O plano da Presidência do Bolsonaro nasceu muito antes de 2018. Concebido como projeto secreto da cúpula militar, foi parido nos quartéis e conduzido com inteligência estratégica. Os obstáculos ao plano foram todos removidos do caminho – como, por exemplo, a candidatura do Lula e o altíssimo risco que seria a participação do Bolsonaro nos debates eleitorais.
A gratidão do Bolsonaro ao comandante do Exército deixou implícito o engajamento dos comandos militares na mecânica conspirativa para elegê-lo: “General Villas Boas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, declarou ele, talvez aludindo aos twitters do general para ameaçar e tutelar o STF.
A candidatura presidencial do Bolsonaro para a eleição de 2018 foi lançada publicamente 4 anos antes, já em 29 de novembro de 2014, no pátio da Academia Militar de Agulhas Negras [AMAN], precedendo a formatura da turma de cadetes daquele ano. Isso significa, portanto, que este projeto já estava sendo gestado e preparado na caserna muito antes de 2014.
O evento político-eleitoral ocorreu dentro de uma instalação militar. Considerando-se os princípios da hierarquia e disciplina militar que regem a caserna, é difícil acreditar que aquele ato político-partidário não tenha sido previamente consentido/conhecido pelo comando da AMAN e, também, pelo comando do Exército.
Bolsonaro, na ocasião, estava acompanhado dos filhos Eduardo e Carlos, e foi recepcionado pelo grupo de aspirantes-a-oficial que, como uma claque treinada, bradava “Líder!, Líder!, Líder! …” – vídeo aqui. O então ministro da Defesa Celso Amorim, provavelmente alienado acerca daquele evento partidário que precedeu a cerimônia de formatura, participara da solenidade oficial que se seguiu.
Mesmo com o fim da ditadura, os militares não deixaram de politizar, doutrinar e ideologizar as tropas a partir da perspectiva reacionária, autoritária e anticomunista da guerra fria; assim como cultivaram no horizonte a ambição da retomada do poder.
As [1] jornadas de 2013, com movimentos financiados por fundações dos EUA, bem como [2] a sabotagem de Cunha/Aécio/FHC/Temer, e [3] o ativismo político da Lava Jato dirigido pelos EUA, foram fatores fundamentais para a desestabilização política e a instalação do caos no país.
Com o emprego de conhecimentos e dispositivos da guerra cibernética e de manipulação da política – transformada em teatro de operações de batalhas diversionistas e guerras psicológicas –, eles conseguiram catalisar todas frações da oligarquia, a Globo e a mídia em torno do candidato da extrema-direita, apresentado como o único capaz de derrotar Haddad e o PT.
A vitória do Bolsonaro, mesmo que maculada pelas trapaças acobertadas pelo TSE e pela corrupção do sistema de justiça, foi estratégica para as FFAA. A falsa “fachada democrática” serve a eles como argumento de legitimidade de um governo militar “eleito”; “democrático” [sic].
É difícil não se reconhecer, hoje, a natureza militar do governo/regime. Ao recorde de ministros militares no Planalto, somam-se mais de 6 mil militares lotados na máquina estatal, além de outro contingente significativo de policiais militares que ilegalmente colonizaram a política e se aboletam em gabinetes parlamentares e do Executivo.
A marcha rumo ao regime dos quartéis tem na data de 19 de abril de 2020 um significado análogo ao evento de lançamento da candidatura do Bolsonaro na AMAN, em novembro de 2014. Em 19 de abril passado, Bolsonaro se juntou à manifestação inconstitucional que pedia o AI-5, o fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar.
Aquele ato inconstitucional que “coincidiu” com a celebração do dia do Exército Brasileiro foi realizado em área de jurisdição do Quartel-General do Exército, o “forte-apache”. É difícil acreditar, por isso, que a iniciativa não tenha tido a anuência prévia – ou a complacência – do comando do Exército. Ou alguém se ilude que a área de segurança máxima da defesa nacional seria ocupada sem o conhecimento, ou sem o consentimento prévio do comandante Edson Leal Pujol?
No dia seguinte, Bolsonaro mandou às favas o texto constitucional vigente e declarou: “A Constituição sou eu!”. E, algumas semanas depois, dizendo que “as Forças Armadas também estão ao nosso lado”, Bolsonaro ameaçou: “Acabou a paciência, não tem mais conversa. Daqui pra frente faremos cumprir a Constituição [dele] a qualquer preço”.
O sobrevôo de outra manifestação inconstitucional [31/5] com o ministro da Defesa é prova do engajamento das FFAA na escalada militar. O uso de helicóptero do Exército, de cores camufladas, ao invés de equipamento aéreo da estrutura civil da presidência da República, tem mais que valor simbólico; é uma clara mensagem militarista.
A senha para se entender que se trata de um governo/regime militar que não se subordina ao poder civil e à Constituição civil foi dada no manifesto dos colegas de turma do general Augusto Heleno contra o STF e replicada, com nuances de linguagem, pelo próprio Bolsonaro e outros generais do Planalto e da reserva: “as FFAA não cumprem ordens absurdas”. Ou seja, os militares não cumprem ordens civis!
A Presidência do Bolsonaro, que foi parida nos quartéis, é sustentada pelas Força Armadas. Bolsonaro foi o motor eleitoral dos militares; ele é instrumento deles e continuará sendo até o momento que os militares entenderem que ele deve ser descartado, se deixar de ser operacional e funcional para a continuidade do regime.
Para 2022, se Bolsonaro estiver irremediavelmente avariado, Sérgio Moro poderá ser o motor eleitoral para a perenização do regime militar com o aprofundamento do Estado policial, mesmo que no contexto de uma eleição fraudada e manipulada, como se pode prever que deverá ser.
Os militares não pretendem recuar do status conquistado; eles pretendem continuar no poder por um longo tempo e a qualquer custo.
