As suspeitas de torturas e "execuções sumárias" que pesam sobre a polícia brasileira após a operação na favela Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, na terça-feira (24), que resultou em ao menos 24 mortos, e a morte de um homem em uma abordagem policial em Sergipe ganham destaque na imprensa francesa.
"O Brasil está chocado com uma nova série de violências policiais", diz o site do jornalOuest France, a publicação de maior tiragem da França, que traz relatos de responsáveis dos direitos humanos sobre torturas e execuções sumárias durante a operação no Rio.
"Se consultamos as estatísticas no mundo inteiro, nunca vamos ver um tiroteio onde mais de 20 pessoas morrem de um lado e nenhuma do outro", diz Rodrigo Mondengo, procurador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, citado peloOuest France, colocando em questão o argumento da polícia de que foi atacada ao chegar ao local.
O jornal também trata da morte de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado após ter sido forçado a entrar no porta-malas de uma viatura policial. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) garantiu, em um comunicado, que os agentes tinham "empregado técnicas de imobilização", diante da agressividade de Genivaldo durante um controle policial.
Mas um vídeo feito por testemunhas, que se tornou viral, mostra claramente dois agentes que fecham o homem no porta-malas do carro de onde sai uma fumaça branca de uma bomba de gás lacrimogêneo.
Incursão sangrenta
A correspondente do jornalLe Mondeno Rio de Janeiro, Anne Vigna, assina uma matéria sobre a operação policial em Vila Cruzeiro. "Incursão sangrenta em uma favela", diz o título. O texto traz relatos de testemunhas recolhidos por representates do Ministério Público do Rio de Janeiro.
O jornal lembra que um relatório recente sobre as operações nas favelas do Rio mostra que a polícia foi responsável por 878 mortes em 223 incursões, entre 2016 e 2021.
Qualquer pessoa minimamente informada não precisa de mais do que alguns minutos para listar de dez a vinte casos de barbárie explícita
por Álvaro Nascimento
- - -
“Por todas as circunstâncias, diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimamente o uso diferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”. “…possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito.”(Boletim da Polícia Rodoviária Federal publicado pela Folha de São Paulo em 27/05/2022, relativo à morte de Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba, Sergipe, assistida em vídeo por todo o Brasil).
Os termos “circunstâncias”, “delito de desobediência” “legitimidade no uso da força”, “fatalidade”, “ação policial legítima”, “mal súbito” utilizados no boletim dos policiais que assassinaram Genivaldo, numa viatura policial transformada em câmara de gás, não retrata apenas o nível de degradação profissional, humana, moral e ética que autoridades de nosso País expõem à luz do dia em episódio determinado. Há algo além disso a ser constatado.
Qualquer pessoa minimamente informada não precisa de mais do que alguns minutos para listar – de memória e sem o auxílio do google – de dez a vinte casos de barbárie explícita ocorridos nos últimos tempos. Todos, invariavelmente, tratados como exceção do que seria um convívio social aceitável, mas que justamente por sua repetição escancaram o que na verdade significam: um elemento constituinte de um projeto de civilização.
O assassinato do músico negro Evaldo dos Santos – que sai de casa com a família e é fuzilado com 80tiros por soldados do Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro, e junto com ele morre o catador de material reciclável Luciano Macedo, que tenta socorrê-lo – não é um acidente ou mesmo exceção a ser lamentada e punida. É parte de um modelo civilizatório.
Assim como o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, também um homem negro, que após um desentendimento com uma funcionária é barbaramente espancado e morto por dois seguranças brancos (um deles PM) no supermercado Carrefour, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na véspera do Dia da Consciência Negra.
A barbárie constituinte deste projeto também mata Aluísio Sampaio, presidente regional do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Sintraf), assassinado em Altamira, no Pará, com vários tiros na cabeça, próximo à BR-163. Ele já havia denunciado à Polícia as ameaças de morte que vinha recebendo devido à sua luta em defesa dos agricultores familiares com os grileiros armados até os dentes da região.
