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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

26
Ago23

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas

Talis Andrade

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O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985. Aqui, pizza, de novo, não! As seis fracassadas tentativas golpistas de Bolsonaro (parte 2)

 

por Ângela Carrato

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas.

Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou e condenou militares golpistas tão logo a ditadura (1976-1982) chegou ao fim, as nossas instituições nunca se dispuseram a enfrentar esse problema.

A Lei da Anistia (lei 6.683) de 1979, proposta pelo general presidente João Batista Figueiredo, beneficiou igualmente quem cometeu atrocidades e quem foi vítima delas.

Quando em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma revisão desta lei, para que torturadores pudessem ser punidos, o STF rejeitou a ação ao dizer que a anistia valia para todos.

Foi a impunidade que levou remanescentes de 1964 a se lançarem em novas ações contra a democracia brasileira, como o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a recente tentativa golpista em 8 de janeiro.

Para quem não sabe, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, é um dos militares “linha dura” que serviu como ajudante de ordens do general Silvio Frota quando ministro do Exército.

Em 1977, Frota tentou derrubar o então general presidente Ernesto Geisel, por considerá-lo “afinado com os comunistas”.

Geisel demitiu Frota, obrigou sua passagem para a reserva e deu início ao processo de abertura política no país. Os amigos e admiradores de Frota, no entanto, permaneceram nas Forças Armadas.

Mesmo com o retorno dos civis ao poder no Brasil, a impunidade dos militares é um dos mais graves problemas que a nossa democracia enfrenta.

A instalação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade, pela então presidente Dilma Rousseff, está entre as principais razões que levaram à sua derrubada.

Mesmo tendo entre suas atribuições somente investigar violações aos direitos humanos acontecidos no período de 1946 a 1988, sem poder para levar ao banco dos réus quem quer que seja, setores militares se mostraram indignados.

O golpe contra Dilma contou com a participação ativa desses militares, o que voltou a se repetir em 8 de janeiro.

A complicada presença dos fardados na história brasileira nunca foi devidamente enfrentada e isso faz com que se sintam autorizados a se intrometer na política. Haja vista que recentemente alguns deles queriam emplacar a distorcida leitura que fazem do artigo 142 da Constituição de 1988 para se tornarem uma espécie de Poder Moderador.

Daí termos muito que aprender com a vizinha Argentina.

Em 1985, Raul Alfonsín, um presidente fraco e semelhante ao brasileiro José Sarney, também o primeiro após a redemocratização em seu país, decidiu pelo julgamento de todos que cometeram crimes durante a última ditadura (1976-1982).

Pressionado pela extrema-direita, que havia imposto leis absurdas como a do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, que livravam os militares de qualquer responsabilidade, Alfonsín não teve alternativa a não ser mostrar para a população o que havia acontecido.

Pela primeira vez na história mundial após Nuremberg, um tribunal civil julgou e condenou os integrantes das juntas militares do período, com penas que variaram de quatro a 17 anos.

O último ditador-presidente argentino, Jorge Rafael Videla, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2015 na cadeia.

A história desse julgamento está contada em detalhes no magnífico filme Argentina 1985.

Dirigido por Santiago Mitre e tendo no papel do procurador-chefe, Julio Strassera, responsável pelas acusações, o consagrado ator Ricardo Darín, o filme é uma aula de história e a própria explicação das razões pelas quais na Argentina os militares não voltaram a se aventurar contra a democracia.

Por mais que o país vizinho experimente gravíssimas crises econômicas, não se vê gente na rua pedindo a volta dos militares ao poder ou defendendo perseguição e mortes aos opositores.

O julgamento dos militares golpistas na Argentina envolveu 530 horas de audiências, nas quais foram ouvidas 850 testemunhas. Pela primeira vez, a população argentina pode conhecer, em detalhes, o que aconteceu com grande parte dos seus 30 mil mortos e desaparecidos.

O julgamento durou várias semanas e, em algumas delas, o clima político beirou à temperatura máxima.

No Brasil, as atrocidades cometidas pelos militares durante os chamados “anos de chumbo” nunca chegaram ao conhecimento da maioria da população.

A exceção de Dilma Rousseff, ela própria uma vítima dos anos de chumbo, todos os demais presidentes da Nova República, evitaram o assunto.

O resultado é o que se conhece. Não por acaso, o filme de Santiago Mitre, mesmo lançado em 2022 e figurando entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023, continua praticamente inédito no Brasil, disponível apenas em streaming.

Mais do que um relato sobre fatos reais, Argentina 1985 serve de alerta para as nossas instituições e para a população brasileira.

Os atos golpistas de Bolsonaro não são fatos isolados. Eles fazem parte de uma visão predominante em setores das Forças Armadas.

Bolsonaro, ele próprio, é um remanescente da ditadura militar. Ao contrário do que alguns possam imaginar, não foi ele que trouxe os militares novamente para a cena política.

Foram os militares que se valeram dele para voltar a atuar diretamente na política.

Há muito suas declarações, gestos e ações já deveriam ter sido coibidos.

Como na Argentina, aqui também não será fácil colocar golpistas graúdos no banco dos réus.

Mas esse processo não pode continuar sendo adiado.

Ao comentar sobre a situação de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, um aliado do ex-presidente, veio com a conversa de que “o Brasil precisa cuidar melhor de seus ex-presidentes”.

Lira não explicou qual tratamento seria esse, mas sabe-se que ele tem ventilado a possibilidade de anistia para os atos cometidos por Bolsonaro. Lira, na legislatura passada, foi aquele que barrou os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

Os setores organizados da população brasileira precisam ficar atentos e não permitir que novamente tudo acabe em pizza.

Se Bolsonaro e os demais golpistas, militares e civis, não forem julgados e receberem a devida sentença, dificilmente a democracia brasileira ficará livre do fantasma fardado que a tem rondado.

O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985.

22
Jul23

O labirinto do genocídio

Talis Andrade

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17
Jun23

Esposa de Mauro Cid e filha de general Villas-Bôas queriam Exército orientando caminhoneiros em golpe de estado

Talis Andrade
Gabriela Cid e filha de general Villas Boas tramaram golpe, diz a PF
Ticiana Haas Villas Bôas e Gabriela Cid (foto: reprodução)
 
 

Mensagens foram obtidas através do celular de Gabriela Cid. Polícia Federal revelou primeiro relatório sobre os celulares do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro

 

Por Raphael Sanz

Ticiana Villas-Bôas, filha do general Eduardo Villas-Bôas, e Gabriela Cid, esposa do tenente-coronel Mauro Cid, foram pegas pela Polícia Federal trocando mensagens sobre as manifestações que ocorriam na frente dos quarteis, e debatendo possíveis planos de golpe que envolveriam o afastamento de Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), e a orientação de caminhoneiros por parte do Exército com o objetivo de criar o caos no país, estabelecendo um clima favorável para que Jair Bolsonaro (PL) pudesse aplicar um golpe de estado e permanecer no poder.

As mensagens foram trocadas em 2 de novembro, apenas três depois das eleições que recolocaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio do Planalto, e foram obtidas através do celular de Gabriela Cid que passa por devassa da Polícia Federal. Nesta sexta-feira (16) foi divulgado um primeiro relatório sobre as conversas.

É nesse contexto que Ticiana Villas-Bôas propõe que o próprio Exército oriente uma paralisação dos caminhoneiros.

