Considerações sobre a canção “Apesar de você”, de Chico Buarque de Holanda
por Francisco de Oliveira Barros Júnior
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Construção. Apesar de Você. Cálice. Samba de Orly. Acorda Amor. Meu Caro Amigo. Bom Conselho. Gota d’Água. O Que Será (À Flor da Terra). Fado Tropical. Tanto Mar. Angélica. Cordão. Deus lhe Pague. Títulos de 14 composições do repertório de “Chico, o político”. Uma singular dimensão da obra artística de um dos grandes nomes da história da Música Popular Brasileira. Das canções antes citadas, destacoApesar de você, por um particular motivo: a sua sintonia com a expressão Fora Bolsonaro, explicitada pelos descontentes e indignados com um governo precário, de retrocessos e ameaçador dos valores democráticos.
A crítica ao bolsonarismo, globalizou negativamente, em viralizações poliglotas: nas “reflexões sobre as grandes ameaças à existência humana”, Noam Chomsky alude aos “palhaços sociopatas”, arautos da “praga neoliberal” e cita a grave ameaça, chamada Jair Bolsonaro, “…o mais extremista, o mais abominável dos ultranacionalistas de direita que agora assolam o hemisfério” (CHOMSKY, 2020, p.108). Em francês, no contexto necropolítico de um “capitalismo pandêmico”, Edgar Morin alerta ser “hora de mudarmos de via” e faz referência ao Brasil “…que vive uma tragédia por ter no comando um presidente irresponsável, …” (MORIN,2020, p.30). No desassossego do português de sotaque lusitano, Boaventura de Sousa Santos interroga: “Brasil: política genocida?” Uma situação crítica “…provocada por um presidente irresponsável, golpista e de ultradireita, …” (SANTOS,2021, p.164).
Apesar de você, concebida em outra conjuntura histórica, não perde a sua atualidade por estar sintonizada com a luta contra todos os autoritarismos e tendências fascistas em suas tentativas de chegarem ao poder. “Apesar de você/Amanhã há de ser/Um novo dia”, trecho do texto musical focalizado, poderia receber uma outra versão, antenada com o momento histórico no qual estamos inseridos. Eis a possível troca: “Apesar de Bolsonaro, amanhã há de ser outro dia”. De 1970 aos dias de hoje, mudanças ocorreram, mas os progressos, em movimentos ambivalentes, caminham ao lado das regressões. O “apesar de você”, cantado hoje, ganha uma reatualização conjuntural. Peço licença ao Chico Buarque para fazer uma troca temporária do “você” pelo nome do atual ocupante do cargo de Presidente da República do Brasil.
Focalizando a cançãoApesar de você, em seus tons políticos, vemos que é referenciada em diversos textos históricos sobre a Música Popular Brasileira. Censura nos “anos de chumbo da ditadura” (1970-1978). Rodrigo Faour esclarece sobre quem é o “você” da composição focalizada. Na tentativa de driblar os censores, em suas interrogações, não estava cantando sobre “uma mulher muito mandona e autoritária”, “e sim o general Médici, então presidente do Brasil” (FAOUR, 2021). Na companhia dos contos e cantos das letras buarquianas, a escrita desmascara “o serviço sujo nos porões” dos “anos de chumbo” (BUARQUE,2021).
Da “geração que fixou a moderna canção brasileira”, Chico Buarque experenciou “o furor antibuarquiano da censura”. Na perspectiva histórica de Jairo Severiano, pensamos com música pela escrita de “…um intelectual, autor de diversificada obra musical-literária, especialmente comprometida com questões sociais, nunca, porém, panfletária” (SEVERIANO, 2017, p.366). O sambaApesar de vocêestá incluído entre as “101 canções que tocaram o Brasil”. Um discurso sonoro de “resistência democrática”, “um hino de protesto contra a ditadura militar” (MOTTA, 2016). Em seu torto e cortante canto, o Chico sambista incomodou os ditadores e incluiu mais uma das suas obras musicais noDicionário da história social do samba(LOPES & SIMAS, 2021).