O mesmo elemento constitutivo desta civilização produz uma série de ataques, que se transforma na maior chacina já registrada no estado de São Paulo, que resulta em 17 execuções sumárias e sete pessoas feridas em Osasco e Barueri, ao lado da maior e mais rica capital brasileira. Denúncia do Ministério Público de São Paulo afirma que PMs e outros agentes de segurança pública integram o grupo de extermínio criado para vingar o assassinato de um PM e um guarda municipal mortos dias antes na região.
Vítima deste mesmo projeto de civilização, Zezico Rodrigues Guajajara, liderança indígena da Nação Guajajara, é assassinado a tiros no Maranhão. A denúncia é do Conselho Indigenista Missionário. Zezico era um dos líderes da Terra Indígena Araribóia, diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru, professor há 23 anos e há anos denunciava a ação dos grileiros de terra. Seu corpo foi encontrado crivado de balas na estrada da Matinha, próximo à sua aldeia, Zutiwa, no município de Arame (MA).
Uma “operação policial” no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que segue a cartilha deste mesmo projeto de civilização, comandada pela Polícia Civil, mata 28 pessoas e se torna a chacina com maior número de mortos na história da cidade. Meses depois, policiais civis derrubam a marretadas um memorial em homenagem aos mortos naquela operação, sob o argumento de que o monumento não teria sido aprovado pela Prefeitura.
Em seu levantamento anual, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, a Comissão Pastoral da Terra demonstra que a mesma barbárie constituinte do modelo de ocupação do campo no Brasil contabiliza 1.768 ocorrências, uma média de 34 por semana. São 35 os assassinatos no ano, sendo 10 de lideranças indígenas e três de quilombolas. As ocorrências são caracterizadas por conflitos relativos ao uso da terra, acesso à água e ao trabalho escravo.
A mesma barbárie constitutiva deste modelo faz com que moradores retirem os corpos de oito pessoas de um manguezal no bairro do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. A Polícia Militar anuncia ter entrado em “confronto com suspeitos”, um dia depois de um policial militar ter sido morto durante um patrulhamento. Dos oito mortos, dois não tinham passagem pela polícia. A Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio, Nadine Borges, diz que os corpos apresentam sinais de tortura e que a ação foi uma chacina.
Mais uma “operação policial” constitutiva deste modelo, desta vez na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro – realizada pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal com a justificativa de prender traficantes – resulta na morte de 23 pessoas, incluindo a cabeleireira Gabrielle Ferreira da Cunha, que estava dentro de sua casa, na comunidade vizinha da Chatuba, quando foi atingida por um tiro.
A lista é imensa, é nacional e é cotidiana. Seu tamanho, dimensão territorial e permanência demonstram que já passou da hora de pararmos de tratá-la como um defeito, uma exceção, um problema que pode e deve ser corrigido com novas políticas públicas, protocolos, medidas regulatórias ou mesmo através de punições, sejam brandas ou aquelas que nunca chegam.
Longe de ser exceção, a barbárie está paulatina e cotidianamente demonstrando ter se transformado em regra social que busca permanente legitimidade. Tal qual os óculos que usamos, isso está tão perto de nossos olhos que não a enxergamos como parte constituinte desta civilização. Enxergar a barbárie como parte integrante do modelo civilizatório em que estamos metidos parece ser o primeiro passo e única forma de superarmos a verdadeira tragédia em que estamos mergulhados, principalmente os mais pobres, os negros, os índios, as mulheres.
É urgente substituirmos o olhar de espanto e indignação frente à inaceitável violência que mata Genivaldo, Evaldo, João Alberto, Aluísio, Zezico, Gabrielle, assim como os 17 mortos em Osasco e Barueri, os 28 no Jacarezinho, os 8 de São Gonçalo, os 23 na Vila Cruzeiro e os demais que a sua memória consiga resgatar. Seguir estranhando a ocorrência destes fatos, mesmo que seja uma estranheza indignada, como se fossem pontos fora da curva, é como construir uma cortina de fumaça que tenta esconder a trágica constatação de que a barbárie é alicerce, combustível e oxigênio deste modelo de sociedade. Superar a barbárie exige enxergá-la como verdadeiramente é. E ter claro o papel imprescindível que ela cumpre na perpetuação do modelo.
