O corpo indígena chama mais atenção segurando um celular do que sequestrado, estuprado e morto – Woia Xokleng
Eu li essa frase há algum tempo noTwitter, no contexto dodesaparecimentodos Yanomami, e nunca mais a esqueci. Ela é a definição exemplar de uma sociedade que continua a cobrar comunidades como as indígenas e quilombolas a manter suas tradições quando vivem o mesmo desemprego, acesso precário ao sistema de saúde, violência, insegurança alimentar, uso necessário de tecnologias, etc. que o resto de nós. Isso é racista e se refere especialmente a indígenas e comunidades tradicionais de todo o país, como as quilombolas. Para muita gente, elas só são “autênticas” se aparecem com arco e flecha ou vivendo em palhoças, comendo farinha para sobreviver.
Essa percepção discriminatória atravessa todo o pedido de reintegração de posse número 1003280-80.2022.4.01.3700, no qual a Força Aérea Brasileira, a FAB, via Advocacia-Geral da União, a AGU, solicita que uma área de aproximadamente 12,5 mil metros quadrados em Alcântara, no Maranhão, seja “devolvida” aos militares. A cidade é um dos maiores territórios quilombolas do Brasil, com cerca de 200 comunidades.
As aspas acima têm uma razão: a área em questão já foi reconhecida como território quilombola. Falta apenas a titulação. Voltarei ao assunto.
O pedido feito pelos militares do Centro de Lançamento de Alcântara, a CLA, foi motivado pela presença deum restauranteconstruído na casa de Moisés Costa Santos, de 36 anos, morador da área quilombola de Vista Alegre, onde vivem cinquenta famílias, em uma terra em disputa judicial. Ele começou a organizar o negócio no começo de 2020, prevendo o período difícil da pandemia, e passou a expandi-lo conforme as medidas de distanciamento foram diminuindo. Deu certo: Vista Alegre está localizada em uma das praias mais bonitas de Alcântara, e o fluxo de visitantes ajudou Moisés e outros moradores que trabalhavam no restaurante Vista del Mar a sobreviver.
Moisés levantou um galpão e alguns quiosques e passou a divulgar o negócio nas redes sociais. Hoje, suas postagens no Instagram e no Facebook são usadas contra ele e constam no pedido de despejo feito pelos militares. Eles já foram devidamente atendidos: em 29 de março, as Forças Armadas e o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegaram ao local combombas de efeito moral e balas de borracha, concentrando um helicóptero e cerca de 50 viaturas, segundo moradores. Uma das balas atingiu o rosto de uma criança, sobrinha de Moisés. De acordo com os quilombolas, duas casas, o restaurante e dois quiosques foram derrubados.
Foto: Quilombolas de Vista Alegre
“Era um um pequeno restaurante de um morador, nascido e criado aqui. Sua utilização e gestão eram feitas por toda a comunidade. Não tem nada que nos impeça de ser empresários.Achar que quilombola não pode ser empreendedor é tão racista quanto nos negar a terra“, afirmou o cientista políticoDanilo Serejo, também de Alcântara. Serejo chama atenção para o que chama de aparato de guerra movimentado para o despejo. “A comunidade fica em área estratégica, em uma das melhores praias. Aí, o estado mobiliza toda essa força, a Polícia Federal, a Polícia Militar e até a polícia da Aeronáutica. Foi um poder de ação que extrapolou os limites do restaurante. A reação se deu não só em proteção ao dono do empreendimento, mas de um negócio que beneficiava toda a comunidade”.
Desde que começou a expandir o restaurante, Moisés conta que passou a sofrer pressão do CLA, que primeiro pediu um alvará de funcionamento da empresa, e, posteriormente, a desocupação do imóvel. “Achamos que a gente deveria expandir e vender comida para ganhar um dinheiro, porque a vida aqui não é fácil só com a pesca e a lavoura”, disse ele a Fernanda Rosário, doAlma Preta. Com a pressão dos militares, que fotografaram constantemente o Vista del Mar, ele decidiu fechar o empreendimento ano passado. Ou seja, o próprio objeto da ação judicial já não existia e, mesmo assim, o pedido dos militares foi atendido pela AGU e executado pela força repressiva.
“O atual conceito de comunidade quilombola não pode se referir a um passado colonial, quando nosso povo esteve à margem da sociedade, de direitos e de políticas públicas.O que nos caracteriza como quilombo é nossa relação ancestral com a terra e território, nosso modo de fazer, de criar e nossa cultura, que também muda. Além disso, temos direito a conforto e a bens de consumo. Pobreza e miséria não fazem parte da nossa vida, nem trajetória”, defendeu Serejo.
Derrubada após pedido de reintegração de posse das Forças Armadas. Foto: Mabe Alcântara
Braço inimigo
A ação espetaculosa é o caso mais recente de uma disputa que se prolonga há décadas. A Fundação Palmares reconheceu a área em 2004, e um relatório técnico de identificação e delimitação, nunca contestado pelo governo, foi publicado no Diário Oficial da União em 4 de novembro de 2008. No entanto, a titulação, processo último desse reconhecimento, nunca chegou.É um dos muitos fatos que comprovam atensa relaçãoentre os governos petistas e as Forças Armadas.
A última tem especial interesse na expansão da base implantada em 1980 e que, com perdão pelo trocadilho, nunca decolou: uma das saídas para tornar a própria base viável economicamente é realizar acordos bilaterais com outros países, como já aconteceu com os EUA, país que pode “alugar” a estrutura para realizar o lançamento de satélites. Oprojeto do uso bipartido, que não foi discutido com a população local, foi aprovadono primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2019.
Pois é: as Forças Armadas podem “diversificar o negócio” e procurar mais dinheiro para manter o funcionamento do seu projeto em Alcântara. Mas quem sempre viveu lá e também deseja outros meios de sobrevivência, não.
A obtenção de lucro por parte da comunidade quilombola, em especial por Moisés, é criticada no documento enviado pelos militares para a AGU,no qual pedem ressarcimento referente ao período em que o restaurante funcionou e falam em “enriquecimento sem causa às custas da União“. [Com o dinheiro faturado pelo restaurante vão lançar o primeiro foguete brasileiro...]
“A reparação integral do dano na presente situação ainda deve incluir o pagamento de contraprestação pelo uso do bem público, pois acaso o imóvel houvesse sido disponibilizado regularmente à exploração por particulares, necessariamente teria que estar sujeito a uma contraprestação, em especial porque se trataria da concessão para fins de exploração comercial por agente privado”, afirmou um trecho do documento.