Nas redes e nas ruas, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro defendem há meses o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). A Sputnik Brasil ouviu especialistas para entender o quadro.
No dia 19 de abril, Bolsonaro participou na manifestação em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, com faixas defendendo o Ato Institucional 5, decreto emitido pela ditadura militar que autorizou o fechamento do Congresso, a censura prévia e a cassação dos direitos políticos de opositores do regime.
Em discurso durante o ato, o presidente da República disse que os políticos precisam entender que "estão submissos à vontade de povo" e prometeu "fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil".
Após o episódio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu abertura de inquérito para apurar uma possível violação da Lei de Segurança Nacional. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a abertura do inquérito no dia 21 de abril.
Moraes autorizou, após pedido da PGR, a quebra de sigilo bancário de dez deputados federais e um senador. Todos eles são apoiadores de Bolsonaro. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra supostos financiadores e comunicadores ligados aos atos antidemocráticos. O blogueiro Allan dos Santos foi um dos alvos da operação.
No pedido de quebra de sigilo, a PGR disse que a transmissão dos atos gera renda para influenciadores digitais, segundo informações obtidas pelo Antagonista. De acordo com empresa especializada consultada pela PGR, o canal do YouTube Foco do Brasil pode ter faturado até R$ 98 mil com a transmissão do discurso de Bolsonaro no Quartel-General do Exército.
Após a movimentação do STF, canais bolsonaristas no YouTube apagaram vídeos. Levantamento da consultoria Novelo, obtido pelo jornal O Globo, mostra que mais de 2 mil vídeos foram retirados da plataforma. O canal Terça Livre, de Allan dos Santos, apagou 272 vídeos. Já o canal Foco do Brasil retirou 66 vídeos.
Moraes também autorizou a prisão da extremista Sara Giromini, integrante do acampamento 300 do Brasil. Sara, que foi solta com tornozeleira eletrônica, adotou para si o sobrenome "Winter", possível referência à ativista nazista britânica Sarah Winter.
Na verdade, essa parte da população sempre existiu, ela não é nova. Mas, diante do crescimento de vários valores democráticos ao longo dos últimos 20, 25 anos no Brasil, eles estavam mais abafados, digamos assim. É minoria, então estavam na oposição. E, hoje, eles estão em uma arena, são os protagonistas ou, pelo menos, conseguiram eleger um representante", afirma à Sputnik Brasil a cientista política e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria do Socorro Braga.
Mesmo após a abertura do inquérito, Bolsonaro continuou participando de atos similares em Brasília. O presidente já passeou a cavalo e sobrevoou de helicóptero manifestações contra o STF e o Congresso. Para Braga, as manifestações governistas durante a pandemia de COVID-19 são uma tentativa de demonstrar apoio a um acuado Bolsonaro.
Apoio a ditadura diminuiu, aponta pesquisa
Desde 2018, o número de brasileiros que considera justificável um golpe militar caiu. De acordo com levantamento do Instituto da Democracia, 55,3% da população afirmou em 2018 que um golpe "se justificaria numa situação de muita criminalidade". Em 2019, este número recuou para 40,3% e, em 2020, registrou nova queda e ficou em 25,3%. O percentual de apoio a um hipotético golpe em outros contextos, como desemprego alto e corrupção, também diminuiu.
A pesquisa foi realizada entre 30 de maio e 5 de junho e fez 1.000 entrevistas por telefone. A margem de erro é de 3,1 pontos.
Fico com a impressão que esse dado de 2018 e a mudança dele ao longo desses dois anos talvez tenha a ver com o fato de que a ideia do golpe, do apoio à intervenção naquele momento ainda estava muito marcado pelo contexto do medo do PT e para tirar o PT vale tudo, até um golpe", afirma à Sputnik Brasil a antropóloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Leticia Cesarino.
Ainda assim, a professora da UFSC destaca a dificuldade de analisar pesquisas com perguntas sobre temas amplos como "golpe militar" e "muita corrupção" já que estas palavras têm significados diferentes para cada indivíduo e flutuam ao longo do tempo.
Já sobre os atos antidemocráticos, a antropóloga diz que eles demonstram a "redução significativa" de popularidade de Bolsonaro e que hoje eles representam "o último repositório dessa intenção antissistema por meio da qual Bolsonaro se elegeu."
A pesquisadora destaca que apesar de não ter sido encontrada nenhuma arma de fogo no acampamento dos 300 do Brasil, de Sara Giromini, o extremismo preocupa.
"É um discurso fascista? É. Mas a gente já viu essa passagem do discurso à prática de forma contundente? Não. Significa que não pode acontecer? Não. Claro que pode acontecer, mas isso já vem há dois anos. Teve uma ou outra coisa pontual, aquele ataque de coquetel molotov ao Porta dos Fundos, alguma coisa assim, mas essa passagem do discurso à prática da violência por esse grupo mais ideológico, que parece mais ideológico, ainda não foi feita. E eles, na bolha deles, jogam com isso o tempo todo", diz Cesarino.
A partir de uma notícia da República de Curitiba - Um grupo reduzido de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro fez um protesto neste domingo (14) na área central de Brasília. Depois se reuniram no Setor Militar Urbano (no Forte Apache) e na Praça do Buriti – em frente à sede do governo do Distrito Federal.
O grupo recebeu o apoio do ministro da Educação, Abraham Weintraub. Que reiterou: os ministros do STF são "vagabundos".
Weintraub comentou a situação que vive o presidente Bolsonaro, e relembrou o caso Adélio:
O presidente Bolsonaro é exatamente isso que ele mostra. É um cara parecido com a gente, ele não tem frescuras. Mas as pessoas têm que entender que ele é uma pessoa, ele não é o todo poderoso. Ele está enfrentando um monte de instituições. Está cercado, tem um monte de gente em volta dele. Então, é uma batalha. Ele levou uma facada, inclusive, né? Até hoje a gente não sabe quem mandou matar o presidente Bolsonaro. Pra vocês terem a dimensão do quão poderosa é essa máquina, de quão poderosas são essas pessoas que estão se opondo, você concorda? (…) abriram o celular de um montão de gente por muito menos, do Adélio ainda está fechado
É muita incompetência do governo Bolsonaro. Dos serviços de inteligência, notadamente da ABIN. Das diferentes polícias federais, principalmente da PF.
