado-e-preto”, para quem as coisas, os fenômenos se definiam por oposição, o que é típico da formação de um homem do povo, de modo diferente o compositor Gilberto Gil compõe. Tem idas e vindas a sua fala, sem jamais chegar a uma definição que não admita nuances. Para ele não existe A ou B, para ele, sempre, as coisas são A e B ao mesmo tempo. Por vezes pode chegar à metafísica, mas é metafísica agradável, que guarda uma dialética, se nos expressamos à sua maneira. Ele poderá dizer, por exemplo, que as coisas não existentes existem, e completar, para maior espanto, que o não existente é o que existe. Formulação ina-cei-tável em Jackson do Pandeiro.
Essa maneira, dizendo melhor, esse conteúdo de expressão, porque nele a forma é sempre o conteúdo, leva-o a evitar os substantivos mais simples, como se fossem primitivos, toscos, poderia ser pensado. Mas não. Isso é tático, quando não estratégico. Ou ambos, para escrever à sua maneira. Vocês irão ver nesta entrevista como ele se refere a uma parcela do público brasileiro que admirava o Tropicalismo. Em nenhum momento ele dirá que eram jovens militantes da luta armada, do foco. Ou melhor, dirá isso de outra maneira, por um método de aproximação. E no entanto, saibam, isso não é descoberta desses dias. Eu mesmo conheci jovens que aliavam sua prática de combate à ditadura a palavras do tropicalismo. Contrários ao mundo dos olhos claros, de Carolina e Januária na janela, do Chico Buarque daqueles anos, naquele tempo. E eram típicos, digamos assim, esses bravos militantes. Daí, também, que nessa busca Gilberto Gil crie neologismos, em mais de uma oportunidade. Ele está compondo, sempre. Como vocês verão, agora.
Desta vez é à vera. Gravando
(Vozes, murmúrios, de outra entrevista, palavras ao fim, de Gil: “Manda um beijão pra ele….”.)
Urariano Mota entrevista Gilberto Gil
Urariano Mota – Em 1969, você e Caetano foram expulsos do Brasil pela ditadura militar. Como é que você vê hoje, quando deu a volta por cima, primeiro com sua música, depois politicamente, porque é um ministro do governo. Que lembranças lhe dão o golpe de 1964?
Gil – Das lembranças que a gente tem normais, do passado. Com as boas e más lembranças do passado. Com a recordação dos bons momentos e dos maus momentos, do que os bons momentos fizeram de mal à minha vida, do que os maus momentos fizeram de bem à minha vida … (Ri) Tudo isso.. (E faz um gesto amplo, circular, com os braços.)
UM – Depois, quando saiu do Brasil, você compôs “Aquele abraço”.
Gil – Foi… Eu fiz já aqui no Brasil ainda, saindo. Na semana que eu estava indo embora, eu gravei. Na véspera de eu ir embora, eu gravei.
UM – “Alô, alô Realengo”… Paulo Francis, de quem a gente nunca pode dizer que era um amor de pessoa, ele chegou uma vez no Pasquim…
Gil – Não, até que um amor de pessoa a gente pode dizer. A gente pode dizer que talvez ele não fosse uma pessoa do amor. (Risos) Que ele era amável, em tudo. Mas renitente com esse exercício irrestrito da amorabilidade. Ele tinha coisas das quais ele não queria mesmo gostar e não queria que aquelas coisas fossem aceitáveis, que eram pra ele inaceitáveis!…
UM – Ele chegou uma vez a te elogiar num artigo no Pasquim, quando escreveu mais ou menos assim, “o Gil poderia estar mais do que rico depois de ‘Aquele abraço’, mas ele não é homem de repetir a fórmula que deu sucesso”.
Gil – Eu nunca fiz música pra, pra…
UM – Tocar no rádio?
Gil – Não, pra estabelecer uma linha de montagem, ou estabelecer uma reprodução do mesmo modelo, pra explorar os filões de mercado, coisa desse tipo nunca foi preocupação minha. Eu gosto de fazer sucesso, eu gosto de vender disco também, tudo, mas não, por exemplo, eu gosto de fazer sucesso, mas não gosto de fazer os mesmos sucessos duas vezes, por exemplo. (Risos) Eu não gosto muito. (Risos.) Pedir pra fazer outro sucesso, depois outro sucesso, depois outro sucesso, o mesmo sucesso outra vez, eu não quero. (Risos)
UM – Você esteve aqui no Recife em 67, passou dois meses, travou contato com o pessoal do Teatro Popular do Nordeste…
Gil – Com Leda Alves, Hermilo Borba Filho…
UM – Como foi essa sua passagem pelo Recife?
Gil – Ah, um mês eu fiquei aqui, aí eu conheci Teca Calazans, eu conheci Geraldinho Azevedo, eu conheci Marcelo do Quinteto Violado, conheci Toinho do Quinteto Violado, os meninos, conheci tanta gente, conheci Carlos Fernando, conheci tanta gente…
UM – Visitou Caruaru?
Gil – Fui a Caruaru. Ainda hoje eu fui a Caruaru com Fernando Lyra, que me recebeu em Caruaru, daquela vez, há 40 anos, enfim. Naquela época Carlos Fernando me levou pra Zona da Mata, me levou pra Nazaré da Mata, me levou pra os lugares todos, eu andei por tudo isso aqui. E ali o centro era o Teatro Popular do Nordeste, o TPN, era, toda a noite eu me apresentava lá, durante pelo menos duas semanas eu fiquei lá cantando, toda noite, e ali iam os músicos, e ali apareceu o percussionista, o nosso querido Naná Vasconcelos, que era baterista da banda da Aeronáutica naquela época.
UM – E você gravou Pipoca Moderna, não foi isso?
Gil – Gravei… Eu na verdade eu não gravei. Pipoca Moderna eu pus a gravação, abri meu disco Expresso 2222 com a gravação da Banda de Pífanos de Caruaru, que eu tinha feito em um gravadorzinho como este seu (aponta para o meu pré-histórico gravador da Sony), com Carlos Fernando, na época em que nós fomos a Caruaru. Há 40 anos. E eu pus essa música na abertura do disco Expresso 2222. Mais tarde Caetano fez uma letra para o Pipoca Moderna, e aí ele próprio gravou, e outros artistas gravaram Pipoca Moderna, como canção, cantada. Mas a primeira publicação dela foi feita através do disco Expresso 2222 com uma gravação doméstica da Banda de Pífanos de Caruaru.
UM – Você tem uma coisa interessante, que é como você une o popular à vanguarda. Como é que é isso?
Gil – Em todo o mundo a gente faz isso. Cada um tem o seu modo de fazer. O Chico faz isso, o Caetano faz isso, os Beatles faziam isso na Inglaterra, Bob Dylan fez isso nos Estados Unidos. Muita gente faz isso, é uma prática que se tornou comum, os artistas não querem ficar isolados, em um segmento só, confinados a um determinado só único mundo musical, música é um trânsito permanente entre… Todos nós tivemos música clássica em nossa infância, ouvimos Bach, ouvimos Beethoven, ouvimos isso, ouvimos aquilo, somos influenciados por esses contextos, e ao mesmo tempo temos a música da rua, a música de nossas cidades, a música de nossas feiras, de todos os lugares. Enfim, queremos misturar tudo isso, queremos fazer com que esses espaços dialoguem, uns com os outros, não é? Então eu tenho o meu modo de fazer isso. Às vezes, antigamente, por exemplo, naquela época aqui, eu peguei duas cirandas, utilizei excertos dessas cirandas, não é?, e complementei com canções que eu fiz. É o caso do Pé da Roseira, é o caso da Barca Grande, é… (Canta)
Isso é uma ciranda. (Canta)
Também é uma ciranda. E no entanto essas cirandas viraram trechos iniciais de canções mais longas que eu fiz. Há muitas maneiras.
UM – Villa-Lobos fazia isso.
Gil – Fazia isso também. Bartók fazia isso, Bach, não é?