A operação levou 12 horas e acabou com 24 mortos e sete feridos. Moradores acreditam que mais corpos devem ser encontrados.Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress
Moradora conta que foi xingada e puxada por policiais na casa da cunhada. Seu irmão levou dois tiros em uma das operações mais letais da história do Rio.
NA MADRUGADA DESTA TERÇA-FEIRA,Patríciasocorria o irmão, de 41 anos, quando policiais pediram para entrar e vasculhar a casa dele na Vila Cruzeiro, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Encontraram o homem na cama, ensanguentado, com dois tiros – um no tornozelo e outro entre a virilha e o testículo (a família não soube informar ao certo a região atingida). Segundo Patrícia, o irmão estava prestes a perder a consciência, com o corpo frio. Ainda assim, os policiais assustaram a família ao apontar o fuzil para ele.
“Pedi calma. Aí o policial me puxou pela [manga da] camisa e gritou: ‘você está mentindo, sua piranha, vagabunda'”, relatou a moradora. “Avisei que eu era trabalhadora, trabalho com limpeza em um hospital, que não tinha nada a ver com aquilo”.
Os agentes pediram, então, a pistola do irmão. Reviraram a casa, mas, segundo a família, não encontraram nada. Pegaram o celular de Patrícia e perguntaram onde estavam as fotos com armas. “Eu falei que com arma não tinha, só tinha foto com a família”, contou. Ela disse ainda que foi empurrada pelos policiais para o sofá e que a irmã, que chegou depois, nervosa, ouviu uma ameaça de que receberia um jato de spray de pimenta, caso não se acalmasse.
Visivelmente a operação conjunta visava eliminar os suspeitos’.
Com a ajuda de vizinhos, a família colocou o homem em uma cadeira de rodas e o levou até o camburão. Enquanto um policial pedia pressa, porque o rapaz estava perdendo sangue, o outro minimizou, segundo ela: “ah, se morrer é só enterrar”. De lá, a Polícia Militar o levou até o hospital Getúlio Vargas, onde passou por uma cirurgia.
Segundo Patrícia, o irmão trabalha em um bar e não tem envolvimento com o tráfico. A polícia alega o contrário. “Dizem que meu irmão era segurança do Abelha [Wilton Carlos Quintanilha, um dos chefes do Comando Vermelho]. Ele não toma conta nem do mel, imagine da abelha”, ironizou.
No começo da noite, enquanto ainda esperava por notícias da cirurgia, a família soube que o irmão havia sido transferido para a Unidade de Pronto Atendimento do Complexo Penitenciário de Bangu, a 25 quilômetros de distância. Não conseguiram visitá-lo, mas souberam que passa bem, sem problemas durante o procedimento cirúrgico.
A segunda chacina mais letal da história
Polícia Militar, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal iniciaram na madrugada de terça-feira, 24 de maio, uma “operação emergencial” para prender líderes do tráfico escondidos no Complexo da Penha. Segundo a PM, os traficantes os receberam com tiros. A operação levou 12 horas e acabou com 22 mortos e cinco feridos. Nesta quarta-feira, o número de vítimas subiu para 24, e moradores acreditam que mais corpos devem ser encontrados, pois haverá uma nova busca. O massacre já é a segunda chacina mais letal da história do estado do Rio de Janeiro, atrás apenas dachacina do Jacarezinho, que completou um ano este mês.
Ontem, por volta das 9h, o advogado Cristiano Vale Britto, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional da Advocacia Criminal do Rio de Janeiro, foi acionado por dois colegas para acompanhar a operação. No local, o advogado relata que encontrou um cenário de guerra. Os moradores, em conjunto com representantes da Defensoria Pública, da OAB e da Assembleia Legislativa, tentavam negociar um cessar fogo para que pudessem resgatar os mortos e feridos – estavam fazendo isso sob tiros, na mata.
Não foram atendidos.
Moradores protestando contra a operação na porta do Hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio de Janeiro. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress
As vítimas eram transportadas de forma precária e chegaram aos montes no Hospital Getúlio Vargas. Os parentes não podiam sequer reconhecer os mortos – tinham que ir direto ao IML. “Tínhamos a sensação de estarmos em uma guerra”, escreveu Brito, em uma nota. Para ele, “visivelmente a operação conjunta visava eliminar os suspeitos”.
