Desde que foi eleito - e pelo atual sistema de votação -, Jair Bolsonaro vem se dedicando a denegrir a Justiça Eleitoral e desmoralizar a urna eletrônica, apontando supostas fraudes que nunca conseguiu comprovar. Como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, em setembro do ano passado, a popularidade da urna chegou a níveis desconfortáveis, chegando a um percentual de desconfiança que batia perto dos 30%.
Ter um terço do eleitorado desconfiando da urna, com um presidente golpista questionando o voto eletrônico dia sim, outro também, alarmou o então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, que encomendou duas campanhas publicitárias de valorização do voto e do sistema eletrônico. Cerca de seis meses depois, as pesquisas estão deixando claro que o brasileiro recuperou boa parte de sua confiança nas urnas - e talvez isso explique a nova investida de Bolsonaro contra elas, instrumentalizando os militares na linha de frente de seu combate tresloucado.
O levantamento Genial/Quaest divulgado nesta quarta mostra que o percentual dos que dizem não confiar nas urnas caiu para 22% - um número que não é pequeno, mas que coincide com parte do eleitorado bolsonarista e não chega a ameaçar a democracia. A soma dos que dizem "confiar muito" e "confiar um pouco" na urna eletrônica cresceu de 70% para 75% (40% muito, 35% um pouco) de setembro para cá, pelo mesmo instituto, indicando uma recuperação de imagem.
Não sabemos ainda o que mais Bolsonaro e seus operadores verde-oliva vão aprontar contra a urna. Mas a cruzada bolsonarista contra as Cortes superiores do Judiciário - STF e TSE - não vem sendo aprovada pela maioria da população e pode resultar em perdas eleitorais. A mesma pesquisa aponta que 45% das pessoas consideram errado o perdão dado pelo presidente da República ao deputado Daniel Silveira, contra 30% que acharam certo.
Este último índice, não por acaso, coincide com o eleitorado de Bolsonaro - que, pelo que se vê, late, assusta e faz muito barulho, mas continua confinado na própria bolha.
Filé mignon, picanha, bacalhau, camarão, salmão e bebidas alcóolicas não frequentam a boia servida a soldados e militares de baixa patente. É comida para generais e oficiais graduados.
Da rubrica do Orçamento “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente da Covid”, só deveria sair dinheiro para compra de itens essenciais.
E daí? Daí que não foi assim no Ministério da Defesa em 2020, informa levantamento sigiloso feito pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas do Tribunal de Contas da União.
Segundo a repórter Constança Rezende, da Folha de São Paulo, a Secretaria constatou que, dentre os órgãos superiores dos três Poderes, a Defesa foi o que mais gastou com itens não essenciais.
Resposta do Ministério da Defesa por meio de sua assessoria de imprensa: as atividades militares foram mantidas na pandemia e faz parte delas a alimentação das tropas. Resposta capenga.
Os auditores esperavam que, em consequência do regime telepresencial de trabalho, houvesse redução de gastos com alimentação, como houve nos ministérios da Educação e da Saúde.
Trechos do relatório dos auditores:
“Não parece razoável alocar os escassos recursos públicos na compra de itens não essenciais, especialmente durante a crise sanitária, econômica e social pela qual o país está passando, decorrente da pandemia”.
“Ressalte-se que, dos recursos destinados ao combate à pandemia Covid-19 utilizados indevidamente para aquisição de itens não essenciais (aproximadamente R$ 557 mil), 96% foram despendidos pelo Ministério da Defesa”.
“Além de não servir à finalidade a que se destina, a contratação desse tipo de insumo fere o princípio da moralidade previsto no art. 37 da Constituição Federal de 1988, o qual está diretamente relacionado à integridade nas compras públicas”.
Diz ainda o relatório que a aquisição de comida por órgãos públicos “deve ter por finalidade o fornecimento de alimentação saudável, balanceada e adequada para suprir as necessidades nutricionais básicas de seu público-alvo”.
Mais da metade da população brasileira — 116 milhões de pessoas — vive com algum grau de insegurança alimentar. Ao menos 19 milhões passam fome, situação agravada pela pandemia e pela crise econômica do país.
Em reunião secreta, Marcos do Val afirma a grupo de médicos que trabalhava para garantir acesso à droga; CFM e Ministério participaram.Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Folhapress
O senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo e membro da CPI da Covid, trabalhou com o gabinete paralelo que orientou o uso de medicamentos e políticas públicas inúteis contra a covid-19. Em uma longa reunião privada, classificada pelo empresário Carlos Wizard como um “encontro nacional” com médicos de “27 estados”, o senador foi apresentado como o “padrinho político” da iniciativa.
Uma gravação do encontro foi entregue agora ao Intercept por uma fonte que pediu para se manter anônima por medo de represálias. O material, com confissões até então inéditas, não faz parte dos documentos recolhidos pela CPI. Para preservar a identidade da fonte, o Intercept optou por não publicar a íntegra do vídeo, mas apenas trechos dele.
Numa fala de quase dez minutos, do Val afirmou que trabalhava para convencer autoridades para que adotassem o chamado kit covid, assim como para organizar a distribuição de fármacos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus. O senador mencionou tratativas dele com as Forças Armadas, governadores, prefeitos, o Ministério Público e a Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A reunião ocorreu em 28 de junho de 2020.