UM – Você é um compositor que sem alarde, ou como se dizia naquela época, “sem dar bandeira”, você é um compositor muito político. Pelo que eu lembro da juventude da época, na ditadura militar, eu lembro que o movimento tropicalista era relacionado a determinada linha de combate clandestino. Você faz essa relação? Por exemplo, tinha ala da esquerda que era do lado de Chico Buarque, tinha ala da esquerda que era do Tropicalismo, você vê isso?
Gil – Acho que sim. Acho que era. As pessoas associavam sua política, seu compromisso… (tosse) a determinados campos, na própria política e no campo estético também. Então o Tropicalismo estava ligado às correntes mais … mais audaciosas, mais, que predicavam uma ruptura maior, que predicavam uma ruptura de um convencionalismo estético, artístico, e etc., e também político, não é? Nós gostávamos das correntes políticas mais autônomas, mais abertas, menos subordinadas a linhas programáticas clássicas.
UM – Quando você diz que pegava uma linha política mais aberta, menos amarrada a programas tradicionais, eu lembro que a sua trajetória de diálogo com a esquerda nem sempre foi ausente de conflitos.
Gil – Foi tangencial sempre. (Riso) Eu nunca mergulhei em nenhuma corporação, em nenhuma unidade da política das esquerdas, porque eu sempre fui uma coisa que o Partido Comunista naquela época costumava classificar como “linha auxiliar”. (Riso) Eu ajudava, mas eu não era propriamente um …
UM – Era um aliado?
Gil – Eu era um aliado. Eu tinha esse trabalho tangencial, onde nos pontos onde havia tangenciamento entre meu processo e o processo deles, a gente caminhava junto. Nos outros, eu ia solto.
UM – Você sabe o que ocorreu com Geraldo Vandré?
Gil – Não tenho tido notícias recentes dele… Notícias até tenho, não tenho tido contatos recentes com ele. Os últimos contatos que eu tive com Vandré já vão alguns anos atrás. Ele se envolveu num processo de mais reclusão, de mais afastamento…
UM – Esquizofrenia, parece.
Gil – É o que dizem dele. Ele teve o conjunto das questões dele, teve esse aspecto também de uma problematização psiquiátrica também. De formas que ele descontinuou um pouco o trabalho, propriamente. Vandré não deu continuidade ao trabalho dele.
UM – Você chegou a ser parceiro dele.
Gil – Muito, em algumas canções. Umas quatro ou cinco fizemos.
UM – Como estão hoje as suas relações com Caetano Veloso?
Gil – Isso é fácil. As mesmas de sempre. (Riso)
UM – As relações de amizade são ótimas.
Gil – São ótimas. As relações de convívio, nem tanto… por causa dos descaminhos, os nossos caminhos cruzam pouco hoje, porque eu estou com o Ministério, eu viajo muito, estou muito fora… (Tosse) do Brasil, fora do Rio, e tal. Então são muito poucas as oportunidades de sentar, conversar, conviver. Outro dia, a última vez em que nós estivemos juntos foi numa situação muito auspiciosa, que era um show dele em Porto Alegre, eu tinha ido a Porto Alegre para uma atividade ministerial, e havia um show de Caetano naquela noite em Porto Alegre. E eu fui, e depois do show, além de ter tido esse momento extraordinário de poder assistir a um show dele, ainda saímos juntos pra noite porto-alegrense depois.
UM – Fumaram o cachimbo da paz.
Gil – Fumamos … Não, não, o cachimbo da paz já está. A paz nunca deixou de existir entre nós. Mas nós pudemos conviver durante algumas horas numa forma como a gente não vinha podendo conviver.
UM – Agora, a pergunta que eu venho guardando desde o começo: se você não fosse um homem negro, que artista você seria?
Gil – Eu não faço a menor idéia. (Risos.) Eu não faço a menor idéia. Eu não teria essa sestrosidade rítmica que eu tenho, isso é uma coisa que eminentemente muita gente tem, outras raças, outros contextos étnicos propiciam, mas a vivência negra, da cultura negra… e quando eu digo raça, digo nesse sentido, de mais no sentido da cultura, de ser negro culturalmente negro me dá uma relação com a música, com o ritmo, com o mundo religioso, com tudo enfim que eu não teria não sendo negro, e portanto não seria o artista que eu sou. Seria outro. Outra pessoa. (Riso e sorriso.)
UM – E se você não fosse músico, o que você seria?
Gil – Arquiteto, talvez.
UM – Nada a ver com administração de empresas.
Gil – Não, porque eu me formei em administração de empresas, mas na verdade o campo de aplicação do meu talento mesmo, o campo de interesse da minha expressividade interior, etc. , se não na música se daria mais proximamente de uma coisa como Arquitetura.
UM – Seria ligado à arte de qualquer maneira.
Gil – É isso o que eu quero dizer. Mais do que administração. Ainda que eu goste de administração, tanto que eu fiz administração, e tanto que eu tentei aproveitar o que aprendi na formação, no campo prático, criei minha própria empresa, e coisas desse tipo. Me interessei por esse lado do empresarial, eu fui sem dúvida alguma muito estimulado pela formação da universidade.
UM – Eu visitei seu site oficial, e pude ver que você nasceu em Salvador, mas teve uma infância rural.
Gil – Nasci em Salvador circunstancialmente, em uma família que já habitava, que já morava no sertão. Ituaçu. Minha mãe veio pro parto em Salvador, porque era de família de lá, meu pai também, minha mãe ainda viva, está com 93 anos agora, meu pai já é falecido, mas eram ambos de Salvador, tinham ido pro sertão e casaram e foram pro sertão. Na hora em que nasceu o primeiro filho, voltaram para Salvador, porque era lá que as famílias deles estavam. Então era mais seguro, mais aconchegante… (Faz um gesto a indicar que está na hora de encerrar)
UM – Só uma última pergunta. Não existe um Gil. Existem Gis. Há muitas imagens físicas, fases, variações na sua vida…
Gil – Isso é comum a todos os seres humanos. Não existem indivíduos. Existem divíduos, como diz Gilles Deleuze. (Ri.) Ninguém é um. Todos nós somos muitos, somos múltiplos.
UM – Muito obrigado, Ministro.
Nestes tempos em que se discute o futuro da democracia no Brasil, nunca é demais lembrar como era o país na ditadura militar. Em entrevista a MONEY REPORT, o jornalista e escritor Sérgio Augusto lembra situações vividas nos anos de chumbo e explica como funcionava a censura no período.
O presidente do STF, Dias Toffoli, se referiu ao golpe militar de 1964 como um “movimento”. Como você avalia essa declaração?
Isso é um insulto pessoal. Negar que houve ditadura ou qualificá-la eufemisticamente de “movimento” é de pasmar. Não creio tratar-se de ignorância histórica, mas de má-fé e desonestidade intelectual.
Por quê?
O ministro nem era nascido quando houve o golpe. Ok. Eu também não era nascido quando Hitler invadiu a Polônia. Nem por isso digo por aí que as tropas de Hitler foram a Varsóvia a passeio.
Qual a sua lembrança da ditadura no Brasil?
Recordo das redações pelas quais passei. Dos amigos presos, sumidos, torturados e mortos. E também do cerceamento que a imprensa sofria. Cheguei a ser censurado ao mesmo tempo nos três veículos com os quais colaborava (Veja, Pasquim e Opinião).
Como funcionava a censura nos veículos de comunicação no período?
Os censores iam para a redação e ficavam olhando texto por texto, avaliando o que poderia ser publicado. Outra forma era quando os próprios militares ligavam para o jornal proibindo determinados assuntos. Coisas que nem mesmo a gente estava apurando.
Quem eram os censores?
A princípio eram burocratas, gente do governo que era deslocada de outras áreas. Mas, com o recrudescimento da ditadura, o cerceamento ficou pior. Brasília precisava aprovar todo o material. Algumas vezes mal tínhamos conteúdo para fechar uma edição.