“A operação militar foi realizada na madrugada, pela mata, assim como outro grupo subiu por terra, encurralando os suspeitos, e alguns tiveram tiros disparados pelas costas”.
Entre os mortos, estavam Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, que estava em casa quando foi atingida por uma bala, e Nathan Werneck, de 21 anos, que se escondia na área da mata. Pouco antes das quatro da manhã, após ser atingido, o jovem mandou mensagens com sua localização e uma foto avisando: “vou morrer, mano”. Ele foi encontrado às 11 da manhã e levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Conversa de celular de Nathan Werneck, já baleado, momentos antes de sua morte.
De acordo com a polícia, o objetivo da operação era prender uma quadrilha de roubos de carros e cargas. A ação foi antecipada ao saberem que os criminosos se preparavam para invadir a favela da Rocinha, na zona sul. “Era um monitoramento para que a prisão fosse feita fora da comunidade, mas não foi feita por um ataque por parte dos criminosos daquela facção a uma guarnição nossa. Então, todo o aparato que era para fazer a prisão do grupo criminoso, que estava se deslocando para outra localidade, foi realizado de forma emergencial”, explicou, em entrevista coletiva, o tenente-coronel Uirá Ferreira, do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio.
Em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que “não é possível considerar exitosa uma operação com resultado morte, principalmente envolvendo a perda da vida de uma pessoa inocente – a senhora Gabrielle”. No entanto, de acordo com a nota, “a operação se fazia necessária”.
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Rio de Janeiro anunciaram que vão investigar a conduta dos policiais envolvidos na operação. O MPF solicitou informações sobre o número de agentes que participaram da ação e suas qualificações e documentos relacionados à operação. Já o MPRJ solicitou ao Bope averiguação dos fatos, em até 10 dias, com oitivas de todos os agentes envolvidos na ação desta terça-feira.
Uma mulher idosa, que chora, é abraçada por um jovem. Ela está com o peito encostado e o braco estendido sobre um caixão com um corpo coberto por flores e véu. Eles são negros.
Gabriella Ferreira da Cunha
Mãe diante do corpo de Gabriella Ferreira da Cunha, 41 anos. Sua filha foi atingida por um tiro na entrada da Chatuba, ao lado da Vila Cruzeiro. A bala perdida costuma ser achada em corpos pretos e pobres.
O espetáculo de celebração da morte e da incompetência continua. E não faltou, por óbvio, o apoio de Jair Bolsonaro ao massacre da Vila Cruzeiro, no Rio.
Até agora, apareceram 25 corpos.
Dados alguns testemunhos, a forma da ação e gravações que vieram a público, é possível que o futuro venha a revelar ossadas de vítimas largadas na mata.
É a barbárie em estado puro servindo à campanha eleitoral.
Para a surpresa de ninguém, estão nas redes tuítes falsos atribuídos a Marcelo Freixo, pré-candidato do PSB ao governo do Estado, pregando o fim da PM.
A máquina de desinformação e mentira funciona junto com a máquina de matar. E, se tudo isso lhes parece pouco, a Polícia do Rio agora diz não reconhecer a autoria de oito das mortes.
"Lutarei para que não sujem a imagem dela", diz mãe de cabeleireira morta durante chacina na Penha
Diz um antigo ditado, que a ordem da natureza é um filho morrer depois da sua mãe. Mas, a violência em que as favelas do Rio foram jogadas, fez essa lógica se inverter. Divone Ferreira da Cunha, de 72 anos, enterrou nesta quarta-feira (25) a filha Gabriella Ferreira da Cunha, de 41 anos, no cemitério do Caju, região central do Rio. A cabeleireira foi vítima de um disparo de arma de fogo, na Chatuba, durante uma das incursões policiais que aconteceu no Complexo da Penha, na última terça-feira (24).
“Eu quero dizer que ela foi muito amada e será muito amada e lembrada. Lutarei para que não sujem a imagem dela, o seu nome. Minha filha era muito trabalhadeira, muito alegre”, diz emocionada a mãe Divone.