Apesar de vocêfoi um dos destaques de 1970. Em “desabusado recado à ditadura”, Francisco Buarque de Hollanda desafinou o coro dos contentes e chegou ao ponto de apelar para o uso de pseudônimos como uma forma de disfarce e assim conseguir escapar dos censores do regime autoritário. Julinho da Adelaide e Leonel Paiva foram os nomes escolhidos para a assinatura disfarçada. É “a canção no tempo” em que os artistas bebiam um amargo cale-se (SEVERIANO & MELLO, 2015). “Driblando com uma caneta na mão”, Chico enfrentou os militares e tem um capítulo a ele reservado no livro que expõe sobre a “Mordaça”, no qual estão registradas as “histórias de música e censura em tempos autoritários” (PIMENTEL & McGILL, 2021). No repertório censurado,Apesar de vocêtem os seus aparelhos de escuta desligados.
Produzir arte “num tempo de tempestade”. Um contexto hostil para quem tonalizou os ais dolorosos emitidos pelo “sangue da repressão” e pela “tragédia social” de um momento histórico de sinal fechado. Na sua ousadia criativa, o artista, em seus dribles poéticos, torna-se “um símbolo da resistência aos governos militares”. Chico é “o poeta da fresta” (MIRANDA, 2001). No relacionamento “entre o texto poético e a construção melódico-harmônica da obra musical”, os “aspectos sociais e históricos” da composição tonalizam os “sintagmas recorrentes nas obras buarqueanas” para criticar os breus ditatoriais. “A música das palavras”, em estudo semiótico das canções de Chico Buarque, aponta para as várias possibilidades de lê-las (TORRES, 2014). Na ligação “música popular e moderna poesia brasileira”, Chico Buarque representa “a música contra o silêncio” (SANT’ANNA, 2004).
Apesar dos Aiatolás, atoladores históricos, o brasileiro, profissão esperança, na escuta de Chico Buarque, afirma: “vai passar”. Na “canção de desafogo” e “saudação à democracia”, o objetivo é virar as páginas infelizes da nossa história. A coisa aqui está sombria, indelicada, áspera, grosseira. Acordados, emitimos um abaixo ao tempo do cale-se. Chega de sofrimento para as Angélicas que buscaram pelos seus(as) filhos(as) desaparecidos(as). Na construção de um país mais justo e democrático, o bom conselho é votar em quem entoa o samba “liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.
Chico – artista brasileiro(2015), filme de Miguel Faria Jr., apresenta imagens do Chico Buarque multidimensional. O Chico político é apenas uma das dimensões de um homem complexo. Nas cenas em que discursa sobre as pedras colocadas no seu caminho pela censura ditatorial, destaca o ocorrido com a sua criaApesar de você: “Foi um sucesso grande, assim, imediato, e aí acendeu uma luz ali e o pessoal se tocou que tinha aprovado o bicho errado, eles não podiam ter aprovado aquela letra. E aí o disco foi retirado das lojas. Esse foi o começo de uma série de problemas que eu tive com a censura, porque aí também existia uma vontade de vingança do outro lado, porque eles se sentiram ludibriados, né?”.
Chico relata os bastidores da violência sofrida pelo artista nas pressões feitas para que altere o conteúdo das suas criações musicais: “Eu não tinha diálogo nenhum com a censura, mas a gravadora tinha, tinha um advogado que ia a Brasília, recorria, tinha uma certa negociação. Eu me lembro bastante disso, de eu estar em casa e o sujeito ligar de Brasília, aquela ligação interurbana, meio difícil, aí ele dizia: se você trocar esse verso, a música passa”. Aí eu: tá bom, então me liga, dá uns 15 minutos pra eu tentar dar um jeito nesse abacaxi aí”.
Qual o impacto subjetivo de ser “vetado” no seu processo produtivo? Quais os sentimentos e emoções deflagrados? Entre perdas e danos, o desconforto situacional de criar sob o risco do amordaçamento, é desvelado por Chico: “Nessa briga, saímos todos perdendo, eu saí perdendo também. Eu acho que a qualidade artística, tem coisas que eu fiz nessa época que eu gosto, mas tem muita coisa que eu fiz mesmo com raiva, sabe, e você começa a criar, pressionado, debaixo de uma pressão e começa a responder a essa pressão e começa a não sei o quê. E isso sim, você fica com raiva e escreve canções raivosas e coisas que depois perdem o sentido, que passa o motivo da raiva e fica aquela canção solta, sem chão. Com raiva você não cria nada bem”.