“Os caminhoneiros têm que parar sem obstruir [as rodovias]. E alguém precisa articular isso com eles e os manifestantes. Alguém tinha que falar com eles”, escreve.

“Pois é”, responde Gabriela Cid. E emenda nas mensagens seguintes: “Foi o que pediu o presidente. E acho que todos têm que vir a Brasília. Invadir Brasília como no 7 de setembro e dessa o presidente com toda essa força agirá”Leia mais in Revista Forum.

 
 
por Vanessa Lippelt, no UOL

 

No dia 2 de novembro, Ticiana escreveu à Gabriela dizendo “tem que ter alguém que articule isso com os protestantes. E isso tem que vir dos caminhoneiros. Em resposta, Gabriela respondeu: “Não vai ser dessa forma. Como você falou, a orientação tem que ser outra. Os caminhoneiros têm que ser orientados.

A esposa de Mauro Cid continuou o diálogo com a filha do general Villas Bôas, insinuando que esse seria um pedido de Bolsonaro: “Sim, foi o que pediu o presidente. E acho que todos que podem devem vir para Bsb. Invadir Brasília como no 7 de setembro, e dessa vem o presidente com toda essa força agirá.”

A mae de Ticiana, Maria Aparecida, frequentava o acampamento do QG em Brasilia, nostálgica da trama do marido aspirante a ditador, poder arrebatado por uma doenca degenerativa que fez o banana Michel Temer presidente, e sucessor o capitao Bolsonaro, que o ditador Geisel chamava de bunda suja.
 
 

Os atos terroristas em Brasília deixaram perplexo o especialista em Forças Armadas Manuel Domingos Neto, professor da Universidade Federal Fluminense e doutor em história pela Universidade de Paris. “É duro, eu conheço as Forças Armadas há 50 anos, na condição de oficial da reserva, de preso na ditadura quando fui torturado nos quartéis, mas isso eu não esperava, agasalhar vandalismo, isso exorbita qualquer projeção, foi além da conta”, lamentou.

A previa do golpe aconteceu no dia 12 de dezembro. Escreve Lauriberto Pompeu, no dia seguinte in Estadao

O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, afirmou que uma parcela dos autores dos ataques de vandalismo na noite desta segunda-feira, 12, em Brasília, também faz parte de um acampamento que se alojou em frente ao Quartel General do Exército. Ainda segundo ele, a permanência deles no QG será reavaliada.

"Parte desses manifestantes, a gente não pode garantir que são todos que estejam lá porque alguns podem residir inclusive na cidade e em outros locais, mas parte realmente estava no QG, no acampamento, e participaram desses atos. Quem for ali identificado será responsabilizado", declarou Danilo.

Apesar da sinalização de que o acampamento pode ser desmontado, Júlio Danilo admite que a ação das polícias do DF tem uma limitação: "Esse acampamento se encontra em uma área militar, sob jurisdição militar, e todo ato de atuação e intervenção tem que ser em coordenação com as Forças Armadas, no caso lá o Comando do Exército". Danilo afirmou que os militares "têm colaborado e têm tentado organizar".

Os apoiadores de Bolsonaro incendiaram ônibus, carros, depredaram prédios públicos e privados e tentaram invadir a sede da Polícia Federal, na área central de Brasília, no mesmo dia em que o presidente eleito foi diplomado.

A Secretaria de Segurança Pública do DF afirmou que precisou restringir o trânsito na Esplanada dos Ministérios, na Praça dos Três Poderes e em outras vias da região central. O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disse que deu ordem para prender todos os autores de atos de violência, mas até o momento nenhuma prisão foi divulgada. Em nota, a Secretaria disse que "não foram constatadas prisões relacionadas aos distúrbios civis ocorridos" e que, "para redução dos danos e para evitar uma escalada ainda maior dos ânimos, a ação da Polícia Militar se concentrou na dispersão dos manifestantes".

A escalada era uma bomba que exploderia na noite do dia 24 de dezembro, na noite vespera do Natal, pela concentraçao de passageiros no aeroporto de Brasilia. Seria o maior morticinio da historia do Brasil. Um antentado terrorista jamais visto.

O especialista garante que as Forças Armadas acompanharam tudo de perto: “Eles sabiam o que aconteceria”. E disse também que a esposa do general Villas Bôas tem contas a prestar à Polícia. Ela foi filmada nos acampamentos, pontos de articulação dos movimentos terroristas e de vandalismo. “Ela deve ser chamada a prestar contas. Ela é simbólica, é tomada como a mãe dessas coisas. Tá na hora de verificar a responsabilidade dela nesses atos criminosos, assim as instituições mostrarão de fato poder”, concluiu. Entrevista à jornalista Marilu Cabañas. Veja o vídeo.

BOMBA! NOVAS MENSAGENS REVELADAS no celular de ajudante do Bozo apontam ROUBO de DINHEIRO PÚBLICO! 

Ticiana Villas Boas e Gabriela Cid

 

19
Abr23

“Militares não foram nada corretos, foram assassinos”

Talis Andrade

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Movimentos sociais, coordenados pelo Frente do Esculacho Popular, manifestaram na Avenida Paulista, em São Paulo, para expor publicamente ex-militares e policiais acusados de tortura e homicídios durante a ditadura militar,20/10/2012.
Movimentos sociais, coordenados pelo Frente do Esculacho Popular, manifestaram na Avenida Paulista, em São Paulo, para expor publicamente ex-militares e policiais acusados de tortura e homicídios durante a ditadura militar, 20/10/2012. Marcelo Camargo/ABr

No último 10 de maio, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e colunista do jornal Folha de S. Paulo, Matias Spektor, revelou, por meio de uma postagem nas redes sociais, o que classificou como o “documento secreto mais perturbador” que havia lido “em 20 anos de pesquisa”. O texto em questão, um memorando da CIA, o serviço norte-americano de inteligência, confirmava o que muitos historiadores da ditadura militar no Brasil apontavam há anos: o alto escalão, incluindo presidentes como Ernesto Geisel, continuaram a ordenar execuções e torturas mesmo durante a chamada “abertura”. Em entrevista à RFI Brasil, a historiadora e pesquisadora em História contemporânea do Instituto de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Paris, Mônica Schpun, repercute a divulgação do documento em 2018 no Brasil. Ela é co-organizadora do livro “1964. La dictature brésilienne et son legs” (“1964, A ditadura brasileira e seu legado”, em português), lançado na França.

O assunto brasileiro repercutiu no país. O jornal Le Monde desta terça-feira (15) publicou matéria sobre o relatório da CIA que, segundo o diário, “demonstra a implicação do Estado brasileiro nos crimes cometidos durante a ditadura”. Para o vespertino, “tirando um punhado de negacionistas, nenhum brasileiro ignora as mortes suspeitas, as execuções sumárias e as torturadas abomináveis conduzidas durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil”.

Le Monde destaca ainda que “nenhum presidente que tenha dirigido o país durante esses anos de chumbo foi menos cruel do que os outros”. A informação contradiz a corrente de pensamento brasileira que sinalizava até então uma abertura política, supostamente conduzida a partir do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). “O documento da CIA reabre feridas que o Brasil nunca curou”, afirma o jornal francês.

“Isso me parece extremamente importante: Geisel era o general que deveria iniciar o processo da abertura. E durante muito tempo se manteve essa ambiguidade entre os generais linha dura e os mais moderados. Geisel teria ficado do lado dos moderados. Mas esse documento da CIA desmente de modo irrecusável essa imagem”, afirma Mônica Schpun. Para a pesquisadora e professora, Geisel continuava as execuções não apenas com “pleno conhecimento”, mas com “pleno controle” do processo.

