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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

04
Out23

III - "Construir um Exército que seja de fato nosso deveria ser prioridade"

Talis Andrade

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Pedro Marin entrevista Ana Penido para Revista Ópera que fala de Defesa, a educação dos militares, a relação de Lula com os militares e a tutela militar sobre o Congresso e o Brasil

 

Militares que eventualmente realmente se preocupam com a Defesa, que não vêem nisso só uma forma pela qual vivem sua vida.

Sim. Então acho que quando chamamos uma discussão de conferência, um ponto é que chamamos mais segmentos para a mesa: é preciso ampliar as perguntas. A primeira e principal pergunta é: o que é objeto da Defesa? O que é que temos de defender? Qual é nossa prioridade enquanto país? A depender da pessoa que perguntar, a resposta será diferente. O militar sempre vai ter a mesma resposta, porque é formado numa lógica de geopolítica muito territorial: ele vai falar que são as fronteiras. Se não tiver um outro Estado nacional nos invadindo, o militar não considera que vender todas as terras da Amazônia para estrangeiro seja um problema, ter a mineração funcionando lá, etc. Se formos conversar com uma pessoa pobre da cidade, é provável que ela diga que quer defender o pouco que tem de possibilidade de consumo. Se você for para a roça, já vai ter outra resposta: “quero defender minha possibilidade de ‘estudar meus filhos’, a escola tá longe…”. Então é necessário trazer para a mesa essa pergunta – o que deve ser nossa prioridade de Defesa?

Eu entendo que a nossa prioridade de Defesa tem de ser o que é objeto de interesse deles. E, nesse sentido, os EUA são bacanas, porque se tem um povo sincero, são eles… A comandante [do Comando Sul dos Estados Unidos], Laura Richardson, cada vídeo que grava… É tão sincera que eu fico constrangida. Ela diz em um: “no que estamos interessados? Nos recursos naturais de vocês.” Ponto. Até especificam os recursos que querem: da Bolívia eu quero o lítio, de tal país tal recurso. Essa é a primeira coisa. Mas o que penso que deva ser o nosso principal objeto de Defesa é a nossa vontade. A vontade, mesmo, o desejo, aquela coisa realmente forte, “a minha vontade de ser brasileiro”. E essa vontade perpassa, hoje, pelas comunicações. Qual é a diferença da guerra que é travada hoje para a guerra que já foi travada em outros momentos? A disputa pelos corações e mentes não é uma novidade, é algo que sempre existiu. As pessoas começaram a falar em guerra híbrida – é um conceito que não uso, acho polissêmico, cada um usa de um jeito, acho que não explica. Mas o que tem de novidade na guerra? A área das comunicações. Ela proporcionou velocidade, acontece tal coisa [em um lugar], chega [em outro]. Ela proporcionou abrangência… Quando teve o golpe [de 1964], acho que chegou aqui em Itaúna três anos depois. Hoje não, chega na hora; aconteceu algo, o celular apita. E isso em qualquer lugar: se você for em uma ocupação do MST, vai ver os meninos caminhando para subir num morro e conseguir um sinal. Ou seja, chega em todo mundo. E a terceira dimensão é que essa informação hoje é customizada. Se ela é customizada, eu vou falar o que você quer ouvir – não são mais os panfletinhos que os EUA jogavam em cima de Cuba para falar que o Fidel era ruim, e todo mundo lia. Hoje, para você que é católico, vão falar que o Fidel é ruim porque ele é contra os cristãos; para você que é gay, vão falar que é ruim porque ele é contra os gays. Então se customiza a informação, o que proporciona, para quem de fato está travando qualquer conflito, um mundo de possibilidades em termos de operações psicológicas. Então a qualidade do que era feito mudou completamente – e eu entendo que isso interfere em qual dimensão? Na dimensão da vontade, dos seus desejos, do que você acha que é importante e do que de fato é relevante na sua vida. Para mim essa é a principal questão que eu levaria, por exemplo, para uma conferência dessa hoje. Para mim, a área mais central hoje é essa área, das comunicações, das informações, de como elas circulam, e como de fato regulamentar isso para que não sejamos objeto de interferência externa – independente do país, não quero ser objeto de interferência externa de ninguém, que outros construam nossas vontades.

Quando chamamos uma conferência de Defesa, esse tipo de pergunta vai para a mesa. Então deixa de ser uma discussão sobre qual armamento vão comprar, ou se o avião vai vir daqui ou dali. As perguntas são: o que eu tenho que defender, e de quem? Se essa dimensão da vontade é, no meu caso, a questão a ser defendida, quem tem condições de manipular vontades? Quem tem determinadas tecnologias, porque nossos vizinhos aqui na América do Sul não têm condições de manipular nossas vontades, a não ser mandando reggaeton [risos]. Tirando o reggaeton, não vão conseguir fazer nossa cabeça. Então a pergunta do “o quê?” vem junto da pergunta “de quem?” ou “do quê?” – quais mecanismos os países têm para fazer isso. E essa discussão pode ser feita com qualquer pessoa, com o cidadão comum; ele vai ter uma opinião, vai querer formular sobre isso.

Então eu sou uma entusiasta da ideia da conferência inclusive para romper com uma questão que é muito comum aos intelectuais de esquerda, também, que é: “ah, Lula não fez tal coisa porque não quis”; “não está fazendo agora porque não quer”. Eu sou totalmente contrária a esse pensamento. Eu acho que a principal variável aí é a vontade das pessoas, qual é a opinião pública sobre as Forças Armadas. Eu fico imaginando o Lula no primeiro e segundo mandato: o povo adorava os milicos. Levam água, energia, rio, estrada, doação de sangue – vai ter ódio deles pra quê? O que o povo não gosta hoje em dia? O povo ficou “tiririca” de ver os privilégios que eles têm diante de outras categorias; se perguntou: “por que eu vou morrer e eles têm oxigênio no hospital?”, “por que eu estou na fila do osso e eles estão comendo picanha com uísque?”. São questões concretas e objetivas da vida das pessoas. Acho que temos de interferir, e a conferência contribui exatamente por chamar mais segmentos para fazer essa discussão mais concreta: o que, como, etc. O objetivo é realmente diversificar, ampliar, ter mais gente sentada nessa mesa. Inclusive gente da indústria, e os próprios militares. Acho que teríamos a oportunidade de fazer uma conversa em outros marcos, uma conversa sobre geopolítica mesmo. Que país queremos ser num mundo que está em transformação.

 

É interessante, porque essa sua leitura sobre qual é o problema principal, implicaria aos militares ter como preocupação, por exemplo, o PL 2630, o nível do desenvolvimento tecnológico do país, a regulamentação das redes sociais – não necessariamente se vão ter tal ou qual comando na Amazônia. Quer dizer, desloca um pouco o eixo do que eles estão acostumados.

E subordina a questão de Defesa à discussão de projeto nacional. Faço até piada: nós ainda estamos construindo o submarino nuclear, mas já vendemos o Pré-Sal! Vai ser ótimo, nosso submarino nuclear fazendo segurança privada – imagina, que luxo! [risos]

A área de Defesa tem de estar conectada à discussão de projeto, como qualquer outra área, é mais uma área. E todos os cidadãos brasileiros, com farda ou sem, têm condição de pensar sobre que país se quer. E acho que também rompe com aquela ideia: “não tem civil especialista no assunto, por isso Lula não mexeu”. Não, isso é uma discussão de 20 anos atrás, hoje tem um monte de civil [especialista em Defesa]. E mesmo se não tivesse; se forma, não é um problema. “Ah, não mexeu porque não quis” – não, nesse aspecto não existe vontade; governo funciona igual panela de feijão, só funciona na pressão. E quem está pressionando por mudanças na área de Defesa? Tem de existir força social, gente que queira discutir, participar, debater. Para mim, é nesse sentido que a conferência pode colaborar; melhorar a correlação de forças ao redor do tema, trazer mais gente para debater. Inclusive mais gente que vai gostar dos militares. Vai ter gente que vai vir e falar: “não, eles estão certos”. Mas aí ao menos vamos ter a possibilidade de debater.

 

O último trabalho que você publicou – com outros autores, é claro – é um levantamento do Instituto Tricontinental sobre a questão da assessoria militar no Parlamento. Nesse relatório fica evidente que as Forças Armadas, primeiro, têm uma estrutura de lobby; e fica evidente, em segundo lugar, o quão relevante é essa estrutura, particularmente a do Exército. Como vocês apontam no relatório, esse tipo de estrutura de lobby é algo que, entre as instituições públicas, só as Forças Armadas têm. A que você atribui isso? Por que as Forças Armadas têm tal poder de influência dentro do Congresso, enquanto outras instituições não? E quais são os resultados de terem esse tipo de assessoria? Porque, em termos de orçamento, é muito curioso: as Forças Armadas são instituições que usam um orçamento público para estruturar um lobby para conseguir mais orçamento público [risos]. Mas também queria saber dos resultados em termos políticos, da influência que têm sobre discussões que dizem respeito a elas próprias.

Nós ficamos quatro anos, no Instituto Tricontinental, olhando para o Executivo. Nós olhávamos para o Legislativo de vez em quando, só para ver o que estava acontecendo. Mas o volume do que foi a ocupação militar no governo Bolsonaro, o volume de dados que nós tínhamos para tabular e analisar era tão enorme, que na verdade nós já tínhamos esses dados sobre a assessoria militar há uns três anos, mas não conseguíamos chegar neles nunca.

Para começar, lobby é privado. Nós pensamos muito sobre usar essa palavra para as Forças Armadas; porque não existem instituições públicas que façam lobby. Os ministérios mantêm no Congresso quase elos de ligação. E isso vale para nível estadual, muitas vezes até para nível municipal, o que é até bom para a democracia – facilita a discussão, o fluxo das informações. Então fomos olhar a presença do Ministério da Defesa [no Legislativo], e o que era a presença dos militares autonomamente. E aí, quando olhamos, vimos que era muita gente; um andar inteiro de gente para fazer lobby. E é lobby no sentido privado, porque é feito para os interesses particulares construídos pelas Forças. Não são interesses construídos coletivamente, nem entre eles – porque cada [Força] tem sua própria [demanda] – nem pelo Ministério da Defesa e, muito menos, pelo controle presidencial.

Nesse sentido, é algo que passa longe do que deveria ser uma política de Defesa. Porque eles [militares] já têm historicamente autonomia na formulação dessa política de Defesa. Exceto por raras exceções, os documentos – a Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional – foram formulados basicamente por militares. Um ou outro civil deu um palpite. Eles [militares] vão para o Congresso, passa batido. O Genoíno tem uma frase: “Defesa não dá voto na democracia e dá cana na ditadura”. E é verdade: ninguém diz que votou em tal parlamentar porque ele defendia uma política de Defesa – saúde, educação, segurança, sim. Então normalmente os documentos vão para o Congresso e ficam lá, cozinhando; quando alguém participa, são os próprios militares que foram eleitos como parlamentares. Então fica tudo numa bolha muito exclusiva e específica deles. Isso já era uma primeira dimensão, que sabíamos: a autonomia que eles têm na formulação das coisas.

E quando olhamos de perto, de fato, percebemos que é uma estrutura [de assessoria no Parlamento] muito maior do que imaginávamos – e nem conseguimos pegar a estrutura inteira, porque não conseguimos ver as estruturas regionais. Nem sabíamos, no começo, que haviam estruturas [de assessoria militar no Parlamento] regionais. Existem trabalhos sobre a CREDEN (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil), por exemplo, há muitas coisas sobre o processo de construção do Ministério da Defesa; mas não encontramos trabalhos que falassem sobre essa assessoria, de forma que nem sabemos qual é a estrutura regional interna que as assessorias militares têm.