Para isso, pedem na justiça que a Receita Federal do Brasil informe o lucro declarado pela empresa desde maio de 2020 e o pagamento de uma multa de R$ 20 mil. Sim, a mesma entidade que gastou verba federal destinada ao combate da covid-19 compicanha e salgadinho, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, quer ser ressarcida pelo uso de uma área sob judice. Também expressa que a tentativa de Moisés de melhorar as condições de sua vida e a da sua família são “sem causa”.
No documento enviado para a AGU, consta que o imóvel pertence à Aeronáutica, tendo sido desapropriado para a base de lançamentos. De fato, como vemos abaixo, uma decisão judicial desapropriou em 2005 uma área que pertencia ao espólio dos antigos moradores Raimundo Neto, Francisco da Silva e Raimundo Teixeira, passando-a para a União. O dia não poderia ser mais simbólico: 20 de novembro, que marca a memória de Zumbi dos Palmares.
Essa desapropriação, no entanto, é anterior à divulgação do relatório técnico publicado no Diário Oficial e aconteceu um ano após o reconhecimento da terra quilombola pela Fundação Palmares. “O CLA, por meio da AGU, aproveitou essa brecha de haver um empreendimento privado para entrar com a ação e agredir a comunidade”, criticou Danilo Serejo, que representa na justiça o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara. Foi o juiz federal Clodomir Sebastião Reis, da Terceira Vara de Justiça de São Luiz, quem autorizou a reintegração de posse.
Casos na Corte Internacional
Nos dias 26 e 27 de abril, uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos vai se debruçar sobre a falta de emissão de títulos de propriedades de terras pelo estado brasileiro. O julgamento doCaso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasilreúne questões sobre violações em 152 propriedades desde a instalação da base aeroespacial: a expropriação de terras e territórios e a falta de recursos judiciais para remediar os conflitos integram a pauta.
A falta de titulação, por exemplo, expõe continuamente comunidades há muito retiradas de seus territórios à insegurança: para a construção da base, 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas foram declarados de “utilidade pública”. As famílias foram reassentadas nas chamadas agrovilas. Sete delas foram criadas longe do mar, dificultando uma das atividades básicas de sustento e da economia local: a pesca.
“A Força Aérea Brasileira, especialmente o CLA, nunca respeitou nossa posse ancestral e atuam o tempo todo para aviltar nossos direitos territoriais. Tentam a todo custo, com a anuência dolosa de diversos órgãos do estado e do sistema de justiça, roubar nossas terras” argumentou um trecho de umanotaassinada por diversas instituições representativas das comunidades quilombolas de Alcântara.
Destruição cerca os quilombolas após ação da polícia. Foto: Mabe Alcântara
Os militares continuam acampados na região. Apesar do forte bolsonarismo que demarca a CLA (é impossível esquecer que o ex-presidentese referia a quilombolas como animais), as entidades miram o fim das disputas judiciais no contexto do governo Lula. Mas a coisa não é simples.
“Nosso processo de regularização e titulação está pronto desde 2008. Não houve contestações, nem da União. Na época, Lula não titulou, porque se acovardou diante dos militares da Aeronáutica. O que explica isso também é o racismo, já que não titular nos deixa em permanente estado de insegurança jurídica. Espero que agora Lula não se acovarde novamente e titule nossas terras.”
Há outros casos de quilombolas, inclusive evangélicos,denunciandoos assédios sofridos.
Procurados, os ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial afirmaram que “repudiam o uso excessivo da força e as violações de direitos ocorridas em Alcântara” e que determinaram que se tomem “as medidas necessárias para acolhimento, identificação do número de pessoas afetadas e futuras reparações”, além de estarem em contato com órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Defensoria Pública do Maranhão e o Ministério Público Federal.
Já a O CLA afirmou que a reintegração de posse foi feita “pelo oficial de justiça acompanhado de força policial, tendo em vista a resistência de cumprimento da decisão por parte do proprietário” e que não houve nessa ocasião, nem em seus 40 anos de existência qualquer confronto com a comunidade. “O relacionamento do CLA com as comunidades ao entorno é pacífico, sendo este o maior gerador de renda do município”, completou.
Atualização: 11 de abril, 10h24 Este texto foi atualizado com as respostas do CLA e dos ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial.
Transcrevo a reportagem de Fabiana Moraes para denunciar que a CPI do MST na Câmara dos Deputados não vai investigar as invasões nas terras dos quilombolas, povos indígenas, populações ribeirinhas, camponeses e trabalhadores rurais. É uma CPI para proteger a grilagem de terras promovida por empresas nacionais e estrangeiras, e bilionários e milionários brasileiros e dos cinco continentes do agronegócio, dos pecuaristas, das mineradoras, das madereiras, do contrabando internacional de produtos florestais, da riqueza das reservas indígenas, do ouro, das pedras preciosas, dos minérios estratégicos, e da grilagem de terras na Amazônia, grilagem que promove fogo nas florestas e envenena os rios com mercúrio. É a CPI dos ricos - das Bancadas do Boi, da Bala - contra os pobres. No mais, "enriquecimento às custas da União" aconteceu com a militarização do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello ministro, com os "coronéis da saúde", com os "coronéis da vacina", com o general Braga Neto coordenador do combate à covid.