Atento aos sinais do tempo histórico no qual está situado, o artista experimenta o seu particular engajamento. Um ativismo no qual a sua arte pensa e responde às provocações da conjuntura histórica na qual afirma a sua presença: “Os jornais me chamavam de ativista: o ativista Chico Buarque. “Eu participei de uma porção de movimentos e me aliei a uma porção de gente de todas as áreas que se opunham à ditadura. De alguma forma, o que eu pudesse fazer, que não fosse para pegar em armas, eu podendo contribuir, eu contribuía”.
As análises políticas sobre a eleição e seus resultados podem ser resumidas em dois tipos principais. As que afirmam um único cenário, e as que analisam diversos cenários, mesmo admitindo a maior probabilidade de um deles.
Em geral, os analistas influenciados pelas ciências sociais estão acostumados a trabalhar com diversos cenários, muitas vezes comparando-os entre si. Trabalham, portanto, com a complexidade da conjuntura política, buscando averiguar o papel e o peso de seus principais atores.
Já os “políticos”, profissionais ou não, tendem a analisar um único cenário, e exagerar seus resultados para melhor obter proveito, seja ou não pessoal. Assim, é comum encontrarmos o golpe militar como único cenário pós-eleitoral, em caso de derrota de Bolsonaro. Sem dúvida, é um cenário possível, mas está longe de ser o único.
Os comandos superiores do Exército já se manifestaram contra qualquer aventura golpista. Dificilmente, policiais militares, milicianos ou sócios das CACs agiriam sem a cobertura militar. Isso não impede a possibilidade de ações isoladas, provavelmente a serem estimuladas pelo capitão perdedor. O que pode ocorrer é imprevisível, o presidente perdedor será tentado a imitar Donald Trump e sua invasão do Capitólio, mas, aconteça o que acontecer, não teria potencialidade de mudar o resultado eleitoral.
Claro que isso é uma hipótese. Mas trata-se de uma hipótese fundada na atuação firme da sociedade civil, com destaque para as manifestações Fora Bolsonaro do ano passado e para os diversos atos políticos este ano, como a Carta Pela Democracia que alcançou mais de um milhão de assinaturas. Além disso, é justo citar a atuação firme do STF em defesa do calendário eleitoral, e do TSE em defesa da urna eletrônica, barrando a tentativa de virar a mesa, por parte de alguns militares.
Last, but not least, o governo dos EUA tem pressionado em favor do processo eleitoral brasileiro. Já enviou três diplomatas para defender a urna eletrônica e dar um recado aos militares: nada de golpe! Mesmo a Procuradoria Geral da República – que desmoralizou o Ministério Público ao se transformar em escritório de defesa criminal de Bolsonaro – não se atreveu a intrometer-se no calendário eleitoral. Assim, tendo em vista a pressão da sociedade e a conjuntura internacional, a hipótese de ocorrer a eleição e seu resultado ser respeitado não pode ser afastada, como tem ocorrido com análises recentes que repercutem mais as bravatas do candidato B. do que a correlação de forças.
Os políticos, sejam ou não profissionais, comportam-se principalmente em função de duas características principais: a força e o interesse. Suas posições mudam com o tempo, uma vez que o interesse e a força são mutáveis. Assim, é comum um político mudar de posição ou de partido que, aliás, no Brasil não significa nada, é mera agremiação sem princípios.
Já aqueles que agem em função de suas ideias, mudam muito mais raramente, pois as ideias não mudam com a velocidade dos interesses e da correlação de forças. Mesmo em nosso meio, apoiando a campanha de Lula, encontramos companheiros que em 2018 defendiam Sergio Moro e apoiavam a prisão de Lula. Ou que se manifestaram no princípio deste ano contra a frente ampla para derrotar o presidente candidato, e agora apoiam com entusiasmo a frente ampla contra o fascismo.
