Presa por Ustra na ditadura, Lúcia Skromov relata tortura física e psicológica
Foto: Francisco Toledo/Democratize
“Eles usavam ratos, os colocando em uma espécie de funil, posicionando na região do ânus. Pegavam camundongos, pequenos, daqueles recém-nascidos, pra entrar. Imagina o estrago que ele fazia no intestino de uma pessoa”, falou ao Democratize a militante Lúcia Skromov, torturada pelo Coronel Ustra durante a ditadura militar
Lúcia Skromov foi presa pela primeira vez durante a ditadura em 1968, quando foi detida em uma passeata e levada para o Departamento de Ordem Política e Social, conhecido também como DOPS. Na época, ela era estudante de letras na USP e militava junto a movimentos estudantis.
Um ano depois, o militar de extrema direita, Emílio Médici, assume a presidência, a censura e a repressão passaram a ser ainda mais endurecidas. Nesse período surge a Operação Bandeirante (OBAN), um centro de informações e investigações que combatia toda e qualquer organização de esquerda. Essa entidade foi financiada por Henning Boilesen, que segundo Lúcia, foi o responsável por trazer técnicas de tortura praticadas por nazistas para o Brasil. Mais tarde, a OBAN ganhou um órgão complementar que pertencia diretamente ao Exército do Brasil, o Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi).
A militante comunista fazia parte do sindicato dos bancários, em que lutou pela equiparação de direitos das mulheres dessa categoria.
Lúcia relata que quando o Banco do Brasil e o Banco do Estado passaram a admitir mulheres, elas recebiam um salário menor que o dos homens para exercer as mesmas funções. As mulheres então, passaram a ocupar espaços dentro dos sindicatos, e levantavam as bandeiras pela equiparação de direitos e contra a ditadura. Organizavam ações para panfletar nos bancos e emitiam boletins através do sindicato. Além disso, ela colaborava com núcleos de formação marxista que existiam dentro de fábricas na região do ABC e Diadema.
Isso ocorre em um período em que a repressão e a perseguição contra os militantes de esquerda fica ainda mais acirrada, e em 1973 Lúcia é presa pela segunda vez.
Ela foi detida na região da zona norte de São Paulo com mais três companheiros de luta. Dessa vez, foram levados para o DOI-Codi, que era comandando pelo Coronel Carlos Alberto Ustra, local que ficou conhecido como ‘’a casa dos horrores’’, por ser onde aconteciam inúmeros casos de tortura, dos mais variados tipos e lá permaneceu presa por um mês.
Lúcia conta que nessa época, as prisões já eram imensas, e os agentes torturadores passavam a ganhar recompensas por seus trabalhos. Ela cita Charles Chandler como um oficial do exército dos Estados Unidos que veio ao Brasil para ajudar a implementar novas técnicas de tortura.
‘’Ele [Charles Chandler] veio junto com Boilesen, para fazer com que o interrogatório fosse um método capaz de retirar informações. E não há medidas e nem limites para esse interrogatório’’ — afirma Lúcia.
Embora existam testemunhos de militantes e até de militares, de que Boilesen freqüentava o DOI-Codi para assistir e participar de sessões de tortura, o Coronel Brilhante Ustra sempre negou que isso tenha ocorrido.
Foto: Francisco Toledo/Democratize
Há também suspeitas de que Boilesen usava os carros da sua empresa, a Ultragás, para descobrir pontos de encontro de núcleos de esquerda.
’’A Ultragás colocava seus carros de venda estratégicamente em vários lugares da cidade em que eles suspeitavam que haviam pontos de encontro dos movimentos’’ — conta Lúcia.
Chandler e Boilesen foram mortos ainda na época da ditadura por militantes guerrilheiros de esquerda.
‘’Na verdade, a gente não pode nem usar a palavra executar, justiçaram o Boilesen, da mesma forma que justiçaram Chandler.’’ — diz Lúcia sobre as mortes do executivo e do militar que apoiaram o período ditatorial.
Texto por Mariana Lacerda
Reportagem por Mariana Lacerda, Carol Nogueira e Francisco Toledo