O atentado aconteceu em Minas Gerais, que tem um governador amigo de Bolsonaro, Romeu Zema, que comanda as polícias estaduais civil e militar que, também, investigaram o atentado.
Será que Weintraub queria nomear reitores como interventor para investigar o Adélio?
Remédio de doudo é outro na porta. Bolsonaro devia nomear Weintraub ministro da Justiça e Segurança, para analisar a cabeça de Adélio. Talvez em uma sessão de hipnose.
Sara, na noite de sábado, atacou o Palácio da Justiça; na manhã do domingo, imitando Bolsonaro, fez comício na porta do Forte Apache, sob a proteção de Abraham Weintraub, ministro da Educação, que voltou a chamar os ministros do STF de "vagabundos"; e foi presa hoje
Filme “300”, que inspira acampamento bolsonarista também é referência para grupos racistas e neonazistas; como os europeus, o grupo brasileiro apela à desobediência civil e à violência
* Movimento Identitário europeu elegeu “300” como símbolo de sua luta contra refugiados * Ideal de sacrifício pela pátria e resistência violenta “contra invasores” também aparece no discurso do grupo brasileiro * “O que preocupa é o caráter paramilitar” do movimento, diz socióloga
por Andrea DiP, e Niklas Franzen/ Agência Pública
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“Olá, nós somos os 300 do Brasil, o maior acampamento contra a corrupção e a esquerda do mundo” diz, de maneira nada modesta, Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sara Winter. No vídeo, ela convoca “pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono” a fazer parte de seu movimento de extrema direita bolsonarista que, desde o começo de maio, está acampado nos arredores da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ontem, Sara também teve o celular e o computador apreendidos pela operação da Polícia Federal relacionada ao inquérito das Fake News que é conduzido pelo STF. Em resposta, fez vários vídeos e posts no Twitter desafiando e xingando o ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, e ainda fez ameaças: “A gente vai infernizar a tua vida. A gente vai descobrir os lugares que você frequenta. A gente vai descobrir as empregadas domésticas que trabalham pro senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida. Até o senhor pedir pra sair. Hoje, o senhor tomou a pior decisão da vida do senhor”. Nas redes sociais, o comentário era de que ela fez isso com a intenção de ser presa para se tornar um mártir ou candidata – ou os dois.
O “maior acampamento do mundo” também tem recebido atenção nos últimos dias; menos por seu tamanho – não passa de algumas barraquinhas espalhadas pelo gramado – e mais pelas declarações e ações de sua fundadora. Ainda no começo de maio, Sara admitiu em entrevista à BBC News a presença de armas no acampamento “para a proteção dos próprios membros”. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a mover uma ação civil pública pedindo que o acampamento fosse desmontado, que houvesse uma revista para busca e apreensão de armas e que o grupo fosse proibido de atuar. O pedido, porém, foi negado pelo juiz Paulo Afonso Carmona da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. O acampamento também é alvo de uma investigação pela PGR: deputados do Psol pediram a abertura de um inquérito para investigar a atuação de Sara Winter em uma “formação de milícia” e o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura do procedimento para apurar quem seriam os financiadores do movimento. A existência de um suposto quartel-general do grupo em uma chácara, com estrutura militar, também está sob investigação.
Apoiadores do movimento de extrema-direita estão acampados na Esplanada dos Ministérios
O nome do grupo de Sara Winter, “300 do Brasil”, assim como algumas imagens e o uso do grito “Ahu” durante manifestações, são inspirados pelo filme 300, do diretor Zack Synder, de 2006, que por sua vez se baseia nos quadrinhos de Frank Miller e Lynn Varley de 1998. O filme mostra a luta heróica de um exército de 300 espartanos, liderado pelo Rei Leónidas, contra um exército de 30 mil soldados persas liderado pelo “deus-rei” Xerxes I da Pérsia querendo invadir Esparta.
Apesar de ter se tornado um grande sucesso, o filme americano também foi fortemente criticado pela violência explícita e por ter uma estética fascista. Os soldados espartanos são musculosos, hiper masculinizados, fortes e apresentados como bons e honrosos. Enquanto isso, Xerxes é afeminado e andrógino e seus soldados são mostrados como ferozes invasores. Na Alemanha, chegou a ser comparado aos filmes da diretora nazista Leni Riefenstahl.
Em entrevista à reportagem, a co-fundadora dos “300 do Brasil”, Desire Queiroz, explica o que motivou a referência ao filme: “A gente teve a ideia justamente pela luta. Isso mostra que nós somos poucas pessoas que podem vencer muitas pessoas". Ela conta que o grupo começou com 10 pessoas mas que apesar disso é forte e pode “lutar e vencer”. E nega que movimentos da extrema direita europeia tenham sido uma influência para a criação do grupo. Procurada, Sara Winter não respondeu os pedidos de entrevista.
“Europeus verdadeiros” contra “Invasores”
Na Europa, movimentos de extrema direita fazem frequentemente referência ao filme 300 e à Batalha das Termópilas. Mas para a direita europeia, o filme e o combate heróico dos espartanos contra persas representam a atual luta dos “europeus verdadeiros” contra os “invasores” refugiados.
O caso mais famoso é o do chamado “Movimento Identitário”, que começou na França, mas existe hoje em vários países do continente europeu. Com uma crítica pesada a uma suposta “islamização da Europa” e uma comunicação ofensiva, o grupo usa o “etno pluralismo”, principal conceito da nova direita, para dizer que sociedades devem ser “culturalmente puras” e que cada povo tem seu habitat. O número de membros do Movimento Identitário é bastante baixo e eles também tentam compensar isso com ações espetaculares que geram grande atenção na mídia, como ocupações, acampamentos e performances em lugares públicos.