Que tipo de assunto era proibido de ser publicado?
Tudo praticamente. A censura atingiu níveis paranoicos porque os militares imaginavam que tudo era conteúdo subversivo. Até uma coluna sobre xadrez chegou a ser proibida. Eles achavam que era alguma linguagem cifrada.
Você acredita que corremos o risco de ver a história se repetir?
O país caminha para um arremedo do que foi o regime militar. Mas não acredito que a censura, nos moldes do que era, possa atingir os veículos de comunicação. Temo mesmo é que os jornalistas virem alvos de agressão.
A Censura na Ditadura Militar
No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)
A CENSURA COMO LIMITAÇÃO DOS SENTIDOS
A Censura na Ditadura Militar
O período democrático, instalado em 1946, teve vida efêmera (apenas 18 anos). E o país viveu uma certa turbulência política que foi desde o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, passando pela crise financeira do governo JK, pela eleição direta, em outubro de 1960, de Jânio Quadros e sua renúncia em 25 de agosto de 1961 e pelo conturbado governo de João Goulart, até chegar ao dia 31 de março de 1964, quando os militares assumiram o poder com a perspectiva de nele permanecer, e a isso chamaram de Revolução, mas foi um Golpe de Estado, uma subversão da ordem constitucional. Era o silêncio se aproximando, agora, com a ditadura militar.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Tradução de: Ismênia Tunes Dantas.
"Em 1964, o Brasil passa por uma ruptura de seu processo político-institucional. Tendo início em 31 de março, com a articulação do general Olímpio Mourão Filho, a partir de Juiz de Fora (MG) e, configurando-se claramente, em 1.o de abril, com o avanço de outras tropas, ocorre um golpe civil-militar que derrubaria o presidente constitucional e legitimamente empossado, João Goulart."
(AQUINO, Maria Aparecida de. Estado autoritário brasileiro pós 64: conceituação, abordagem historiográfica, ambigüidades, especificidades. In: Fico, Carlos et al. 1964-2004 - Anos do golpe: Ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p.55).
A década de 1960, no Continente Latino-Americano, foi palco de outros golpes de Estado, além do que ocorreu no Brasil. A Argentina em 1966 e, depois, em 1976 vivencia outros golpes de Estado semelhantes. No Chile, em 11 de setembro 1973, há a derrubada e morte do Presidente socialista Salvador Allende com a ajuda dos EUA, que colocam no poder o brutal sanguinário General Augusto Pinochet. O Uruguai não fica de fora desse processo autoritário e vê os militares assumirem o poder em 1973.
No caso brasileiro democracia foi exercida por pouco tempo, e a linguagem sofre outro ataque com o novo regime instalado, pois a censura é imposta e os sentidos diversos do que o regime quer, são cassados.
O regime militar impõe uma forte censura à sociedade com o advento do AI 5, sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. A garantia constitucional do habeas corpus para os acusados contra a ordem econômica e social, economia popular e contra a segurança nacional foi suspensa, além de ter aposentado, forçosamente, três notáveis Ministros do STF, defensores da liberdade: Evandro Cavalcanti Lins e Silva; Hermes Lima e Victor Nunes Leal.
O rigor imposto pelo AI 5 protagonizou uma das maiores disputas no Superior Tribunal Militar, ocorrida entre dois generais: Geisel e Pery Bevilaqua.
Geisel, durante o julgamento de um habeas corpus de um livreiro, advertiu Pery de que não admitia ser interrompido durante sua fala. Pery o chamou de mal-educado.
Posteriormente, Pery Bevilaqua foi malvadamente posto para fora do STM com base no AI5, poucos meses antes de completar 70 anos, quando seria aposentado pelo calendário. A ditadura acreditou que se livrara dele, mas na verdade foi Pery quem se livrou dela. Anos depois, tornou-se um dos lideres da campanha pela anistia. Graças a ele, o Exército brasileiro pode dizer que um de seus generais teve a coragem de falar em anistia na época em que a palavra parecia ser um estigma.
Estima-se que 5 milhões de chilenos foram mortos durante a ditadura de Pinochet (Tiros em Columbine, Michael Moore). GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.105.
O regime militar faz com que surjam resistências à censura, pois a palavra foi cassada, mas não calaram os sentidos que são expressos com significados distintos dos que estão proibidos. Pode-se falar, mas não se pode significar aquilo que está proibido de se dizer, mas, mesmo assim, surgem resistências de diversas formas.
A censura estabelece um jogo de relações de força pelo qual ela configura, de forma localizada, o que, do dizível, não deve (não pode) ser dito quando o sujeito fala. Não se pode dizer o que foi proibido (o dizer devido), ou seja: não se pode dizer o que se pode dizer.
O regime militar procura impor um sentido só para toda a sociedade. Trata-se da retórica da opressão fazendo surgir a retórica da resistência em que se procura, de uma forma permitida, resistir ao que é proibido. Ou seja, na relação censura/resistência, o movimento que interessa é aquele que faz dizer o mesmo para significar outra coisa e dizer outra coisa para significar o mesmo. Usa-se a palavra com diversos significados.
O importante nessa relação era o significado, o sentido, não tanto as palavras porque estas foram cassadas, e o que se proibiu, inicialmente, foi a palavra com sentido diferente do que se autorizava.
Uma das formas de resistência em que se disse o que estava proibido dizer significando o que se queria significar, e não o que se estava dizendo, foi na música popular brasileira, com canções clássicas do tipo: MEU CARO AMIGO, de Francis Hime e Chico Buarque; AQUELE ABRAÇO, de Gilberto Gil; PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES, de Geraldo Vandré.
A luta armada foi uma das formas de se resistir contra a censura e o regime propriamente dito. Carlos Lamarca, capitão do exército, carioca do morro de São Carlos, no Estácio, zona norte do Rio de Janeiro, foi um dos principais protagonistas dessa resistência, mediante a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), juntamente com Carlos Marighela, líder da Aliança de Libertação Nacional. O QG do II Exército; o Palácio Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, e a Academia de Polícia seriam alvos de suas ações.
Quando na música Chico Buarque diz que “vai passar”, o povo “sabe” que ele não fala de uma doença ou de uma dor de amor, mas de uma dor, um mal político: a ditadura e o sofrimento social.
No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DOCONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)
por Ana Cristina Rodrigues Furtado
Esse trabalho tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre os testemunhos de Maria Amélia Teles e Criméia Almeida, ambas são irmãs. Elas foram integrantes do Partido Comunista do Brasil – PCdoB, lutaram na guerrilha do Araguaia, foram presas e torturadas na Operação Bandeirantes – Oban no período da ditadura militar no Brasil.
Para esse trabalho nos deteremos nas fontes audiovisuais que possuem o formato de depoimentos, são eles, Ditadura Depoimento Maria Amélia Teles e SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento, ambos produzidos em 2011.
Essas mulheres narram a partir de suas experiências as dores, rancores, ressentimentos, e as consequências que essas prisões e torturas tiveram nas suas vidas e de seus filhos. Nesse sentido propomos pensar as torturas as quais foram submetidas, e os traumas acarretados nessas mulheres.
Na última década da ditadura militar no Brasil, muitas vítimas testemunhas começaram a emergir com o objetivo de narrarem as suas histórias ou a de familiares, companheiros e amigos que haviam sido torturados, presos, mortos, exilados ou desaparecido durante esse período.
Assim, os discursos dessas vítimas-testemunhas eram repletos, de suas duras experiências naqueles dias, as quais ainda estavam guardadas vivamente em suas memórias. Logo, com o fim da ditadura militar, explodiu uma gama enorme de relatos que buscavam (re)
Esses crimes e vários tipos de violências só foram possíveis de serem revelados pelo fato desses eventos traumáticos terem permanecido em suas memórias. E foi através do ato de lembrar e narrar que as experiências dessas pessoas puderam ser contadas, logo, na busca de não esquecer é que muitas experiências traumáticas foram narradas através de vários formatos de filmes.