Quando se trata de analisar a conjuntura política, os “políticos” mudam com muita facilidade em função de seus interesses e da nova correlação de forças. Já os “ideológicos” são mais fiéis a seus princípios e posições políticas. Os primeiros tendem a ser mais conclusivos em suas análises de cenário único, enquanto os segundos são mais cuidadosos e admitem vários cenários.
Mas há um elemento comum: o que Jair Bolsonaro vai dizer, todo mundo sabe. Vai dizer que venceu e que houve fraude na apuração. A questão no ar é o que farão os seus apoiadores. Uma das poucas certezas que podemos ter às vésperas da eleição é que a vitória de Lula no primeiro turno teria mais força para afastar qualquer tentativa de golpe, seja de que forma for, do que um penoso segundo turno, pleno de armadilhas e provável violência, mesmo com a vitória praticamente certa de Lula, segundo as pesquisas.
Nos últimos dias que antecedem a eleição, a campanha pelo voto útil dos eleitores de Ciro Gomes, de Simone Tebet e eleitores ainda indecisos torna-se a grande prioridade que pode garantir a vitória no primeiro turno. É a tarefa do momento.
A mais recente pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que, se a eleição fosse hoje, Lula se elegeria no primeiro turno. É a torcida de muitos, por entenderem que seria mais difícil para Jair Bolsonaro executar o golpe que prepara e anuncia em caso de derrota. O problema para Lula – e para qualquer brasileiro que tenha gosto pela democracia – é que o melhor cenário é de extrema dificuldade.
Se Bolsonaro se reeleger, o que está longe de ser impossível, é catástrofe. Se em menos de quatro anos o atual presidente já desmontou o melhor que a democracia construiu no país nos últimos 40 anos, mesmo o mais pessimista teria dificuldades em antecipar o pavor de um segundo mandato. Bolsonaro provou que sua capacidade de destruição é maior do que seus maiores críticos previam. O Brasil se aproxima das eleições com 33 milhões de pessoas em estado de fome crônica. Se Bolsonaro perder e der o golpe que prepara e anuncia, num país em que o número de armas nas mãos de civis quadruplicou durante seu governo, será um horror com consequências difíceis de prever. O melhor cenário é a eleição do único candidato com condições de vencê-lo – Lula – e é este o sentimento que as pesquisas apontam.
O problema é o dia seguinte. E quem melhor o encarnou foi a cantora Anitta, hoje a mais popular artista brasileira no cenário global. Depois que anunciou nas redes sociais seu voto em Lula, o PT tentou usar sua imagem para impulsionar outras candidaturas do partido. Anitta lacrou: “Atenção candidatos do PT, atenção partido PT. Eu NÃO SOU petista. Não autorizo o uso da minha imagem para promover este partido e seus candidatos. Minha escolha nessas eleições foi de trazer engajamento e mídia para a pessoa que tem maior chance de vencer Voldemort (usando a referência ao vilão de Harry Potter para nomear Bolsonaro) nessas eleições”.
Uma parcela daqueles que votarão em Lula só o farão, como Anitta, porque ele é a única chance de derrotar Bolsonaro. Não é um voto de confiança ou adesão ao projeto do PT – e sim um voto antibolsonaro. Para que isso seja possível, Lula busca conciliar os inconciliáveis, fazendo alianças com quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e com notórios destruidores da Amazônia. O próprio vice, Geraldo Alckmin, quatro vezes governador de São Paulo com um projeto de direita, tem uma folha corrida que causa arrepios, com violência contra estudantes em protesto e massacre de sem-tetos, sem contar o fato de ser padrinho na política de Ricardo Salles, que com Bolsonaro se tornou o pior ministro de meio ambiente da história do Brasil.
Juntar gente que não consegue ficar na mesma sala talvez seja a única forma de derrotar Bolsonaro, mas certamente é uma perspectiva muito difícil para governar um país arruinado. No dia seguinte à possível vitória, a única base para a aliança circunstancial de muitos – derrotar Bolsonaro – vai se desfazer. Restará um presidente que envelheceu nas ideias, que já não representa uma utopia de futuro e que estará amarrado a aliados perigosos. Se no passado Lula representou a esperança, hoje ele representa apenas a esperança de derrotar Voldemort. Ser brasileiro e ser democrata hoje é torcer – muito – pela dificuldade extrema.