Segundo a pesquisadora e jornalista alemã Carina Book, o filme 300 virou referência para movimentos de extrema direita por vários motivos. A Batalha das Termópilas representa a luta do Ocidente contra o Oriente e o rei Leônidas ordena que seu exército enfrente a morte para salvar a população de uma invasão do Oriente Médio. “Esse discurso de fazer um sacrifício pela nação e resistência violenta contra ‘invasores’ frequentemente acha-se no discurso do Movimento Identitário” explica Carina, que estuda o movimento há muitos anos e publicou alguns livros sobre a nova direita europeia. O uso do discurso do sacrifício, e do “sangue e suor” pela pátria também é muito frequente por parte dos integrantes do “300 do Brasil”. No vídeo de convocação diz: “buscamos pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (…) Se você está disposto a passar frio, ficar no sol, tomar chuva, e a fazer parte dessa página na história do Brasil, VENHA!”. No Twitter, mensagens como “O soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é um covarde” também são fartamente encontradas.
O grito de guerra “Ahu” dos soldados espartanos, usado pelos “300 do Brasil”, também é usado nas manifestações do Movimento Identitário. Se, em maio deste ano, Sara tuitou “ATENÇÃO BRASÍLIA! DESÇAM AGORA PRA PRAÇA DOS 3 PODERES! A ESQUERDA QUER OCUPAR A PRAÇA. OS 300 DO BRASIL VÃO TOMAR CAFÉ DA MANHÃ VERMELHO HOJE! AHU AHU AHU”, em 2016 durante um ato em Berlim, capital da Alemanha, Martin Sellner, um dos líderes do Movimento Identitário, falou: “Hoje estamos aqui com 300 pessoas. 300 é um número que nós identitários gostamos”. E puxou o Ahu entre os integrantes do grupo, como mostra esse vídeo.
Mas não é só o Movimento Identitário que gosta de se comparar aos espartanos. Em vários protestos e shows, neonazistas fazem referência ao filme e aos espartanos como mostra a revista antifascista e investigativa alemã Das Versteckspiel. No site da marca de moda neonazista Asgar Aryan, segundo a reportagem, há inclusive um moletom com a imagem de um soldado espartano.
As referências à Grécia usadas pela extrema direita são antigas. No dia 30 de janeiro de 1943, quando a derrota dos nazistas na batalha de Stalingrado já era certa, o Ministro da Aviação da Alemanha Hermann Göring fez um discurso comparando a situação dos soldados nazistas com a Batalha das Termópilas, legitimando ideologicamente a batalha. E uma unidade especial da Luftwaffe, força aérea nazista, ficou famosa por voar em missões suicidas contra os Soviéticos e foi chamada de Esquadrão Leónidas.
Convidada a assistir os vídeos do “300 do Brasil”, Carina Book diz que encontra semelhanças com os movimentos de extrema direita europeus. “A estética do vídeo inicial dos ‘300 do Brasil’ lembra muito a dos vídeos do Movimento Identitário. As semelhanças podem ser vistas no vídeo ‘Declaração de guerra’ publicado em 2012 na França, que alerta sobre os supostos danos da migração para a Europa”. Semelhanças também podem ser vistas neste vídeo do Movimento Identitário da Alemanha.
O apelo à “desobediência civil”, o uso de palavras como “revolução” ou performances com uma caixão em frente do Congresso também lembram o discurso e as ações “metapolíticas” da extrema direita europeia, diz a pesquisadora. O caráter paramilitar do movimento chama a atenção. Os militantes chamam-se de “soldados” e falam de uma “guerra”. Frequentemente os integrantes fazem saudações militares, prometem treinamentos e reivindicam uma disciplina rígida.
“Ucranizar” o Brasil
Em algumas ocasiões Sara Winter declarou que recebeu treinamento na Ucrânia e que queria “ucranizar” o Brasil, uma afirmativa difícil de compreender. O chamado “Euromaidan” foi uma série de protestos que aconteceram na Ucrânia em 2014 quando o governo, por pressão do governo russo, anunciou que não iria assinar um acordo de associação com a União Europeia. Mas, logo depois, as manifestações passaram a incluir bandeiras contra a corrupção e o abuso de poder, também com o apoio de grupos neonazistas. Os protestos foram violentamente reprimidos, mas o presidente Víktor Yanukóvytch acabou sendo deposto e fugiu do país.
“Em 2013 e 2014 aconteceu um levantamento contra uma elite corrupta. É possível que ela se refira a isso com sua fala de ‘ucranizar”, diz Andreas Umland, cientista político que vive em Kiev, na Ucrânia . Mas também é possível, devido ao discurso bélico dos “300 do Brasil”, que Sara Winter se refira à guerra quando diz “ucranizar”. Após a expulsão do presidente, as forças armadas russas apoiadas por militantes pró-russos invadiram a península da Crimeia e começaram uma guerra no leste da Ucrânia, nas regiões Donesk e Luhansk, que dura até hoje. Além dos exércitos dos dois países, lutaram milícias pró-russas e, do outro lado, grupos paramilitares voluntários da Ucrânia. O caso mais famoso é o do Batalhão Azov, que, apesar de ser acusado de ser um grupo neonazista, foi incorporado na reserva das Forças Armadas ucranianas e hoje está subordinado ao Ministério do Interior daquele país. Segundo o pesquisador Umland, vários voluntários estrangeiros estavam nos batalhões. “Algumas pessoas vieram pra cá por motivos ideológicos, principalmente neonazistas. Outros viram na busca de uma aventura”.