Mas o importante: as assessorias não têm o mesmo perfil dos elos de ligação que os ministérios mantêm, seja porque são muito maiores numericamente, seja por terem finalidades que são construídas quase de maneira privada para a própria corporação. A finalidade delas, em última instância, é fazer com que aqueles parlamentares que estão ali, representando diferentes vontades políticas, se alinhem a uma ideia, uma ideologia, e à concepção política que é construída dentro da própria Força. Isso vale para tudo: desde como pensar a Defesa, quais armamentos, orçamento, política de pessoal, reformas na carreira, quem tem direito à carteirinha de porte de arma e quem não tem, etc. Então a intenção dessas assessorias é estar ali convencendo as pessoas. E aí eles têm muitos mecanismos, mecanismos que parecem simples mas que são cativantes, porque é uma instituição total: o parlamentar vai dar uma palestra [para militares], aí levanta aquele auditório todo, para cantar o Hino Nacional. Você vai sendo conquistado pelo coração mesmo, é bonito de ver aquela voz em uníssono. Aí eles pegam esses parlamentares e levam para a Amazônia… “olha a Amazônia, vem cá tirar foto com a onça” – aí os antropólogos quase morrem, uma onça presa como símbolo da nacionalidade [risos] – mas vão lá, tiram uma foto. E como a população de forma geral, os eleitores desses parlamentares, vêem os militares com bons olhos, é bom para eles [parlamentares] mostrarem para sua base eleitoral – na esquerda e na direita – que foram, como estão preocupados com a Nação, com o projeto de país, e como são nacionalistas. Em alguma medida os militares conseguiram essa exclusividade, do ponto de vista do imaginário, como os defensores da Nação; eles se consideram os defensores da Nação, mas não são só eles – muita gente considera que eles são, em última instância, os maiores defensores da Nação. Então eles têm múltiplos mecanismos para fazer o lobby, com a finalidade, em última instância, de que nada do que eles programem seja contrariado. E funciona muito bem.

Funciona do ponto de vista de orçamento – demonstramos no dossiê como eles são um sucesso para conseguir emendas de bancada –; funciona do ponto de vista das políticas, do que vai ou não ser votado; e em última instância eles ainda têm um trunfo, que é a inteligência – vai saber Deus, nessas pastinhas que eles têm, sobre cada parlamentar… Imagine, cada esqueleto no armário que deve ter numa pastinha dessa.

Mas é aquilo: se você conseguir construir hegemonia, não precisa nem da cenoura, nem do porrete; vai dar tudo certo. Então acho que eles têm sido um sucesso do ponto de vista da assessoria: ela tem muitos resultados para as Forças. Não é à toa que eles destacam pessoas importantes da própria corporação [para as assessorias militares]. São generais, em geral, ou coronéis com vistas à promoção – gente que está sendo testada para o manejo político, e é um lugar importante para a carreira ser um assessor parlamentar. Então acho que eles decidiram por isso de uma maneira correta, do ponto de vista deles; é comunicação institucional, garantir o deles, em última instância. E têm sido bem sucedidos nisso. O dossiê mostrou um pedacinho disso, de como eles se organizam para conseguir isso, e como têm tido sucesso.

E a variável principal de sucesso no caso do militar são as finanças – as emendas – e a aprovação do Orçamento [para a Defesa], que é o principal. Ele é aprovado, no geral, sem ninguém falar nada – e mesmo os parlamentares de esquerda que se inscrevem falam o que? “Está faltando dinheiro para as Forças Armadas”. Todo mundo fala isso. E eles pedindo 2% do PIB [para a Defesa]. Você já viu alguém falar mal disso? De onde eles tiraram esse número? Tiraram da OTAN! A OTAN que está lá em guerra, na Ucrânia – o Brasil está em guerra com quem? Aí voltamos ao início da entrevista: que nosso problema principal é pensar qual estratégia de Defesa pensamos para o País. E aí sim há divergências profundas: pensar uma estratégia para uma guerra convencional é muito diferente de pensar, por exemplo, uma estratégia para uma guerra popular prolongada.

 

O que acho interessante, talvez até para deixar a questão mais clara para leitor e leitora: as Forças Armadas são organizações do Estado, permanentes, inclusive. E que têm, portanto, uma série de responsabilidades com o Estado, mas também uma série de benesses que uma empresa privada, uma padaria, um supermercado, não tem. Uma dessas benesses é justamente o Orçamento, a possibilidade de contratar pessoas, ter academias e escolas, editoras, a inteligência, enfim; toda uma estrutura. Não é um sinal patente de tutela que uma instituição do Estado, que recebe recursos do Estado para, em tese, promover a defesa do Brasil, use esses recursos, ao mesmo tempo, para definir, manipular ou influenciar as discussões sobre elas? Ou para conseguir recursos, e naquilo que seria a casa do povo, que seria a representação da vontade popular… Esse esquema de assessoria parlamentar, por exemplo, você considera um elemento da tutela? Existe caminho para isso ser, por exemplo, proibido?

Primeiro, sobre tutela: a lógica dos militares sobre os civis é a mesma lógica do Conselho Tutelar que tem aí no seu bairro. Eles entendem que os civis são menores de idade do ponto de vista da capacidade de gerenciar o País. Nós seriamos isso, mais infantis, e então precisaríamos de alguém que saiba bem o que está fazendo. A tutela, para mim, é um dado histórico: não vejo a tutela como momento, vejo como traço estrutural. Estrutural mesmo, igual o racismo. Não vejo possibilidade de pensar o que é a formação social do Brasil sem pensar a escravidão – é uma marca, está em tudo, é uma pegada. E a tutela militar, para mim, está na mesma chave – por isso não penso nesses termos o Bolsonaro, ou o Temer, ou o próprio Lula. O máximo que muda é a cadeira: antes estavam no banco do motorista, agora estão no passageiro – mas estão ali com a mão perto do freio de mão, entendeu? Qualquer coisa, puxam.

Então ela [a assessoria militar no Parlamento] é uma marca da tutela? Nossa, de manhã até de noite, temos marcas da tutela! E, normalmente, olhamos para as marcas da tutela que existem no Estado – então quando falam da militarização, falam que o governo está cheio de militar, que tem militar no Supremo, que tem um monte de congressista militar, etc… Mas eu acho que as marcas mais preocupantes são aquelas na sociedade. Um exemplo: o aumento do consumo de jogos militares; você entra em uma loja de departamento, aquela febre de roupa camuflada… Então são várias coisinhas que parecem sutis, mas que dizem muito sobre como vemos os militares, como integramos eles na sociedade, qual é a forma de ligação, de vivência política, que estabelecemos com eles. Então a tutela se expressa, para mim, em múltiplos níveis. Para mim o dossiê é só uma quina da tutela; há tantas, e tão diversas…

Você falou uma coisa, falou de padarias, supermercados. A relação público-privada entre os militares é uma coisa que acho que precisamos olhar melhor. Aí os militares como instituições, mas também como indivíduos, porque há um conjunto de ferramentas – algumas institucionais, outras são individuais – que jogam com essa ideia público-privada. A instituição, por exemplo, tem autonomia para organizar seu sistema educacional, então há os colégios militares, que são muito concorridos – filhos da classe média normalmente querem essas escolas, porque são boas, são escolas que recebem normalmente um financiamento por aluno de 3 a 4 vezes maior do que as escolas públicas comuns. Ou seja: é uma escola muito boa porque tem muito dinheiro, não porque tem muitos filhos de militares. É a mesma lógica de um CEFET, desses colégios de aplicação de universidade; é óbvio que são escolas melhores. Só que, na hora de tentar o ENEM, o que acontece? Eles têm direito a cotas de escolas públicas. Embora tenha quatro vezes o orçamento de uma escola pública comum, eles entram enquanto cotistas de escola pública. É uma forma de jogar com o público e o privado. A mesma lógica vale para a regra de transição da aposentadoria. E há também, individualmente, um conjunto de mecanismos; há até o termo, “porta giratória”. Um militar está no Ministério da Defesa e faz um edital para comprar um tipo de equipamento de manutenção que só o seu colega, que está na reserva, faz na empresa dele. Aí ele sai, vai para a reserva, entra para aquela empresa, ou pode até virar lobista de uma empresa de armas – mas você trabalhava ali antes, e portanto tem acesso a um conjunto de informações que um lobista comum, civil, que fosse trabalhar para essa empresa, não tem. Esses militares têm até um apelido, são os “maçanetas”: porque estão sempre abrindo a porta para alguma empresa privada se apropriar de recursos públicos através do Ministério da Defesa.

Nunca fiz um estudo sobre isso em detalhes, mas acho muito relevante; entendermos como eles usam essa tensão entre o público e privado sempre em benefício próprio – ou em benefício da própria coletividade militar (como o exemplo da educação), ou próprio do ponto de vista individual (como aqueles que entram nessa porta giratória).

 

É interessante, porque há um autor que tratou da questão militar na América Latina, o Mario Esteban Carranza, que lembra que as Forças Armadas, além de serem forças armadas e tantas coisas, são também órgãos de produção de hegemonia. E ele chega a dizer que são o principal órgão de produção de hegemonia. Lembro de ler isso e ficar com dúvidas quanto a isso, “o principal talvez seja demais”. Mas quando vemos esse dossiê… É a única instituição pública que tem isso, e com tantos assessores, para influenciar tantas questões – Orçamento, aposentadoria, estratégia nacional. Realmente é um tanque no Congresso. Mas, enfim, queria uma avaliação sua sobre o que tem sido o governo Lula até o momento na área de Defesa e, especialmente, na sua relação com os militares. Qual é a sua leitura sobre esses seis meses na área de Defesa?

Vou falar de oito [meses]. Porque acho que a campanha já dizia muito nesse sentido. Ele [Lula] pouco falou sobre militares durante a campanha. O que acho que foi absolutamente correto – uma coisa absurda que aconteceu em outras campanhas foram os candidatos pedirem a benção do Villas-Bôas; “oi, tudo bem, posso ser candidato?”. E os candidatos de esquerda fizeram isso… Então acho que começou bem nesse sentido. A vitória nós sabíamos que seria difícil; acho que foi um feito histórico importante para a classe trabalhadora brasileira, essa vitória. Da esquerda organizada, que lutou por ela desde que Lula estava preso. Mas ali já sabíamos que haveria resistências por parte dos militares. Há a vitória e há a posse. Qual resistência seria, em que proporção seria; tudo isso não sabíamos. E quais negociações foram feitas…

Logo de cara ficou evidente que houve uma negociação: “civil não toca [na questão militar]”. Não houve consenso mínimo para a criação de um Grupo de Trabalho de transição na área de Defesa. E também ficou evidente, creio, essa intenção do Lula de “se eu for mexer em alguma coisa na área de Defesa, tenho dois pepinos: o GSI e o Ministério da Defesa. Vou mexer no GSI”. E aí ele está correto, porque o GSI virou o ninho da serpente, com o [general Augusto] Heleno adiante dele. Já era um problema desde a época do [Sérgio] Etchegoyen, mas o problema ganhou uma proporção… Então acho que, se eu fosse escolher uma área para começar, também começaria por lá. Ia entregar o Ministério da Defesa e ir brigar do outro lado [risos]. Me dói, mas entendo o raciocínio político que ele fez, e acho que está correto.