Gabriella estava no Rio há 18 anos e era viúva. Deixou um filho de 17 anos, Maian Ferreira da Cunha. O menino estava muito abalado e não quis dar entrevista. A avó afirma que ele continuará com ela em Petrópolis, local onde o neto estava quando recebeu a notícia. “Falaram pelo Twitter para o meu neto. Aí viemos para cá. Nós ficamos sabendo eram umas 9 da manhã. O que eu não deveria acontecer, aconteceu. Hoje eu estou aqui enterrando aqui a minha filha”, conclui a mãe da vítima.
Enterro aconteceu quatro horas depois, no cemitério do Caju.
[Na chacina da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, confessa a polícia de Cláudio Castro que matou "apenas" 17 negros. Não morreu nenhum policial. Falta investigar a morte de oito moradores da Vila, o antigo Quilombo da Penha. Que as forças armadas, que são brancas, mudaram o nome para Complexo da Penha.
Complexo tem os seguintes sinônimos: abstruso, anfigúrico, arrevesado, complicado,
intrincado, que explicam a presença da Polícia Rodoviária Federal na favela. Chacina que teve o ferveroso apoio do presidente Jair Bolsonaro aos homicidas. Solidariedade de miliciano.
Talvez o Bope pretendeu informar que trucidou 17 moradores, e as 8 mortes restantes da chacina foram executadas pela Polícia Rodoviária Federal. Bem provável e macabro, e combina com a necropolítica do governo militar de Jair Bolsonaro.
Há quem fale que um serial killer acompanhou as tropas assassinas do Bope e PRF]
Mototaxista e ex-marinheiro são duas das vítimas da chacina policial na Penha
Na ação do BOPE, PRF e PF que está sendo investigada pelo MPF, Ricardo José Cruz Zacarias Jr. e Douglas Costa Inácio Donato foram mortos
As marcas da letalidade dos agentes policiais na chacina ocorrida na região conhecida como Matinha, no Complexo da Penha, na última terça-feira (24) ainda repercutem nesta quarta-feira (25). A ação brutal coordenada pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) deixou 23 pessoas mortas e seis pessoas feridas, focialmente, segundo a Polícia Civil.
Entre as vítimas dessa intervenção que está sendo investigada pelo Ministério Público Federal (MPF), estão o mototaxista Ricardo José Cruz Zacarias Jr, que participava de uma manifestação contra a brutalidade dos agentes, e o ex-marinheiro Douglas Costa Inácio Donato, que saiu para levar um amigo para casa de moto e não retornou.
O ramo de trabalho de Ricardo é uma das mais tradicionais dentro das comunidades cariocas. A tendência profissional surgiu pela necessidade dos moradores, pois o difícil acesso às ruas e a negativa de atendimento dos aplicativos nas viagens são condições comuns e que apenas os moto-táxis conseguem driblar. Em protesto pela morte do colega, os trabalhadores organizam uma manifestação na comunidade.
Já a morte de Douglas, segundo os familiares e noticiado pelo portal jornalístico Uol, aconteceu durante as primeiras horas da chacina policial. De acordo com as informações, o ex-marinheiro trabalhava atualmente em uma loja de calçados e almejava ingressar na carreira de vigilante.
A Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ) em nota divulgada pelas redes sociais disse enfaticamente que a chacina do complexo da Penha revela que a política de segurança pública de Cláudio Castro é única e exclusivamente o extermínio da favela. Uma chacina eleitoreira com justificativas que foram mudando ao longo do dia, conforme subia o número de mortos, escolas, hospitais e órgãos públicos fechados na região.
Ainda em nota, afirma no Complexo da Penha há dezenas de comunidades, cerca de 70 mil famílias, que foram afetadas por uma operação injustificada e com finalidade eleitoral de atacar a constituição brasileira e determinações judiciais. Uma cortina de fumaça para esconder a crise que o Rio de Janeiro vive, com alto índice de desemprego e miséria, principalmente em nossas favelas.
Por fim, lamenta que o Estado haja com tanta violência e crueldade, sem pensar nos efeitos nocivos a toda comunidade. Centenas de milhares de moradores não tiveram direito de ir e vir, crianças ficaram sem escola e a vacinação foi interrompida. Não há uma cidade integrada, afirmam, mas um estado se desintegrando.