 

“Vulgarização da memória da ditadura militar no Brasil”

Para Schpun, a afirmação dos generais de que havia uma abertura [no período Geisel], porque “o país estava entrando nos eixos”, se tratava de mera “balela”. “Não só os assassinatos, a repressão e a tortura continuavam, mas com o aval e o controle do Palácio do Planalto”, diz.  Em época de eleições e de volta do discurso militarista no Brasil, por uma parte da população brasileira, a pesquisadora analisa o impacto da divulgação do documento no país.

“Existe um sério problema de memória dos crimes da ditadura, principalmente num momento em que existe uma oposição muito grande às esquerdas no Brasil, por parte das classes médias urbanas”, analisa. “Há uma falta de conhecimento público. Uma vulgarização da memória do que foi a ditadura militar e uma parcela importante da população que a imagem de militares ainda esteja ligada à ordem e correção”, pontua. “É uma mentira”, contrapõe Mônica Schpun. “Na época da ditadura a corrupção andava a mil. Os militares não foram nada corretos, foram assassinos”, afirma.

Schpun diz que, no Brasil, “as pessoas colocam no mesmo prato da balança os opositores que pegaram em armas contra a ditadura e a repressão dos militares”, mas que “não dá para contrabalançar desse jeito, é muito primário este tipo de análise”.

 

Lei anistiou ao mesmo tempo “militares, torturadores e vítimas da repressão”

Para a pesquisadora, “o problema capital é a nossa Lei da Anistia, que não avança. Ela anistiou ao mesmo tempo os militares, os torturadores e as vítimas da repressão e, desde então, nunca foi revista. A Corte Interamericana de Direitos Humanos havia julgado nossa Lei da Anistia como inconstitucional, mas nem mesmo o governo de Dilma Rousseff acatou essa decisão”, analisa.

No entanto, a especialista acredita que os militares “não querem voltar ao poder”. “Mas a situação é muito preocupante, o desfecho é travado, bloqueado. A lei protege todos os culpados de crimes cometidos durante a ditadura militar”, avalia.

“Essa Lei da Anistia não permite que essa memória da ditadura seja retrabalhada, como o foi, por exemplo, na Argentina e no Chile, onde militares culpados de crimes foram presos. No Brasil, podem falar o que quiserem de Figueiredo, Geisel, ninguém será punido. O coronel Brilhante Ustra era um torturador que torturava mulheres na frente de suas crianças e foi saudado por Bolsonaro durante a votação do impeachment de Dilma no Congresso”, diz. Mônica Schpun lembra que mesmo com “tantos fatos comprovados pela Comissão da Verdade”, do ponto de vista jurídico, “não acontece e não acontecerá nada”.

 

Bolsonaro “surfa em cima de crises”

“Pessoas autoritárias como Bolsonaro não tiveram voz durante os mais de 15 anos de esquerda no poder no Brasil [pós-ditadura]. Ele volta agora aproveitando uma brecha, porque o Brasil passa por uma grande crise”, analisa a professora do EHESS, em Paris. “É o tipo de político que surfa em cima das crises. Seu discurso de ‘vou pôr ordem na casa’ é totalmente ilusório. Uma parcela da população, revoltada com os processos de corrupção, cai neste discurso extremista de direita”, diz.

No entanto, a pesquisadora não acredita que a revelação tardia do documento da CIA, revelando as execuções autorizadas por Geisel, tenha a ver com uma tentativa de contenção, durante este ano de eleições, de discursos extremistas e pró-militaristas como o de Jair Bolsonaro. “O artigo do próprio Matias Spektor não focaliza esta abordagem. Ele cita uma versão precedente deste documento, ainda com tarjas pretas em algumas partes. Agora, o documento foi disponibilizado em sua integralidade. Não me parece que essa divulgação seja calculada. Nenhum dos especialistas que reagiram a esse documento se focalizou nesse aspecto”, conclui.

02
Abr23

Pelo menos fomos poupados da afronta das comemorações

Talis Andrade
Renato Aroeira
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Após 59 anos do golpe que nos jogou na ditadura mais sombria, conclamamos: lembrar para não esquecer

por Denise Assis

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Após 59 anos do golpe que nos jogou na ditadura mais sombria, conclamamos: lembrar para não esquecer. E quem há de esquecer? Quem viveu os horrores (1964/1985) traz tatuado na alma a maldade dos carcereiros, dos torturadores, do Estado cruel, que em vez de cuidar, matou, escondeu e abandonou. Os que não viveram e tomam conhecimento se chocam e se horrorizam.

Banalizamos o mal em nome de não sermos acusados de “revanchistas”. E ainda assim o fomos, como nos apontou o ex-comandante do Exército, Villas Boas, em suas memórias: “Conversas com o General”, em um esperneio infantil, na defesa do indefensável. Queria ele uma versão dos fatos de cordo com o seu modelo. Que se empilhem a seu gosto a história recente, para que eles não intervenham na política e na democracia! A ex-presidente Dilma Rousseff teve o atrevimento de instaurar uma “Comissão da Verdade”, para elucidar os abusos cometidos pelas Forças Armadas no período da ditadura. Pagou com o cancelamento do cargo. Por isso os políticos de vários matizes temem, se omitem e fogem do tema como o diabo da cruz.

Virar a página, foi o que mais se ouviu nos últimos 30 anos. Adiantou? Tivemos ainda assim, o golpe de 2016, com intervenção direta do comando do Exército, em suas conspirações com Michel. Recentemente a quartelada de 8 de janeiro, quando nos mais de mil detidos na baderna não se viu um militar graduado preso em flagrante. Nem mesmo o que ousou apontar blindados para o interventor, que ouviu ameaças e despautérios. Haja almoços e sobremesas para aplainar a relação, para formular acordos, para aliviar a omissão do comandante da guarda, que todos vimos gritar que não era para prender os golpistas. Vão livrá-los do vexame de ir a um tribunal.

Quando perdoamos os algozes, colocando-os no mesmo nível dos que lutaram por liberdade, no obscuro objeto jurídico dos “crimes conexos” - quando conexo é o nosso passado com um presente que não deixa os malefícios do passado passar, porque os traumas, se não remoídos, discutidos e trazidos à luz, incomodam -, sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar. 

O Brasil mudou de regime, mas não recortou os modelos do seu terno. Tantos anos depois, anda com as vestes frouxas e balouçantes da impunidade interferindo nas várias camadas da sociedade. No sistema prisional, onde os presos se amontoam em organizações, como no tempo da convivência com presos políticos, e enfrentam um sistema que os tortura, reproduzindo aquele modelo.

No tratamento às mulheres, postas nuas para serem estupradas nas dependências do Estado. Foram mais de 2.500 atingidas por essa prática vil, na ditadura. Não por acaso esse comportamento ecoa ainda hoje, quando temos um estupro a cada 10 minutos no país, reflexo da impunidade, da naturalização dessa prática. Confiram os números dos feminicídios...

Na forma de impedir que floresça uma juventude preta produtiva e educada. A esses, a morte, a bala perdida ou dirigida, porque sempre haverá a desculpa criada na ditadura com o pomposo nome de: “autos de resistência”. Morrem cerca de 60 mil jovens pretos por ano, no Brasil, pelo simples fato de serem da cor que são, por morarem em periferias e não terem acesso à educação e ao trabalho digno. São alvos dos policiais treinados em academias à luz dos ensinamentos da “revolução”, respaldados na lenga-lenga: eles resistiram. Nós atiramos.