O [ministro da Defesa] José Múcio foi um ministro indicado pelos militares, então é um ministério deles. O Ministério [da Defesa] seguiu exatamente como era o Ministério do Bolsonaro, então diria que não houve transição na área de Defesa, até hoje. Temos o mesmo perfil de ministro, mesma organização, basicamente a mesma coisa – com mudanças periféricas, mas ainda é o Ministério do Bolsonaro… Que era o Ministério da Dilma, que era o Ministério do Lula, que era o Ministério do FHC, etc. A tutela se expressa aí: o coração vai se mantendo, uma coisa ou outra que vai mudando.

Acho que o Lula acertou muito no dia 8 de janeiro, ao não decretar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Quem deu o conselho eu não sei, mas foi algo bem feito. Porque ele iria atribuir aos militares a responsabilidade de resolver – “aqueles que estão retornando com a paz” – um problema que eles criaram. Então teria que jogar na conta deles o problema, não colocá-los como salvadores da Pátria. Achei que foi muito bem no dia 8, decretar intervenção federal foi bom, colocar um civil – independente do civil que colocasse. Não queria que o Múcio tivesse caído naquele momento. Diferenças entre os governos Lula I e II para esse governo: nos anteriores, qualquer crise que houvesse com os militares, caía o civil. Dessa vez, não; quem caiu foi o militar, foi o comandante do Exército, que foi trocado.

Mas aí ele volta a tentar sinalizar acordos com os militares que são paralelos, parecidos com o que fez nos governos anteriores, e que não funcionam. O principal deles tem a ver com dinheiro. Essa ideia que o Múcio repete, de que a área de Defesa gera muitos empregos; ou o Lula prometendo que vai arrumar dinheiro para comprar armamento, equipamento. Os militares lêem isso em uma chave de fraqueza do governo, e não como um governo que pensa nas questões nacionais e que está investindo em Defesa. Pensam: “ele tá botando dinheiro para me dar uns brinquedinhos, me comprar, me chantagear”. Então acho que, quando ele sinaliza nesse sentido… Já deu errado nos outros governos, já tentamos esse caminho e não deu certo. Eu tenho muita resistência a negociar os 2% do PIB para gastos militares, e sobre como é gasto, porque vai para o buraco sem fundo da área de pessoal militar, não para a área de investimentos militares, armamentos, equipamentos. Então considero essa uma sinalização negativa.

E o Lula é o cara da coesão. Ele sempre está tentando fazer as pessoas se entenderem – é por isso que ele é quem ele é. Só que não se pode entrar em entendimentos com alguém que não quer entrar em entendimentos com você. E acho que ele sinaliza continuamente a ideia de fazer com que as relações dele com os militares voltem à normalidade – ele não fez nenhuma sinalização à esquerda, de chamar uma conferência para discutir Defesa. O que houve foi por uma pressão, os veículos de comunicação têm ajudado muito nessa fiscalização, no sentido de compatibilizar a política internacional com a política de Defesa. Então houve aquele encontro em Brasília, todo mundo falou que não chamaram a China, e no final chamaram a China e os chineses vieram – se fosse pelos militares, não tinham chamado. No máximo essas coisas, que têm a ver com a política internacional.

Mas essas sinalizações não foram feitas de volta pelos militares. Não dá para apertar a mão de alguém que não quer apertar sua mão. A conferência de Defesa é importante nesse sentido: amplia as possibilidades de conversa, traz mais gente, o Lula é um cara muito habilidoso para construir consensos em áreas inimagináveis. E tira um pouco dessa picuinha pequena, desse varejo. Acho que seria uma boa oportunidade para ele fazer história.

Já cansei do Múcio, acho que já deu [risos]. Não queria que caísse no dia 8, mas já deu. E acho que, na verdade, a questão do Ministério da Defesa é maior do que simplesmente trocar o ministro. Não há nenhuma burocracia civil dentro do Ministério, nunca houve um concurso para a área, são só militares da reserva, contratados por Tarefas de Tempo Certo, que é uma bocada que existe, com um monte de militares ganhando por meio dela. É um Congresso que olha pouco para a questão. É uma sociedade civil – mesmo entre a organizada –, para quem a discussão sobre Forças Armadas passa longe, como se saúde, educação, segurança, não tivesse relação com a política de Defesa adotada para o País. E como se, para cada ação, não existisse uma reação internacional que faz com que seja necessária uma política de Defesa. Os militares têm uma piada que eu concordo, dizem: “se não tiver um exército seu no seu País, tem de outro. Algum exército necessariamente tem.” Então acho que a ideia de construir um Exército que seja de fato nosso deveria ser prioridade de qualquer partido político que se coloque a dimensão do poder.

Então acho que o Lula pode fazer mais do que já fez, mas compartilho essa responsabilidade também com o Legislativo, com as organizações políticas, com os movimentos. Era um tema muito de especialista, um ou outro que estudava. Acho que precisamos repensar de fato o que a gente entende como projeto de país e em que mundo nós estamos. Porque se não discutirmos Defesa, as outras discussões são só vontades. A Defesa é o escudo que te proporciona a possibilidade de fazer as outras vontades acontecerem.

04
Out23

II - "Construir um Exército que seja de fato nosso deveria ser prioridade"

Talis Andrade

Ana Penido 

 

Pedro Marin entrevista Ana Penido que fala de Defesa, a educação dos militares, a relação de Lula com os militares e a tutela militar sobre o Congresso e o Brasil

 

Pedro Marin: Quando você vai fazer mestrado, estuda a educação dos militares na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Por muito tempo – eu diria que hoje menos, mas ainda um pouco – houve a ideia de que a pedra de toque fundamental para mudar as Forças Armadas, para retirar delas suas inclinações golpistas e ideias como a Doutrina de Segurança Nacional, seria reformular o processo de educação, reformar os currículos. Você acha que isso é o fundamental? Até que ponto isso pesa?

Ana Penido: Qualquer general brasileiro tem que passar pela AMAN, então todos [os que ocuparam a política nos últimos anos] passaram por lá. Você perguntou usando a expressão “pedra de toque”. Eu entendo, uso uma expressão, que são áreas de reserva de domínio. Há quatro áreas de reserva de domínio que permitem aos militares permanecerem como sempre foram, em alguma medida. São aquelas reformas que são estruturais, que não são laterais; realmente mudam muita coisa.

A primeira: a área da Justiça. O fato de eles terem um sistema de Justiça próprio, em que eles julgam os próprios crimes, e o que eles entendem como crime. Porque os principais crimes que eles de fato entendem assim são crimes contra a instituição militar. O fato de eles terem essa possibilidade – serem julgados pelos seus pares – gera todo um processo, seja de corporativismo, seja de impunidade, seja de abuso de poder daqueles que estão nas altas patentes sobre os que estão nas patentes mais baixas. Então há um conjunto de questões que surgem dessa primeira área de reserva de domínio, que é o Judiciário.

A segunda área de reserva de domínio: a inteligência. Eles têm todo um sistema de inteligência, e cada força tem o seu, autonomamente. É um sistema enorme, que produz inteligência sem nenhum tipo de fiscalização externa sobre isso. Diferente do restante da inteligência – a ABIN, por exemplo, ainda que seja mal fiscalizada. Em alguma medida a ABIN é subordinada a uma comissão de fiscalização externa que funciona no Congresso – cujo antigo presidente, a propósito, era o Eduardo Bolsonaro. Mas essas inteligências militares não são fiscalizadas. Eles têm sistemas [autônomos]: a inteligência do Exército, da Aeronáutica, da Marinha. E o que deve ser objeto dessa inteligência é algo que teríamos, sim, que discutir. A inteligência militar é um dado, todos os países têm inteligência militar, mas o que deve ser objeto dessa inteligência tem a ver com a discussão sobre o que nos ameaça, quem nos ameaça, etc., algo que no Brasil é completamente solto e avulso.

A terceira área de reserva de domínio: orçamento. Acho que é a mais fácil de mexer, embora nós não mexamos nisso. No último dossiê da Tricontinental falamos um pouco dela. Praticamente ninguém toca no orçamento da Defesa; como ele é organizado, como ele funciona, ninguém mexe. Todo mundo sabe que ele serve fundamentalmente para pagamento de recursos humanos, há muitas pesquisas indicando isso – de progressistas, conservadores, tanto faz; há muitas pesquisas sérias, com diferentes variáveis, que indicam que o orçamento é um poço sem fundo: todo dinheiro que entra vai para pagar os próprios militares. Mas ninguém mexe nisso; e as Forças Armadas executam uma série de orçamentos que não são da área de Defesa. Por exemplo, a parte de esportes de alto rendimento: por que é o Ministério da Defesa que tem que executar um negócio desse? Distribuição de cestas básicas, por aí vai: tudo vira uma forma de propaganda da própria instituição. Então por isso coloco a discussão sobre orçamento de uma forma geral como uma das reformas estruturais fundamentais. Em teoria deveria ser mais fácil mudar isso, porque dinheiro todo mundo quer: fico pensando como é que o Centrão não dá uma mordida na beirada desse orçamento [risos]. Aí eu lembro que existe a inteligência… “ah, entendi porque o Centrão não entra nessa negociação.” O fato de terem a segunda área de reserva.

E a última e quarta área de reserva de domínio: a educação. O Brasil tem quatro sistemas de ensino. Não são só dois, o sistema civil e o militar, não; há o civil, o do Exército, o da Marinha e o da Aeronáutica. Cada um com sua lei. Toda essa atuação é legal: é importante que as pessoas saibam que não são coisas ilegais; é tudo garantido pela Constituição, depois isso foi referendado na Lei de Diretrizes e Bases. A educação é o coração da auto-reprodução simbólica da corporação. Não só os militares, mas muitos setores da sociedade brasileira têm perpetuado essa ideia de “nós somos da tradição”. Mas as Forças Armadas são, por excelência, o lugar da tradição. As escolas são feitas para manter; são conservadores. Conservadores no sentido de que acham que o passado sempre será melhor do que o futuro; querem conservar isso, não querem que as coisas mudem porque as coisas como eram antes são entendidas como melhores. Isso se expressa na relação entre homens e mulheres, na relação entre países, na relações políticas e econômicas.

Muita gente fala em “instituição total” ou “instituição totalizante” por causa disso: você entra lá [nas Forças Armadas] e perde a sua personalidade. Então recebe uma nova personalidade – um novo nome, inclusive, que vai para o seu brevê. É um processo que eles próprios descrevem: a farda não é entendida como uma roupa que vestimos para trabalhar e tiramos quando chegamos em casa. Ela é entendida como uma segunda pele, porque eles ganham uma outra identidade que molda o seu corpo, sua postura, sua forma de ver o mundo. Eles falam em “família militar”, por exemplo: de fato eles formam uma família militar, porque essa separação que existe no mundo civil, em que se tem amigos da igreja, amigos do futebol, amigos da política, amigos do trabalho, etc., – essa separação não existe no mundo militar da mesma forma. De fato vai se conformando ali um microcosmo. E a escola é o ambiente onde isso acontece no grau máximo: onde se formam as novas gerações à imagem e semelhança das gerações passadas.