Abraham Weintraub anuncia que MEC cortará verba de universidade por 'balbúrdia' e já mira UnB, UFF e UFBA (UOL, abril de 2019)
MEC diz que bloqueio de 30% na verba vale para todas as universidades e institutos federais (G1, abril de 2019)
Capes anuncia corte de mais 5.613 bolsas de mestrado e doutorado (Estado de Minas, setembro de 2019)
Sem provas, Weintraub diz que federais têm plantações extensivas de maconha (UOL, novembro de 2019)
Bloqueio do MEC à contratação de professores afeta o funcionamento das universidades (Brasil de Fato, janeiro de 2020)
Corte de novos professores, de auxílios e aulas ameaçadas: os impactos nas universidades e institutos federais após MEC vedar gastos com pessoal (G1, fevereiro de 2020)
Centrão passa a controlar R$ 110,5 bilhões em recursos do governo. (Poder360, junho de 2020)
Ex-ministro Weintraub é condenado pela Justiça em MG por dizer que universidades fabricam drogas e cultivam maconha (G1, março de 2021)
Orçamento secreto bilionário de Bolsonaro banca trator superfaturado em troca de apoio no Congresso (Estadão, maio de 2021)
Governo Bolsonaro corta 87% da verba para Ciência e Tecnologia. Verba cai de R$ 690 milhões para apenas R$ 89 milhões (Correio Braziliense, outubro de 2021)
Corte de verba na ciência asfixia até o Sirius, programa mais inovador em que o Brasil já investiu (El País, novembro de 2021)
Governo Bolsonaro pagou R$ 5,5 bi do orçamento secreto em 2021 (Metrópoles, dezembro de 2021)
Orçamento secreto foi de R$ 16 bilhões em 2021. Apenas na última semana do ano, os empenhos de emendas de relator atingiram R$ 3,7 bilhões (Metrópoles, janeiro de 2022)
Centro nacional que monitora desastres naturais teve menor orçamento da história em 2021, diz diretor (BBC News, fevereiro de 2022)
Orçamentos para investir em educação e ciência volta aos níveis dos anos 2000 (Uol Notícias, fevereiro de 2022)
Governo abandona obras paradas e monta um esquema de “escolas fake” (Estadão, abril de 2022)
Gasto com educação recua pelo 5º ano consecutivo e é o menor em dez anos, mostra levantamento (G1, abril de 2022)
Gestão Bolsonaro na educação é a pior da história (Uol Educação, maio de 2022)
Políticas da educação de Bolsonaro são retrocessos, diz movimento com 18 organizações (Folha de S. Paulo, maio de 2022)
Bolsonaro bloqueia R$ 8,2 bilhões do Orçamento e afeta Educação, Saúde e Ciência (Band, maio de 2022)
Governo Bolsonaro corta R$ 3,2 bilhões do MEC (Poder 360, maio de 2022)
Governo federal bloqueia R$ 2,5 bilhões do financiamento da ciência (Folha, junho de 2022)
Fundo do Ministério da Ciência perderá 44% dos recursos, diz entidade (Uol, junho de 2022)
No Brasil, corte de investimento nas universidades foi de 96% em 5 anos (Globo News, julho de 2022)
Em novo corte, MEC retira R$ 220 milhões das universidades federais: “insustentável”, diz reitor (O Globo, junho de 2022)
Corte de R$ 1 bi em verbas do MEC afeta reformas de escolas e o ENEM (Metrópoles, junho de 2022)
TCU vê desvio de R$ 12,2 bi da seguridade social para Educação no governo Bolsonaro (Folha de S. Paulo, junho de 2022)
Governo liberou R$ 3,3 bilhões do orçamento secreto após prisão de Milton Ribeiro (Exame, junho de 2022)
Cortes deixam 17 universidades federais sob risco de parar em 2022 (O Globo, agosto de 2022)
Governo empenhou 90% do orçamento secreto (R$ 7,4 bilhões) entre os dias 13 de junho e 1º de julho, às vésperas do prazo limite da legislação eleitoral (UOL, agosto de 2022)
LDO: Bolsonaro mantém reserva de R$ 19 bilhões para orçamento secreto em 2023 (iG, agosto de 2022)
2. DESMONTE DE ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
2019
IBAMA – Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles exonera 21 dos 27 superintendentes regionais do Ibama (O Globo, março de 2019)
INPE – Bolsonaro demite responsável no INPE pelo monitoramento do desmatamento. A demissão ocorreu após a divulgação pelo órgão de dados sobre o aumento do desmatamento da Amazônia. (Correio Braziliense, agosto de 2019)
IBAMA – Novo chefe do Ibama no Ceará é dono de fazenda de madeira (pegou mal, e foi demitido um dia depois) (VEJA, setembro de 2019)
FUNAI – Após desmontar esquema de garimpo ilegal em Terras Indígenas, Bruno Pereira é demitido do cargo de coordenador da Funai (e viria a ser assassinado em 2022 por atuar em defesa dos povos indígenas) (Brasil de Fato, outubro de 2019)
2020
IBAMA – Salles demite diretor do IBAMA após operação contra garimpeiros ilegais (Congresso em Foco, abril de 2020)
INPE – Governo demite coordenadora do Inpe responsável por monitorar desmatamento. Dados do instituto têm apontado aumento de devastação ambiental na Amazônia (Folha, julho de 2020)
Bolsonaro tem 99 militares na gestão de órgãos socioambientais (Estadão, outubro de 2020)
IBAMA e ICMBio – Militares ligados a Salles dominam reuniões de fusão de Ibama e ICMBio. Com atas genéricas, encontros tiveram até 100% de presença militar (O Globo, dezembro de 2020)
2021
IBAMA e ICMBio – Ministério Público investiga 'reuniões secretas' para fundir órgãos que monitoram desmatamento. Ministério do Meio Ambiente pretende fundir dois órgãos de proteção ambiental com características bastante distintas — o Ibama e o ICMBio (Correio Braziliense, maio de 2021)
FUNAI – Após pedido da Funai, PF convoca Sônia Guajajara por criticar o governo federal (Brasil de Fato, abril de 2021)
IBAMA – Servidores do Ibama denunciam paralisação na fiscalização após Salles mudar regras para multas (Extra, abril de 2021)
IBAMA – PF diz que Salles nomeou agente da Abin para interferir na fiscalização do Ibama (Extra, maio de 2021)
IBAMA – Governo nomeia como diretor do Ibama militar sem formação ambiental (Metrópoles, julho de 2021)
INPE – Governo Bolsonaro enfraquece o INPE e retira do órgão divulgação sobre dados de queimadas (El País, julho de 2021)
INPE – Governo Bolsonaro segurou divulgação de dados de desmatamento antes da COP26, Conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Relatório do Inpe mostra avanço de 22%, índice mais elevado desde 2006 (Folha de S. Paulo, novembro de 2021)
INPE – Na era Bolsonaro, Inpe chega ao maior estágio de penúria de sua história (Veja, dezembro de 2021)
2022
FUNAI – Presidente da Funai articulou com senador bolsonarista para abrir terra de indígenas isolados (Survival, janeiro de 2022)
IBAMA – Ibama age em apenas 1% dos alertas de desmatamento, diz estudo (IstoÉ, fevereiro de 2022)