Não enfrentamos o passado por um sentimento que nos ronda desde a monarquia, quando os militares deixaram de ser os “capitães do mato, a soldo dos senhores, à cata de escravos, e ganharam status de tutores da ordem e do bem comum, no ribombar da República. Aprendemos cedo que a esses homens atrás dos uniformes bem cortados, de tecidos rígidos que os assemelham a soldadinhos de chumbo, devemos “temer”. Não foi isto que o ex-vice veio a público dizer recentemente? 

Deixamos a nossa história dormitar em arquivos, gavetas, processos inconclusos e acordos e “acochambros”. Não temos como botar de pé a relação que agora tentam construir em mesas de almoços com as Armas em questão. Neste ano fomos pelo menos poupados da afronta das comemorações. A sociedade brasileira consciente espera para 2024, nos 60 anos da data fatídica, que esses senhores já incapazes de empilhar essa história da maneira feita até aqui, com a justificativa de uma “ameaça comunista” que nem eles sabem bem traduzir o que seja, venham a público se desculpar pelos horrores perpetrados. É o mínimo.

29
Mar23

Família vai periciar documento sobre tortura e assassinato de Stuart Angel (vídeos)

Talis Andrade

 

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“Nós vamos periciar esse documento, meu advogado e eu. E ele está disposto a ir até o fim com essa história", disse Hildegard Angel

 

Agência Brasil – Um leilão virtual anunciava até a última sexta-feira (24) um documento de 1976 com informações sobre a morte de Stuart Edgar Angel, estudante de economia e militante do MR8 que lutou contra a Ditadura Militar no Brasil. O caso gerou notas de repúdio do Instituto Vladimir Herzog e de solidariedade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Além disso, mobilizou a família: a jornalista e irmã do desaparecido político, Hildegard Angel, conseguiu suspender o leilão com a ajuda de advogados e recebeu nesta terça-feira (28) o item em mãos. Agora, a prioridade é descobrir se ele é autêntico.

“Nós vamos periciar esse documento, meu advogado e eu. E ele está disposto a ir até o fim com essa história. Mas esse documento já cumpriu o objetivo que foi trazer de volta a lembrança desse assunto às vésperas do dia do golpe, que eles apelidaram de revolução”, disse Hildegard.

A suposta carta-confissão é assinada por um oficial da aeronáutica de nome Marco Aurélio de Carvalho. Ela tem duas páginas amareladas, data de 30 de março de 1976 e possui um carimbo de registro em cartório. O declarante dá detalhes dos interrogatórios e das torturas contra Stuart Angel na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, em maio de 1971.

O oficial afirma que Stuart Angel foi submetido a uma sessão de choques eletromagnéticos, afogamentos e amarrado ao para-choque de um jipe. Arrastado nessa condição por várias horas, ele morreu, o corpo foi colocado em um helicóptero e jogado no mar. O principal objetivo dos torturadores era obter uma confissão sobre o paradeiro de Carlos Lamarca, um dos líderes da luta armada contra a Ditadura. O que não aconteceu.

Tempos felizes: Zuzu Angel com os três filhos (Hildegard, Ana e Stuart). Filha de Zuzu acredita que 'a política brasileira tem o mau costume de conciliar demais' - Acervo Instituto Zuzu Angel
 

Autenticidade

A descoberta do texto causou comoção, mas especialistas ouvidos pela Agência Brasil acham improvável que ele seja autêntico. Há, pelo menos, dois pontos críticos: a identidade do autor e o contexto histórico. É o que explica Pádua Fernandes, ex-pesquisador da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e da Comissão Nacional da Verdade (CNV), atualmente filiado ao Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

“É uma época ainda de muita repressão, do governo Geisel, quando continuam ocorrendo assassinatos políticos. Esse documento seria improvável não só por ser feito por um militar, mas por ter sido levado a um cartório. Não seria o local seguro para fazer um documento desses. Um segundo ponto é que os nomes não batem. Esse suposto militar não aparece no relatório da Comissão Nacional da Verdade, não aparece em dossiês dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos. Eu verifiquei na base de dados do Arquivo Nacional, tampouco aparece lá”.

O pesquisador diz que, nessa época, o mais comum era que as pessoas fizessem declarações escritas quando tinham medo de serem assassinadas pelos agentes da Ditadura. Ele lembra do caso de Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis, que deixou um registro da própria história com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E de Criméia Alice Schmidt de Almeida, guerrilheira no Araguaia, que confiou a uma igreja católica de São Paulo texto em que afirmava não ter pretensão de se matar. E que se algo acontecesse com ela, era preciso suspeitar da Ditadura.

Há outras inconsistências no suposto documento encontrado agora. Ele menciona o nome de Alberto Dias como autor de uma carta enviada para Zuzu Angel, com detalhes sobre o que aconteceu com Stuart na prisão. Mas o nome Alberto Dias não existe em nenhum tipo de registro da época. A carta que Zuzu Angel recebeu em 1972 era de Alex Polari, vizinho de cela de Stuart. Outro ponto de divergência é sobre a data de prisão. Polari fala em 14 de maio de 1971, e a carta-confissão assinada por Marco Aurélio de Carvalho fala em 15 de maio de 1971.

O homem que colocou o documento no site de leilão disse que o adquiriu em uma feira de antiguidades na Praça XV, região central do Rio. E que o material chegou a ele por meio de outros colecionadores. Uma das hipóteses é que a carta-confissão seja um item fictício utilizado no filme “Zuzu Angel”, de 2006. Uma cena do longa-metragem traz palavras e formatação similares ao texto encontrado na feira de antiguidades. Os nomes de Marco Aurélio Carvalho e de Alberto Dias, que historiadores não reconhecem, são citados como personagens no filme.

Hildegard Angel conta que se emocionou ao tomar conhecimento do registro. Mas, agora, também trabalha com a possibilidade de que, se ele não for verdadeiro, tenha sido intencionalmente forjado. “Quando começaram a surgir as dúvidas sobre a legitimidade desse documento, eu pensei, meu Deus do céu, se isso for um documento falso, a que ponto pode chegar a perversidade de jogar com os sentimentos de uma família que há 52 anos busca por uma manifestação oficial”.

A Comissão Nacional da Verdade apresentou, no último dia 9 de junho de 2014, no auditório do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, relatório preliminar de pesquisa sobre o caso de Stuart Edgar Angel Jones, assassinado sob tortura, por agentes do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica), nas dependências da Base Aérea do Galeão, em maio de 1971. A CNV analisou documentos e testemunhos, ouviu o depoimento de testemunhas e, no último dia 30 de maio, complementou o trabalho de pesquisa com diligência pericial de reconhecimento da Base Aérea do Galeão, local da morte de Stuart Angel. A Base Aérea do Galeão é a quinta estrutura que foi usada pelas forças de repressão como local de prisão, tortura e morte que a CNV reconheceu. No vídeo, depoimento do Capitão reformado da Aeronáutica, Álvaro Moreira de Oliveira.