A exemplo, dos depoimentos Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles e SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento 6, ambos produzidos em 2011. A partir do ato de testemunhar realizado por Amélia Teles e Criméia Almeida, e ao falarem das torturas sofridas, algo que marcou não só as suas vidas, como também, a de seus filhos podemos perceber os mais variados tipos de sentimentos que perpassam os discursos desses sujeitos, como trauma, ressentimentos, silêncios, dor, luto e reparação do passado.
Os sujeitos que revelaram esses crimes foram aqueles que participaram ativamente ou passivamente da luta política, como também, por pessoas que pararam para ouvir o testemunho de um familiar, amigo e companheiro. Assim, vários sujeitos começaram a narrar suas histórias a partir das suas experiências. Portanto, o testemunho só é possível de ser construído através da experiência, tendo o sujeito visto, ouvido ou passado por aquele momento. “Os crimes das ditaduras foram exibidos em meio a um florescimento de discursos testemunhais [...]”. (SARLO, 2007: 46).
Os discursos que emergem nas fontes audiovisuais elaboradas desde o final desse período ditatorial, giram em torno de vários elementos, entre eles estão a segundo Jeanne Gagnebin a “memória traumática”, “[...] gênero tristemente recorrente do século XX [...]” (BRESCIANI E NAXARA, (Org.), 2004: 86).
Essas “memórias traumáticas” são compostas dos traumas nunca superados, dos ressentimentos, da incerteza quanto achar algum familiar ou amigo vivo, a luta em mostrar para a sociedade os crimes que haviam ocorrido no Brasil, às lembranças de sofrimentos que podem ou não serem esquecidas, a luta por uma reparação do passado e justiça.
A experiência do choque acarreta o trauma e possibilita que ele seja imposto nas pessoas. Essas experiências foram impostas aos ex-militantes políticos, a exemplo de Amélia
Teles e Criméia Almeida a partir de prisões e muitas sessões de torturas, em que muitos outros companheiros de luta política foram a óbito, ou estão desaparecidos.
Logo é a partir do trauma que a “memória traumática” é construída, a qual pode levar os sujeitos a silenciarem e buscarem o esquecimento, ou pode também servi para lutarem contra o esquecimento, utilizando essa memória em favorecimento das pessoas que sofreram como foi o caso dos presos e desaparecidos políticos.
A experiência do trauma para essas mulheres serviu não para silenciarem, mas para lutarem contra todos os crimes e torturas que sofreram e todas as torturas psicológicas que viram os filhos sofrerem, a exemplo de Amélia Teles e seu esposo César Teles. Foram submetidas a muitas dessas experiências dentro da Operação Bandeirantes – Oban, “Sua missão consistia em “identificar”, localizar e capturar os elementos integrantes dos grupos subversivos..., com a finalidade de destruir ou pelo menos neutralizar as organizações a que pertençam”. (JOFFLY, 2013: 42).
Nesse sentido esse trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão sobre os testemunhos de Amélia Teles e Criméia Almeida. A partir de fontes audiovisuais em formato de depoimentos, são eles, Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento 6, ambos produzidos em 2011 para serem passados após o final dos capítulos da telenovela brasileira Amor e Revolução.
Assim propomos pensar além da estrutura fílmica com seus variados elementos que compõem a narrativa, as experiências traumáticas vivenciadas por essas duas mulheres vítimas-testemunhas da ditadura militar no Brasil, como suas dores, ressentimentos, rancores, os traumas e, buscarmos perceber os tipos de torturas, as quais foram submetidas, e as consequências que as torturas e prisões acarretaram nas suas vidas e na de seus filhos, e como isso afetou as suas vidas.
As Vítimas-Testemunhas como narradoras das suas histórias
Os depoimentos Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento 6, foram retirados do Youtube e são apenas dois exemplos dos vários que foram produzidos para serem passados após o final dos capítulos da telenovela brasileira Amor e Revolução. Produzida e transmitida pela rede de televisão SBT, de 05 de abril de 2011 a 13 de janeiro de 2012, na faixa de 22 horas. Foi escrita por Tiago Santiago e teve em sua direção Reynaldo Boury, Luiz Antônio Piá e Marcus Coqueiro.
Essa produção foi muito representativa na teledramaturgia brasileira do País, pois teve como enredo central a ditadura militar abordando o período que começa na década de 1960 e vai até meados de 1980. Ela foi ambientada no Rio de Janeiro e em São Paulo, a trama inicia representando o Golpe Militar de 1964, reconhecido pelos militares como a “revolução” de 31de março de 1964.
Dentro desse recorte temporal eles buscaram retratar a história de pessoas que foram a favor, como também aquelas que foram contra a ditadura. Dentre os temas abordados estão os movimentos sociais e políticos, a luta armada, os ideais de democracia e liberdade tão almejados por muitos militantes políticos na época, as mudanças comportamentais, a música, moda, a chegada da televisão, ou seja, a cultura em seus diversos aspectos nesse período.
No dia 09 de março de 2011 a emissora de televisão SBT, exibiu durante cinco minutos, cenas da trama, fazendo um resumo da história da telenovela. Essas cenas foram vistas na época como uma crítica a Rede Globo de televisão, em que foi acusada em parte de ter sido favorecida pela ditadura militar, e de ter apoiado os militares.
A vinheta de abertura mostrava estudantes, jornalistas, artistas, políticos, dentre outros, desaparecendo em cena, fazendo assim uma alusão ao que ocorreu na ditadura militar, em que muitas pessoas com essas profissões e escolhas políticas foram presas, exiladas, mortas e desaparecidas. Essa abertura foi embalada ao som de Roda Viva, autoria de Chico Buarque, pela banda MPB-4.
O primeiro depoimento gravado foi o de José Dirceu (ex-deputado do PT). Este iniciou sua militância política em movimentos estudantis em1965, foi preso em 1968, Ibiúna – SP, durante uma tentativa de realizar o Congresso da União Estadual dos Estudantes – UNE.
Em 1969, as organizações guerrilheiras Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8 e a Ação Libertadora Nacional – ALN, sequestraram o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, e em troca, exigiram que uma lista de prisioneiros políticos fossem libertados, entre eles estava José Dirceu, os presos foram para o México, de lá seguiram caminho para Cuba e Paris, José Dirceu se exilou em Cuba, voltou para o Brasil definitivamente em 1975, vivendo clandestinamente por um bom tempo.
Seu depoimento durou cerca de 70 minutos, mas somente alguns trechos foram transmitidos ao final de alguns capítulos da telenovela. Todos os depoimentos que foram transmitidos não ultrapassaram o tempo de cinco minutos, sendo assim, as falas eram editadas pela produção. Muitos ex-militantes políticos não deram seus depoimentos, por conta das falas serem editadas e pelo fato de terem receio de que suas falas fossem mudadas na edição do vídeo.
Os depoimentos possuem uma construção narrativa, simples e parecidas, no qual os depoentes foram colocados em um estúdio, sentados, para narrarem as suas histórias. A câmera mostra boa parte das vezes, os depoentes de cintura pra cima, ou seja, apenas meio corpo, e foca nos movimentos que esses sujeitos fazem com as mãos, no rosto, principalmente quando eles começam a falar de momentos traumáticos que vivenciaram. O tempo de duração é pequeno, mas é o suficiente para mostrar através desses testemunhos os diversos tipos de sofrimentos e violências vividos por essas vítimas-testemunhas.
No pano de fundo aparece na maioria desses depoimentos uma imagem colorida com o nome tortura, matérias de jornais, dentre outros elementos, que buscam retratar o período da ditadura militar, mas em Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, tem como imagem de fundo, prédios em preto e branco.
As imagens dos depoimentos são coloridas, e as vítimas-testemunhas logo nos primeiros segundos já começam a narrar as suas histórias. No momento em que elas começam a falar das prisões, das torturas sofridas, dos vários tipos de violências é introduzida como trilha sonora a música Para Não Dizer que Não Falei das Flores de Geraldo Vandré, mas passa apenas a melodia.