Nos treinamentos promovidos por Sara, são proibidos fotos e vídeos e é exigido roupa adequada para um treinamento físico de combate. Em um vídeo ela diz: “Muita gente achando que aqui é colônia de férias, achando que vai chegar aqui ficar de perna pra cima fazendo live, fazendo selfie. Se você quiser vir pra isso, não venha, não coloque teu nome na lista, não faça caravana. Aqui é treinamento. A gente exige treinamento, disciplina, ordem, patriotismo”. Ela diz que, além dos treinamentos “com especialistas em revolução não violenta, táticas de guerra de informação”, há “palestras sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil”. Através de uma vaquinha virtual, o grupo arrecadou mais de 60 mil reais para financiar os encontros que estão acontecendo em meio à pandemia de coronavírus, que já matou mais de 25 mil pessoas no Brasil. O grupo obviamente se opõe às medidas de isolamento, seguindo as determinações de seu líder maior Bolsonaro.
Em entrevista à reportagem, a socióloga Sabrina Fernandes diz: “O que preocupa em relação aos 300 é seu possível caráter paramilitar, especialmente se consideramos a relação do bolsonarismo com milícias e as próprias Forças Armadas. O risco é de que esse grupo consiga inflamar com mais intensidade essa base leal bolsonarista, o que pode levar a um acirramento do conflito e a uma aplicação prática do ideário fascista que já compõe a estrutura ideológica do bolsonarismo.”
No grupo oficial dos “300 do Brasil” no Telegram está descrito: “Junte-se a nós. Seja parte do exército que vai exterminar a esquerda e a corrupção.” Desire Queiroz defende o uso dessas palavras. “Isso faz parte do discurso, temos o direito de nos expressar. Queremos exterminar a esquerda com argumentos.” Ela argumenta também que todas as ações dos “300 do Brasil” são não-violentas, que o grupo defende a democracia e nega que se trata de um movimento fascista. Porém Sabrina Fernandes lembra: “Ao contrário dos comunistas que se afirmam comunistas, é estratégico para fascistas negarem serem fascistas dependendo do contexto. Uma vez que eles se declaram abertamente fascistas, isso legitima ações, organizações e frentes antifascistas. O conceito de democracia é esvaziado há tempos e para eles constitui uma noção bastante particular do que é o povo brasileiro, representada pela ideia do ‘cidadão de bem’. Nessa concepção, a democracia é um espaço de poder para este tipo de cidadão, o que evoca um ideário nacionalista específico também que pode ser associado a um programa fascista.”
Na esteira das semelhanças estéticas, a pesquisadora Carina Book chama a atenção para uma foto do “300 do Brasil” em que Sara Winter aparece com outros militantes, usando uma máscara de caveira. A máscara, que também é vendida no Brasil, é muito popular na Europa e nos Estados Unidos entre neonazistas. “A máscara de caveira virou uma estética universal fascista”, escreve o jornalista Jake Hanrahan no Twitter. A rede terrorista neonazista Atomwaffen Division usa exatamente a mesma máscara em seus vídeos de propaganda.Organização neonazista Atomwaffen Division. De acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeusDe acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeus
Uma trajetória de muitas coincidências
Sara Fernanda Giromini sempre negou publicamente qualquer relação com grupos neonazistas e fascistas mas sua trajetória, assim como a de seu novo grupo, é cheia de coincidências com esses movimentos. Natural de São Carlos, cidade do interior de São Paulo, Sara aderiu ao codinome Winter quando fundou célula do movimento ucraniano Femen no Brasil em 2012. O nome, Sara Winter, é homônimo ao de uma socialite britânica que foi espiã de Hitler e membro da União Britânica de Fascistas, mas a Sara brasileira nega a relação e diz que o nome foi inspirado em uma cantora. O Femen em si é um movimento polêmico, adepto do “sextremismo”, que visa chamar a atenção da mídia e da sociedade para alguns temas com mulheres protestando seminuas. Sara ganhou muita atenção da mídia na época porém sua atuação sempre foi vista com desconfiança por algumas vertentes do movimento feminista. Alegava-se, entre outras coisas, que era um movimento muito vertical, sem referência, com processo de seleção, além de ser difícil adaptar as pautas da Ucrânia no Brasil, já que são países com realidades tão diferentes e complexas.
Sara Winter fundou o movimento Femen no Brasil
Em entrevista ao site Opera Mundi em 2012, Bruna Themis, ex-integrante do Femen Brasil e parceira de Sara, contou porque decidiu deixar a organização em poucos meses. Entre os motivos ela destacou a falta de propostas e embasamento teórico: “O Femen não tem proposta, isso eu posso afirmar. Elas não gostam nem de ler as críticas nos jornais ao movimento. Eu sempre lia e queria saber o porquê de falarem isso ou aquilo. Quando fui detida, uma das meninas me empurrou porque queria aparecer na câmera. É engraçado e triste. (…) O Femen não é um movimento feminista. Ninguém lá sabe o que é feminismo. Eu sugeri que a gente buscasse vínculos com outros coletivos ou outros grupos feministas, mas a Sara recusou”.
Bruna também contou que as diretrizes vindas da matriz ucraniana era a de que apenas mulheres dentro do padrão de beleza estabelecido por elas pudessem participar e que a célula brasileira teria sido criticada por colocar “meninas gordinhas nos protestos”. Por fim, disse que saiu porque Sara Winter era autoritária e simpática ao nazismo: “A Sara disse que admira Hitler como pessoa, que ele foi um bom marido, que amava os animais, mas que não admira o Hitler público”, afirmou.