 

 

 

12
Mar23

"Eis alguns dos militares que atuaram no escândalo das joias"

Talis Andrade

Reinaldo Azevedo no Twitter

 
@reinaldoazevedo
Ô história mal contada essa das joias…

- almirante Bento Albuquerque;
- tenente-coronel Mauro Cid;
- sargento da Marinha Marcos André Soeiro;
- sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva;
- contra-almirante da Marinha José Roberto Bueno Jr…
Eis alguns dos militares que atuaram no escândalo das joias.
Vejam o que um “mau militar” (segundo Ernesto Geisel!) conseguiu fazer com as Forças Armadas.
E sabemos o que se deu no 8 de janeiro.
O país tem de prosseguir na desmilitarização do poder civil e na, atenção!, “militarização dos militares”, q têm de se ater ao q define a Constituição.
 

Bolsonaro transformou as Forças Armadas em puxadinho de suas loucuras e de sua delinquência política, intelectual e penal. Os militares que lhe deram suporte não se envergonham de ver tantos dos seus metidos num caso policial que mistura peculato, advocacia administrativa, descaminho, facilitação de descaminho e, a ver, corrupção passiva?
Isso é compatível com a defesa da pátria e da honra?
Um “militar bolsonarista” é uma impossibilidade dada pelos termos. Sendo uma coisa, não há como ser outra. Ou fatalmente se terá um “mau militar”.
 

10
Mar23

Queremos os generais no banco dos réus

Talis Andrade
 
 
www.brasil247.com -
 

A definição do STF para julgar militares golpistas tem potencial para elevar a régua da democracia, mas somente se as leis forem aplicadas para as altas patentes envolvidas nos recentes atentados

por Carla Jimenez /The Intercept

OS MILITARES CRUZARAM o caminho do Supremo Tribunal Federal para definir a qualidade da democracia brasileira. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de que a corte vai julgar integrantes das Forças Armadas que tiveram participação nos atos golpistas do dia 8 de janeiro tem, por ora, um poder simbólico no país onde os fardados, sejam eles policiais ou generais, seguem balizas distintas do restante da sociedade para definir as punições de crimes. Contam com uma corte para chamar de sua, o Superior Tribunal Militar, que julga crimes militares, quase sempre num corporativismo que se perpetua.

Não que as leis penais militares sejam mais brandas, esclarece a professora Simone Araújo Lopes, doutora em direito. “Não acho que o ‘problema militar’ se dá porque eles não estão sendo julgados pela justiça comum, mas porque está havendo uma falha generalizada na aplicação de normas militares pelos órgãos competentes e já existentes e que, de omissão em omissão, culminam nos atos extremos”, disse Lopes.

Na investigação sobre os golpistas, há nomes do Exército que precisam ser investigados por terem atravessado a fronteira da instituição ao fechar os olhos ou mesmo fomentando a participação em atos que depredaram a praça dos Três Poderes, e que por pouco não explodiram um caminhão no aeroporto de Brasília, no Natal do ano passado.

A dúvida se a Justiça comum prevaleceria rondou Brasília nas últimas semanas, mas o consenso veio na última segunda, 27. A decisão de Moraes ganhou apoio dentro das Forças Armadas, ainda que tenha contrariado as expectativas dos mais radicais. Para o jurista Lênio Streck, é o certo a ser feito. “É óbvio que os militares envolvidos não estavam em missão [oficial] no dia 8. São pessoas que, como qualquer cidadão, cometeram um ato golpista. Logo, precisam ser julgados pelo STF”, diz.

Tenho um suspiro de esperança de que este juízo em gestação seja uma brecha para tirar de cena os militares que se embrenharam na política e apoiaram ataques à democracia. Mas tenho também uma memória pessimista sobre eles no Brasil, onde nem mesmo os anos de ditadura militar de 1964 a 1985 foram assumidos em uma real dimensão. Passamos décadas usando a expressão “porões da ditadura”, como se as atrocidades cometidas naquele período tivessem partido do baixo clero do Exército.

Somente em maio de 2018 reescrevemos a história oficial, ao tomar conhecimento do memorando de abril de 1974 de um diretor da CIA para o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, informando que o presidente do Brasil Ernesto Geisel autorizava as “execuções sumárias” e orientava o general João Figueiredo, do Centro de Inteligência do Exército, a manter essa política de extermínio. Não eram os porões, era a própria cúpula que amarrava essa gestão violenta e assassina.

A pergunta que volta agora é: teremos generais no banco dos réus desta vez? O juízo dos atos de 8 de janeiro ganha relevância e precisa dos olhos da sociedade para elevar a régua da nossa democracia. As investigações e seus desdobramentos têm potencial de escrever a primeira linha dos próximos capítulos desta peleja entre militares e a democracia. Se ele será justo e levará para a cadeia fardados que comprovadamente ajudaram a construir a bomba relógio contra a democracia é uma incógnita. O que não se pode é mantê-los num território insondável, que alimenta a desigualdade perniciosa e mantém o Brasil refém de golpes cometidos ao longo da sua história.

As doutrinas que norteiam as Forças Armadas não podem estar além ou aquém do anseio social. Foi o ideário dos anos 50 que construiu o caminho para explorar a Amazônia, revivido nos anos Bolsonaro com um novo genocídio indígena, tal qual na ditadura.

Essa liberdade para se recolocar no centro do poder ainda é um desdobramento do país que não teve direito ao julgamento de seus algozes torturadores do regime militar, como aconteceu na Argentina, no Chile ou no Uruguai e segue tratando generais como entidades diferenciadas. Mas e agora? Ficaremos presos a esse erro histórico para sempre, ou usamos a democracia para corrigi-lo?

A pique

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17
Fev23

O papel do general Augusto Heleno na tentativa de golpe em 8 de janeiro

Talis Andrade

 

por Germano Oliveira & Marcos Streckeri /IstoÉ

Os inquéritos sobre os ataques de 8 de janeiro exibem números impressionantes. Dos 1.398 presos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 835. Destes, 645 são classificados como “incitadores”, 189 como “executores” e 1 é um agente público citado por omissão. Mas nenhum militar entrou na mira da PGR. Em breve as apurações sobre a invasão à sede dos três Poderes tomarão um novo rumo. Também será averiguada a participação dos generais mais próximos a Jair Bolsonaro. Entre eles, destaca-se aquele que tinha o controle sobre o aparato de segurança e informações do governo e era o responsável por órgãos que deveriam ter se antecipado aos acontecimentos e agido diante dos riscos de ataque: o general Augusto Heleno. Ele deve ser investigado por seu papel como um dos mentores intelectuais do golpe de 8 de janeiro.

O general deixou no final de dezembro a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que controlava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Será investigado porque desmontou o GSI para que o órgão ficasse totalmente inerte no dia 8. Tirou militares de posições importantes do órgão e da Abin para deixá-los sem reação. “Heleno foi de uma conivência abissal”, diz um ministro do Supremo. O militar só deixou gente da confiança dele nos principais postos, e essa ação foi o que mais contribuiu para a falta de um projeto de reação do governo no dia do golpe.

A faixa "intervenção militar" uma mostra do planejamento da invasão terrorista

 

Muitas dúvidas ainda pairam sobre a atividade dos subordinados no dia dos atentados. Um dos homens de confiança de Heleno, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos, participou dos eventos e pediu nas redes sociais que as Forças Armadas “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Ainda conclamou o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, a “cumprir o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade”. O oficial depois apagou as mensagens, mas o recado foi dado. Há muitas questões não esclarecidas. No dia da invasão, o secretário do Consumidor do Ministério da Justiça, Wadih Damous, denunciou em um vídeo o roubo de armas e munições em uma sala do GSI no Planalto. Segundo ele, os invasores tinham informação de que naquele local havia armamentos e documentos. “Isso significa informação.” Também há relatos de que militares do GSI tentaram facilitar a saída de depredadores pelo térreo do prédio, sem serem presos.