As escolas militares são fundamentais; precisamos delas para formar um bom militar. Não se improvisa um bom comandante; se forma um comandante, se testa aquele comandante por anos e anos. É fundamental que isso aconteça. Mas também há muita idealização sobre o que essas escolas são, inclusive entre a esquerda: a ideia de incluir uma disciplina de Direitos Humanos no currículo militar, por exemplo. Veja: eles já têm uma disciplina de Direito Humanitário Internacional, mas essas disciplinas… Eu estudei sempre em escola católica, como boa moça do interior mineiro [risos] e sempre tive aula de religião; eu imagino que eles vejam essas aulas com a mesma boa vontade com que eu assistia minhas aulas de religião no Ensino Médio [risos]. E a grande questão também não é que tenham um livro didático chamando o golpe de 1964 de revolução – obviamente que isso não pode existir, eles não podem usar um livro didático diferente –, mas, para mim, o coração da questão está nessa identidade que é formada lá dentro: o que é de fato o civil, o que é de fato o militar, e como esses imaginários são construídos dentro dessas escolas. Essa negação: “sou isso porque eles são aquilo”. E, neste aspecto, Celso Castro narra essa questão brilhantemente; nós vivemos isso, quando vamos nessas escolas vemos esse distanciamento muito nitidamente. E os próprios cadetes relatam isso, os próprios militares.

Tem coisas que, para nós, parecem piada, mas que para eles trazem um significado simbólico e efetivo. Não só na AMAN, até de recrutas, em tiros de guerra, é muito comum ouvirmos: “lá eu virei homem, lá eu comecei a arrumar a cama” – eu, que sou mãe de menino, penso “Jesus, esses homens tão aprendendo a arrumar a cama com dezoito anos. Por isso estamos com baixa demográfica” [risos]. Mas isso, simbolicamente, é forte para eles. E passam por perrengues, são expostos a situações extremamente desafiadoras do ponto de vista psicológico, físico; estão longe da família. E isso forma uma identidade; para mim isso está no coração da questão, a identidade militar que é formada ali dentro, em contraposição à ideia de civil.

Então reformar isso é muito mais do que reformar a educação: não é mudar um currículo, incluir uma matéria, ou coisa do tipo. Há muitas tentativas ao redor do mundo de mudar isso, e a maior parte, em alguma medida, tem resultado em fracassos. O Evo Morales, por exemplo, na Bolívia: pensou que, a partir do momento que entrassem cadetes das diversas etnias indígenas, eles começariam a melhorar as Forças Armadas – porque as Forças Armadas da Bolívia, obviamente, como quase todas, são majoritariamente brancas, com somente praças das etnias indígenas. Então Evo criou cotas de entrada nas Forças Armadas: os militares que já estavam nas escolas fizeram de tudo para que essa turma que entrou saísse ou se enquadrasse. E essas pessoas se enquadraram num tal nível que, depois, estavam lá, junto com esses outros militares, durante o golpe que deram no Evo. Foi uma tentativa; na época do Conselho de Defesa Sul-Americano houve outra tentativa, de criar a Escola Sul-Americana de Defesa (ESUD), que também não vingou. Então a educação militar é um angu de caroço, mesmo, algo bem difícil de mexer: porque não é uma perfumaria, é mexer na identidade deles.

 

Em um artigo para a revista Piauí de 2021 você tratou do alinhamento dos militares com os EUA durante o governo Bolsonaro, e há um outro artigo seu em que você argumenta que pode haver uma contradição no futuro, com os militares buscando um alinhamento estratégico com os EUA, mas, com uma mudança no cenário internacional, com a China se colocando como um ator internacional e como um parceiro comercial mais relevante inclusive da burguesia local. Na sua perspectiva, à medida que a China aumenta suas relações com o Brasil, os militares aceitariam fazer uma mudança no seu alinhamento estratégico? Quer dizer, será que se o eixo da matriz da dependência se alterar, eles acompanharão essa mudança?

Igual o agronegócio… Esse é meu atual tema de pesquisa, meu Pós-Doutorado é exatamente sobre o alinhamento estratégico Brasil-Estados Unidos, em comparação com a relação Venezuela-Estados Unidos. Tento entender o que aconteceu em um país e no outro para levar a leituras estratégicas tão distintas e díspares, em várias dimensões. Tenho mais perguntas do que respostas [risos], mas posso dar alguns palpites.

O alinhamento estratégico com os Estados Unidos vem da Segunda Guerra Mundial – não só do Brasil, como da América Latina de forma geral. Nós lutamos ombro a ombro; isso é algo significativo, fomos subordinados a eles. E ali, na guerra, os militares tiveram a oportunidade de ver um exército de verdade, cheio de equipamento, etc. Mas a influência dos Estados Unidos não entra em contradição com outras influências que o Brasil já havia sofrido: não é como se a influência norte-americana tivesse feito desaparecer a influência da França; não, elas vão se plasmando. Não entram em contradição do ponto de vista estratégico porque ambas trabalhavam com uma ideia de que o exército deveria estar voltado para dentro; que a responsabilidade das Forças Armadas de países de periferia era sempre o controle da ordem interna. É uma ideia que chega a beirar o ridículo, porque essa doutrina começa na França e se desenvolve em uma lógica de combate às insurgências que pipocaram na África, que eram levantes anticoloniais. E nós, ao invés de nos identificarmos com essas colônias, que é nosso caso – fomos uma colônia –, não; nós nos identificamos, doutrinária e estrategicamente, com aqueles que estavam combatendo os levantes coloniais. Um absurdo.

Mas os processos de profissionalização e educação não significam só aprender um conteúdo; não é algo que, quando se está no banco da escola, se está apenas aprendendo a juntar o ‘b’ com o ‘a’ – não, nesse processo você está significando as coisas, entendendo como elas funcionam. Então nesse processo se compram ideias, se compram armamentos, se compra a ideia de como usar esses armamentos – é um processo extremamente profundo de construção doutrinária. Então quando a doutrina norte-americana chega, num contexto de Guerra Fria, se plasma com a francesa, naquela ideia de “nós” contra “eles”. Não há grandes contradições doutrinárias – naturalmente tem ajustes, por exemplo: quando a Escola Superior de Guerra (ESG) é criada, [em 1949], ela é criada com diferenças em relação ao que foram seus pares nos Estados Unidos – a principal diferença é que aqui sempre se pensou que os militares escolheriam civis de sua confiança, o que eles entendem enquanto elites, para formar esses civis para que eles construíssem o Brasil.

A Doutrina de Segurança Nacional talvez seja a síntese principal dessa plasmação, algo que se torna ainda mais profundo quando acaba a Guerra Fria. Porque é um momento em que só existem os Estados Unidos. Há um autor dos Estados Unidos que diz: “convenceremos os latino-americanos pelo porrete ou pela cenoura”. Se não for pela cenoura – ou seja, entregam um espelhinho, ou quem sabe uma arma –, vai pelo porrete mesmo – dão um golpe, como fizeram mesmo em um conjunto de países da América Latina. Mas eu acho que eles conseguiram chegar em um processo tal de construção de hegemonia em que não precisam mais nem do porrete nem da cenoura; é um processo de convencimento tão profundo de que este é o caminho, de que o que é melhor para eles é melhor para nós, que de fato isso foi se consolidando. E é algo difícil de identificar, porque é uma hegemonia que é cultural – sobre como ser no mundo, como existir na face da Terra –; é uma hegemonia política – como é que alguém pode achar que aquela maluquice do sistema político norte-americano é a melhor democracia do mundo? Ninguém participa de nada! –; uma hegemonia que é econômica – o neoliberalismo foi implantado em quase todos os países da América Latina –; e uma hegemonia que também é industrial, técnica e produtiva. Então é um processo de hegemonia, num sentido gramsciano, muito profundo.

No caso dos militares, isso se expressa em coisas pequenas e coisas grandes. Desde coisas muito simples, como quais são as identificações dos cursos que eles fazem – são as mesmas da OTAN; um emblema de paraquedas significa tal coisa, fica posicionado mais ou menos em tal lugar do ombro, de tal forma, etc. Tudo isso é regulamentado num sentido do Exército Brasileiro ser pensado enquanto uma força auxiliar da OTAN. Nesse sentido, nós diversificamos nossas parcerias industriais? Sim. Mas com países alinhados à lógica da OTAN. Mesmo que não tenhamos comprado só equipamentos militares dos Estados Unidos, seguimos numa mesma esfera de influência. E isso se espalha em questões como quais cursos os militares brasileiros vão fazer nos EUA; quais exercícios conjuntos eles vão fazer lá; o escritório de Washington, que está lá com gente mamando dinheiro há muito tempo, fazendo esse tipo de comércio. Essa dependência é muito profunda, muito difícil de romper, porque não é algo de curto prazo, e é algo que desce até os melindres, até nas coisas mais simples ela está muito estruturada.

Houve resistências? Houve. Essa ideia de que as Forças Armadas têm de atuar somente internamente não foi sempre a leitura de todos os militares. Mas fazem uns bons dez anos desde que essa ideia foi se consolidando mesmo, de que os militares têm de atuar na segurança pública – as Garantias da Lei e da Ordem (GLO) nesse sentido ajudaram, a ida para o Haiti… São tarefas de segurança, não tarefas de Defesa.

Nós falamos muito de divisão internacional do trabalho, e sempre pensamos em economia – mas existe também uma divisão internacional do trabalho na área da Defesa. Cabem às Forças Armadas dos países centrais a disputa geopolítica principal – que hoje é China-EUA, com a Rússia participando. Essa é a disputa; o time “A” está nessa briga. Os times “B” e “C” – ou seja, as Forças Armadas dos países de periferia ou semi-periferia – têm como responsabilidade a atuação no controle da ordem interna. O que ameaça essa ordem interna é que foi mudando. Antigamente eram os comunistas; depois da queda da URSS viraram os terroristas; o globalismo; a depender do país, o narcotráfico… Mas sempre com essa lógica voltada para dentro. E aos países de semi-periferia, como o Brasil, que têm essa pretensão de ser aliado do país hegemônico, mas que é, na melhor das hipóteses, um país alinhado – porque eles nunca vão olhar para nós como aliados; o Bolsonaro podia dar beijo na boca do Trump que isso não ia acontecer [risos] – ainda assim nós eventualmente temos missões que são auxiliares a essas Forças Armadas dos países centrais. O caso do Haiti, da Minustah, é um exemplo disso, da atuação de um país de semi-periferia. Porque os países de periferia nem com isso estão podendo sonhar; é realmente uma atuação voltada só para dentro.

Então realmente entendo que existe essa divisão internacional do trabalho na área da Defesa, e é muito difícil romper com isso, porque depende de uma mudança estratégica. O que é estratégia? É como você luta a guerra. E aí os Estados Unidos foram extremamente bem-sucedidos em vender uma receita de sucesso sobre como ganhar a guerra – que nem é a receita que eles aplicam, e a propósito eles sequer estão ganhando guerras, estão só perdendo. Mas eles vendem essa receita, são muitos bons de propaganda: muitas armas, em grande quantidade, e com tecnologia de ponta, vencem guerras. Eles venderam essa ideia de forma que quase todos os exércitos [do mundo] são iguais. Quase sempre julgamos se um exército é forte ou fraco não pela estratégia que ele adota, mas pela quantidade de armamento que ele consegue concentrar. Quando as pessoas falam da Venezuela, “a Venezuela está construindo um exército forte”, ninguém diz que é por conta das milícias bolivarianas, e sim porque compraram um monte de coisa da Rússia ou um monte de coisa da China e estão cheios de assessores. Mas a receita do sucesso na guerra está na estratégia, não na quantidade de armamento.