Você conhece a música Mulheres de Atenas, de Chico Buarque? Descubra o que o autor queria realmente criticar por meio desta obra e como as cidadãs gregas, que inspiraram a composição, viviam no passado
Em primeiro lugar, precisamos nos lembrar que Chico Buarque compôs a músicaMulheres de Atenasno ano de 1976, durante o período doRegime Militar. Portanto, ele não tinha a liberdade de expressão que temos hoje.
Por isso, nem ele nem outros artistas daquela época expressavam suascríticasou opiniões abertamente, em público. Muitos deles usavam metáforas para falar do que não concordavam, fosse na sociedade ou no governo do país.
Portanto, embora em toda a música o autor conclame as pessoas a imitarem o exemplo das mulheres de Atenas, ele etá na verdade fazendo uma crítica. Ele está mostrando que, naquele momento, vivíamos em uma sociedade patriarcal em que a mulher não tinha voz nem direitos, onde seus desejos eram anulados.
Veja alguns trechos e as ideias que eles transmitem:
submissão:vivem para os seus maridos, se perfumam, se banham com leite e se arrumam; quando fustigadas não choram: se ajoelham, pedem e imploram; não têm gosto ou vontade, defeitos ou qualidades (despersonalização); têm medo, apenas; não têm sonhos, só tem presságios;
supremacia masculina:os maridos são chamados de “orgulho e raça”, “poder e força”, “bravos guerreiros”, “heróis e amantes” de Atenas;
atuação exclusivamente doméstica:quando eles embarcam, soldados, elas tecem longos bordados (inclui a noção de futilidade, já que bordado é um “enfeite”);
servidão sexual:guardam-se para seus maridos, ficam em quarentena quando eles embarcam, estão à disposição quando retornam, suportam traições;
procriam para alimentar a guerra:geram para seus maridos os novos filhos de Atenas;
sofrem perdas devido à guerra:temem por seus maridos, jovens viúvas marcadas, gestantes abandonadas, vivem o luto, se conformam e se recolhem às suas novenas;
Portanto, de forma até irônica, Chico Buarque se refere à sociedade patriarcal. Ele canta o exemplo das mulheres de Atenas mas, na verdade, está criticando um mundo em que não existe direitos iguais para pessoas de gêneros diferentes.
Porém, essa é a crítica feita no primeiro plano. Em segundo plano, temos uma ainda mais forte. Esse homem poderoso e autoritário representa também o Estado, a ditadura militar.
Veja que ele não fala para as mulheres se inspirarem nasmulheres de Atenas. O convite dele é para todos, não existe um único destinatário.
O que ele diz, com isso, é que a ditadura impunha a todos os brasileiros uma situação semelhante às das atenienses. Os cidadãos eram maltratados e não tinham o direito de chorar, não tinham gosto ou vontades. Seus sonhos haviam dado lugar aos presságios. Como canta na música, “tinham medo, apenas”.
E não é só isso: assim como a guerra, a ditadura levava maridos que lutavam pela liberdade, e que nunca mais retornavam. Quantas mulheres, nesse período, viram seus filhos serem torturados, mortos e desaparecidos depois de enfrentarem as forças de repressão? Portanto, a crítica social e política estão camufladas na letra.
Mulheres de Atenas: a História por trás da música
Vale lembrar que esse tipo de música nos faz criar paralelos entre o presente (no caso de Chico Buarque) e o passado (as verdadeiras atenienses). Então, nada melhor que descobrir como elas viviam.
Dificilmente, algumamulherda atualidade gostaria de ter vivido nasociedade grega. Existia uma distinção clara entre os gêneros, com papéis sociais e políticos muito bem definidos.