Enterro de mototaxista morto em chacina policial conta com homenagens e corredor de motos
Ricardo José Cruz Zacarias Jr foi sepultado no cemitério de Irajá, na Zona Norte do Rio, nesta tarde de quinta-feira (26)
Na tarde desta quinta-feira (26), amigos e familiares realizaram uma despedida durante o enterro do mototaxista assassinato durante a chacina policial na região conhecida como Matinha, no Complexo da Penha, na última terça-feira (24).
Com corredores de motos, canções em homenagem e gritos por justiça e paz, o sepultamento de Ricardo José Cruz Zacarias Jr aconteceu no cemitério Irajá, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
A ação de extermínio do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) deixou oficialmente23 pessoas mortas e 6 feridas, de acordo com a última atualização da Polícia Civil. Anteriormente, os dados divulgados pelo hospital Getúlio Vargas informavam 25 mortos. Mesmo com a mudança, a operação segue sendo a segunda mais letal da história da cidade do Rio de Janeiro.
É importante ressaltar que o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação para a apuração da operação. Pois, segundo a instituição, há indícios de execuções e de torturas pelos agentes de segurança pública. Além disso, organizações e iniciativas de Direitos Humanos emitiram uma nota pública pela verificação dos fatos e pela integridade da população da favela.
Jovem negro de 16 anos, vítima da chacina na Penha, é enterrado no cemitério do Caju
João Carlos de Arruda foi morto durante incursão policial na Vila Cruzeiro com perfuração na altura do tórax
Mais um promissor futuro foi interrompido durante a chacina policial que atingiu a Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, na terça-feira (24). O estudante João Carlos de Arruda Ferreira, de 16 anos, foi vítima de facada na altura do tórax, segundo a certidão de óbito. O jovem foi enterrado na tarde desta quinta-feira, às 13h, no cemitério do Caju.
O irmão do jovem, o mototaxista Washington Patrício Ferreira, de 29 anos, tinha a guarda de João. Segundo Washington, João era uma pessoa alegre e muito querido pela família. “Era um menino de bom coração, apaixonado por bondade e brincalhão”.
João estava na sexta série do ensino fundamental. Estudava à noite na escola Nereu Sampaio de segunda à quinta-feira. Durante o dia, brincava e cuidava das sobrinhas, filhas de Washington. Nos finais de semana, os irmãos jogavam bola em momentos de lazer.
“Há 2 anos, estava aqui nesse mesmo lugar”, relatou Washington. Enterrou a mãe, o pai, e agora o irmão. “Não tenho palavras sobre o meu irmão. Que Deus guarde o coração dele e os nossos”.
Caveirão circulando na comunidade pela manhã e deixando moradores apreensivos
Para metralhar negros e negras que depois de mortos todos são classificados como bandidos. A incursão na Vila Cruzeiro envolveu agentes do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF); já é a 3ª mais letal da história do Rio
Os primeiros relatos de tiros começaram na madrugada de terça-feira (24), por volta das 5h, de acordo com os moradores. Esse também foi o horário em que a plataforma Fogo Cruzado registrou o tiroteio e, mais tarde, publicou a informação de que ação se tratava de uma “operação policial” na Vila Cruzeiro, Penha.
À frente da Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro(FAFERJ), o historiador e professor Derê Gomes falou a respeito da incursão policial. “Uma chacina eleitoreira. O que vi no Complexo da Penha foi uma carnificina. Um filme de terror na vida real para invocar eleitores conservadores e cidadãos contra as favelas do Rio”.
Em seguida, Derê Gomes ressalta. “O Estado é tão violento e cruel quanto o crime organizado e não pensa um segundo nas centenas de milhares de moradores do Complexo da Penha que não tiveram direito de ir e vir, das crianças sem escola, da vacinação interrompida”.
Guilherme Pimentel, agente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, relatou que muitas mensagens foram recebidas nas primeiras horas da manhã. Diante das mensagens desesperadas de moradores, a equipe esteve presente na Penha. “Entramos em contato com os órgãos de controle das forças policiais e pedimos providências. Essa violência (operação) estava atingindo a população como um todo. Inclusive, com o fechamento de escolas, unidades de saúde, comércio e impedindo as pessoas saírem para estudar, para trabalhar”.