NO STF Ministro Alexandre de Moraes: relator de inquéritos sobre ações contra a democracia (Crédito:Adriano Machado)

 

Personalidades do mundo jurídico destacam o papel central de Augusto Heleno na preparação para o golpe, mas dizem que será difícil caracterizar o papel do militar encontrando ordens executivas de sua autoria ligando-o aos eventos. Por outro lado, sua culpabilidade poderá ser fundamentada pela conivência ou pelas falhas deliberadas na estrutura que montou e comandou para garantir a segurança da Presidência – e que deixou de atuar no 8 de janeiro. Mas a omissão é um crime difícil de provar. Será preciso averiguar “de baixo para cima” a cadeia de comando para identificar as responsabilidades.

O ex-ministro do GSI é visto como um dos principais, se não o principal, articulador de uma tentativa de golpe de Estado que começou a ser conspirada meses antes das invasões. Fontes ligadas à Segurança Pública e ouvidas por ISTOÉ relatam que Heleno teria usado o aparato técnico do órgão que comandava e a influência nas Forças Armadas para evitar a posse do presidente Lula. As articulações que aconteciam nos bastidores eram retratadas a apoiadores com veemência após a vitória de Lula. E no dia dos ataques isso teria se refletido, entre outras ações, na facilitação do acesso de radicais ao Planalto. “Você acha que alguém entra assim do jeito que entrou?”, questionou uma das fontes. Um almirante influente no governo Bolsonaro e próximo de Augusto Heleno teria enfatizado várias vezes a seus subordinados e em reuniões de segurança que o novo presidente não governaria. “Foi uma tentativa de golpe. Ele não se consumou porque não conseguiram consolidar a maioria no Exército”, disse outra pessoa sob condição de anonimato.

As tentativas de consolidação dessa “maioria” necessária para executar um plano golpista não foram poucas, conforme os relatos colhidos por ISTOÉ. Várias reuniões teriam ocorrido com a intermediação de Heleno. Pelo menos três fontes diferentes citam uma ocasião específica – após o segundo turno – em que estavam presentes Heleno, o general Walter Braga Netto e representantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica. A pauta: como articular um possível golpe de Estado. Dentre os participantes do encontro, somente o membro da Aeronáutica teria sido contra a tratativa e se revoltado com a ideia proposta. Mas a revolta foi ignorada pelos demais, e um dos resultados dessa reunião, ainda segundo as fontes ouvidas pela reportagem, foi a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. “Não foi uma brincadeira, estivemos a um passo do golpe”, frisou um dos informantes.

ENSAIO Ataque ao STF em 2021: Sara Winter recebeu orientações de Heleno 

 

Desde que assumiu o núcleo mais sensível no Planalto, o GSI, Augusto Heleno aumentou enormemente o papel do órgão. Passou a controlar a área de segurança, monitorando todas as informações sobre os grupos radicais. Por sua atuação, ele sempre foi uma referência para os extremistas. Em novembro de 2021, a ativista Sara Winter revelou à ISTOÉ que foi orientada diretamente por Heleno, no Palácio do Planalto, na época em que ela articulava o “Acampamento dos 300”. “Ele pediu para deixar de bater na imprensa e no [Rodrigo] Maia e redirecionar todos os esforços contra o STF”, disse ela. No dia 13 de junho de 2020, o grupo marchou em direção ao STF e atacou a sua sede com fogos de artifício, numa “advertência”. O papel do general entre radicais aumentou após a eleição de Lula e especialmente depois que Bolsonaro deixou o País. Um dos posts mais compartilhados na época traz uma manifestante que mostrava um link do Diário Oficial supostamente transferindo a Presidência para Heleno. Seria uma “estratégia” de Bolsonaro. Militantes divulgaram nas redes que “Bolsonaro passou todo o poder para o GSI”, ou então que “o general Heleno é o presidente da República. Ele é o melhor estrategista do País, talvez do mundo”.

 

Catalisador do golpe

 

Essa busca de “mensagens ocultas” pode até ter um fundo de verdade, aponta um jurista. Uma resolução publicada no dia 23 de dezembro pelo próprio Augusto Heleno estabeleceu grupos de trabalho técnicos em diversos ministérios sob a coordenação do GSI. “Tudo parece inocente”, mas as más intenções se revelam mais tarde e há um teor “perigoso”, pondera o especialista. Normas como essa poderiam ser empregadas como catalisadores da ala militar hostil ao resultado das urnas. Funcionariam em conjunto com outros documentos golpistas que circularam em Brasília após as eleições, um fato reconhecido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, publicamente. Em depoimento à Polícia Federal, mais tarde, o político disse que se tratava de “uma metáfora”. Já a minuta apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, citada acima, tinha um conteúdo golpista bem explícito. Era o esboço de um decreto para o então presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE, revertendo o resultado do pleito presidencial e delegando na prática ao Ministério da Defesa a condução do processo eleitoral. Torres, que diz desconhecer a origem da minuta, está preso pela sua omissão nos atentados, quando comandava a Secretaria de Segurança do DF.

Estabelecer a materialidade das iniciativas golpistas é um desafio. Depois de 30 de outubro, circularam áudios no WhatsApp com a voz de Augusto Heleno em que o general dizia com voz serena, mas assertiva, que a eleição havia sido fraudada e que ele não podia adiantar medidas que estavam em discussão, pois “há ainda muita coisa em jogo”. O GSI desmentiu e considerou o áudio como “fake de péssima qualidade”. O jornal O Estado de S.Paulo o submeteu a dois peritos, que disseram não ser possível atribuir a voz ao general. Mas uma gravação vazada após evento da Abin, em 14 de dezembro de 2021, reproduz o general criticando as atitudes de “dois ou três” ministros do STF. Nesse áudio, ele disse que um dos Poderes está tentando “esticar a corda até ela arrebentar”. “Tenho que tomar dois lexotan na veia por dia para não levar Bolsonaro a tomar uma atitude mais drástica em relação ao STF”, afirmou na ocasião.

E não há dúvidas sobre o sentido de suas manifestações públicas. Quando ocorreu uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado no dia 30 de novembro, em que vários bolsonaristas questionaram o resultado das urnas, o general conclamou: “Vamos lá discutir os temas que nos afligem. Coragem, força e fé. O Brasil acima de tudo”.

Para Leonardo Nascimento, do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, as manifestações do general Heleno ao longo do tempo contribuíram para galvanizar os grupos bolsonaristas que participaram do 8 de janeiro. Segundo o pesquisador, as declarações e postagens do ex-ministro do GSI foram fundamentais também para que se criasse em torno dele uma certa “mística”. Nascimento vem monitorando grupos bolsonaristas em redes sociais nos últimos anos e acompanha de perto os efeitos das manifestações de Bolsonaro sobre seus seguidores. O ex-presidente seria o “grande oráculo de desinformação” desses grupos, nos quais tudo o que fala tem ressonância direta. Na sua ausência, ganharam mais importância as declarações de ‘sub-oráculos’, caso de Heleno. O próprio general teria se colocado nesse papel. “Heleno sempre foi o que mais deu declarações no sentido da ruptura institucional. Foi sempre o ministro que cumpria esse papel de verbalizar essa possibilidade, essa intenção.”