Enquanto os homens tinham acesso ao poder e à glória — eles eram os políticos, os guerreiros e comerciantes — as mulheres tinham uma vida totalmente submissa. Elas sempre ficavam sob a tutela de um membro da família do sexo masculino, fossem eles seus pais, maridos ou filhos, caso ficassem viúvas.
Mesmo dentro de casa, as meninas eram separadas de seus irmãos e permaneciam em uma área isolada da casa: ogynaikeion.Elas raramente saíam à rua e, para que isso acontecesse, deviam ser acompanhadas dos maridos ou pais, sempre vestidas da cabeça aos pés.
A mulher grega e o casamento
O único destino possível para a mulher era o casamento. Aliás, tratava-se de um dever religioso e cívico: ao formarem uma família, elas tinham o privilégio de procriar para gerar novos soldados para o país. Caso a esposa fosse infértil, o homem tinha o direito de se divorciar. Caso ela o traísse, ele poderia exigir a separação ou mesmo matar a infiel em público.
Do lado masculino, tudo era diferente. Eles não só tinham o direito de trair suas esposas, mas de manter relacionamentos extraconjugais tanto com mulheres quanto com outros homens. Aliás, o envolvimento entre um homem maduro e um jovem — uma prática chamada pederastia — era até incentivada pelasociedade.
A única outra alternativa para mulheres na Grécia era a prostituição.Sólon, um dos governantes do país, criou um dos primeiros bordéis públicos. A situação da mulher era realmente complicada. Um filósofo ateniense deixou registrado que os homens gregos tinham “cortesãs para dar prazer, concubinas para as necessidades diárias e esposas para dar filhos legítimos e guardar fielmente os lares”.
Sempre vale a pena lembrar que julgar antigas culturas e costumes a partir de nossos próprios valores não é o mais adequado. Embora algumas dessas situações sejam inadmissíveis hoje (embora algumas ainda aconteçam), é importante verificarmos que o momento histórico era outro.
Portanto, a cultura que temos hoje e a nossa compreensão desses fatos é resultado de um longo processo histórico. Os cidadãos daquele tempo não tinham os mesmos conceitos e valores que possuímos naatualidade. Portanto, suas ações refletem o que era comum, aceitável e até mesmo admirável em sua época.
Ameaças de golpe pairam sobre a nação. E só há uma maneira de evitar essas graves ameaças à democracia: nossa mobilização!
por Frei Betto
Há muitas razões para votar em Lula para presidente. A principal é tirar Bolsonaro do Planalto e reconstruir o Brasil demolido por essa aliança milicianos-centrão-fundamentalistas religiosos-fanáticos neofascistas-elite gananciosa.
Não há que cantar vitória antes do tempo. Nada garante que Lula será eleito e, se eleito, que tomará posse. Ameaças de golpe pairam sobre a nação. E só há uma maneira de evitar essas graves ameaças à democracia: nossa mobilização!
O que fazer? Aqui enumero várias sugestões:
Em suas redes digitais, organize Comitês Lula Presidente. Contate 5 pessoas, cada uma delas formará outro Comitê de 5 pessoas, e assim se fará a multiplicação geométrica. Nesses contatos, mantenha informações que reforcem a candidatura Lula e enfraqueçam, sempre mais, as candidaturas dos que são apoiados por milicianos.
Evite formar Comitê com muitas pessoas. Há o risco de se ficar no debate interno e não se engajar em ações práticas e efetivas.
Dê ao seu Comitê um nome simbólico: Chico Mendes, Margarida Alves, Luther King, Helder Camara, Vladimir Herzog, Tito de Alencar Lima etc.
Cada Comitê Digital deverá denunciar as notícias falsas (fake news) e relembrar como o Brasil avançou nos 13 anos de governos do PT. Assinale as conquistas: combustível mais barato; cotas nas universidades; Luz para Todos; Minha Casa, Minha Vida; correção anual do salário mínimo acima da inflação; demarcação de terras indígenas; Comissão da Verdade; soberania nacional; Programa Mais Médicos etc.
Inclua na campanha eleitoral o candidato progressista para o governo do Estado, para o Senado, e candidatos a deputados federais e estaduais. Precisamos eleger a base parlamentar que dará sustentação do governo Lula no Congresso Nacional.
