
O futuro está na gente

por Gustavo Krause
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Entre surpreso e assustado, recebi o convite do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no dia 13 de dezembro de 1994, para ocupar o Ministério do Meio Ambiente e Amazônia Legal, nele incluída, a complexa questão dos recursos hídricos regulada pela Lei 9.433/97 que instituiu a política nacional e o sistema de gerenciamento das águas.
Sob a responsabilidade do Ministério, estavam, também, os desafios das obras para equacionamento do problema secular da seca no Nordeste e, a herança da primeira versão do projeto de transposição do São Francisco, logo depois, transferida, corretamente, para Secretaria de Desenvolvimento Regional com status de ministério.
Na ocasião, ponderei que, a aliança partidária, PSDB/PFL, construída em bases, efetivamente, programáticas, deixava o Chefe do Executivo muito à vontade para compor o governo e escolher alguém mais habilitado, afinal de contas, não era um ambientalista. Sempre elegante e convincente, o Presidente reiterou o convite e ponto final.
Um registro relevante: apesar das dificuldades, o esforço para compreender e enfrentar o fenômeno mais desafiador para o futuro do planeta, alterou radicalmente minha percepção da natureza e visão de mundo.
Passei a enxergar uma árvore, um beija-flor, o grão de areia, a gota d´água, o raio do sol, os seres vivos, como unidade real e espiritual. Incorporei a convicção em favor de uma vida plena e em harmonia Homem/Natureza que, a um só tempo, é uma consciência crítica e um propósito estratégico.
Entre muitas, recorro a duas lições: a de Michel Serres, segundo a qual, "O que entra em risco é a terra em sua totalidade e os homens em seu conjunto. A história global entra na natureza, a natureza global entra na história: isto é inédito na filosofia"; a do Padre Lebret: "O desenvolvimento é a construção e uma civilização do ser na repartição equânime do ter".
Em menos de dois séculos, a revolução industrial gerou uma afluência nunca vista na história e deixou o rastro de enormes passivos: o ambiental, revelado pela agonia dos recursos naturais, atualmente exposta pela grave emergência climática, e o social, expresso pelos agudos indicadores da desigualdade de renda entre regiões e pessoas.
O primeiro alerta global, Os Limites do Crescimento, relatório elaborado pelo Clube de Roma (1968), propunha o crescimento zero para salvar o Planeta de um cenário catastrófico. Na sequência, o tema assumiu a centralidade da agenda global com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (Estocolmo, Junho de 1972), promovida pela ONU.
A questão ganhou folego e produziu tamanho impacto na sociedade, na política, na economia, na filosofia, na cultura, na ciência, que fecundou um novo paradigma civilizatório que aponta na direção de uma ideia de progresso que incorpore a dimensão socioambiental ao conceito de desenvolvimento econômico.
Emerge, então, a ideia de sustentabilidade consagrada no relatório Nosso Futuro Comum (Relatório da comissão presidida pela ex-ministra norueguesa Gro Brundtland, 1987), segundo a qual o Desenvolvimento Sustentável "satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras atender suas próprias necessidades".
Trata-se de uma proposta revolucionária. Criou uma ética, a ética intergeracional entre os que estão vivos e os que estão por nascer. É um caminho sem retorno. A consciência social, crescentemente mobilizada, exerce o protagonismo da ecopolítica que significa a ampliação de responsabilidade da sociedade global na luta por um mundo melhor.
Nesta evolução, as transformações vão além das políticas governamentais. Os que produzem riqueza, o trabalhador, o empresário, o empreendedor, os cidadãos ativos e engajados vêm adotando uma jornada de transformação nos negócios e nas práticas profissionais que incorporam "princípios para o investimento responsável" expressos na síntese ESG.
Mais que uma sigla, traduzida na tríade Meio Ambiente (E), Social (S) e Governança (G), a ESG é um compromisso inspirado em vozes de movimentos idealistas, muitas vezes, incompreendidas pela falta de visão estratégica das lideranças e da teia de instituições públicas e privadas.
Nesta perspectiva, o Brasil pode olhar para o futuro com avanços inquestionáveis: nação produtora de alimentos, nação produtora de serviços ambientais e ecológicos; nação da energia limpa, do hidrogênio verde, o combustível do futuro. A bioeconomia é vocação e destino.
A propósito, o Manifesto da Sustentabilidade, de autoria do grupo JCPM, publicado no JC, edição do dia 11, tem como fonte de inspiração boas práticas empresariais e a sólida crença de que o esforço compartilhado é capaz de superar o desafio de um mundo em permanente transformação.
Em recorrente citação, Millor Fernandes é mencionado pela frase: "o Brasil tem um grande passado pela frente". Com todo respeito, contraponho o ensinamento do filósofo dinamarquês Kierkegaard: "A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente", ao qual acrescento a sabedoria João de Zezo, moleque inteligente do bairro da Torre que, diante das dificuldades do dia a dia, ordenava: "não desanimem, a coisa tá difícil, mas o futuro está na gente".