BNDES empresta R$ 29 mi para desmatadores da Amazônia financiarem tratores (Uol Notícias, fevereiro de 2022)
IBAMA – Nova “boiada ambiental”: canetada do Ibama põe em risco o paraíso de Abrolhos (Crusoé, março de 2022)
IBAMA – Presidente do Ibama pressionou subalterno para liberar mineradora de ouro embargada (The Intercept Brasil, março de 2022)
ICMBio – Ex-presidente do ICMBio dirige grupo de garimpeiros junto a investigado por garimpo ilegal (Agência Pública, março de 2022)
IBAMA – Mais de 37 mil multas ambientais vão expirar em 2024 (Congresso em Foco, abril de 2022)
FUNAI – Despacho da Funai indica assédio e possível tentativa de retaliação a servidores (Folha de S. Paulo, abril de 2022)
ICMBio – Associação afirma que servidores do ICMBio e Ibama não fiscalizam Terra Yanomami há 5 meses (G1, maio de 2022)
FUNAI – Governo Bolsonaro barra concursos e Funai chega ao menor número de funcionários desde 2008 (Folha de S. Paulo, junho de 2022)
FUNAI – Desmonte da Funai em números: Das 39 Coordenações Regionais apenas 2 têm à frente servidores concursados. 19 são chefiadas por oficiais das Forças Armadas, 3 por PMs e 2 por policiais federais (G1, junho de 2022)
FUNAI – Presidente da Funai acumula pedidos de investigação contra indígenas. Marcelo Xavier da Silva solicitou à Abin e à PF investigação sobre defensores da pauta ambiental (Folha de S. Paulo, junho de 2022)
FUNAI – Justiça condenou União a reforçar bases no Vale do Javari, mas foi ignorada (Uol Notícias, junho de 2022)
FUNAI – Agenda do presidente da Funai registra só 2 encontros com indígenas em 2022 (BBC News, junho de 2022)
FUNAI – ‘A Abin foi na Funai atrás de mim’, conta indigenista que deixou o país para não morrer. Após denunciar crimes cometidos contra povos indígenas no Maranhão, Ricardo Henrique Rao pediu asilo diplomático na Noruega, em 2019 (Sul 21, junho de 2022)
FUNAI – Funai ignora alerta sobre indígenas isolados (Folha de S. Paulo, julho de 2022)
Após 1 ano à frente do Ministério do Meio Ambiente, Joaquim Leite acumula números piores que os de Ricardo Salles (Folha de S. Paulo, julho de 2022)
Outros tópicos do site também abordam o desmonte ambiental:
Diretor da Funarte chama Fernanda Montenegro de 'sórdida' e 'mentirosa'. Roberto Alvim reagiu ao ver a atriz posando como bruxa prestes a ser queimada em meio a livros para a capa de uma revista (Estadão, setembro de 2019)
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Beatles surgiram para implantar o comunismo, diz novo presidente da Funarte. Dante Mantovani também diz que o rock incentiva as drogas, o sexo, a 'indústria do aborto' e o satanismo (Folha, dezembro de 2019)
Novo presidente da Funarte, que relacionou rock a satanismo, acredita que a Terra é plana (Globo News, dezembro de 2019)
Roberto Alvim, Secretário da Cultura de Bolsonaro, imita fala de nazista Goebbels e é demitido (El País, janeiro de 2020)
Regina Duarte aceita convite e assume Secretaria da Cultura (Terra, janeiro de 2020)
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4. FUNAI E FUNDAÇÃO PALMARES
"Negro de esquerda é escravo", diz novo presidente da Fundação Palmares. Sérgio Camargo foi nomeado por Roberto Alvim (Congresso em Foco, novembro de 2019)
Roberto Alvim, Secretário da Cultura de Bolsonaro, imita fala de nazista Goebbels e é demitido (El País, janeiro de 2020)
Sérgio Camargo demite por telefone diretoria negra da Fundação Palmares. Ele argumentou que precisaria “montar uma nova equipe de extrema direita” e que iria “seguir a linha do secretário Alvim” (Correio Braziliense, fevereiro de 2020)
Fundação Palmares anuncia selo não racista. Presidente da fundação diz que o selo é reservado a quem, em suas palavras, é "injustamente tachado de discriminação racial" no país (Folha, maio de 2020)
MPF notifica presidente da Fundação Palmares sobre selo 'não é racista' e conteúdo de site (G1, junho de 2020)
Presidente da Fundação Palmares chama movimento negro de “escória maldita” (Estado de Minas, junho de 2020)
Fundação Palmares censura biografias de lideranças negras históricas em seu site (Folha de S. Paulo, junho de 2020)
Mãe de santo presta queixa na polícia após ser xingada por presidente da Fundação Palmares. Chamada de 'macumbeira' e 'miserável' por Sérgio Camargo, Mãe Baiana registrou ocorrência por discriminação racial e religiosa (O Globo, junho de 2020)
Fundação Palmares exclui 27 negros de lista de personalidades homenageadas (Folha de S. Paulo, dezembro de 2020)
Ex-assessor de secretário demitido por apologia ao nazismo atuará na Fundação Palmares (Folha, março de 2021)
Após pedido da Funai, PF convoca Sônia Guajajara por criticar o governo federal (Brasil de Fato, abril de 2021)
Presidente da Fundação Palmares tem afastamento pedido por assédio moral (Folha de S. Paulo, agosto de 2021)
Como Bolsonaro dinamita as instituições: o caso da Fundação Palmares (El País, setembro de 2021)
Presidente da Fundação Palmares ironiza Dia da Consciência Negra (Veja, novembro de 2021)
Camargo comemora 2 anos sem receber movimentos negros: "Não dialogo com escravos" (Correio Braziliense, novembro de 2021)
Sérgio Camargo quer mudar o nome da Fundação Palmares para Princesa Isabel (Folha de S. Paulo, janeiro de 2022)
Presidente da Fundação Palmares ataca congolês assassinado: “vagabundo”. Bolsonarista, Sérgio Camargo disse que morte brutal de Moïse Kabagambe em quiosque no Rio teve relação com "selvageria no qual vivia e transitava" (VEJA, fevereiro de 2022)
De censura a assédio moral, relembre a gestão de Sérgio Camargo na Palmares (Folha de S. Paulo, março de 2022)
Presidente da Funai acumula pedidos de investigação contra indígenas. Marcelo Xavier da Silva solicitou à Abin e à PF investigação sobre defensores da pauta ambiental (Folha de S. Paulo, junho de 2022)
Agenda do presidente da Funai registra só 2 encontros com indígenas em 2022 (BBC News, junho de 2022)
5. PGR
PGR defende arquivamento de inquérito contra “gabinete do ódio” (GGN, maio de 2020)
PGR quer arquivamento de ação em que Bolsonaro compara Dilma a cafetina (Veja, agosto de 2020)
PGR arquiva pedido de deputada para investigar Bolsonaro e filhos no inquérito das fake news (O Globo, setembro de 2020)
PGR recua em denúncia contra Arthur Lira, aliado de Bolsonaro, e agora pede arquivamento (O Globo, setembro de 2020)
PGR pede de novo arquivamento de apuração de Bolsonaro por não usar máscara (UOL, outubro de 2021)
Aras pede arquivamento de inquérito sobre suspeita de prevaricação de Bolsonaro em compra de vacina indiana (O Globo, fevereiro de 2022)