Promova, por iniciativa de seu Comitê, iniciativas lúdicas e esportivas Lula Presidente: com skates, bicicletas, motos e carros; apresentações musicais nos bairros da periferia; debates políticos presenciais e nas redes; atos religiosos ressaltando como os mestres espirituais e as grandes tradições religiosas sempre defenderam a justiça e a paz.
Ignore provocadores e golpistas. Como aconselha Jesus no Evangelho de Mateus (7,6), “não joguem pérolas aos porcos”.
Anuncie o amor onde eles querem armas; paz onde querem conflito; respeito onde querem ódio; democracia onde querem ditadura; combate à desigualdade social onde querem tornar os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
É hora de deixar de ser espectador(a) da conjuntura política e atuar intensamente para salvar a democracia brasileira, cujo resgate, após 21 anos de ditadura militar, foi pago com o preço da vida, do sangue e do sofrimento de toda uma geração heroica que não teve tempo de ter medo e fez derreter os anos de chumbo.
A escravidão não foi o único mecanismo de subordinação de negros e seus descendentes na sociedade colonial e imperial brasileira. Mesmo aqueles que conquistaram sua liberdade ou os filhos de pais brancos e mão negras estavam submetidos a uma série de formas de discriminação que limitavam seus direitos e sua possibilidade de mobilidade social. É isso que conta a historiadora Mariana Dantas, professora da Universidade de Ohio nesta entrevista à RFI.
A pesquisadora tem se dedicado recentemente a estudar a possibilidade de mobilidade social no Brasil colonial para as mulheres negras livres e seus filhos. A partir de inventários e registros cartoriais, Dantas encontrou na Minas Gerais setecentista diversos casos de escravas africanas que conseguiram comprar sua alforria através do comércio de rua e mesmo acumular posses. No entanto, essas mulheres, ainda que poucas, tinham outras barreiras em sua trajetória para garantir uma vida fora da miséria para seus filhos.
Um dos exemplos que Mariana Dantas traz em seus trabalhos é a criação de milícias (forças policiais) divididas pela cor de seus oficiais. “As milícias foram diferenciadas entre milícia branca, parda e preta. Então um filho de uma africana, que fosse pardo, se ele ia servir na milícia, o que era obrigatório, ele vai ser colocado na milícia parda. Então existe um jeito dessa sociedade continuar a manifestar diferença racial que cria limitações a uma verdadeira mobilidade social e política onde raça não seja mais um fator”, diz a professora.
A historiadora cita ainda outro caso que mostra barreiras impostas nos estudos que vão além das limitações econômicas. Um filho de português com uma ex-escravizada que tem acesso ao ensino superior no início do século 18 e vai para Coimbra estudar na conhecida universidade portuguesa. No entanto, ao final do curso ele não tem direito ao diploma por não poder apresentar um documento que prove sua “pureza de sangue”.
“A gente vê os diferentes mecanismos usados pela sociedade branca para manter seus privilégios. São realmente mecanismos de supremacia branca”, analisa.
Ao se debruçar sobre a trajetória de negras que deixaram a escravidão, a pesquisadora destaca que essas mulheres estavam sob dupla submissão, por sua cor de pele e por seu gênero. Assim, a elas eram rejeitados direitos que para mulheres brancas eram concedidos como privilégios. Por exemplo, no momento da morte dos maridos, as mulheres brancas podiam recorrer à Justiça para terem o direito à tutoria dos filhos de até 25 anos e, assim, o controle de sua herança. Às negras libertas, o pedido não era concedido.
“A gente começa assim a entender como que o jeito que essa sociedade funciona ajuda a reproduzir a desigualdade social mesmo quando estamos falando de pessoas que saíram da escravidão para a liberdade”, sublinha.
Para a pesquisadora, esses são dados que colocam por terra a ideia de democracia racial, já descartada pela historiografia mas que teima a reaparecer em discursos políticos atuais.