Guilherme, em seguida, classificou a operação como “caçada humana” e criticou a atividade policial dentro de favelas do Rio de Janeiro. “Uma vez que as famílias ficam no meio desse fogo cruzado, se sentindo inseguras, deitadas no chão, se escondendo dentro do banheiro, dentro de cômodos mais afastados da área externa, como fica a integridade física e mental dessas pessoas? Esse tipo de operação, que jamais seria naturalizado nos bairros nobres da cidade, também não pode ser naturalizado dentro das favelas”.
Cecília Olliveira, diretora executiva daplataforma Fogo Cruzadoe jornalista especializada em segurança pública, também falou a respeito da incursão policial. “Essa é a sexta chacina policial em 2022 na Zona Norte do Rio (…) Qual seria o ganho que a gente tem com operações como essa, que são o centro da política de segurança pública?”. Ela faz um questionamento quanto às ações policiais diante do cenário da segurança pública e reflete que o estado apenas perde ante à barbarie como a que atingiu o Complexo da Penha. “Quando você olha para o outro lado, a gente tem muitos danos. Muitos danos como Gabriele, que foi morta logo no começo da operação. Aí entra para a estatística como mais uma vítima de bala perdida. E como fica a família da Gabriele? Quantas Gabrieles a gente já viu, a gente tem visto, a gente ainda vai ver?”, finaliza.
[Ações longe, bem longe das milícias. Nem a intervenção militar do general Braga Neto, no governo de Michel Temer, entrou nos invisíveis territórios das intocáveis milícias, principalmente no Rio das Pedra]
Gabriella Ferreira da Cunha, 41 anos, foi baleada dentro de casa, segundo a polícia, mas o cadáver estava estendido na rua
'Não perceberam que eu estava filmando', diz Thainã de Medeiros. Operação conjunta no Complexo de favelas da Penha deixou ao menos 25 mortos. E casos de execução com tortura
Por Nicolás Satriano, g1 Rio
Um assessor parlamentar e moradores do Complexo de favelas da Penha foramalvos de disparos de policiais enquanto faziam a vigília do corpo deum dos mortos na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio. A ação conjunta na terça-feira (24)deixou 25 mortos.
Thainã de Medeiros, de 39 anos, ativista do Coletivo Papo Reto e funcionário do gabinete da deputada estadual Renata Souza (PSOL) na Assembleia Legislativa (Alerj), gravou o momento em que um policial faz o disparo contra ele e um grupo de aproximadamente 30 moradores.
Eles [os PMs] não contavam que eu estava filmando, não perceberam que eu estava filmando, e que o tiro foi na minha direção. (...) ", afirmou ao g1 o assessor.
Segundo Thainã, ele e os moradores estavam numa parte do complexo chamada Vacaria, um local que de acordo com o assessor fica numa parte mais "rural" e pobre do conjunto de favelas. Depois do disparo flagrado por ele, outros dois tiros de munição não letal foram feitos.
Antes dos disparos, Thainã disse que houve discussão entre os PMs - que seriam do Batalhão de Operações Especiais (Bope) - e moradores. Tudo aconteceu por volta de 12h.
Tinha esse corpo ali, que a galera disse que estava na mata. Eu subi com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e, em determinado momento, a gente entendeu que a Defensoria [Pública] estava chegando e que seria importante eles presenciarem aquele corpo, porque ele estava com visíveis marcas de execução", acrescentou Thainã.
O assessor disse que o rosto do cadáver tinha marcas de pó branco, e contou ter ouvido de moradores que o homem teria sido obrigado por PMs a comer cocaína. "A cara dele eu me lembro muito. A boca espumando...", acrescentou.
Thainã não soube dizer quem seria a homem, mas falou que uma irmã e a mãe da vítima apareceram momentos depois. Passados alguns instantes, a mãe teria decidido descer a favela com o corpo.
A deputada Renata Souza, que está em Washington (EUA), comentou a gravação feita por Thainã. Ela disse que se tratam de"imagens contundentes da truculência" da política pública de segurança.