Aras volta a pedir ao STF arquivamento de inquérito contra Bolsonaro (Conjur, abril de 2022)
Bolsonaro não cometeu crime ao dizer que negro é pesado em arrobas, diz PGR (Folha, maio de 2022)
Com ação rejeitada pelo STF, Bolsonaro pede à PGR para investigar Alexandre de Moraes (O Globo, maio de 2022)
PGR pede que STF rejeite pedido para investigar Bolsonaro por falar sobre eleições. Bolsonaro atacou o as urnas e sugeriu a suspensão das eleições e do processo eleitoral deste ano (CNN, junho de 2022)
PGR pede arquivamento de investigação sobre Ricardo Barros no STF (Metrópoles, junho de 2022)
PGR arquiva apuração preliminar sobre atraso do governo na vacinação de crianças contra Covid (G1, julho de 2022)
Bolsonaro mantém encontros secretos com Lindôra, a quem prometeu PGR (Metrópoles, julho de 2022)
PGR pede que STF arquive ações contra Bolsonaro e aliados do governo em apuração da CPI da Pandemia (CNN Brasil, julho de 2022)
PGR esvazia ofensiva da CPI da Covid e mantém só 2 ações contra Bolsonaro (Uol, julho de 2022)
PGR já arquivou 104 pedidos de investigação contra Bolsonaro vindos do STF (UOL, julho de 2022)
PGR quer levar ao plenário do STF pedido para arquivar inquérito contra Bolsonaro (Cultura, agosto de 2022)
PGR faz novo pedido de arquivamento ao STF de investigações contra Bolsonaro na CPI da Covid (Uol, agosto de 2022)
6. NEGACIONISMO
“Nazismo de esquerda”: o absurdo virou discurso oficial. Chanceler Ernesto Araújo repete tese, propagada nas mídias sociais, considerada desonesta e sem sentido por acadêmicos e diplomatas. Historiadores europeus se impressionam: "Uma asneira e um disparate" (DW, março de 2019)
Chanceler nega aquecimento global: ''Fui a Roma em maio e havia frio''. A fala retumbante do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, durante uma reunião deixou espantados colegas diplomatas ao dizer durante reunião que "não acredita" no fenômeno (Correio Braziliense, agosto de 2019)
Peixe é um bicho inteligente, foge quando vê óleo, diz secretário da Pesca (Exame, novembro de 2019)
Beatles surgiram para implantar o comunismo, diz novo presidente da Funarte. Dante Mantovani também diz que o rock incentiva as drogas, o sexo, a 'indústria do aborto' e o satanismo (Folha, dezembro de 2019)
Novo presidente da Funarte, que relacionou rock a satanismo, acredita que a Terra é plana (Globo News, dezembro de 2019)
Covid-19: Ernesto Araújo denúncia “comunavírus” e ataca OMS (O Globo, abril de 2020)
Fundação de pesquisa do Itamaraty vira think tank olavista durante a pandemia (O Globo, maio de 2020)
Olavista é nomeado secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (IstoÉ, junho de 2020)
Fundação do Itamaraty publica vídeo alegando 'nocividade' do uso de máscaras. Conteúdo compartilhado pelo órgão do Ministério das Relações Exteriores é falso (O Globo, setembro de 2020)
YouTube remove vídeo do Itamaraty contra uso de máscaras (Congresso em Foco, outubro de 2020)
Salles posta vídeo com animal da Mata Atlântica para defender que não há queimadas na Amazônia. Vídeo foi produzido por pecuaristas do Pará (O Globo, setembro de 2020)
Inpe mostra maior número de queimadas na Amazônia desde 2010 e contradiz vídeo divulgado por Salles e Mourão (O Globo, setembro de 2020)
Governo divulga informação falsa de que queimada no Brasil é a menor em 18 anos. Secretaria de Comunicação comparou 8 meses de 2020 com dados de 12 meses de anos anteriores (Folha, setembro de 2020)
"Lockdown de insetos": Sem evidências, Onyx diz que lockdown não funciona porque insetos podem transportar o vírus (G1, março de 2021)
Ministério da Saúde defende hidroxicloroquina e diz que vacina não funciona. Manifestação antivacina é assinada por secretário de Ciência e Tecnologia; diretora da Anvisa e especialistas reagem (Folha, janeiro de 2022)
Cai o diplomata que transformou a principal fundação do Itamaraty em um bunker olavista (Carta Capital, julho de 2021)
Youtube remove canal de fundação do Itamaraty que já divulgou fake news (UOL, junho de 2022)
A operação cimentou a ideia que tudo mais é aceitável se não houver corrupção. Bolsonaro segue usando a máxima para manter fiel esse eleitor de visão estreita
“DOIS ANOS E MEIO sem acusação de corrupção é uma coisa fantástica”, mentiu Jair Bolsonaro, dias atrás, se referindo ao próprio governo. Expor mais uma mentira do presidente não é o objetivo deste texto (mas, se você quiser, basta clicar aqui, aqui ou aqui). O que pretendo é chamar a atenção para o que está oculto na fala: tudo mais é aceitável se não houver desvio de dinheiro público. E que tal percepção sustenta os índices de aprovação – altos, em face de tudo o que assistimos diariamente – do governo Bolsonaro.
Acha que estou exagerando?
Está saindo do forno uma pesquisa qualitativa com eleitores de Jair Bolsonaro de seis capitais das cinco regiões do país. É o maior levantamento do tipo já realizado. O que os pesquisadores buscaram descobrir é que razões esses eleitores exibem para manter o apoio ao presidente apesar das mais de 600 mil mortes por covid-19, do desrespeito à dor dos familiares, da destruição da Amazônia e do patrimônio cultural brasileiro.
Uma das conclusões: a percepção de que, apesar de tudo, ele não é corrupto. “O que ouvimos [dos pesquisados] é que, se Bolsonaro for envolvido diretamente em caso de corrupção, seu apoio desmorona”, me disse o professor João Feres Júnior, um dos autores da pesquisa produzida pelo Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Uerj, em parceria com o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa. Mesmo as lambanças de Flávio, o 01, em parceria com o primeiro-amigo Fabrício Queiroz, não afetam a fé em Bolsonaro. O pai não é culpado pelos pecados do filho, ouviram os pesquisadores.
Feres não é o único pesquisador a se espantar com isso. “Um paradoxo chega a reger a relação entre a opinião pública e o bolsonarismo: ao mesmo tempo que o cidadão não aprova o desempenho do capitão negacionista na pandemia e não se mostra disposto a votar nos candidatos indicados por ele, parte substancial da cidadania continua aprovando seu governo”, escreveu o cientista político Leonardo Avritzer, professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais, no primeiro capítulo de “Governo Bolsonaro: Retrocesso Democrático e Degradação Política” (Autêntica, 2021), uma coletânea de artigos organizada por ele, Fábio Kerche e Marjorie Marona.