É importante ressaltar que o espaço para a gravação dos depoimentos e para a sua transmissão era pra todos aqueles que se sentissem prejudicados pela ditadura militar, como também, para aqueles que eram a favor dela, ou seja, o espaço estava aberto para qualquer segmento da sociedade.
A partir de julho de 2011, os depoimentos deixaram de ser transmitidos, segundo a equipe da telenovela, havia somente depoimentos de pessoas que foram contra a ditadura militar, e que haviam sofrido torturas, prisões e exílios nesse período. Podemos notar que havia sim depoimentos de pessoas que foram a favor da ditadura, só que pouquíssimos.
O depoimento Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, foi exibido no dia da estréia da telenovela. Ela e Criméia Almeida são irmãs e foram presas no ano de 1972 e torturadas na Operação Bandeirantes – Oban. Ambas eram integrantes do Partido Comunista do Brasil – PCdoB e lutaram, na Guerrilha do Araguaia. O fim da guerrilha se deu com o resultado que favoreceu os militares “resultando mortos mais de 50 militantes do PC do B, após cruel repressão que se abateu sobre a população de toda a região”. (ARNS, 1985: 99).
Maria Amélia Teles foi presa juntamente com seu marido César Augusto Teles e mais um companheiro de militância Carlos Nicolau Danielli, enquanto eles eram torturados, os policias foram buscar seus dois filhos Edson Teles e Janaina Teles, ambos tinham na época 4 e 5 anos de idade respectivamente, e sua irmã Criméia Almeida que estava grávida de seis meses, e mesmo assim sofreu torturas, principalmente as psicológicas, como também, as crianças. Lembrando que “As capturas eram cercadas de um clima de terror, do qual não se poupavam pessoas isentas de qualquer suspeita...” (ARNS, 1985: 77), muito menos as crianças filhas e filhos de militantes políticos.
No início do seu depoimento Maria Amélia Teles fala de sua prisão e das torturas sofridas, ela diz:
Quando eu fui presa né, ou fomos presos né, porque era eu, meu companheiro e mais um dirigente do partido comunista, nos fomos e logo encaminhados pras salas de tortura, sempre nua eles arrancavam sua roupa o tempo todo né, alias eu tinha sido torturada a noite toda nua, e eu estava urinada, com vômito, eu tinha levado choque no ânus, vagina, nos seios, no umbigo, nos ouvidos, dentro da boca, eu só não levei choque dento do nariz e dentro dos olhos. (Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, 2011).
Falar sobre as torturas sofridas e sua prisão ainda não é algo fácil para ela, podemos perceber os vários tipos de sentimentos desencadeados ao começar a falar de suas “memórias traumáticas”, como o trauma e o sofrimento que aquela experiência acarretou em sua vida. Através de sua fala, entre pausas e repetições de expressões, vemos que falar sobre esses acontecimentos traumáticos ainda é algo sensível e que meche com muitas emoções, com as dores silenciadas, como também, percebe-se o anseio por uma reparação do passado e restituição de direitos.
Movimento Guerrilheiro que se deu na região Amazônica, ao longo do Rio Araguaia, em finais da década de 1960 e início de 1970. Movimento criado pelo PCdoB Partido Comunista Brasileiro, com o objetivo de fomentar uma luta revolucionária, mas foi combatido pelas forças armadas.
Refletindo um pouco mais sobre esse depoimento, podemos pensar nas inúmeras formas de torturas que foram colocadas em prática pelos órgãos da repressão, a exemplo, do choque elétrico, da cadeira de dragão, dentre os quais Maria Amélia Teles foi submetida, o afogamento, os insetos e animais, o pau-de-arara, dentre outros. Esses vários tipos de torturas são mostrados na obra Brasil: Nunca Mais, a partir de depoimentos retirados de processos políticos, de pessoas que haviam sido presas e torturadas no período da ditadura militar.
A obra Brasil: Nunca Mais, foi produto de uma pesquisa feita por um pequeno grupo de especialistas, que teve como liderança o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns da Diocese de São Paulo. Essa pesquisa foi iniciada em 1979, dentro da descrição e do sigilo necessário, pois, a abertura política ainda estava sendo pensada.
Suas principais fontes para esse estudo foram documentos produzidos pelas próprias autoridades da época, os quais conseguiram as cópias de 707 processos políticos completos e outros incompletos, todos tinham transitado pela Justiça Militar Brasileira, e alguns passaram também pelo Superior Tribunal Militar – STM, entre o período de 1964 a 1979.
A pesquisa durou cinco anos, e as pessoas que fizeram parte da equipe não revelaram seus nomes, pois tinham receio de serem presas ou torturadas. Foi a partir dessa pesquisa que houve a produção do livro Brasil: Nunca Mais, o qual foi e ainda é de muita importância para entendermos um pouco das experiências traumáticas vivenciadas por tantas vítimas da ditadura militar no Brasil.
Retomando o elemento da tortura, podemos pensar que a tortura não era legalizada dentro da lei, a Lei de Segurança Nacional colocava a pena de morte para alguns casos específicos, mas não legalizava a tortura, nem o assassinato e nem as invasões a domicílio, por isso que em certa medida tentaram camuflar e esconder várias mortes e desaparecimentos de pessoas. Logo, a ideia era desestruturar a personalidade do preso, a tortura existe para anular o inimigo, e ela se sofisticou com a criação dos Doi-Codi.
Justificada pela urgência de se obter informações, a tortura visava imprimir à vítima a destruição moral pela ruptura dos limites emocionais que se assentam
Cadeira elétrica revestida de zinco ligada a terminais elétricos, na qual os presos eram sentados nus, ao ser ligada na energia o zinco transmitia choques elétricos em todo o corpo, e em alguns casos também colocavam um balde de metal na cabeça do preso, para que também essa parte do corpo sofresse choques.
Barra de ferro que era atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do joelho, a barra era colocada entre duas mesas, e o corpo ficava pendurado a 20 ou 30 centímetros do solo.
Essa lei foi criada em 1967, a qual amparava o Conselho de Segurança Nacional, tornava qualquer cidadão um suspeito ou vigilante, diante de crimes políticos.
Sobre relações efetivas de parentesco
Assim, crianças foram sacrificadas diante dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados, esposas sofreram para incriminar seus maridos. (ARNS, 1985: 43).
Os militares que torturam Maria Amélia Teles, a qual sofreu vários tipos de torturas físicas, como também, psicológicas, buscaram ir ao íntimo da suas emoções quando sequestraram seus dois filhos e sua irmã Criméia Almeida que na época estava grávida, e os levaram para a Oban. Os torturadores levaram as crianças para verem seus pais após terem sido torturados, a sua mãe ainda estava na cadeira de dragão quando eles foram levados a sala de tortura para vê-la.
[...] eu estava com na na cadeira de dragão..., e então eu estava bastante machucada e cheia de hematomas, e minha filha quando entraram dentro do operação, bobo botaram dentro da operação, meu filho com cinco anos minha filha com tha, a minha filha com cinco anos e o meu filho com quatro ano, passaram na sala pra ver o pai e depois trouxeram na minha, na sala onde eu tava sendo interrogada e torturada pra que eles me vissem, então ela me perguntou: – Por que você ta azul e o pai ta verde?, E de repente eu fui olhar po meu corpo e eu me dei conta que eu tava da cor dessa calça aqui, eu tava roxa toda roxa... (Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, 2011).
Em sua fala vemos que as torturas psicológicas eram muito fortes, e essas marcaram não só a vida dos adultos, mas também a daquelas crianças, que viram seus pais muitos machucados, e ainda ficaram por algum tempo em uma casa da repressão que até hoje não descobriram qual foi. Segundo Amélia Teles seus filhos tiveram reflexos dessas torturas em suas vidas, ainda crianças os problemas já começaram a aparecer, pois ela diz que seu filho voltou a ser bebê, e a menina amadureceu cedo demais.