Na entrevista ao Opera Mundi, outra informação chama a atenção. Bruna comenta que o Femen da Ucrânia pouco sabia sobre a célula brasileira e vice-versa e que Sara havia ido a Kiev por sua própria conta. Mas no filme “A Vida de Sara”, um documentário biográfico produzido pela plataforma Lumine, apelidada de “Netflix conservadora”, Sara Winter diz que a organização mandou dinheiro para que ela fosse para a Ucrânia passar por um treinamento. Financiada ou não pela organização, Sara conta que passou por um treinamento “muito hardcore”, quase “um exército”. Recentemente ela voltou a dizer nas redes sociais que passou por treinamento na Ucrânia e que iria replicá-lo no Brasil. Procurado, o Femen Ucrânia disse que responderia a entrevista porém até o fechamento da reportagem não houve resposta. Vale lembrar que a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que hoje processa Sara Winter por calúnia e difamação, também participou de um protesto do Femen em 2012, como mostra este vídeo.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP, à direita), em manifestação do grupo Femen, em São Paulo, no dia 29 de dezembro de 2012
O filme foi produzido Matheus Bazzo, que exerceu a mesma função no documentário sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições”. Matheus também é um dos fundadores da plataforma conservadora, que se propõe a trazer séries e programas “para quem entende a importância da verdade, da beleza e da bondade nas produções artísticas” segundo o site Estudos Nacionais. No filme de Sara não há qualquer menção a patrocinadores. No entanto, logo nas primeiras cenas, a militante aparece passeando com seu filho em uma loja da Havan e em certo momento, ele toca o sino da loja, evidenciando o logotipo ao fundo.
Em 2013, a organização ucraniana desligou Sara e declarou publicamente que não tinha mais representantes no Brasil. “Gostaria de dizer algo que imagino seja novo para vocês. Não temos mais Femen Brasil. A pessoa que nos representava, Sara Winter, e que tem sua própria conta no Facebook, o Femen Brasil, não faz parte do nosso grupo. Tivemos muitos problemas com ela. Ela não está pronta para ser líder. É uma pena, mas essa decisão faz parte do nosso crescimento como movimento honesto. O Femen Brasil não nos representa”, disse na época ao jornal Zero Hora uma das fundadoras do movimento original, a ucraniana Alexandra Shevchenko.
Diretor documentário “A Vida de Sara” também produziu documentário sobre Olavo de Carvalho
No filme, Sara conta que que já se prostituiu e dá detalhes de um terrível estupro que teria sofrido. Também aparece atirando e manipulando armas de fogo, cuidando do filho, fala sobre um aborto que teria realizado e sobre como tudo isso a levou a se tornar uma “anti-feminista” católica. Mas ela já tinha uma trajetória controversa antes disso. Em sua página no Facebook, na mesma época em que fazia protestos pelo Femen, ela dizia que admirava Plínio Salgado, o movimento skinhead e algumas personalidades conservadoras, como Ronald Reagan. Antes ainda, entrevistava bandas neonazistas e aparecia em fotos de shows dessas bandas. Além disso, tinha uma tatuagem no ombro de uma cruz de ferro, símbolo germânico que se tornou popular durante o regime nazista e era a principal condecoração de guerra. Sara diz que a tatuagem é uma homenagem aos “cavaleiros templários da idade média”, mas a pesquisadora alemã Carina Book confirma que é a cruz de ferro.
A partir de 2015, Sara passa a se declarar publicamente uma militante conservadora de direita, anti-feminista, anti-aborto, pró-vida e religiosa. Em 2016, aparece em um vídeo ao lado de Bolsonaro se dizendo “curada” do feminismo. No mesmo ano, se acorrentou no Largo da Carioca no Rio de Janeiro, dizendo que faria greve de fome contra a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar legal um caso de aborto até os três meses de gravidez. O ato virou piada nas redes sociais por ter durado poucas horas.
E se hoje ela diz que quer derrubar o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), em 2018 foi candidata a deputada federal por seu partido mas não conseguiu votos suficientes.
Sara Winter é apoiadora do governo Bolsonaro
Como militante conservadora de extrema direita, Sara coleciona no currículo um “Congresso Anti-Feminista”, fotos com fetos de borracha e palestras dadas em igrejas pelo Brasil. O grupo dos “300 do Brasil”, segundo ela, foi uma ideia de Olavo de Carvalho, a quem tem como guru. Entre os entusiastas do “300 do Brasil”, estão a deputada Bia Kicis (sem partido), o jornalista do Terça Livre Allan dos Santos – ambos investigados no inquérito das Fake News – e seu (autodeclarado) ex-psiquiatra, Ítalo Marsilli, que também é discípulo de Olavo de Carvalho e já declarou em um de seus vídeos que mulheres não deveriam votar pois são fáceis de seduzir: “Na democracia grega, a única do mundo que funcionou, não estava previsto o voto feminino. Quando o voto passa ser pleno, ou seja, mulheres e todo mundo pode votar, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. É muito fácil você convencer mulher de votar, é só você seduzi-la”.
A vida de Sara Winter, 27 anos, é cheia de mudanças radicais, que acontecem repentinamente e com muitas coincidências. Como ocorreu nesta manhã quando, antecipando que poderia ser presa por ter ameaçado o ministro Alexandre de Moraes, Sara Winter publicou uma hashtag pedindo sua libertação: #SaraLivre.
Nas páginas amarelas da Veja desta semana, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência faz um exercício de cinismo, jurando um arrependimento por ter se envolvido em atos políticos sendo – ainda – um general da ativa.
Ramos, mesmo louvando o ato do general dos EUA, anuncia orgulhosamente que fez o contrário, agindo como “observador” – ou espião, como queiram – numa manifestação oposicionista, a tirar conclusões ideológicas sobre o figurino dos manifestantes:
Só há uma coisa que me incomoda e me desperta atenção. Um movimento democrático usando roupa preta. Isso me lembra muito autoritarismo e black blocs. Quando falo em democracia, a primeira coisa que me vem à mente é usar as cores da minha bandeira, verde e amarelo. No domingo, fiquei disfarçado no gramado em frente ao Congresso observando o pessoal. Eles não usavam vermelho para não pegar mal. Mas me pareceu que eram petistas.