Tão importante quanto essa constatação é ponderar sobre o que consolidou na sociedade brasileira a ideia de que o roubo de dinheiro público é o pecado capital, o único delito que não merece perdão. A resposta parece óbvia: a Lava Jato.
Tão logo a operação que começou mirando doleiros que atuavam a partir de um posto de gasolina em Brasília foi ganhando espaço, seus personagens – tendo à frente um procurador com cara de adolescente nerd, uma visão de mundo simplória e um carregado sotaque curitibano – aproveitaram para passar o recado.
A cada ação da Lava Jato, Dallagnol pregava contra o que considerava o mal maior da República: a corrupção. Na foto de Heuler Andrey/AFP com Pedro Parente. Os dois criaram a Fundação Lava Jato, com um capital inicial de 2 bilhões e 500 milhões desviados da Petrobras. Uma dinheirama ao deus-dará
O roteiro é conhecido. O consórcio entre juízes de primeira e segunda instância e o Ministério Público Federal personificou na figura de Lula todo o mal que diagnosticou e condenou o ex-presidente a tempo de retirá-lo das eleições de 2018. Sergio Moro deu uma força extra ao mandar prender o petista e – para garantir que não desse chabu – tornar pública a delação premiada de Antonio Palocci que para os procuradores não valia um centavo. Bolsonaro foi eleito, Moro pegou o primeiro avião para o Rio de Janeiro e, ansioso feito criança em loja de brinquedos, anunciou que seria ministro da extrema direita antes mesmo de recolocar os pés em Curitiba. “O Brasil está mudando”, regozijou-se Dallagnol um tempo depois.
“O repúdio à corrupção, inflado pelo lavajatismo, foi o cimento que conectou evangélicos, conservadores e militaristas no bolsonarismo em 2018″, falou João Feres, a partir dos resultados da pesquisa que realizou.
Voltamos a 2021. Jair Bolsonaro anunciou a recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Amigo do peito do presidente, Aras entregou a Bolsonaro o que ele precisava: um Ministério Público em parte amordaçado, em outra acovardado o suficiente para que operações como a Lava Jato, a Greenfield e a Satiagraha sumissem do noticiário. Foi um serviço tão bem feito, o de Aras, que sequer foi preciso que a fração de procuradores e promotores dispostos a colaborar abertamente com a extrema direita, liderada por Ailton Benedito, ganhasse protagonismo.
Sergio Moro foi humilhado em reunião tornada pública, saiu com o rabo entre as pernas e hoje vive nos Estados Unidos, com conje e tudo, o doce cotidiano de quem já pode deixar a máscara em casa. Sua tropa de escoteiros não teve melhor sorte. Dallagnol precisou pedir para deixar a Lava Jato, que logo depois deixou ela mesma de existir. Roberson Pozzobon correu o risco de ser mandado de volta à monótona Guarapuava, no interior do Paraná, mas acabou com um cargo de consolação na estrutura criada por Aras, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, Gaeco.
Mas a indignação seletiva deles todos segue a anestesiar a nação. A CPI da Covid precisou encontrar suspeitas de corrupção de gente próxima a Bolsonaro para pegar fogo. Enquanto tudo o que havia eram evidências de que o presidente matou centenas de milhares de nós sem necessidade, a coisa ia em banho-maria. Faz sentido?
Para a Lava Jato, faz. Ainda ativos no Twitter, Moro, Dallagnol e Pozzobon não se importaram em produzir meros 280 caracteres em memória dos 600 mil brasileiros mortos pela covid-19. Tampouco se ouviu deles palavras de repúdio à demora na compra de vacinas e às dezenas de aglomerações promovidas por Bolsonaro ao longo da pandemia.
O assunto deles segue o mesmo: a corrupção como mal maior da nação. É um projeto de poder – que não deixa de existir porque não deu certo com Bolsonaro. Sem ter feito um pedido de desculpas aos brasileiros por sua participação no governo das 600 mil mortes, Moro fomenta especulações sobre uma candidatura presidencial. Dallagnol jamais negou o desejo de disputar eleições, ainda que preferisse fazer isso sem perder o belo salário vitalício e a mamata dos 60 dias de férias anuais.
A procuradora Thaméa Danelon, rosto mais famoso do braço paulista da Lava Jato, é a prova de que não se deve esperar autocrítica da turma. Convertida em colunista de sites e programas de tevê bolsonaristas, ela cravou num deles, dias atrás, que a corrupção é o grande mal do Brasil. Causar deliberadamente dezenas de milhares de mortes pela gestão criminosa da pandemia, fazer propaganda de remédios ineficazes, destruir instituições como o Ministério da Saúde, o da Educação, a Fundação Palmares, a Cinemateca Brasileira, o CNPq? Bobagem.
Quem quer paz que rejeite de maneira rotunda e inadiável o fascismo quando ele ameaça tomar conta do país.
Quem quer paz que condene o genocídio de quase 600 mil de brasileiros, vítimas do descaso com a política de saúde e da negociata em que se transformou o processo de compra de vacinas pelo governo.
Quem quer paz que bote na cadeia quem enriqueceu à custa de remédio fajuto, como se fosse isto cura de pandemia.
Quem quer paz que leve às barras dos tribunais quem pratica rachadinha, tungando o salário alheio para engordar o seu próprio orçamento.
Quem quer paz que investigue, condene e puna quem transforma os cofres públicos em propriedade familiar.
Quem quer paz que preserve a natureza e puna exemplarmente quem permite a grilagem, o desmatamento desmedido e ainda bote pra tomar conta do ministério do Meio Ambiente investigado por crime ambiental.
Quem quer paz que defenda os povos originários, entendendo suas necessidades e direitos.
Quem quer paz que não permita racistas no comando de órgãos referenciais como a Fundação Palmares.
Quem quer paz que não se alinhe aos líderes fascistas e belicistas do planeta.
Quem quer paz que não aceite a destruição da educação e da cultura nem entregue a gestão dessas áreas a quem não tem educação e muito menos cultura.
Quem quer paz que dê condições dignas ao trabalhador e não faça o contrário, empurrando leis que impedem a aposentadoria e precarizam o trabalho.
Quem quer paz que devolva ao país a condição de um povo alimentado e não um lugar no Mapa da Fome.
Quem quer paz que bote para comandar a economia alguém minimamente capaz de entender o país em que vive.
Quem quer paz que ponha um freio na venda indiscriminada e irresponsável de armas de fogo e encare com coragem o lobby da indústria armamentista.