Bom, o fato é que os EUA venderam essa ideia, e muita gente comprou – nós brasileiros, inclusive. Mas essa é uma busca impossível de ser alcançada; a espada que tudo corta ou o míssil que nenhum radar encontra – é uma corrida impossível de ser travada. Então acho que para romper com os Estados Unidos, e também para romper de uma forma que não transfiramos nossa dependência para um outro país que eventualmente se torne um hegemon (embora eu ache que o perfil de atuação internacional da China é completamente diferente do dos EUA), para que não fiquemos sempre subordinados a um outro país, a mudança tem de estar na estratégia, ou seja, em encontrar a maneira de travar a guerra que seja adaptada para o que o Brasil pode ser enquanto nação. Muita gente diz que precisamos aprender a travar uma guerra de uma forma que não seja baseada em capital intensivo. O Brasil não tem capital intensivo disponível para investir em armamento. O que o Brasil tem? Tem recursos naturais a rodo, tem gente. Se tivermos uma estratégia que use o que já temos a nosso favor, uma estratégia de povo intensivo – que é o que todas as guerras revolucionárias de sucesso tiveram, foram guerras feitas por pobres, que é o que somos no cenário internacional – isso significaria inverter a forma de pensar a estratégia. Você pode perceber que eu acabei mudando o tema [do meu trabalho de pesquisadora]. Eu fiquei a maior parte do tempo discutindo militares, e faz uns cinco anos… Eu continuo escrevendo sobre militares, mas minha forma de pensar sobre eles mudou completamente. Porque discutir militares é quase como se estivéssemos discutindo o varejo: para que eles servem, para o que não servem, se damos armas para eles, recursos, se deixamos tal militar em tal cargo no GSI ou não. Isso é o varejo. A grande questão é discutirmos estratégia: qual é o cenário global hoje – uma boa análise de conjuntura internacional –; qual é o papel do Brasil nesse mundo, nossa posição real; qual é a posição que desejamos ter; qual deve ser nossa política de Defesa para dar suporte à inserção internacional que eu almejo para meu País – e política de Defesa não é política militar, é política de Defesa, já que um bom hacker pode ser mais útil que um batalhão inteiro –; e, finalmente, quais militares eu preciso ter subordinados a essa política de Defesa. Eu inverti completamente minha lógica de pensar esses temas todos, e isso tem me levado a outros lugares de reflexão que eu tenho gostado: relações civis-militares, por exemplo, que é um conceito muito comum na minha área, eu joguei fora. Porque percebi que militar, na cabeça do civil comum, é todo mundo que usa farda, até o guarda do supermercado que está lá de roupa preta e fez curso de segurança privado, e o civil é uma invenção do militar. Então falei para mim mesma: “o que estudei nos últimos dez anos, que está dentro da área das relações civis-militares, parou de fazer sentido”. Por isso estou indo nesse caminho de discutir Estados Unidos e estratégia.

 

Aproveitando essa deixa: você tem, junto de um conjunto de outros acadêmicos, como o professor Manoel Domingos Neto, e até ex-parlamentares, como o José Genoíno, defendido a convocação de uma conferência nacional para discutir Defesa e a estratégia que devemos adotar, que inclua acadêmicos, militares, políticos, movimentos sociais, etc. Por que essa proposta é tão importante? E por que os militares resistem à ideia da Defesa não ser um tema estritamente militar?

Sabe, alguns resistem, outros não – estou falando teoricamente, na prática é outra coisa. Mas há muitos militares, do mundo inteiro, que do ponto de vista teórico sustentam aquela frase clássica: “a guerra é uma coisa muito séria para ser deixada só na mão dos militares”. Alguns militares inclusive toparam a construção do Ministério da Defesa na perspectiva de ir forjando um pensamento que fosse mais ampliado, porque em última instância é difícil, inclusive para os militares, se pensarem enquanto militares. De forma geral, militar do Exército se pensa enquanto militar do Exército; o da Marinha enquanto militar da Marinha, o mesmo vale para a Aeronáutica…

 

Isso quando não se pensam como arma ‘x’… Paraquedistas, infantaria….

Exatamente, são caixinhas dentro de caixinhas. Então a ideia de pensar a Defesa é olhar isso de uma maneira ampliada, e os mais inteligentes sabem que tem de ser dessa maneira. Porque todas as operações militares hoje em dia são conjuntas. Nós tivemos uma lição forte quanto a isso, que foi a Guerra das Malvinas, na qual a operação não foi feita de maneira conjunta… E deu no que deu, perderam feio. Os militares que de fato estudam guerra, que estão de fato pensando a Defesa, sabem da importância de ter um pensamento mais ampliado, que não seja específico só de uma arma. Isso na teoria.

Agora, na prática, ninguém abre mão de poder. Ninguém, em momento nenhum, sob nenhuma circunstância. Isso vale para os militares, vale para a academia… A academia teve muita resistência a escutar os militares, por exemplo. Um ou outro são os que foram furando a bolha ao longo da história, como Nelson Werneck Sodré. E eles também foram criando suas áreas de autonomia, e como eles próprios se avaliam… Vão se criando de fato dois mundos paralelos, o que vários autores chamam de “uma nação dentro da outra”. Dois mundos; se não precisar conversar, não conversa. O que é um dano do ponto de vista da Defesa, porque não existe Defesa feita só por militares, e os civis são fundamentais em todas as guerras, mesmo nas guerras convencionais. Nas guerras contemporâneas os civis são inclusive mais afetados, a mortalidade entre os civis sendo mais alta do que entre os militares em muitos combates. Já faz algum tempo, algumas décadas, que não faz muito sentido pensar Defesa na chave dessa separação, se olharmos para a guerra como ela é travada hoje, e não como foi travada nos séculos 18 e 19. Então há sim uma resistência que é prática, do ponto de vista do apego ao poder – não do ponto de vista teórico, porque todo mundo sabe que é preciso ter política de Defesa.

Com relação à conferência, acho que a grande questão é se seguimos nessas conversas de varejo. Que consistem nisso: trocamos o comandante tal pelo outro? Gente, eles são todos formados igual, muda uma coisa ou outra, muito periférica, mas o grosso é mais ou menos o mesmo. E a ideia é realmente que seja, né? Porque a ideia é realmente que um comando militar pense mais ou menos igual. Então não deve haver essa expectativa: “este vai ser o grande general da esquerda”. Tenho inclusive um grande incômodo com isso, a Revista Opera é uma revista de esquerda e acho importante tratarmos disso: nós ficamos com um desvio, da época pré-64, em que havia muitos militares comunistas, em que os militares foram importantes no Partido Comunista, que é, como esquerda, sempre procurarmos um militar para chamar de nosso. Quem de fato é realista olha e sabe que não há uma força social de esquerda em largas proporções que seja capaz de pautar reformas estruturais. Então, diante da própria fraqueza, todo mundo recorre a um dispositivo militar. E isso não existe; não adianta procurar, não adianta querer formar, porque a organização tem de ter como base a população organizada. Essa população, se for o caso, em algum momento, pode ser armada – é o que Chávez fez quando forma as milícias bolivarianas para defender a Revolução Bolivariana na Venezuela. Mas esse é um passo posterior; o chão, a força, os pés, para que não sejam de barro, têm de ser de força social, de gente organizada. Aparece qualquer militar que dá algum palpite crítico, começa: “É esse! Você conhece esse? Esse é muito bom!”. Não interessa se gosto, se não gosto; é um militar. A partir do momento que entrou na caserna, aquilo ali [a farda] vira uma segunda pele. Os de esquerda inclusive. Se você ler Nelson Werneck Sodré, por exemplo; é [absolutamente] um militar!

E olho com insegurança para essa corporação, independente do militar ser de esquerda ou de direita, por três fatores: a primeira e mais óbvia, porque usam armas – eles têm e eu não tenho. A segunda: porque eles funcionam numa lógica de espírito de corpo, realmente são uma corporação. Sempre vão se proteger; podem até se punir internamente, ter mecanismos de coerção e coesão social muito fortes, mas para fora sempre vão se proteger. É diferente do civil, que briga, diverge, discute, e entrega a “maçã podre”. Eles vão sempre se proteger… É a família – você não entrega seu irmão. E o terceiro motivo é que eles funcionam na lógica de hierarquia e disciplina, o que dá para eles uma vantagem política diante de qualquer agrupamento político, de esquerda ou de direita. A esquerda é uma bagunça! Você precisa de centenas de reuniões em dezenas de instâncias, vai de baixo para cima, de cima para baixo, até se tomar uma definição que seja de fato coletiva. E ainda assim vai ter gente que não vai se subordinar àquela decisão que foi tomada coletivamente [risos]. Imagina, hierarquia e disciplina, que prático é! Essas são vantagens que eles têm. É claro que acho que para os partidos é correto ter democracia interna, mas, em termos de tempo, a capacidade de decisão e de efetivação das decisões dos militares é muito superior. E isso dá para eles uma capacidade de intervenção política muito grande.

Com relação à conferência, levando em consideração que não faz sentido ficar procurando um militar para chamar de seu, é preciso alterar a correlação de forças em nosso favor. Como construímos condições melhores para a luta política nessa área? Nós não travamos a luta política conforme gostamos… Já que não dá pra procurar um militar que se possa chamar de seu, que tal procurarmos os militares que gostam da instituição, e não do Bolsonaro? Isso já é possível, existe gente que está ali porque gosta do Exército, dedicou a vida e acredita no que faz. Podemos discordar, mas é o que tem. Então vamos tentar achar gente que seja séria? Gente que gosta de geopolítica, que está interessada em ver o que a China está fazendo?

27
Set23

As possíveis consequências para Bolsonaro e generais por reunião do golpe

Talis Andrade
 
 
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por BBC News

A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deverá ser um dos principais temas das próximas reuniões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de 8 de janeiro, que terão sessões ao longo desta semana.

Aguardada com ansiedade tanto por apoiadores quanto por opositores de Bolsonaro, a delação foi fechada com a Polícia Federal (PF) e homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Cid teria narrado à PF que Bolsonaro teria participado de uma suposta reunião com militares do alto escalão, de acordo com reportagens do portal UOL e do jornal O Globo, na qual se teria discutido uma minuta de um ato presidencial para convocar novas eleições e prender adversários.

A suposta reunião teria ocorrido em 24 de novembro, após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições em que Bolsonaro foi derrotado.

As reportagens não apontam os nomes de todos os oficiais que teriam participado dessa reunião. Mas afirmam, citando a delação de Cid, que o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, teria demonstrado apoio à suposta tentativa de impedir a posse de Lula.

Almir Garnier fardado e discursando no microfone

CRÉDITO, MARCOS CORRÊA/PR. Almir Garnier comandou a Marinha até o final do governo Bolsonaro

 

A BBC News Brasil não conseguiu localizar os contatos do militar e não identificou os contatos de sua defesa.

Procurada pela BBC News Brasil, a Marinha disse em nota que não teve acesso à delação de Cid e que não se manifesta sobre processos investigatórios que tramitam no Judiciário.

Afirmou ainda que "eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força" e que a Marinha está à disposição da Justiça para contribuir com as investigações.

Em nota publicada na semana passada após a divulgação dos relatos de Cid, advogados de Bolsonaro afirmaram que o ex-presidente "jamais tomou qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela Constituição" e que, ao longo dos quatro anos de seu mandato, "sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal".

Mauro Cid olha para baixo durante depoimento em CPI

CRÉDITO, REUTERS. A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid deverá ser um dos principais temas das próximas reuniões da CPMI dos atos de 8 de janeiro

 

Após a publicação das reportagens sobre a delação de Mauro Cid, o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse querer que o episódio seja esclarecido e admitiu que pudesse haver oficiais favoráveis a um possível golpe de Estado.

"Essa questão do golpe, acho que eram questões isoladas. Podia o Garnier querer, mas a Marinha não queria", disse o ministro em entrevista à Revista Veja.

Múcio disse ainda esperar que a delação premiada possa ajudar a identificar eventuais "infratores" envolvidos em uma suposta tentativa de golpe.