 

Sem papas na língua

 

O general Heleno é conhecido entre os apoiadores por falar sem “papas na língua”. Em julho do ano passado, durante uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, ele defendeu o sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, alocado no GSI, que gravou um vídeo defendendo um golpe militar. Heleno alegou que se tratava da ação de um cidadão brasileiro que tinha “o direito de se pronunciar”. Parlamentares avaliam como graves os indícios de participação de Heleno em ações golpistas. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT) protocolou um requerimento para convidar o general a prestar esclarecimentos. “O depoimento poderá trazer elementos importantes sobre a inação da atuação do GSI no dia 8 de janeiro”, justifica. Já para o deputado Rogério Correa, também do PT, o histórico de Heleno é repleto de conspirações. Em 2020, o parlamentar fez parte do grupo de deputados que protocolaram um pedido de impeachment no STF do então ministro do GSI, após ele falar em “consequências graves” caso Bolsonaro fosse obrigado a entregar o celular no inquérito que apurava se o então presidente havia interferido na PF. “Ele já ameaçava com o golpe desde aquela época. E o 8 de janeiro tem tudo a ver com isso”, enfatiza.

Depois do 8 de janeiro, Heleno sumiu das redes sociais – seus últimos tuites são do dia 7 de janeiro. Ao longo do ano passado, ele vinha se mantendo bastante ativo nas redes, fazendo campanha eleitoral para Bolsonaro e retuitando posts do então presidente, além de atacar Lula, a quem chamava de “ex-presidiário”. A atividade nas redes mudou depois do segundo turno, quando, além do tuíte celebrando a audiência pública golpista do dia 30 de novembro, Heleno fez apenas algumas poucas publicações, em grande parte para contestar reportagens.

O historiador e cientista político Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, lembra o “DNA golpista” de Heleno, que na década de 1970, ainda capitão, atuou como ajudante de ordens do então ministro do Exército Sylvio Frota, que tentou articular um golpe contra o presidente Ernesto Geisel. “Ele já naquela época estava conspirando e fez parte daquela tentativa fracassada de ‘golpe dentro do golpe’, perpetrado pela chamada linha dura dos militares”, diz o professor. “Foi muito grave, não só pela tentativa de ruptura, mas porque foi contra um general presidente, contra um superior hierárquico”, destaca. O professor lembra que posteriormente o ex-ministro foi favorecido pelo governo do PT, que o nomeou para o Haiti. “Isso contribuiu para essa mítica de que eles estiveram em combate, de que são guerreiros. Mas não se lembra que lutaram contra uma população faminta. E esses militares voltam ao Brasil se dizendo aptos a administrar o Estado”, diz. “Vimos militares lotados no GSI participando dos acampamentos antidemocráticos em frente a quartéis. Heleno não sabia? Ou foi ele que incentivou ou mesmo deu a ordem? Porque aí a participação dele muda de patamar. Passa a ser também por ação, e não só por omissão.”

NOS ATOS O coronel José Placídio dos Santos, que atuou nas invasões. Acima, resolução de 23/12 ampliando atuação do GSI em ministérios 

 

Novos generais

 

Após os atentados de 8 de janeiro, Lula disse que não foi avisado pelos serviços de inteligência sobre o risco iminente. Mas um relatório sigiloso enviado pelo GSI ao Congresso aponta que o governo foi informado. O alerta teria sido produzido pela Abin e compartilhado com órgãos federais. Na época, o ministro responsável pelo GSI era o general da reserva Gonçalves Dias, indicado por Lula. Por isso, Dias passou a ser visto com reservas pelos petistas. A hipótese de uma conspiração antidemocrática sempre esteve no radar do novo governo. Um exemplo foi quando o GSI tentou fazer parte do esquema de segurança do governo de transição, mas a equipe que cuidava da proteção do presidente eleito explicou aos agentes que a participação deles seria desnecessária. A desconfiança estaria pautada nas suspeitas de que a estrutura estava sendo utilizada com viés golpista. “A certeza é que houve leniência do GSI, antes, durante e depois. Às 6h da manhã o acesso [do Planalto] já estava liberado”, disse uma pessoa que acompanhou as reuniões de segurança após o ato terrorista. “Era a primeira semana de governo, a maioria que estava era a turma antiga”, acrescentou, sobre a equipe que compunha o GSI. Só em janeiro, pelo menos 13 militares do órgão, foram exonerados.

DEMORA Ministros do STF estão incomodados com morosidade na PF e no Ministério da Justiça, chefiado por Flávio Dino (Crédito:Fátima Meira)

 

Segue lentamente o trabalho de despolitizar os quartéis. Na terça-feira, 14, o Alto-Comando do Exército definiu os nomes de três generais promovidos a quatro estrelas. Entre eles está Luiz Fernando Baganha, ex-secretário-executivo de Augusto Heleno no GSI. De acordo com uma fonte militar que já transitou na cúpula da caserna, são todos nomes sem atuação política. O Alto-Comando estaria tentando se desvincular “o mais rapidamente possível” da “encrenca” na qual os militares se meteram nos últimos quatro anos. “Os generais da ativa estão focados nisso, sabem o dano causado pelo envolvimento com Bolsonaro e agora só querem ‘tocar o barco’, fazer ‘coisa de soldado’”, afirma o oficial. “Sobrou um monte de trabalho pro Exército, um monte de gente pra punir.” Apesar de ter atuado como braço-direito de Heleno, Baganha não é considerado da sua cota pessoal. Teria trabalhado ao lado dele no GSI de forma “absolutamente circunstancial”. Mas outros nomes ligados a Heleno foram preteridos. O principal é Carlos José Russo Assumpção Penteado, que também foi seu secretário-executivo no GSI e estava no cargo nos ataques de 8 de janeiro.

NOVO CHEFE Indicado por Lula, o novo ministro do GSI, general Gonçalves Dias, demorou a abrir investigações: a Abin foi para a Casa Civil (Crédito: Fátima Meira)

 

A movimentação nos bastidores é lenta. O novo chefe do GSI apenas no dia 26 de janeiro abriu uma sindicância para apurar a atuação de funcionários do órgão. O governo tem resistido a apoiar uma investigação extensiva sobre o papel dos militares, em parte para evitar ampliar a resistência que existe na caserna contra o petismo. Lula também tenta impedir a abertura da CPI dos Atos Golpistas. A PF já investiga ações e omissões que permitiram as invasões, inclusive da parte de agentes do GSI. Mas há ministros do STF incomodados com a falta de empenho da corporação e do Ministério da Justiça em relação aos militares. A responsabilização deles é atualmente um dos temas mais nevrálgicos. Muitos gostariam que, no caso dos fardados, tudo ficasse restrito ao Superior Tribunal Militar (STM). Mas, com a disposição do STF de levar adiante a investigação e trazer o caso para sua jurisdição, será difícil evitar esse encontro com a verdade. É um passo importante para evitar que o País volte a enfrentar novas ameaças autoritárias.

 

Generais serão investigados

 

Além de Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos também estão na mira do STF

CANDIDATO A VICE Ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto tinha ascendência sobre as tropas (Crédito:Ueslei Marcelino)

 

Além de Augusto Heleno, o STF decidiu investigar outros dois generais de Bolsonaro que foram decisivos para os atos de 8 de janeiro: Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Junto com Heleno, os dois foram autores intelectuais do golpe, supõe-se. Braga Netto é visto como tendo um papel-chave. Afinal, ele tinha ascendência com as tropas e era o candidato a vice de Bolsonaro.