Quem quer paz que não profane crianças fazendo com elas fotos com mãos imitando arminhas de fogo.
Quem quer paz que respeite os direitos humanos, as mulheres, o lgbtqia+ e seja frontalmente contra qualquer tipo de discriminação.
Quem quer paz que nunca ameace de morte os adversários políticos partidários e quem não pensa igual a si.
Quem quer paz que não ameace jornalistas, sobretudo e de forma covarde, profissionais mulheres.
Quem quer paz que não ameace o resultado das eleições porque se desenha um resultado que não lhe será favorável.
Quem quer paz que rejeite o uso de fake News nem financia com verbas públicas veículos que se utilizam desse expediente.
Quem quer paz respeite os poderes constituídos, o Legislativo e o Judiciário, aceitando com civilidade suas decisões.
Quem quer paz que preserve a democracia e repila com vigor manifestações que têm como objetivo único exterminá-la.
Quem quer paz que lute pelo impeachment de um presidente raso e vulgar, que não tem porque estar no cargo, que acumula dezenas de pedidos de impedimento e tem contra si inúmeros crimes de responsabilidade, claros e intransferíveis.
Quem quer paz que abra bem os olhos e que, ano que vem, não permita outra experiência desastrosa como a que o país vive desde janeiro de 2019.
“Senhor Deus dos Desgraçados! Dizei-me vos, Senhor Deus! Se é loucura… se é verdade Tanto horror perante os céus?!”
Castro Alves, Navio Negreiro
Em meio a tantas perplexidades com as inconsequências do governo federal, é difícil escolher uma marca para tanta incompetência, tanto ódio, tanta ignorância e tanto descaso pela vida humana. É um repetir constante de desrespeito aos direitos fundamentais que um profundo desânimo nos invade. Está sendo cansativo viver no Brasil hoje. Não tem absolutamente nada de esquerda e direita. É, mais uma vez, uma questão entre civilização e barbárie.
Num regime presidencialista, a figura do presidente tem uma enorme força. E o Presidente Bolsonaro não consegue dar um único exemplo que mereça ser seguido. Devo reconhecer que ele segue uma linha de coerência com tudo que sempre foi: um pústula, um inepto e um desqualificado. E vários de seus seguidores tratam de honrar a herança macabra desse governo fascista que está desmantelando todas as áreas do país.
Uma questão específica causa profunda indignação e revolta: a postura do presidente da Fundação Palmares em nítida afronta aos direitos dos negros. Um homem asqueroso que tem raiva do mundo e das pessoas. Que aparenta ter ódio de ser negro e sentir vergonha de pertencer à comunidade negra. Que usa o termo “afromimizento” para agredir pessoas negras que ele entende serem de esquerda e, na sua visão tacanha e preconceituosa, têm vocação para “ vitimistas. ”
Um homem que ocupa um cargo que deveria exaltar a raça negra, preservar seus valores e fomentar a cultura. No entanto, ele se dedica a defender a extinção do movimento negro, zomba da estética afro, especialmente dos cabelos, tem ódio declarado às religiões de matriz africana e revela desprezo às mulheres politizadas que buscam um lugar nesta sociedade machista. Uma verdadeira afronta.
A imputação frequente de assédio moral ao presidente Sérgio Camargo e a perseguição política ideológica que ele faz não podem ficar impunes. É lamentável que tenhamos que nos socorrer do judiciário para resolver uma questão que deveria ser deliberada na política. Mas, como a política bolsonarista é representada pelo atraso e pelo mais rigoroso desprezo à dignidade da pessoa, só nos resta aplaudir o Ministério Público do Trabalho, que pediu o afastamento do cargo desse racista predador.
Na verdade, essa figura deplorável segue os passos do presidente a quem ele serve. A descrição dos horrores que ele impõe aos funcionários, covardemente, cria um clima de terror psicológico e humilhação que deve encontrar respaldo e aplauso na “casa de vidro”. O exemplo a ser seguido deve ser a atitude do então deputado federal Bolsonaro, que exaltou a figura do torturador Ustra durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma, que foi barbaramente torturada por esses canalhas.
Quando a política deixa de ser exercida com dignidade por parte do poder executivo e há uma clara subversão dos valores republicanos, infelizmente se torna necessário buscar em outros poderes o equilíbrio para recompor o Estado democrático de direito. Ou pelo menos tentar. Na ausência de uma condução minimamente ética, respeitosa e civilizada, faz-se imperioso afastar o presidente da Fundação Palmares.
Se não em nome dos negros, que ele tanto tenta humilhar, que se faça em nome da esperança de termos de volta um país mais solidário e mais igual. A cada dia que a barbárie impõe seu terror, morre um pouco do que existe de humano em cada um de nós. E essa é uma guerra que não podemos perder, pois ela não é apenas nossa, ela é da humanidade. Com a palavra da poesia de Noémia de Sousa:
“Por que é que as acácias de repente floriram flores de sangue? Por que é que as noites já não são calmas e doces, por que agora são carregadas de eletricidade e longas, longas? Ah, por que é que os negros já não gemem, noite afora. Por que é que os negros gritam, gritam à luz do dia.”
“Não sei qual é o rosto que me mira, quando miro o rosto no espelho. Não sei que velho espreita em seu reflexo, com silenciosa e já cansada ira.” Jorge Luís Borges, Um Cego.
Há certa perplexidade, quase uma tristeza, com a constatação de que, hoje, a mediocridade é a tônica que envolve boa parte das relações e das pessoas. O país está infestado por terraplanistas, por negacionistas e por gente inculta ocupando cargos que exigiriam uma formação técnica e humanista. E, essencialmente, por pessoas desprovidas de qualquer sentimento de humanidade ou solidariedade. O ministro da Educação teve a desfaçatez de afirmar que crianças com um grau de deficiência não deveriam frequentar escolas, pois a convivência com outras crianças seria impossível. Chega a doer.
É muito difícil acompanhar o desmonte que este governo nazifascista está fazendo em todas as áreas no país. O mesmo ministro cometeu ainda a atrocidade de criticar o sonho natural das pessoas de cursar uma universidade, pois, segundo ele, não existe emprego no Brasil. Na mesma linha obscurantista, o presidente da Fundação Palmares determinou um “livramento” do acervo e fez um pente fino para excluir livros que considera comunistas, de perversão da infância, de guerrilha e de bizarrias. Assim, foram eliminados desde os aterrorizantes e perigosos livros de Marx, Engels e Lenin, até o historiador britânico Eric Hobsbawm, o jornalista norte-americano John Reed, ou a filósofa Rosa de Luxemburgo. Tudo em nome da moral e dos bons costumes, homenageando a estultice como maneira de governar.