ENTIDADES REPUDIAM AÇÃO
por Hora do Povo
A megaoperação policial que deixou 22 pessoas mortas, foi a segunda mais letal da cidade. A primeira foi a que resultou em 28 mortes no Jacarezinho, incluindo a de um policial civil. A ação policial no Jacarezinho completou um ano na última quinta-feira (13). As mortes desta terça-feira, na Vila Cruzeiro, serão alvo de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público do Rio.
PM decidiu fazer uma operação de emergência com cerca de 80 agentes e mais 26 da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de helicópteros e veículos blindados.
“Essas operações policiais em favelas colocam em risco a vida de toda a população, impedem o funcionamento de serviços públicos e do comércio, inviabilizam a saída de milhares de pessoas para trabalhar e estudar, gastam rios de dinheiro e não resolvem absolutamente nenhum problema de segurança”, emendou o ouvidor.
“Sabemos que essas operações jamais seriam toleradas em bairros nobres da cidade. É preciso que também não sejam mais toleradas nas favelas do Rio de Janeiro”, destacou.
Outras vinte e uma entidades e políticos – entre eles a Anistia Internacional, o Observatório das Favelas, Instituto Marielle Franco e a deputada Dani Monteiro (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, assinaram uma nota conjunta pedindo o “cessar fogo imediato” na Vila Cruzeiro.
“As organizações e movimentos vêm recebendo preocupantes relatos de familiares em desespero, em busca de notícias por entes ainda desaparecidos. Há notícias de que corpos de vítimas e potenciais feridos se encontram na região da mata, divisa entre o Complexo da Penha e do Alemão, e que mães e familiares estariam mobilizados a adentrar o local em meio ao tiroteio no desespero de localizar seus parentes. Ativistas de direitos humanos também estão no meio do fogo cruzado, sendo ameaçados por agentes de segurança que estão no local impedindo a retirada de novas vítimas e reprimindo a manifestação de moradores da área”, diz um trecho do texto.
Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, declarou que ninguém pode considerar “trivial” o trabalho dos agentes de segurança.
“Como ignorar o valor de quem no exercício da sua profissão se expõe a risco constante de morte? Não podemos também amarrar o braço das forças policiais e permitir domínio territorial armado por parte de facções criminosas”, afirmou.
“Por que insistir numa política de segurança pública que nunca deu certo? O que mudou após as 28 mortes ocorridas no Jacarezinho? O que vai mudar após essas mortes na Vila Cruzeiro?”, pontuou.
“A operação que resultou em tantas mortes […] seguiu rigorosamente protocolos de operação policial em favela?”, indagou.
“Como considerar exitosa uma operação policial que resultou na morte de um morador de favela? Celebraríamos essa operação policial se a pessoa morta fosse um parente nosso? Por que o pobre tem de tolerar o que a classe média jamais toleraria?”, destacou.
ATUAÇÃO ILEGAL DA PRF
O ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva diz que “há muito o que ser investigado, principalmente pelo Ministério Público”.
“É uma operação fracassada. Morreu uma inocente. Em relação aos demais considerados suspeitos, ainda não dá para dizer que morreram só criminosos, ainda que haja constatação de que estavam fortemente armados, uma realidade de boa parte das favelas do Rio. Mesmo que apreendidos 13 fuzis, ainda assim não vale a morte de um inocente”, diz.
“Houve o fechamento de escolas, isso leva prejuízo para as crianças. Há um impacto emocional monumental nas pessoas em fogo cruzado, especialmente crianças. Uma operação planejada reduz drasticamente resultados adversos como mortes de bandidos e inocentes e fechamentos comunitários”.
Ele afirma ainda que a PRF, ao participar da ação, estava descumprindo a lei.“Há uma questão nessa ação: o que estava fazendo a PRF lá? Decerto, estava descumprindo a lei pura e simplesmente, porque o artigo 144 da Constituição, que trata da incumbência das policias, diz que a responsabilidade da PRF são rodovias federais, só que na Vila Cruzeiro não passa nenhuma via federal. Não é a primeira vez que eles saem do policiamento ostensivo para policiamento ostentação, com roupas de combate. É necessário que o Ministério Público Federal veja isso”, ressaltou.