"Torço para que as delações aconteçam e tenho certeza de que as Forças Armadas irão se antecipar e tomar suas posições com relação a todos os pretensos infratores. Vai ser bom para as Forças e vai ser bom para o Brasil. As Forças Armadas estão ao lado da sociedade", disse o ministro na mesma entrevista.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que, caso seja confirmado que a reunião ocorreu e que foi discutido de fato um plano para mudar o resultado das eleições, os participantes do suposto encontro teriam cometido crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição ao Estado democrático de direito e prevaricação (quando um funcionário público tem conhecimento de uma irregularidade, mas não toma medidas para impedi-la).

As penas, segundo os especialistas, variam de quatro a doze anos de prisão.

Mas estes mesmos especialistas enfatizam que ainda é cedo para afirmar categoricamente que esses crimes foram cometidos.

Segundo eles, é preciso que a PF aprofunde as investigações e encontre elementos que corroborem a versão dada por Mauro Cid.

Investigadores da PF ouvidos pela reportagem vão na mesma linha e ressaltam que uma delação é apenas uma parte da investigação e que precisa ser comprovada ao longo do inquérito (continua)

 
30
Mar23

Razões para uma reforma militar, por Manuel Domingos Neto

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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O historiador Manuel Domingos Neto postou esse texto em seu Facebook e o reproduzo aqui com a autorização dele pela importância do assunto e pertinência da proposta. O texto faz parte do livro “As fileiras que merecemos”, que ele está concluindo e no qual reúne apontamentos para uma reforma militar no Brasil. Manuel Domingos Neto é um dos maiores estudiosos do tema militar e um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros. Fica a sugestão de que o acompanhem no Facebook para ter acesso aos seus textos. Segue o artigo sobre a necessidade de uma reforma militar no Brasil:

Ainda menino, ouvi falar em reforma agrária. Na juventude, debati reforma universitária. Leio sobre reforma política, reforma do Estado, reforma do Judiciário, reforma tributária, mas desconheço propostas de reforma militar.

Nas últimas décadas, a Política, a Estratégia e o Livro Branco de Defesa foram revisadas sem alterações de relevo nas Forças Armadas.

Quando D. Pedro I foi embora, o Exército foi reorganizado, a Guarda Nacional foi criada. As mudanças foram tão significativas que Adriana Barreto afirma que o Exército nasceu em 1831. Ao longo do XIX, registraram-se alterações no ensino militar. Depois do banho de sangue no Paraguai, circularam propostas reformistas. No início da República, Benjamim Constant, quis transformar oficiais em pregadores da religião da humanidade.

A última grande reforma militar começou antes da Primeira Guerra Mundial, quando o barão do Rio Branco e o marechal Hermes enviaram oficiais do Exército para estagiar na Alemanha. Voltaram deslumbrados, reclamando-se “apóstolos do patriotismo e do civismo”.

As mudanças se aceleraram a partir de 1919, sob orientação francesa. O Exército foi transfigurado. A aviação militar impactou. Os orientandos dos franceses chegaram ao topo da hierarquia em 1928. Desconheço a cronologia da modernização da Marinha. O fato é que, depois de gastar muito, o Brasil não se preparara para enfrentar Hitler.

Alguns  creem que, depois da Segunda Guerra, com a influência estadunidense, a novidade foi a adoção da doutrina de segurança nacional, que priorizou o “inimigo interno”. Mas desde a Independência, esse “inimigo” esteve na mira. A Constituição de D. Pedro I reconhecia sua existência e Caxias firmou nome silenciando brasileiros “facinorosos”.

Hoje, as mudanças no jeito de guerrear, a dinâmica social e o cuidado com a democracia impõem uma reforma militar. Neste mundo conturbado, o Brasil precisa ter como se defender.

A reforma militar é necessária porque há generais e soldados em demasia e mal distribuídos no território. A concentração de tropas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul é perdulária e sem sentido. Brasília está repleta de generais.

A reforma é premente porque a supremacia da Força Terrestre não bate com uma Defesa Nacional que dissuada estrangeiro hostil. Proteção de imenso território, vasto mar e espaço cibernético não é para rambos.

A reforma é indispensável porque academias militares concedem diplomas a quem não merece. O povo custeia a formação de quem não lhe respeita.

A reforma precisa ocorrer para que crianças não sejam submetidas à formação militar. Estamos no Brasil do século XXI, não na Macedônia ou na Esparta de priscas eras. Em que contribui para a defesa do Brasil, crianças aprenderem posturas e valores do castro?

A reforma é necessária para que as fileiras não continuem defendendo o legado colonial em pleno século XXI. A Constituição determina: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Por que não há mulheres no topo da hierarquia?

A reforma tem que ocorrer para que a esposa do oficial possa ter profissão estável e inserção social. A intensa rotatividade nos postos radicaliza a dicotomia civil-militar.

A reforma é imperiosa para ensejar a ascensão hierárquica dos negros. Com negros em comandos, queria ver Bolsonaro e Mourão desqualificarem afrodescendentes! Com indígenas nas cúpulas, o estrago na Amazônia poderia ser melhor contido. Nenhum bajulador de quartel reclamaria do cheiro dos índios.

A reforma é indispensável para acabar com a endogenia. A honrosa condição de guerreiro deve ser estendida a todos e todas, sem primazia para a descendência de oficiais. Jovens pobres precisam ter direito de chegar ao topo.

A reforma é fundamental para suprimir a obrigatoriedade do serviço militar e dar vez a formação de reservas adequadas.

A reforma é necessária para que o quartel respeite a esquerda. O pluralismo político fundamenta a República. Diz a Carta: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. O militar pisa na Carta e empobrece a troca de ideias quando repele a esquerda. Como é possível alijar peremptoriamente boa parte da sociedade por prevenção descabida? A reforma é indispensável para que a coesão dos brasileiros seja a viga mestra da Defesa Nacional.

A Carta determina “a dignidade da pessoa humana”. Não há homossexuais assumidos nas Forças Armadas, onde manifestações homofóbicas são comezinhas. A reforma deve permitir que homossexuais saiam do armário sem medo.

Quando o militar denuncia a “crise moral” e o “esgarçamento do tecido social”, defende de soslaio valores retrógrados. A Carta não faz do militar guardião da moralidade. A reforma deve eliminar o medo das mudanças comportamentais.

A reforma é necessária para incluir as corporações nos esforços de desenvolvimento socioeconômico. A experiência universal indica ser impossível o desenvolvimento à revelia de soldados e policiais. A reforma ajudará a industrialização. As corporações têm que parar de dar lucro aos complexos industriais de potências que não querem o bem dos brasileiros. Os escritórios das Forças Armadas nos Estados Unidos e na Europa precisam ser fechados.

Há mais razões. Mas encerro dizendo que a reforma permitirá, quem sabe, a superação do distúrbio de personalidade funcional que o Estado impinge ao militar. Este servidor público poderá, talvez, mirar no estrangeiro cobiçoso e livrar-se de tarefas que não deveriam lhe caber. Poderá perceber, enfim, que o Brasil não é uma dádiva do quartel.

12
Mar23

"Eis alguns dos militares que atuaram no escândalo das joias"

Talis Andrade

Reinaldo Azevedo no Twitter

 
@reinaldoazevedo
Ô história mal contada essa das joias…

- almirante Bento Albuquerque;
- tenente-coronel Mauro Cid;
- sargento da Marinha Marcos André Soeiro;
- sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva;
- contra-almirante da Marinha José Roberto Bueno Jr…
Eis alguns dos militares que atuaram no escândalo das joias.
Vejam o que um “mau militar” (segundo Ernesto Geisel!) conseguiu fazer com as Forças Armadas.
E sabemos o que se deu no 8 de janeiro.
O país tem de prosseguir na desmilitarização do poder civil e na, atenção!, “militarização dos militares”, q têm de se ater ao q define a Constituição.
 

Bolsonaro transformou as Forças Armadas em puxadinho de suas loucuras e de sua delinquência política, intelectual e penal. Os militares que lhe deram suporte não se envergonham de ver tantos dos seus metidos num caso policial que mistura peculato, advocacia administrativa, descaminho, facilitação de descaminho e, a ver, corrupção passiva?
Isso é compatível com a defesa da pátria e da honra?
Um “militar bolsonarista” é uma impossibilidade dada pelos termos. Sendo uma coisa, não há como ser outra. Ou fatalmente se terá um “mau militar”.
 

19
Fev23

O lugar das Forças Armadas

Talis Andrade
 
 

 

 (crédito: Caio Gomez)
Caio Gomez

por Sacha Calmon /Correio Braziliense

Fernando Exman, Renan Truffi e Andrea Jubé publicaram interessante assunto. "Foi feito o necessário. E foi feito ligeiro." Assim justificou uma alta fonte do governo a decisão de que fosse substituído o comandante do Exército apenas três semanas depois de iniciado o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A saída foi anunciada num sábado pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, depois de um dia de tensão no governo e na caserna. Em um rápido pronunciamento, Múcio reconheceu uma "fratura no nível de confiança" nas relações com o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, e formalizou a demissão do oficial e a nomeação do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva para o posto.

Ao falar à imprensa, Múcio citou alguns dos fatores que levaram à demissão de Arruda. "Depois dos episódios, a questão dos acampamentos, do dia 8 de janeiro, as relações com o comando Exército sofreram uma fratura."

A decisão também decorre da resistência de Arruda em suspender a nomeação do tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos (BAC), que faz parte do prestigiado Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia (GO), considerado uma "tropa de elite" da força terrestre. Conhecido como coronel Cid, o oficial foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e está sendo investigado por um suposto "caixa dois" com o cartão corporativo da Presidência, segundo a imprensa.

Segundo a apuração da Polícia Federal, o militar teria feito saques com o cartão corporativo da Presidência, e feito pagamentos de contas pessoais da família de Bolsonaro com esses recursos. Uma investigação mira o pagamento de fatura de um cartão de crédito emitida em nome de uma amiga da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro... Para integrantes do primeiro escalão do governo, o que definiu o destino de Arruda foi o que consideram falta de compromisso em tomar as providências esperadas pelo comandante supremo das Forças Armadas, o presidente Lula.

Na sexta-feira, circulou nas redes sociais um vídeo em que o general Tomás Paiva orientou os soldados a respeitarem o resultado das urnas. A mensagem se deu durante uma cerimônia militar com as tropas. "Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna", disse o general, em recado que agradou o governo. Ele ingressou na carreira militar em 1975 e seu mais recente posto foi o de comandante militar do Sudeste, cargo que assumiu em 2021. Corpo militar estratégico no lugar principal do país.

O oficial atuou na missão do Exército no Haiti como subcomandante do Batalhão de Infantaria de Força de Paz e como comandante da Força de Pacificação da Operação Arcanjo VI, no Complexo da Penha e do Alemão, no Rio de janeiro (RJ), em 2012. Já comandou o Batalhão da Guarda Presidencial e foi ajudante de ordens do presidente Fernando Henrique Cardoso. Também chefiou o Gabinete do Comandante do Exército em Brasília, quando o general Villas Bôas comandou a Força.

A iniciativa de criar uma "guarda presidencial" sob o comando imediato do chefe da nação é de inspiração dos Estados Unidos e, mais remotamente, vem da guarda pretoriana dos Césares romanos. O Ministro Flávio Dino está com o projeto de lei pronto, tendo em vista os recentes acontecimentos em Brasília e noutras capitais, o que não ocorria desde 1985 com o fim da ditadura militar por obra de Tancredo Neves, após o ciclo de generais-ditadores indicados pela cúpula do Exército, e que foram Castelo Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueredo (21 anos de ditadura, em que o povo não votou para presidente do Brasil).