Sua irmã Criméia Almeida que foi presa grávida de seis meses, sofreu muitas torturas psicológicas, alguns militares ameaçavam dizendo que se o seu bebê nascesse de cor branca e fosse do sexo masculino eles levariam para criá-lo, e segundo ela, ao nascer seu filho tinha os olhos azuis e a cor branca. Essa foi outra criança que já na barriga sofreu com as torturas realizadas em sua mãe. “Meu filho tinha soluços na barriga, meu filho tem soluços até hoje com 37 anos, qualquer tensão ela se manifesta com soluços”. (SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento 6, 2011).
Ao nascer os militares não deixava que ela o amamentasse, levavam o bebê algumas vezes e depois de algum tempo o traziam para a mãe, e sempre chegava doente. Foi muito complicado pra ela reaver o bebê, até quando os militares entregaram a criança para a mãe de Criméia Almeida. Através de alguns trechos das falas dessas duas mulheres, refletimos sobre como esse período de repressão e autoritarismo militar, desencadeou muita dor, traumas e sofrimentos na vida de tantas famílias, e na vida de tantas crianças, que muitas nem sabiam o que estava se passando naquele momento.
Pensar em todas as arbitrariedades cometidas pelos órgãos da repressão, como os vários tipos de crimes e violências, nos fazem questionar até que ponto os militares desrespeitaram todos os direitos humanos, os quais são assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual assegura que os seres humanos não podem ser torturados. Eles feriram a própria ética militar e implantaram as suas próprias regras, tudo isso para os militares, em nome de uma aniquilação do “terrorismo” que as “esquerdas” estavam realizando.
Considerações Finais
Não se consolida uma democracia com cadáveres em sepulto e nós temos muitos. (Maria Amélia, Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles, 2011).
Pra minha família e nós que perdemos essa guerra, que perdemos nossos familiares, a gente tá sempre disponível pra contar essa história, porque nós não nos envergonhamos. (Crimeia Almeida, SBT Amor e Revolução Criméia Almeida Depoimento 6, 2011).
A primeira fala coloca em cheque o regime democrático que foi instaurado no Brasil a partir de meados da década de 1980. Para a depoente só é possível consolidar uma democracia, quando as histórias das vítimas que morreram e também das que ficaram vivas forem expostas e forem reparadas e punidas, mas isso é algo problemático, pois as histórias estão sendo narradas, mas as punições e reparações ainda são tímidas.
Esses “cadáveres em sepulto” se referem aos que não sobreviveram, mas são também os ressentimentos e traumas, que ainda estão guardados na memória daqueles que sobreviveram a esses acontecimentos traumáticos, que nem o tempo e os silêncios foram capazes de apagá-los, logo luta-se pela reparação desses “cadáveres”, que não querem ser esquecidos na história.
[...] os grandes crimes do século XX, situados nos limites da representação, erigem- se em nome de todos os acontecimentos que deixaram sua impressão traumática nos corações e nos corpos: protestam que foram e, nessa condição, pedem para ser ditos, narrados, compreendidos. (RICOUER, 2007: 505).
As vítimas precisaram assumir seus papeis, para mostrarem os “cadáveres em sepulto”, e para protestarem pelas marcas que haviam abalado as suas vidas. Mas há também, as marcas do corpo, e essas foram impostas através das torturas, as quais se tornaram uma das maiores impulsionadoras dos traumas e ressentimentos, falar de ambos não foi algo fácil, mas foi essencial para se recuperar os direitos políticos e jurídicos.
A segunda fala aborda justamente as perdas, essas se dão pelas mortes de familiares e companheiros de luta política, como pela perda da luta travada contra a ditadura militar, e segundo o depoimento de Crimeia Almeida essas perdas precisam ser protestadas e punidas, por isso que há todo um trabalho de memória, em volta desses acontecimentos traumáticos.
É interessante notar que elas não se envergonham de serem consideradas vítimas, e nem de exporem as experiências traumáticas que vivenciaram. Logo contar, essas histórias é uma maneira de mostrar esses “cadáveres” para a sociedade. E dizer a quem quiser ouvir, que eles não foram esquecidos, eles estão presentes, e vão continuar por muito tempo.
Os relatos dessas vítimas-testemunhas narram os vários tipos de tortura tanto físicas como psicológicas, as prisões, as solturas, como também, falam do fato de não saberem onde seus filhos estavam, de ouvirem os policiais dizendo que não ia devolvê-los, ou trazendo eles muito doentes. E das sequelas que permaneceram ao longo do tempo, como é o caso de Criméia Almeida, que ainda na barriga seu filho tinha soluços, não superando isso na fase adulta, tendo esse problema quando passa por momentos de tensão.
Essas vítimas narram as suas experiências “[...] chamamos experiência o que pode ser posto em relato, algo vivido que não só se sofre, mas se transmite. Existe experiência quando a vítima se transforma em testemunha”. (SARLO, 2007: 26). Apesar das dores e sofrimentos esses crimes não foram capazes de anular o relato, o qual consolidou-se no testemunho.
Assim, o sujeito e a experiência estão interligados, pois o segundo precisa do primeiro para existir. O testemunho só foi capaz de se consolidar pelo fato da experiência ter existido, e para que ela seja mostrada é preciso haver o trabalho da narração, este se faz através da linguagem, a qual dar voz as experiências que estavam silenciadas.
Vemos assim, através desses depoimentos outro tipo de narrativa, aquela que é construída pela própria vítima, ou seja, ela começa a significar o seu passado, lançando o seu próprio olhar sobre ele. Antes o que era silenciado, pode ser restaurado e “ressuscitado”, que foi a memória como dever, mas também, como campo de conflito, esta última se dá pelo dilema entre os que ainda mantêm em suas lembranças os crimes de Estado, e aqueles que querem esquecer e passarem para uma nova etapa da história.
Segundo Beatriz Sarlo “Mas, antes de celebrar esse sujeito que voltou a vida, convém examinar os argumentos que decretaram sua morte, quando sua experiência e representação foram criticadas e declaradas impossíveis”. (2007: 30). Os silêncios e esquecimentos que foram impostos por muitos anos, reprimiam e recalcavam as experiências desses sujeitos. A Lei da Anistia serviu em parte para instaurar o esquecimento sobre essas memórias e lembranças.
Suas experiências e memórias foram declaradas impossíveis e colocadas a prova, mas isso não impediu que esses sujeitos (re) surgissem, e restaurasse o discurso da “primeira pessoa”, este se tornou “matéria-prima”. Falar em “primeira-pessoa” foi essencial para conhecermos partes da história de nosso País, pois, através dessas narrativas podemos perceber em que tipo de governo a sociedade estava inserida e como tantas pessoas se tornaram vítimas dessa ditadura.
No século XXI, esses narradores já se auto-intitulam como vítimas da ditadura militar, e mostram através de seus depoimentos o porquê de poderem ser chamadas assim. Eles se designam assim, pelo fato de se darem conta que o que passaram feria até mesmos as normas pregadas pelos direitos humanos, que feriam as suas dignidades, e os seus sentimentos políticos e morais. Elas se deram conta que viveram atrocidades difíceis de serem narradas.
Logo o conceito de vítima, não é atribuído apenas aqueles que morreram nos “porões da ditadura”, mas também, aqueles que sobreviveram a tantas torturas, prisões e maus tratos. As próprias famílias buscam atribuir esse conceito aos entes que foram perdidos, mas também, buscam heroicizar esses sujeitos.
Os discursos dessas vítimas vão exalar seus ressentimentos, ódios, dores e traumas, e isso vai contribuir para uma restauração da esfera de direitos, que até então essas pessoas haviam perdido. Logo a memória se consolida no discurso testemunhal desses sujeitos como um dever moral, mas também, político e jurídico.