A ideologia cromática do general não funcionava assim quando as camisas pretas eram pró-bolsonaro, ou quando – há menos de um mês – um bando de paramilitares de camisa preta foram encontrar-se com o presidente.
Mas, à parte isso, o que faz o general pensar que eram petistas? “Pega mal” usar camisa vermelha? O senhor sabia que Jair Bolsonaro usava uma no dia 19 de abril, quando foi fazer sua pregação golpista em frente ao Quartel General do Exército, o Forte Apache de Brasília? Bolsonaro é petista?
Mas há pior na entrevista. Diz que o Exército respeita a democracia, desde que não se “estique a corda”. Só que o esticar a corda é a ação do Poder Judiciário.
Primeiro, diz que isso foi feito pelo decano do Tribunal, Celso de Mello, que fez um paralelo entre o que se passa aqui com a ascensão do nazismo da Alemanha, dizendo que Hitler matou seis milhões de judeus e Bolsonaro, não. Ou definindo que o TSE não deve dar atenção aos questionamentos sobre a campanha eleitoral de Bolsonaro, agora temperados pela revelação de uma rede de fake news empresarial.
Com todo o respeito, general, mind your business, cuide de sua área, porque ela não é, certamente jurídica.
O que deveria preocupar não é que o Judiciário, um poder independente, “esticar a corda”. É um general da ativa esticar a língua para falar bobagens e pretender dar lições a outro poder.
Militares da ativa das Forças Armadas no Brasil viram como uma espécie de alerta o gesto da maior autoridade militar americana, general Mark Milley, de pedir desculpas por ter participado de ato político ao lado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O chefe do Estado Maior se desculpou por criar a impressão de envolvimento dos militares na política interna. O ato do qual ele participou, em Washington, contou com a dispersão de uma multidão pela polícia com uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo. Os manifestantes protestavam contra o racismo.
“Foi um ato muito digno e que pode influenciar comportamentos daqui por diante”, avaliou um general brasileiro.
Generais ouvidos pelo blog reforçam a necessidade de o gesto de Milley servir como uma espécie de exemplo do que não se deve fazer por aqui.
Há forte contrariedade em setores da ativa das Forças Armadas com a tentativa de politização dos quartéis no governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Em qualquer país com um pouco de amadurecimento político, é normal que as Forças Armadas fiquem fora das disputas políticas", disse um general da reserva.
Mas, por aqui, militares lembram que o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, tem agido para evitar essa politização.
Pujol tem frisado aos generais e demais oficiais da ativa a necessidade do distanciamento para evitar a politização da tropa.
O general tem seguido a linha do antecessor, general Eduardo Villas Bôas, que sempre ressaltou o papel constitucional nas Forças Armadas.
Para um general quatro estrelas da reserva, há um paralelo a ser feito, "altamente positivo para nós, mas parece que entramos em crise aguda do complexo de vira-latas.”
Segundo ele, não há "uma fotografia sequer" de um general fardado ou em função militar participando de manifestação política. "Essa foto não existe agora ou antes", afirmou.
Para esse general da reserva, os generais brasileiros já disseram à exaustão, com outras palavras, o mesmo que o general Mark Milley declarou.
"Só que ele falou para pedir desculpas, enquanto nos falamos para que nossos interlocutores entendam que isso não acontecerá e, infelizmente, temos que repetir quase que diariamente porque as pessoas parecem não querer acreditar na democracia. Lamentavelmente, parece ficar mais charmoso festejar o "mea culpa" do americano do que comentar o nosso comportamento”, observou
Porém, há uma preocupação entre oficiais da ativa com o desgaste de imagem das Forças Armadas diante dos sucessivos gestos de Bolsonaro expondo militares que ocupam cargos no primeiro escalão do governo.
Desde que Bolsonaro participou de uma manifestação na qual havia faixas com inscrições antidemocráticas, em frente ao Quartel General do Exército, o incômodo aumentou dentro das Forças Armadas.
Estavam presentes na ocasião, inclusive, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que é um general da ativa. Nesse dia, Bolsonaro ainda afirmou que as Forças Armadas estavam com ele.
Há o reconhecimento interno de que o general Pazuello está cumprindo determinações do próprio presidente Jair Bolsonaro ao insistir nas mudanças da divulgação do número de mortos por covid-19 no país.Um militar adverte ainda que a reação negativa de todos os setores científicos no país e no exterior, atingindo a credibilidade dos números oficiais do país, tem potencial para causar danos na imagem do próprio Exército.
Com esta exaltação ao estilo “Führer!, Führer!, Führer! …” da Alemanha dos anos 1930, os aspirantes-a-oficial da Academia Militar das Agulhas Negras recepcionaram o então deputado Jair Bolsonaro, recém reeleito para o 7º mandato na Câmara Federal.
Acompanhado dos filhos Eduardo e Carlos, Bolsonaro comparecia pela enésima vez a uma solenidade de formatura dos aspirantes da AMAN. Na ocasião, ele retribuiu a recepção efusiva dos cadetes com um discurso que é o marco do lançamento formal da candidatura dele à presidência, que só ocorreria 4 anos depois, em 2018:
“Parabéns pra vocês. Nós temos que mudar este Brasil, tá ok? Alguns vão morrer pelo caminho, tá; mas eu estou disposto em 2018, seja o que deus quiser, tentar jogar pra direita este país!
[aplausos e gritos de “líder!, líder!”]
O nosso compromisso é dar a vida pela Pátria, tá ok?, e vai ser assim até morrer. Nós amamos o brasil, temos valores e vamos preservá-los. Agora, o risco que eu vou correr, posso ficar sem nada, mas eu terei a satisfação do dever cumprido, tá ok? Esse é o nosso juramento esse e o nosso lema: Brasil acima de tudo! Esse Brasil é maravilhoso, tem tudo aqui, tá faltando é político! Há 24 anos que eu apanho igual a um desgraçado em Brasília, mas apanho de bandidos. E apanhar de bandidos é motivo de orgulho e glória, tá ok? Vamos continuar assim. Boa sorte para todos. Um abraço a todos”.