"Muita gente tende a pensar indivíduos bem-sucedidos como evidência de que talvez o Brasil não tenha tanto um problema racial como tem os Estados Unidos. A minha perspectiva é de olhar a formação de famílias. E a análise de gerações mostra os mecanismos que fazem com que o sucesso de um indivíduo não se traduza em uma verdadeira mobilidade e na aquisição de direitos sociais e políticos."
No seu trabalho mais recente, Mariana Dantas mostra como o comércio de rua foi usado em Minas Gerais durante o século 18 para que escravizadas pudessem comprar sua liberdade e garantir propriedades para seus descendentes. Apesar de conseguirem acumular recursos com esse trabalho, vital para as vilas mineiras da época, a atividade não lhes garantia poder diante da sociedade.
“Principalmente as africanas livres estavam em uma economia informal, elas não estavam participando das atividades econômicas consideradas pela Coroa [portuguesa] como do interesse imperial, mas elas participavam de atividades econômicas que eram essenciais, traziam comida para as vilas, teciam. Eram atividades essenciais à vida diária mas que, por não serem consideradas de interesse imperial, mesmo quando elas puderem adquirir poder econômico, ele não se traduz em poder político", explica.
Dantas faz uma ponta entre essa dinâmica colonial e o lugar da economia informal no Brasil de hoje.
"A gente sabe que grande percentagem da população brasileira depende da economia informal, mas se ela não é vista como essencial, necessária para o bem-estar do país, essas atividades não se traduzem em direitos sociais e em direitos políticos. Foi algo que vimos com ainda mais saliência no período da pandemia. Eles não tinham o direito de ficar em casa. A gente vê muito explicitamente como para certa população direitos são apenas para quem tem privilégios", reflete.
Os dados revelam que 1% da população recebe, em média, 34,9 vezes mais do que a metade mais pobre.
MST Oficial
Sobre os rendimentos dos trabalhadores, levantamento do Pnad/IBGE sobre o 1º semestre de 2020, mostra que a média salarial das mulheres negras era de R$ 1.573 enquanto das não negras era de R$ 2.660. #20NForaBolsonaroRacista
Atos são convocados em todo o país pela Convergência Negra, Coalizão Negra por Direitos e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo - Foto: Renato Cortez/Brasil de Fato DF
Com o mote #ForaBolsonaroRacista, o Dia da Consciência Negra, neste sábado (20) tem atos convocados em todo o país
por Roberta Quintino
No dia 20 de novembro, amanhã, entidades sindicais e movimentos popularesestarão mais uma vez nas ruas contra a política genocida do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em defesa da igualdade racial, da vida, da democracia e do emprego.
Com o mote #ForaBolsonaroRacista, o Dia da Consciência Negra tem atos convocados em todo o país pela Convergência Negra, Coalizão Negra por Direitos e as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, articulado com diversas organizações dos movimentos sociais negros.
A publicação aponta ainda motivos para que a população ocupe as ruas no próximo sábado, dentre eles, registra que Bolsonaro é responsável pelo retorno da fome no Brasil, fator que atinge em cheio a população negra, pobre e periférica do país.
Para o secretário de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal (PT-DF), Daniel Kubuku, o “dia 20 de novembro é uma conquista do movimento social negro”. Nesse sentido, unificar as pautas pela saída “desse governo genocida” e a luta antirracista é fundamental para visibilizar e “darmos mais ênfase à pauta pela igualdade racial”, aponta. Em Brasília, o ato será realizado no Museu da República, a partir das 15h.
Kubuku destaca que “Bolsonaro não inventou o racismo, mas seu desgoverno aprofundou as desigualdades em nossa sociedade que já é racializada”, diz. Para ele, as falas, ações e omissões de Bolsonaro concorrem para o aprofundamento do genocídio da população negra.
“Desde a sua retórica militarizada, passando pela naturalização e incentivo ao genocídio da população negra, até chegar à destruição das políticas sociais e promoção da igualdade racial. Estamos falando de um governo corrupto e genocida, que mata pela doença, pela fome, e pelo extermínio físico e simbólico de tudo que remete a nossa ancestralidade africana. Portanto, ir as ruas pra dizer Fora Bolsonaro é uma tarefa urgente de todo movimento social negro nesse dia 20 de novembro”, ressalta Kubuku.