Lei de No 6.683, de 28 de agosto de 1979, anistiava pessoas que haviam cometido crimes eleitorais, políticos, com direitos políticos suspensos, servidores e militares do poder judiciário e legislativo, pessoas vinculadas ao poder público, dentre outras, entre o período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
Referências
ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais. Petropólis: Vozes, 9o Ed., 1985.
BRESCIANI, Stella, NAXARA, Márcia (org.). Memória e (res) sentimento: indagações sobre questão sensível. In: Memória e Esquecimento: Linguagens e Narrativas. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004, pp. 85-94.
JOFFILY, Mariana. Engrenagem. In: No centro da engrenagem os interrogatórios na operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975). São Paulo: Edusp, 2013, pp. 38/97.
MATTOS, Vanessa. O Estado contra o povo: a atuação dos Esquadrões da morte em São Paulo (1968-1972). In: Esquadrões da morte e “limpeza social”: meios de implantação da violência do Estado. Mestrado em História. São Paulo: PUC, 2011, pp. 25/50.
RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução Alain Françóis – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
SARLO, Beatriz. Tempo Passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução Rosa Freire d’Aguiar – São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte,: UFMG, 2007.
Filmes
Ditadura Depoimento 1 Maria Amélia Teles. Direção: Reynaldo Boury, Luiz Antônio Piá e Marcus Coqueiro, Brasil, 2011.
SBT Amor e Revolução Criméia Almeida – Depoimento 6. Direção: Reynaldo Boury, Luiz Antônio Piá e Marcus Coqueiro, Brasil, 2011.
Edson Teles e Janaína de Almeida Teles são ex-presos políticos e filhos dos antigos militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, e César Augusto Teles. Ainda crianças, respectivamente com 4 e 5 anos, foram sequestrados pela Operação Bandeirante (Oban) e levados à prisão junto de seus pais, em dezembro de 1972.
Durante o período de detenção assistiram à mãe e ao pai serem vítimas de sistemáticas violações. Também presenciaram os dois sendo torturados pelo major do exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, então comandante do DOI-Codi.
Em 2005, em decorrência das violações de que foi vítima, a família Teles moveu um processo contra Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em 2008, ele foi condenado e declarado publicamente “torturador” pela Justiça.
Hoje, Edson Teles é professor universitário. Docente do curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), dedica parte de sua vida acadêmica ao estudo das ditaduras, dos direitos humanos, da memória política e de outros temas relacionados. Entre outras obras publicadas, organizou, com o filósofo Vladimir Safatle o livro “O que resta da ditadura: A exceção brasileira”.
Como o irmão, Janaína de Almeida Teles segue carreira acadêmica. É doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Faz pesquisas sobre aparelhos repressivos de Estado, ditaduras na América Latina, mortos e desaparecidos políticos e outros temas correlatos. Também é autora e organizadora de livros sobre a ditadura, citados em diversas obras da literatura especializada nacional e internacional.
Em parceria, os dois irmãos também organizaram, com auxílio da socióloga Cecília MacDowell Santos, o livro “Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil”.
“A cultura da impunidade persiste e há uma prática da violência por parte do sistema de segurança pública que herdamos da ditadura. Até hoje ocorrem torturas nas delegacias, instituições de detenção de adolescentes, no sistema prisional.”, César Teles.
Por Jean Paul d’Antony /A Terra É Redonda
Um novo tipo de chicote resvala, dia após dia, no pós colonialismo, nos corpos dos novos sujeitos pós coloniais
Todos os dias negros ou pretos. Esperem, por favor, um segundo. É complicado escolher a expressão linguística adequada porque todas parecem nos empurrar para a armadilha do racismo estrutural, para uma representação desse preconceito que pode ser socio-culturalmente mais ou menos aceitável. Talvez a ressignificação simbólica desses léxicos, em suas constituições identitárias, seja bem mais importante do que a sua escolha. Comecemos assim, todos os dias pessoas negras, nessa chamada civilização pós-moderna, são perseguidas e violentadas em seus direitos, em sua moral, em sua dignidade, em seu direito de ser, e o dito estado democrático de direito usurpa suas existências com o argumento de ataque a uma criminalidade que, na maioria esmagadora das vezes, é instrumento de um projeto maior de eugenia herdado do estado escravocrata. O que aconteceu com o George Floyd é o reflexo, o exemplo de milhares no mundo, como aqui no Brasil todos os dias.
Do 18 de dezembro de 1865, quando os Estados Unidos abolem a escravidão através da 13ª Emenda da Constituição, ao 13 de Maio de 1888 aqui no Brasil, onde a Lei Áurea não passou de um dispositivo legal para injetar mão de obra no Mercado, deixando sérias questões sobre a suposta ação humanista e suas consequências, o racismo estrutural vem sendo incorporado e instrumentalizado através de diversas teias modernizadas de práticas e representações coloniais que invadem a noção de corpo e poder identitário de cada uma dessas nações e suas singularidades. Toda apresentação de violência, de subjugação do outro, de desumanização, é diferente e reinventada a partir das necessidades de cada espaço de poder. É assim nos EUA bem como no Brasil.
E assim, um novo tipo de chicote resvala, dia após dia, no pós colonialismo, nos corpos dos novos sujeitos pós coloniais.
As colônias estão presentes, o estigma da colonização se apresenta estampada em todas as calçadas, no reflexo das vitrines, nas câmeras dos shoppings, em cada corpo negro estendido pela impunidade das histórias apagadas dos que foram violentados e vencidos, e tiveram que se adaptar à fantasia de um mundo novo cuja narrativa era de liberdade e igualdade. Os senhores das terras hoje são chamados de empresários e muitos estão inseridos na política, agindo com mãos, que não são invisíveis, têm nomes e digitais, em prol da manutenção de um racismo estrutural que não recua, só avança visivelmente e incorporado, continuamente, no ethos de diversos slogans.
Ora, ocorre que, na maioria das vezes, a manutenção da violência racista é instrumentalizada a partir da indústria de consumo a fim de anestesiar o esclarecimento, os sentidos, a razão crítica e o sentimento de escravidão pulsante em muitas esquinas, em muitos pescoços, em muitos cassetetes, dentro de muitas casas invadidas, em muitas balas que se dizem perdidas e em muitos espaços de fala, criando uma estufa que abafa os gritos, alimenta o esquecimento, as mutilações na alma e as mortes. O isolamento de classes, de gênero e de raça sempre esteve presente, com o cenário da Covid-19 este isolamento se desvelou mais violento. Até quando a manutenção dessa distopia será avaliada apenas de janelas, lentes, músicas e somente por palavras de “desculpa” (quando essas ainda se apresentam)? A distopia do racismo é um câncer que atravessa a ancestralidade, deve ser isolada, extinta, a fim de promover uma sociedade onde os espaços das diferenças sejam compartilhados, não divididos, não mais categorizados. Os espaços das diferenças devem ser vividos a fim de se compartilharem experiências/existências, não como demarcação de histórias e memórias que subjugam outras, sem demarcações. Não falo aqui de homogeneização, falo de respeito, viver-com, existir-com.
A história dos vencedores continua a operacionalizando o discurso onde políticas de inclusão são oferecidas à população como políticas do pão e do circo, como um simples e difícil favor, apagando o direito da resistência e o direito histórico-político-existencial da inclusão. George Floyd e o João Pedro, e muitos Georges e muitos Joãos, como o menino Miguel Otávio, não são números de uma tanatos-política, da necro-política de muitas nações, são resultados de genocídios dilatados como gotas de ácido e sangue nos olhos e na pele dos negros e de todos os grupos isolados de direitos e de voz que são alvos dessas ações todos os dias. Séculos de Asfixia.