[aplausos e mais gritos de “líder!, líder!”].
Este comício político-partidário, realizado numa unidade de alta significação das Forças Armadas, aconteceu no longínquo 29 de novembro de 2014
Parêntesis: [Cinco anos e cinco meses depois, em 19 de abril de 2020, e já como presidente da República, Bolsonaro promoveu outro comício político-partidário, desta vez na frente do maior totem das FFAA, o QG do Exército, para defender o fechamento do STF e do Congresso e a intervenção militar com ele mesmo, Bolsonaro, no poder.]
Instantes depois dos cadetes da AMAN confraternizarem com seu Führer naquele fim de primavera de 2014, o então ministro da Defesa Celso Amorim, acompanhado dos comandantes das três armas das Forças Armadas, conduziu a cerimônia de formatura. O quê dizer disso: negação, ou alienação da realidade pelos integrantes do governo Dilma?
A genealogia do “plano Bolsonaro” como dispositivo para a construção do poder militar tem raízes antigas. Hoje já é possível comprovar que a candidatura presidencial de Bolsonaro em 2018 foi metodicamente construída e preparada nos anos precedentes.
O discurso do Bolsonaro em novembro de 2014 na AMAN foi a rampa de lançamento deste projeto que estava sendo amadurecido bem antes. Ele foi o personagem que coube sob medida no figurino para contracenar, na eleição, o plano militar meticulosamente planejado. Os tuítes do general Villas Bôas, nesta perspectiva, nem de longe são peças improvisadas. Daí o segredo sepulcral firmado entre ele e Bolsonaro.
Em reportagem de 7 de outubro de 2018, a partir de informações e relatos de um alto oficial das Forças Armadas [FFAA] brasileiras, o jornalista argentino Marcelo Falak escreveu que Bolsonaro era o projeto secreto da cúpula militar; “o homem que a cúpula das FFAA elegeram, há 4 anos, para que ele se fosse convertido no presidente do Brasil”.
Segundo a influente fonte militar, Bolsonaro seria “convertido no aríete de uma doutrina para uma ‘nova democracia’ em que os militares terão voz e atuação política, superando o papel subalterno a que são confinados pelo poder civil” […], sendo que o “programa do futuro governo cívico-militar será conservador no político e absolutamente liberal no econômico, e buscará erradicar de uma vez para sempre a ‘extrema-esquerda’”.
Neste conceito de nova democracia, os militares se reconhecem “numa nova etapa”, e exigem “serem tratados como cidadãos plenos, não de segunda”. Na visão dos militares, nesta nova democracia “não deve haver nenhuma restrição à participação deles em cargos públicos” – o que se traduz hoje, concretamente, em mais de 3 mil cargos do Estado aparelhados por eles.
Estes militares mostram-se imodestos, cultivam uma imagem muito elogiosa de si mesmos. E, por isso, ambicionam exercer postos de comando do país – para aumentarem seus proventos – mesmo que incompetentes para certas funções técnicas. Gabam-se que “somos pessoas muito qualificadas, somos competentes, sabemos idiomas, temos pós-graduações. Entendem, por isso, que “tem que terminar com isso de não podermos ser ministros”.
Ainda de acordo com o alto oficial entrevistado, “o modo como Bolsonaro defendeu as FFAA fez com que crescesse nossa ponderação sobre ele, sobretudo porque o Comando estava ocupado por nós, que tínhamos sido contemporâneos dele na Academia” [AMAN].
A fonte militar de Falak menciona que Bolsonaro “se abriu para o diálogo, e dia-a-dia fomos vendo que ele mostrava valores importantes, como disciplina, respeito e muita humildade. Aceitava nossas sugestões e mudou muitas das suas posturas anteriores. Por exemplo, passou do nacionalismo econômico que antes defendia, ao liberalismo. Isso que se vê na campanha eleitoral foi produto do diálogo que o Exército abriu com ele, não tenha dúvidas”.
Segundo informou a fonte de Falak, em virtude da abordagem do comando das FFAA, Bolsonaro “mudou muito no pessoal, se casou com sua terceira mulher, teve uma filha e, algo que ninguém sabe, inclusive fez dois anos de psicanálise”.
O militar também confirma que “O nacionalismo econômico já não é nosso programa, esse deixamos para o Partido dos Trabalhadores. Agora é o liberalismo. Isso é o que dissemos a Bolsonaro. Queremos um país o mais livre possível, o que nos coloca radicalmente contra o que diz o PT”.
Por isso, reporta Falak, “o manejo da economia ficará para um civil: o ex-banqueiro ultra-liberal Paulo Guedes, cuja proposta é privatizar a totalidade das participações do Estado em empresas, incluída a Petrobras, e vender todos os bens que ainda estão em poder estatal”.
Refletindo uma visão embolorada da guerra fria, o oficial brasileiro diz ao jornalista argentino que “Pretendemos fechar o círculo que começou no Brasil com a intentona comunista de 1935, algo que ainda não acabou. Não vamos permitir estas propostas que enganam e se disfarçam de socialismo”.
Acerca da geopolítica regional, o alto oficial entrevistado por Falak em outubro de 2018 não escondeu que “ficamos muito felizes que se foi Cristina Kirchner e chegou Maurício Macri”, que ocorreu na eleição de 2015.
Como prova de reconhecimento da autoridade do capitão Bolsonaro, o alto oficial do Exército disse: “não vamos tutelar Bolsonaro. Seremos subordinados a nosso comandante Supremo. Ele é um homem com personalidade”.
Ilude-se, por isso, quem imagina que as Forças Armadas não estejam escalando a ditadura junto com Bolsonaro e tramando a intervenção militar com ele no poder. Bolsonaro é o “projeto secreto da cúpula militar”.