Foi ministro da Casa Civil a partir de fevereiro de 2020 até março de 2021, quando o ex-presidente demitiu o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das três Forças: Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica). Esse episódio representou a maior crise militar desde a demissão do ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. Na época, Frota articulava um golpe contra Geisel, e tinha como ajudante de ordens exatamente Augusto Heleno. Braga Netto então assumiu o Ministério da Defesa e só se afastou em abril do ano passado, para concorrer como vice na chapa de reeleição de Bolsonaro.

EX-CASA CIVIL O general Luiz Eduardo Ramos organizou a live contra as urnas (Crédito:WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS)

 

O outro general que está severamente envolvido com o golpe é Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria de Governo e da Casa Civil, que chegou inclusive a organizar a “live”, em julho de 2021, em que Bolsonaro iria apresentar evidências de que houve fraude das eleições. Na ocasião, o ex-presidente reconheceu que não tinha provas. Um técnico de informática que participou da transmissão, Marcelo Abrieli, declarou em depoimento à PF que antes dessa participação havia sido chamado ao Planalto por Ramos e que conhecia o general desde 2018, quando este ocupava a chefia do Comando Militar do Sudeste. Ramos foi também titular da Secretaria-Geral da Presidência até dezembro passado, e era amigo próximo de Bolsonaro desde os tempos da Academia das Agulhas Negras, nos anos 1970. Foi preterido para o posto de vice na chapa da reeleição, mas permaneceu atuando no círculo íntimo do presidente. Os três generais, segundo ministros do STF, podem ser considerados os principais articulares militares da tentativa de golpe de Bolsonaro.

Colaboraram Dyepeson Martins e Gabriela Rölke

 
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Os generais comandantes do golpe militar de Bolsonaro
Leia aqui: Heleno tem 'DNA golpista' e esteve envolvido em plano de levante contra Geisel
Leia maisAlém de Heleno, Braga Netto e Ramos serão investigados por suposto envolvimento com atos golpistas
12
Jan23

“Acabar com a democracia para salvá-la nunca funcionou”, diz brasilianista americano sobre bolsonaristas

Talis Andrade
 
Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro.
Bolsonaristas invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília no domingo, 8 de janeiro. AP - Eraldo Peres

Os atos antidemocráticos de domingo (8) evidenciaram o radicalismo da oposição bolsonarista ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tendem a marginalizar ainda mais a extrema direita, avalia o cientista político Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. Os ataques contra os Três Poderes poderão até "ajudar" no projeto de reconciliação nacional do novo governo, mas a pacificação provavelmente não virá no tempo de um mandato, avalia o estudioso. 

O respeitado brasilianista anglo-americano acompanha a política brasileira desde a redemocratização e vê o movimento formado em frente aos quartéis brasileiros, para pedir uma intervenção militar mesmo após a posse de Lula, como integrado por pessoas com “uma perspectiva um tanto esquisita da história".

"Não é somente uma evocação do regime militar, mas uma afinidade com uma parcela desse regime, a mais linha dura, autoritária e intolerante, representada por pessoas como o general Sylvio Frota, que enfrentou Ernesto Geisel para manter um regime forte e repressivo, na fase da liberalização”, observa Pereira, em entrevista à RFI. “É também uma reflexão sobre o desespero com a democracia: a ideia de que ela é tão corrupta e disfuncional que seria necessário limpar o terreno para começar de novo. Mas acabar com democracia para salvá-la nunca funcionou”, salienta. "Você não vai melhorar a democracia acabando com as instituições democráticas, incluindo eleições legítimas.”

 

Risco político da antidemocracia

O cientista político nota que Jair Bolsonaro, ao se manter passivo diante das manifestações golpistas desde a eleição e dissuadir as Forças Armadas de dissipá-las em meio à ameaça crescente de atentados terroristas na posse de Lula, seguiu o exemplo “infeliz” de Donald Trump nos Estados Unidos. Bolsonaro e seus aliados, que também se recusaram a transmitir o cargo ao novo presidente e seu governo, "provavelmente receberam conselhos" de pessoas como o guru americano da extrema direita Steve Bannon.

"Talvez seja ingenuidade da minha parte, mas apesar dos danos e do choque das imagens, talvez isso vá ajudar no projeto de reconciliação. Muitas pessoas que apoiaram o Bolsonaro na eleição se juntaram àqueles que condenaram os atos de vandalismo e enfatizar que o Brasil terá eleições em 2024 e em 2026 – e esse é o canal legítimo para expressar as divergências políticas", afirma o pesquisador em Harvard. "O efeito de tudo será, talvez, marginalizar ainda mais a ala radical do bolsonarismo, porque essas pessoas não tem lugar no espaçol público democrático. 

Pereira ressalta que "havia outros exemplo melhores a seguir" no campo da direita latinoamericana, como José Antonio Kast, que ao perder para o Gabriel Boric no Chile, foi ao escritório do rival e o parabenizou. Rodolfo Hernández, embora seja apelidado de 'Trump colombiano’, também saudou o opositor nas urnas. Em ambos os países, a cultura democrática se mostrou forte apesar do avanço da extrema direita. 

"Você não pode ser a favor da democracia em outros lugares e apoiar alguém que tentou derrubar a democracia no seu próprio país. Acho que Bolsonaro agora está entrando nesse terreno”, avalia o pesquisador, fundador do Instituto de Estudos Brasileiros no King’s College de Londres.

Pereira frisa ainda que, diferentemente do ex-colega americano, Bolsonaro nunca contou com uma máquina como a do Partido Republicano. Ele avalia que as omissões do ex-presidente deixam o caminho aberto para outras lideranças emergidas no bolsonarismo, como o ex-vice Hamilton Mourão ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ocuparem o espaço na oposição nos próximos meses e anos.

 

Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida.
Anthony Pereira é cientista político e diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. © Arquivo Pessoal

 

Alianças para base aliada não significam reconciliação nacional

Enquanto isso, Lula se esforça em acomodar as forças políticas aliadas, mas também divergentes, como o União Brasil, em um novo governo com 37 ministérios. Pereira observa que, ao trazer Geraldo Alckmin e outras pessoas associadas a Fernando Henrique Cardoso, como Pedro Malan e Armínio Fraga, o petista "colapsou" o antigo eixo PSDB-PT e consolidou a frente anti-Bolsonaro.

"Essa coligação, me parece, não vai ser igual às maiorias que ele teve nos anos 2000, quando Lula chegou a ter 80% dos votos favoráveis no Congresso. Mas pelo menos ele vai conseguir chegar a uma maioria básica para passar projetos ordinários”, aposta Pereira.

Entretanto, se, por um lado, a construção da base aliada no Congresso parece encaminhada, por outro a diminuição da rejeição que Lula enfrenta junto aos mais de 58 milhões de eleitores que preferiram Bolsonaro na última eleição se anuncia uma missão mais difícil.

“Apesar de as pesquisas mostrarem que Bolsonaro tem um índice maior de rejeição do que Lula, é por pouco. Vai ser difícil convencer a parte do eleitorado que associa Lula ao Petrolão e à corrupção sistemática”, sublinha. “Se você olha a questão das restrições de orçamento do novo governo, é pouco provável que todas as ansiedades da população brasileira, como a questão social, a inflação, o emprego, serão resolvidas. Duvido que o governo Lula vá solucionar todos esses problemas em quatro anos.”

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