O pulso ainda pulsa, o pulso ainda pulsa, o pulso ainda pulsa, e em cada gota de ácido, e em cada gota de sangue, uma avalanche pulsante de pessoas tomará as ruas gritando e buscando espaço de paz na história corrente. Avalanche versus Paz, contraditório? Não! A poética do desespero, a poética de vozes emudecidas que já transbordou. O que escorre é dor, e que esta dor se torne a flecha que rasgará (de uma vez por todas, constantemente no ar, sem cair, como um Arauto) o movimento daqueles que teimam em fragmentar e subjugar a humanidade a partir de seus preconceitos. Não deveria ser assim, mas infelizmente a morte (não! os assassinatos!) também desperta a fúria da resistência. A resistência deve pulsar sempre, vigilante, e não gritar apenas a cada direito e cada vida sufocada. Talvez assim, muito talvez, resta acreditar que a dor que toma hoje as ruas dos EUA e do mundo seja a janela de uma nova humanidade. Em verdade, a memória mostra que muitas dessas ações ficaram na história, mas não ficaram esquecidas, se tornaram a pólvora que navega pelo ar explodindo, alimentando a caminhada. Que seja! Então, não basta apenas acreditar. Contrariando o isolamento e a distância, como diz a canção de Geraldo Vandré, “Pra Não Dizer Que Não Falei De Flores”, “Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando (…), a referência aqui é um clamor da voz de resistência e união, pois as máscaras nas ruas sufocam menos que um joelho no pescoço ou uma bala no peito. Contra a morte causada pela asfixia do covid-19. Contra a morte causada pela asfixia do racismo. Que doença mata mais?
O racismo sempre intenta desfigurar a identidade de sua vítima a fim de subjugá-la e tornar sua existência uma ninharia diante da agressão, bem como tornar a agressão uma ninharia com o propósito de não justificar a aplicação da justiça. O que a agressão não leva em conta é que todo ser humano é uma casa que abriga diversas identidades. Essa casa é seu corpo onde habitam a biblioteca de suas histórias, memórias, lembranças e, como tal, deve ser respeitada. Não se invade a casa do outro, sua privacidade, porque todo tipo de invasão é uma violência, portanto, um crime.
É imperativo que não deixemos a cargo do tempo a transparência da negação ao racismo em todos os espaços. O tempo mostrou-se anódino, alimentando a conivência daqueles que deixam a seu encargo o apagamento da violência racista. Equivoca-se quem usa essa premissa. O racismo é a estética da crueldade, cujas narrativas não são ficções sobre as quais podemos nos debruçar com a pulsão de prazer da leitura. O racismo é uma herança doentia, um cancro que vem se alastrando dos porões dos navios negreiros até os espaços luminosos dos grandes boulevards desse novo século e exposto em cada reflexo de vitrine, bem como em cada promessa da indústria de consumo e seu bio-poder para regulação de uma falsa ascensão social, de um reflexo tosco e fosco de liberdade e de reconhecimento identitário, vestindo os corpos e as consciências, muitas vezes esvaziados de esclarecimento, a fim de servir a uma estética esbranquiçada para a da aceitação de si e do outro opressor. Todo o opressor é, ciente ou não do seu espaço e do seu papel perante o oprimido, educado ou domesticado também por uma cultura pós-colonial, herdeiro de novos nichos e métodos do racismo e sua história de galhos espaçados, que devem ser contemplados e problematizados para que nunca a vigilância baixe a guarda ou sente-se de boca escancarada aguardando o efêmero anestesiar do amplo direito existencial. Que a avance a avalanche, que o chicote não mais estale, ou a orquestra estridente e irônica continuará apenas se alimentando de uma multidão, cujo som do açoite perdura dia a dia, noite adentro, e muitas vozes que foram silenciadas continuarão gritando sem serem ouvidas: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! / Se é loucura… se é verdade / Tanto horror perante os céus?!.
"A ditadura militar ainda manchou o solo com sangue de brasileiros e brasileiras que lutaram por democracia"
A Bancada da Minoria na Câmara divulgou nesta quinta-feira (31) nota em que repudia a Ordem do Dia, divulgada pelo Ministério da Defesa, que minimiza o Golpe e a Ditadura Militar que se instalaram no Brasil no dia 31 de março de 1964.
"Reforçamos que não há caminho fora do Estado Democrático de Direito. Não se pode reescrever a história, não houve um “movimento que refletiu os anseios e aspirações da população da época”. O que ocorreu foi um golpe orquestrado pela alta cúpula das Forças Armadas com apoio de setores da elite nacional e subsídio dos Estados Unidos da América, que financiava ditaduras em toda a América Latina", diz a nota, assinada por nove partidos de oposição ao governo.
Somos democratas e jamais aceitaremos a defesa e exaltação da ditadura militar que matou e torturou tantos brasileiros e brasileiras
A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
Milton Nascimento e Chico Buarque –
Repudiamos com veemência a Ordem do Dia publicada nesta quarta (30) pelo ministro da defesa, general Braga Netto, e endossada pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea, em alusão aos 58 anos do golpe que deu início à ditadura militar no Brasil.
É inaceitável que ministros de estado eleitos no período pós-ditadura militar e comandantes das Forças Armadas profiram ataques contra o regime democrático no país. Somos democratas e jamais aceitaremos a defesa e exaltação da ditadura militar que matou e torturou tantos brasileiros e brasileiras.
As Forças Armadas servem ao país e não a governos. Devem se postar em defesa da soberania nacional e não se intrometer na vida política/partidária do nosso povo, muito menos tentando fraudar a história.
Mais uma vez, como já é de costume, o governo de Jair Bolsonaro ataca a democracia e nega o triste episódio de nossa história que perdurou de 1964 a 1985. Mais do que afrontar o acesso da população à verdade, a atual presidência da República desrespeita a memória e gera sofrimento às famílias dos mais de 400 mortos e desaparecidos, vítimas de um regime violento que cerceou os direitos humanos e a liberdade civil.
O texto assinado pelo ministro e pelo comando das Forças Armadas reflete mais um momento crítico para o país, que vive uma nova ameaça democrática promovida pelo próprio presidente, sua equipe e apoiadores radicais, com constantes ataques às instituições. Não à toa, a nota que chama o golpe de 1964 de “um marco histórico da evolução política brasileira” foi publicada no mesmo dia em que Bolsonaro voltou a questionar o Poder Judiciário sobre possíveis resultados das eleições e que um deputado federal se nega a cumprir uma determinação judicial, utilizando o espaço da Câmara dos Deputados como refúgio.
Reforçamos que não há caminho fora do Estado Democrático de Direito. Não se pode reescrever a história, não houve um “movimento que refletiu os anseios e aspirações da população da época”. O que ocorreu foi um golpe orquestrado pela alta cúpula das Forças Armadas com apoio de setores da elite nacional e subsídio dos Estados Unidos da América, que financiava ditaduras em toda a América Latina.
O golpe empresarial-militar de 1964 pôs fim ao mandato do presidente João Goulart – que propôs reformas de base que não conseguiram ser implementadas -, além de diversos outros políticos democraticamente eleitos, como o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes e do então deputado Leonel Brizola. Nos anos seguintes, instaurou a censura, exilou patriotas, dissolveu o Congresso e aumentou a desigualdade.
Não obstante, a ditadura militar ainda manchou o solo com sangue de brasileiros e brasileiras que lutaram por democracia, além de instaurar a crueldade da tortura como uma prática corriqueira do Estado contra seus opositores.
O golpe de 1964 é, sem dúvida, um dos episódios mais vergonhosos de nossa história recente e deve ser execrado para que nunca mais ocorra. Por verdade, memória e justiça!
Dep. Alencar Santana Braga, líder da Minoria na Câmara
Dep. Wolney Queiroz, líder da Oposição na Câmara
Dep. Arlindo Chinaglia, líder da Minoria no Congresso
Dep. Reginaldo Lopes, líder do PT na Câmara
Dep. Bira do Pindaré, líder do PSB na Câmara
Dep. André Figueiredo, líder do PDT na Câmara
Dep. Sâmia Bomfim, líder do PSOL na Câmara
Dep. Renildo Calheiros, líder do PCdoB na Câmara
Dep. Joenia Wapichana, líder da Rede na Câmara
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