Acostumados a ver o triunfo da ignorância, nossa tendência é considerar as ações alopradas e irresponsáveis do Presidente da República como parte do mesmo script. Um Presidente que ofende com xingamentos o presidente de um Tribunal Superior e que continua pregando a volta do voto impresso leva as pessoas a pensarem que é simplesmente um destemperado e aproveitador. Mas não é tão simples assim. Há uma lógica maquiavélica na maneira de fazer política por parte desse grupo sem ética e sem escrúpulos.
O país está completamente à deriva, com um desemprego humilhante, um número de 570 mil mortes pelo vírus, a fome rondando os lares e uma inflação que já começa a mostrar os dentes e, o que é grave, uma extrema fragilidade institucional. Bolsonaro só não dá o golpe, que alardeia há tempos, por absoluta falta de competência para fazê-lo. Estica a corda ao máximo, com provocações baratas e vulgares aos poderes constituídos, e provoca o brasileiro com uma postura arrogante, machista, misógina, preconceituosa, agressiva, vulgar e banal. E, no entanto, a estrutura da Presidência cria factoides para agir como cortina de fumaça. O Presidente é o garoto propaganda dos desvarios.
Um pedido de impeachment, feito por algum analfabeto e assinado pessoalmente pelo próprio Presidente, foi apresentado no Senado contra o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. E, a partir daí, o Brasil esquece os problemas reais e passa a discutir um processo inepto e sem nenhuma chance de ser levado a sério. Mas que cumpre um papel: mudar o foco das discussões e das preocupações. O movimento tem pelo menos dois focos: primeiro, esquecer os problemas reais e discutir factoides; depois, tentar cravar no futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral a pecha de parcial e de suspeito.
A falsa polêmica do voto impresso e a crítica leviana sobre a credibilidade das urnas eletrônicas fazem parte de um movimento diversionista, mas também golpista. A PEC da cédula de papel era propositadamente inexequível, mas cumpriu a função de jogar para o pé da página as questões sérias do Brasil. O que está em jogo não é a necessidade do emprego, não é a carestia e não é a vacina. O que move o Presidente é a estratégia de manutenção de poder.
A mesma nuvem espessa, que asfixiou milhares de brasileiros que morreram sem ar na pandemia, serve agora para cobrir os olhos de muitos do povo para o Brasil real. A venda que impede uma visão crítica desse momento trágico é a mesma que cega os que insistem em acreditar que a cortina de fumaça é verdadeira, e não que é parte de uma estratégia.
Desestabilizar as instituições, esconder o desmantelamento de todas as áreas essenciais e sangrar o país, tudo isso se dá em nome de uma reeleição que serve também para dar certa segurança de não enfrentamento nos tribunais, na hora do acerto de contas que se avizinha. Quando um vento libertário afastar a fumaça criada para nos cegar, eu espero que ainda estejamos fortes para reconstruir o que está sendo saqueado.
Mirando-nos em Mia Couto, no poema Cego:
“Cego é o que fecha os olhos e não vê nada. Pálpebras fechadas, vejo luz, como quem olha o sol de frente. Uns chamam escuro ao crepúsculo de um sol interior. Cego é quem só abre os olhos quando a si mesmo se contempla.”
O Brasil do vice-presidente Hamilton Mourão é uma terra encantada, onde preto e branco convivem em paz e harmonia e onde inexiste preconceito de cor. É tudo uma maravilha racial, um exemplo para todos os países do velho e bom planeta Terra. No país de Mourão não há racismo. Como disse o garboso general que, no momento, ocupa a vice de um presidente igualmente firme e temerário em seus conceitos sobre o tema: “Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil”. Se tiver alguma coisa a ver com a construção e manutenção desse mundo dos sonhos, Mourão deve ser indicado para o Nobel da Paz. SQN para todo o parágrafo.
Ontem, na véspera do Dia da Consciência Negra, dois seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre assassinaram, fria e brutalmente, o soldador João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos, espancado de forma covarde. Tudo foi filmado e espalhado pelas redes sociais. Deu para ver, inclusive, que a execução teve a participação indireta de uma terceira pessoa, a zelosa chefe de segurança da loja, Adriana Alves Dutra, que tudo filmou e ainda quis tomar o telefone celular de um cliente que fazia o mesmo para denunciar o crime. Os dois executores foram detidos e pegaram prisão preventiva. Adriana foi só ouvida como testemunha.
Mourão, perdendo uma oportunidade de ouro de ficar calado, agrediu os fatos que sujaram o dia de sangue. Reverberando a opinião de Bolsonaro e de sua legião de seguidores, o vice “lamentou” o ocorrido, mas descartou o racismo como fator motivador. Na verdade, como visto, descartou o próprio racismo. Isto num país onde se mata um jovem negro a cada 23 minutos. Mas num país onde se nomeia para dirigir a principal entidade representativa da identidade negra, a Fundação Palmares, alguém que, mesmo negro, odeia a sua própria raça.
“Lamentável, né? Lamentável isso aí. Isso é lamentável. Em princípio, é segurança totalmente despreparada para a atividade que ele tem que fazer […] Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”, expeliu o vice-presidente ao ser entrevistado sobre a execução do Carrefour de Porto Alegre. Talvez pareça mentira a frase sair da mesma boca e da mesma mente de quem, há poucos dias, pareceu se chocar com o seu irascível chefe na questão do meio ambiente, ao defender mais fiscalização e mais rigor com os criminosos ambientais. Politicamente bipolar, Hamilton Mourão mostra, nessas horas, que está mais afinado com Jair Bolsonaro no que se pensa. Pelo menos na essência.
A fala desastrada de Mourão repercutiu tão mal quanto o próprio assassinato. Até a ONU soltou uma nota desmentindo o que disse o vice-presidente. “A violenta morte de João, às vésperas da data em que se comemora o Dia da Consciência Negra no Brasil, é um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira”, diz o documento da ONU. Constrangedor.
João Alberto era trabalhador. E era um homem alegre, tranquilo e brincalhão, segundo seus amigos e vizinhos que passaram o dia chorando e falando dele para a imprensa. Deixa quatro filhos e uma enteada, com a esposa. Morava pertinho do supermercado onde foi trucidado. Até o fechamento deste texto, à zero hora deste sábado, o Carrefour ainda não havia feito nada para amparar a família. A não ser uma proposta demagógica de doar um dia de faturamento da loja a instituições de defesa dos negros.
Deve ser o que vale a vida de um homem negro, jovem e cheio de vida. Isto na opinião da empresa e de brasileiros, governantes e governados, que acham que não existe racismo nesse país.