A ditadura caiu de podre com o povo nas ruas do país exigindo eleições diretas em passeatas gigantes. Alguns oficiais do Exército, ao que parece, querem reviver, contra a Constituição e o povo, esse período obscuro de nossa história. Não é, contudo, o desejo das Forças Armadas. Trata-se de uma minoria é bom que se diga. Sugere reflexão o dilema em que se meteria se por acaso o Exército tomasse o poder pela força.

A primeira consequência seria suscitar uma luta interna no interior da mais importante força armada da República (ambição de pessoas e grupos). A segunda seria o isolamento de um governo ilegítimo nos círculos internacionais a começar pelos Estados Unidos. A terceira seria atrair para a força terrestre todas as tarefas governamentais e para as quais não foram preparadas. Durante o governo dos militares (1964 a 1985), o desgaste foi tão grande que levou à sua natural extinção. O Congresso em vez de eleger Maluf, indicado pela cúpula militar, elegeu Tancredo Neves, que, infelizmente, morreu, sendo substituído por José Sarney, seu vice-presidente, que iniciou a atual República democrática, e as eleições periódicas de civis.

Micheque Bolsonaro é investigada por assédio

 
 
15
Fev23

O general Etchegoyen e a covardia

Talis Andrade

ordem militar por latuff.jpeg

 

por Cristina Serra

- - -

Setores das Forças Armadas, certamente frustrados com o fracasso do atentado no domingo infame, encontraram um porta-voz para mandar recados em tom de ameaça ao presidente Lula. Trata-se do general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do golpista Michel Temer.

Etchegoyen emergiu das sombras, onde atua com desenvoltura, e reapareceu num programa de entrevistas para afrontar Lula. Disse que o presidente praticou “ato de profunda covardia” ao manifestar a desconfiança de que militares tenham sido coniventes com a invasão e depredação do Palácio do Planalto.

As investigações mostram que Lula está coberto de razão em suas suspeitas. A estrutura militar da Presidência era um valhacouto de contaminação golpista que só agora começa a ser depurado.

Volto ao general tagarela. Em 2014, ainda militar da ativa, Etchegoyen também usou a palavra “covardia” para referir-se aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ele não gostou de ver os nomes dos generais Leo e Ciro Etchegoyen, respectivamente seu pai e seu tio, na lista de autores de graves violações de direitos humanos durante a ditadura.

O general tem um entendimento muito peculiar do que seja covardia. Difícil saber se por má fé ou por ignorância. Como se sabe, covardia é usar de violência e brutalidade contra alguém indefeso, dominado, mais fraco. Exatamente como fizeram agentes da ditadura com prisioneiros sob custódia do Estado. A ditadura perseguiu, torturou, estuprou, assassinou e desapareceu com os corpos de opositores. Mais de 200 não foram encontrados até hoje.

Covardia, senhor Etchegoyen, foi o que aconteceu na Casa da Morte, em Petrópolis. Covardia, senhor Etchegoyen, foi deixar faltar oxigênio nas enfermarias de Manaus e estimular a imunidade de rebanho durante a pandemia. Covardia é valer-se dos instrumentos da democracia para apregoar o golpe contra a República. Covardes!

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10
Jan23

Prisões de golpistas envolvem vândalos, financiadores, políticos e policiais

Talis Andrade
Polícia e Exército se concentram na frente do QG do Exército para desmobilizar acampamento. Foto Marcello Casal 

 

 

Cerca de 1.500 pessoas foram levadas para a Polícia Federal, mas ministro tem expectativa de, ainda hoje, divulgar número definitivo de prisões

 

por Cézar Xavier /Vermelho

- - -

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, confirmou, hoje (10), que os órgãos responsáveis pela investigação do ataque às sedes dos Três Poderes, já identificaram alguns dos financiadores da ação.   

Embora cerca de 1.500 pessoas tenham sido levadas para a Polícia Federal, o ministro ressalta que equipes especializadas estão interrogando e qualificando os crimes. Segundo ele, a expectativa é que, ainda hoje, à noite, divulgue-se um número definitivo de prisões.

O governo do Distrito Federal, por sua vez, divulgou uma lista com 277 nomes de pessoas presas. São 158 homens e 119 mulheres. Os golpistas foram levados para o Centro de Detenção Provisória 2, na Papuda.

A Polícia Civil afirma que, pelo menos, 15 crimes foram cometidos. Entre eles, estão golpe de Estado, dano a bem público e lesão corporal. O ministro Flávio Dino diz que os financiadores identificados poderão responder por associação criminosa (até três anos de prisão) e prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito (até oito anos de prisão), tentando destituir um governo legitimamente eleito, entre outros delitos previstos no Código Penal brasileiro. O crime de golpe de estado pode implicar em até 12 anos de reclusão.

O número de presos deve aumentar. Na Academia Nacional de Polícia, há centenas de pessoas detidas que estão passando por uma triagem da Polícia federal para serem liberadas ou presas por envolvimento na depredação.

O Ministério também divulgou que recebeu, em 24 horas, 30 mil denúncias e informações sobre os terroristas que cometeram os atos de vandalismo na Esplanada dos Ministérios. 

Segundo o secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira, neste primeiro momento as apurações darão prioridade aos dados de quem financiou o envio de caravanas de radicais bolsonaristas para Brasília e os gastos dos acampamentos em frente a quartéis do Exército.

As informações podem ser enviadas para denuncia@mj.gov.br.

 

Associação criminosa

 

“Já foram identificados os primeiros financiadores, sobretudo em relação aos ônibus: aqueles que organizaram o transporte, que contrataram os veículos. Estas pessoas já estão todas identificadas”, disse Dino à imprensa.

Ele informou que, entre os financiadores, há desde pequenos comerciantes até empresários do agronegócio e indivíduos ligados a colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. 

A previsão é que o relatório da Advocacia-Geral da União com os nomes das companhias seja entregue ainda hoje (10) à Justiça Federal do Distrito Federal. O órgão vai pedir medidas cautelares para o bloqueio dos bens das empresas e solicitar que a Justiça reserve parte dos recursos para cobrir os estragos na Esplanada dos Ministérios.

“O que posso afirmar é que a investigação está em curso; já foram feitas as primeiras individualizações e, com isso, haverá o prosseguimento que cabe: a aplicação das sanções previstas em lei”, acrescentou o ministro.

Segundo Dino, os primeiros financiadores identificados estão espalhados por dez unidades federativas (a maioria do Sul e Centro-Oeste).

O novo foco dos investigadores está na ligação dos terroristas com líderes políticos que tenham articulado a vinda de bolsonaristas radicais a Brasília, no último fim de semana. Já se sabe que estes políticos mantiveram contato com os empresários que financiaram a ação.

Segundo a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão, cerca de 1,5 mil pessoas foram detidas no local por envolvimento nos atos de vandalismo. O ministro Flávio Dino, contudo, disse que o número ainda não é definitivo.

“Tivemos a apreensão de aproximadamente 1,5 mil pessoas, mas agora estamos tratando das individualizações. Trata-se da maior operação de polícia judiciária da história do Brasil, mas não se trata de uma prisão em massa. É preciso identificar cada pessoa e o que ela fez. Temos equipes trabalhando nisso, fazendo as oitivas, lavrando autos de apreensão e de prisão em flagrante. Além disso, houve algumas situações humanitárias que foram solucionadas ontem mesmo. Nossa expectativa é que, ainda hoje, à noite, tenhamos um número definitivo”, concluiu Dino.

 

Sem anistia

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou nesta terça-feira (10) que as instituições punirão “todos os responsáveis” pelos atos de terrorismo.

“Dentro da legalidade, as instituições irão punir todos os responsáveis, todos. Aqueles que praticaram os atos, aqueles que planejaram os atos, aqueles que financiaram os atos e aqueles que incentivaram, por ação ou omissão. Porque a democracia irá prevalecer”, declarou Moraes.

“Mas as instituições não são feitas só de mármore e cadeiras. São feitas de pessoas, de coragem, de cumprimento da lei. Não achem esses terroristas que até domingo faziam badernas e crimes, e que agora reclamam que estão presos querendo que a prisão seja uma colônia de férias. Não achem que as instituições irão fraquejar”, continuou Moraes.

Quase ao mesmo tempo, no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) fez um discurso duro contra os atos de terrorismo – e também reforçou que ‘minoria extremista’ será identificada, investigada e punida.

 

Idosos, mulheres e crianças

 

Um ônibus com bolsonaristas detidos pela Polícia Federal deixou o ginásio da Academia Nacional da PF, no início da tarde desta terça-feira (10), em direção à Rodoviária Interestadual de Brasília. O grupo era composto principalmente por idosos com comorbidades. Mulheres com crianças também foram liberadas.

Eles estavam no local desde a manhã de segunda (9), após serem retirados do acampamento instalado no Quartel-General do Exército. Ao todo, 1,2 mil foram detidos. Cerca de 50 ônibus foram usados para levar o grupo para a Superintendência da Polícia Federal. O grupo levado à rodoviária já passou por triagem e foi liberado nesta manhã.

Desde a noite de segunda, a PF começou a liberar menores de idade, mulheres com crianças pequenas e idosos, que tiveram prioridade na triagem. A Polícia Federal ainda não divulgou um balanço de quantas pessoas foram soltas e quantas continuam presas.

Liderados pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), deputados bolsonaristas pedem garantia de direitos humanos a presos em atos. O ofício, enviado à Defensoria Pública da União e ao Ministério dos Direitos Humanos, cita pessoas que estariam sendo “tolhidas de condições básicas em termos de alimentação, hidratação e alojamento”.

Por meio de nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disse que “expressa preocupação com todas as pessoas do país que se encontram presas”. Disse também que estaria monitorando as prisões.

 

55 ônibus apreendidos

 

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) interceptou e apreendeu, em menos de 24 horas, 55 ônibus envolvidos nos atos golpistas. O efetivo da PRF está estrategicamente distribuído em um “cinturão” viário que compreende as principais rodovias de acesso à capital federal.  Em todos os casos, os passageiros são identificados e conduzidos para unidades da Polícia Federal. 

Um ônibus apreendido em Santa Maria (DF), que seguia para Minas Gerais, tinha entre os passageiros dois policiais militares armados (um reformado e outro da ativa), que usaram spray de pimenta no interior do ônibus para causar tumulto.

Em outro caso, na mesma área, a vistoria encontrou estojos de bombas de gás lacrimogêneo já deflagradas, além de um cartão de acesso do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

 

Responsabilidade governamental

 

Anderson Torres e Ibaneis Rocha participaram da posse do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino Foto: Renato Alves/ Agência Brasília

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prisão de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, que comandava a Segurança Pública do Distrito Federal. Ele já foi exonerado da pasta, mas estava viajando para a Flórida (EUA), onde se encontra Bolsonaro, no momento dos atentados.

O governador Ibaneis Rocha (MDB) também foi afastado do cargo. O governador pode ser punido com impeachment e até ser preso. 

Policiais militares do Distrito Federal foram flagrados tirando selfies e até comprando água de coco durante os ataques golpistas em Brasília no domingo. As investigações ainda estão em andamento, mas esses agentes podem ser punidos com exoneração e até detenção, se for comprovado que infringiram regras do Código Militar.

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Bethlucida2
@Bethlucida2
Os nazistóides do Brasil!!!
 
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Frota 77
@77_frota
Deputado eleito Andre Fernandes divulgou o ato:
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Luiz Müller
@luizm
ATENÇÃO!! O corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Benedito Gonçalves, aceitou a denúncia para cassar os mandatos de: Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Bia Kicis, Gustavo Gayer, Nikolas Ferreira, Magno Malta e para prender o presidente Bolsonaro.
 
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Militar da reserva do Exército, Adriano Camargo Testoni estava acompanhado da esposa, Evelise Rodrigues, em atos terroristas na Esplanada.

"Forças Armadas filha da puta. Bando de generais filha da puta. Vanguardeiros de merda. Covardes. Olha aqui o que está acontecendo com a gente", grita Testoni 
02
Dez22

Comando militar

Talis Andrade

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Militares aprendem a obedecer. Se não recebem ordens, desnorteiam-se. Em surto, como no caso brasileiro, outorgam-se um “poder moderador”

 

por Manuel Domingos Neto /A Terra É Redonda

 

A chefia-de-Estado, não comandando os militares, será por eles comandada. Foi assim desde sempre e em todo canto. Organizações armadas veem a sociedade, às vezes chamada “pátria”, como dádiva das fileiras. Não sendo comandadas, conduzirão sua pretensa cria.

À chefia-de-Estado cabe determinar como as tropas devem ser preparadas. Comandantes supremos que atendem demandas corporativas invertem a hierarquia e se anulam: corporações devem atender ao chefe-de-Estado, não o contrário. Ao comando supremo cumpre estabelecer diretrizes claras, objetivos precisos, missões circunscritas e meios adequados. Extrapolações da autonomia corporativa são inadmissíveis.

Militares aprendem a obedecer. Se não recebem ordens, desnorteiam-se. Em surto, como no caso brasileiro, outorgam-se um “poder moderador”! Garroteiam as instituições e a cidadania. De armas na mão, inventam “sinergias” desarrazoadas com juízes e parlamentares. Danam-se a “dialogar” com poderes desarmados. Nem na guerra o militar pode sobrepujar o político!

No Brasil, o desinteresse, o despreparo e a inaptidão de chefes-de-Estado para comandar as Forças Armadas lesou a democracia. Generais usurparam o poder e contingenciaram governantes. Não há exemplo de presidente da república que tenha assumido efetivamente o comando supremo das Forças. Só ditadores da estirpe de Floriano e Geisel, acumularam simultaneamente o poder político e o comando militar. Os demais governaram acossados pelas fileiras de forma explícita ou encoberta.

A defesa nacional é tarefa de gravidade e amplo espectro. Envolve todos os domínios do Estado e da sociedade. Transcende os instrumentos de força. Demanda planejamento especializado. Não comporta improvisações, humores momentâneos, vontades paroquiais e ditames de fileiras.

Ao escolher o titular da Defesa no intuito de apascentar corporações, a chefia-de-Estado declina do comando supremo. Ministros devem encarnar o poder político sufragado. Se sua escolha é para agradar a tropa, a corrupção institucional é promovida.

Comandantes militares são preparados para exercer a força em última instância. Caso se dediquem ao ordenamento social e a administração pública, o farão ao seu modo, tomando os cidadãos divergentes como dignos de abate. Além disso, sujeitarão a Defesa aos conflitos corporativos.

A chefia-de-Estado deve respeitar regras hierárquicas na escolha de comandantes sem anular-se como topo da cadeia. Regras de promoção corporativas não se sobrepõem à determinação constitucional. Comandantes virtuosos admitem a condição de auxiliares do chefe supremo.

No Brasil de hoje não há clivagens relevantes no preparo técnico e na formação doutrinária dos generais. Todos passaram pelas mesmas escolas, tiveram acesso a mesma literatura especializada e à mesma pregação ideológica. As diferenças entre suas capacidades profissionais é pouco relevante. Todos provaram qualidades de liderança e chefia.

As diferenças que importam dizem respeito ao preparo intelectual, ao caráter e à sensibilidade para enfrentar os desafios das mudanças impostas pela realidade internacional. Vivemos na iminência de conflagração mundial. Precisamos amparar pelas armas nossa política externa. Comandantes de verdade preocupam-se em mostrar força aos candidatos a dono do mundo. Não terão gosto nem tempo para tratar de urnas eletrônicas, furar poços artesianos e buscar sinecuras.

Oficiais precisam ser sabatinados para aferição de sua afinidade com as proposições do comandante supremo para a defesa nacional. Não sei como Lula pensa a defesa do Brasil, mas sei que está atento à coesão nacional, a primeira pilastra do sistema defensivo. Sociedade fragmentada se expõe à cobiça estrangeira. Sociedade coesa se defende melhor.

A base da coesão nacional é dignidade da cidadania. Não há defesa sólida às expensas dos mais fragilizados. A eliminação de iniquidades sociais e disparidades regionais explosivas é fundamental. Racismo, xenofobia, misoginia, fanatismo religioso e preconceitos regionais enfraquecem a Defesa. Reformas socioeconômicas que superem o legado colonial são impostergáveis. Sem crença em futuro promissor para todos, sem comunhão de destino, sem orgulho de ser brasileiro não haverá defesa que preste.

A segunda pilastra da defesa é o cultivo de amizades. Nisso, o próximo presidente é mestre. País com sólidas parcerias internacionais se protege melhor de agressões. Amizades são consolidadas através de acordos promotores do desenvolvimento econômico e científico, da proteção sanitária e ambiental. Amigos de verdade compartilham a vontade de bem-estar coletivo.

A soberania nacional é incompatível com a integração subalterna aos blocos de poder em disputa pela hegemonia mundial. O estreitamento de laços com a vizinhança é indispensável e prioritária para a Defesa. Precisamos impulsionar a inserção mundial da América do Sul e da África.

Países dependentes de importações de alimentos, energia, matérias primas, máquinas e remédios são vulneráveis. Assim, a terceira pilastra da defesa é mobilização das capacidades nacionais em vista do máximo de autonomia. Países que não produzem suas próprias armas e equipamentos de guerra são obrigados à integração subalterna a Estados poderosos. A atual capacidade de dissuasão do Brasil não corresponde às suas potencialidades e necessidades. A defesa precisa estar em sintonia com ampliação da comunidade científica e dos setores técnicos-industriais. Até o presente, tal sintonia foi quimérica.

Finalmente, a defesa deve contar com instrumentos de força para cumprir missões especializadas. Hoje prevalece a confusão de atribuições desses instrumentos, distribuídos entre as diversas alçadas da Federação. O Exército, sobretudo, dá exemplo negativo ao se meter em tudo. Não admite que a dissuasão de agressores estrangeiros e a segurança pública garantidora da cidadania são missões distintas.

Resultado: temos fragilidade na vigilância de fronteiras terrestres, na proteção do espaço cibernético, na segurança da navegação costeira e fluvial, na segurança do tráfego rodoviário, na repressão à criminalidade, na proteção à cidadania, na contenção de distúrbios e de grandes comoções, na efetividade da guarda patrimonial e da proteção do patrimônio ambiental.

A atribuição de preservar a “lei e a ordem” conferida ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica conturba a definição de papeis dos instrumentos de força do Estado. Funções militares e policiais precisam ser diferenciadas. Enquanto persistirem indefinições sobre a natureza das corporações armadas, tanto a defesa como a proteção da cidadania serão débeis ou inexistentes.

Ao escolher os comandantes, cabe à chefia-de-Estado dirigir perguntas iniciais aos mais graduados: (i) As Forças Armadas têm poder moderador? (ii) Os que não observam os regulamentos disciplinares e as leis devem ser punidos? (iii) Vamos trabalhar para defender os brasileiros neste mundo tumultuado? (iv) Que tal fechar os escritórios militares em Washington? Daí escolherá os que revelarem mais afinidade com sua concepção de defesa nacional. Trata-se de escolha avisada, mas solitária. A defesa não cabe em rateios de coligação partidária.

De outro modo, o chefe-de-Estado não poderá dizer: pela primeira vez na história deste país um presidente da república assumiu o comando supremo das Forças Armadas e risca ser tragado por desordeiros uniformizados.

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18
Nov22

Com vazamentos para imprensa, militares tentam enquadrar transição

Talis Andrade

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General que mandou Barroso tomar cuidado aumentou em 900% seu patrimônio nos anos Bolsonaro

 

Por Jeferson Miola /247 

Oficiais militares, principalmente do Exército, usam a imprensa para testar o trânsito das suas pretensões na transição de governo; mas, em especial, para tentar enquadrar e/ou influenciar as escolhas do governo eleito acerca do ministério da Defesa e das Forças Armadas.

Plantam informações e versões – algumas verdadeiras, outras falsas –, insinuam planos e propostas e, também, fazem circular factóides e balões de ensaio.

Eles estão centralmente empenhados em emplacar seus interesses político-partidários, corporativos e estratégicos no processo de transição de governo.

Apesar de aquartelarem nas sedes dos comandos militares as hordas de criminosos e fascistas que promovem caos, baderna e atentam contra a democracia, as cúpulas militares fazem de conta que tudo transcorre dentro da mais absoluta normalidade.

Este simulacro de normalidade é funcional e conveniente. Com a simulação de uma falsa normalidade, eles tentam continuar interferindo na política como se nada tivesse acontecido e como se nada de anormal e inconstitucional ainda continuasse acontecendo.

São sintomáticos, nesta condição de normalidade, os vazamentos que eles fazem sobre o perfil do ministro da Defesa que poderiam “aceitar” ou “objetar”. Vazam que “admitem” um ministro civil, mas não sem indicar preferências e restrições.

Não simpatizam com a possibilidade, por exemplo, de que o eventual indicado venha a ser algum jurista egresso do STF ou, então, algum diplomata.

Por outro lado, sinalizam que ficariam satisfeitos com a nomeação de alguém com o perfil de Aldo Rebelo – que, não por acaso, cultiva uma cosmovisão convergente com a deles sobre o papel histórico, presente e futuro das Forças Armadas na tutela da democracia.

Para a escolha dos comandantes das três Forças, eles nem de longe cogitam transferências para a reserva, pois “apostam” que Lula observará o critério de antiguidade e nomeará os mais antigos – estes mesmos generais oficiais e comandantes que estimulam e defendem os atos criminosos e antidemocráticos organizados e reunidos em áreas de administração militar.

Em reportagem do jornal Estadão, o jornalista Felipe Frazão menciona que na visão de generais da ativa ouvidos, “seria natural a preparação da transição pelos generais mais antigos de cada Força, cotados para assumir o comando-geral”.

Esta pretensão absurda evidencia a arrogância das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que arvoram para si prerrogativas e poderes não previstos na Constituição brasileira. Eles não reconhecem o dever de obediência ao poder civil e às instituições civis.

O fim do governo militar nominalmente presidido por Bolsonaro representa, igualmente, o encerramento de mais um ciclo desastroso de atuação dos militares na política.

No contexto da restauração da democracia, será preciso despartidarizar, despolitizar e, sobretudo, profissionalizar as Forças Armadas à luz da missão exclusiva da defesa do país em relação a eventual agressão estrangeira.

Para isso, é imprescindível transferir para a reserva a geração de oficiais que ainda hoje, século 21, respira os ares do porão da ditadura, idolatra o sanguinário Brilhante Ustra e reverencia como guia intelectual o general-conspirador Villas Bôas.

A tragédia legada pelo governo militar, que deixou o país em escombros e o povo brasileiro em sofrimento profundo, é um testemunho eloquente da incompatibilidade do alto oficialato e dos comandantes não só com a democracia, mas também com um projeto de Forças Armadas competentes, legalistas, profissionais e confiáveis.

Villas Bôas, o general golpista, volta a atacar

 
 

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