“Estou aqui não só como padrinho, mas como ponta de lança para entrar onde vocês vão ter dificuldade”, disse o senador no encontro. “Até peço: não entre na seara política, que é muito complicada. Pode contar comigo que vou estar na neutralidade, não quero e não vou fazer publicidade disso. Para mim, fazer publicidade disso é um crime”.
A confissão do senador – que meses depois mentiu a respeito, como mostram notas taquigráficas de sessão da CPI – foi feita em uma reunião fechada de duas horas do grupo, que se autodenomina “conselho científico independente”.
No mesmo encontro virtual, o médico Emmanuel Fortes, que é um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina, o CFM, e membro ativo do gabinete paralelo, confirma que a entidade trabalhou alinhada aos defensores do tratamento precoce para dar garantias a quem prescrevesse a medicação inútil a pacientes de covid-19.
Além disso, o vídeo confirma o papel central de Wizard no gabinete paralelo montado por Jair Bolsonaro para aconselhá-lo no combate à covid-19. Ao longo de mais de duas horas, é ele quem preside a reunião, distribui tarefas e faz pedidos aos médicos que participam do encontro virtual.
O coquetel de medicamentos, que contém cloroquina e ivermectina, é comprovadamente ineficaz contra o vírus que já matou quase 600 mil brasileiros, de acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde e da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Eu procurei Marcos do Val para que comentasse o vídeo. Em entrevista, o senador confirmou que trabalhou pela aquisição de cloroquina, mas negou que atuava para ajudar o presidente Jair Bolsonaro, principal interessado em vender a ideia de que a cloroquina significava a cura da covid-19 para incentivar que os brasileiros voltassem às atividades rotineiras e evitassem a retração econômica. Do Val disse, inclusive, que se revolta ao ver o presidente provocando aglomerações, e que nunca esteve em reuniões com ele para tratar de qualquer assunto.
“Não fazia parte de um gabinete ou nenhum conluio. Para mim isso não existia”, disse. O vídeo, contudo, o desmente. Do Val também argumentou que sua atitude foi correta à época, mas que, com o surgimento das vacinas e novas evidências da ineficácia das drogas do kit covid, ele reviu sua posição.
Na época da reunião, no entanto, o governo dos EUA já afirmava não ser “razoável” acreditar na eficácia da cloroquina. E um estudo conduzido pelo governo britânico não encontrou qualquer benefício no uso do medicamento. Ou seja: no mínimo, não havia qualquer informação científica que autorizasse a corrida para inundar o Brasil com comprimidos de cloroquina. Hoje, sabe-se que o uso da droga inclusive aumentou a mortalidade de pacientes de covid-19, segundo uma pesquisa publicada pela revista científica Nature.
Os senadores Jorginho Mello, do PL de Santa Catarina (de máscara) e Marcos do Val cumprimentam o empresário e entusiasta da cloroquina Luciano Hang antes do depoimento dele à CPI, no Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
A mentira do senador
Marcos do Val jamais revelou detalhes de sua atuação junto aos médicos, apesar do grupo ser um dos focos centrais da investigação de que ele mesmo faz parte. Pior: durante o depoimento de Wizard à CPI, em 30 de junho passado, do Val apenas disse que foi convidado para uma live com Wizard e que nunca lhe pediram nada.
“Não me foi pedido nada, apoio de nada, absolutamente nada. Então, eu queria deixar claro isto pra sociedade, pra todos que estão assistindo: como eu acabei te conhecendo, como eu acabei conhecendo a equipe de médicos e cientistas”, disse, na CPI.
O encontro secreto mostra outra fotografia. Um ano antes do depoimento prestado por Carlos Wizard, do Val disse que tinha proximidade com o empresário, com o presidente Jair Bolsonaro, e se cacifou como representante dos médicos que buscavam promover um medicamento sem eficácia contra o coronavírus.
O parlamentar revelou que por seus esforços conseguiu “fazer com que as Forças Armadas disponibilizassem oficialmente o Exército aqui no meu estado para armazenar a medicação e fazer a distribuição”. “Consegui recursos com o Ministério da Saúde para compra de mais de 200 mil kits para o meu estado, são 4 milhões de moradores”, orgulhou-se.
Adiante, ele repetiu a afirmação: “A gente está conseguindo fazer o movimento mesmo com o governador [do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB] ter sido contrário, do secretário de Saúde ser extremamente contrário a isso. Consegui [empurrar a distribuição da cloroquina] via Ministério Público, via CRM”, falou, referindo-se ao Conselho Regional de Medicina capixaba.
À época da reunião, o país vivia a primeira escalada de casos de covid-19 e somava cerca de 55 mil mortes. Bolsonaro já havia defendido a cloroquina e trabalhava para viabilizar a importação dos insumos. O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército produzia o medicamento em larga escala.
Mas todo esse esforço já não encontrava respaldo na Organização Mundial da Saúde, que estava revendo pesquisas com a droga por conta do risco do medicamento à saúde dos voluntários. Dias depois, em 4 de julho, a OMS encerraria definitivamente as pesquisas sobre a cloroquina.
Nada disso importava para quem participava daquela reunião virtual. O encantado Wizard contava que via do Val como um lobista do grupo – e da cloroquina – junto a órgãos públicos.
“Por que um grupo de médicos de 27 estados precisa do apoio de um senador que nem médico é? Quero dizer a todos vocês que em alguns momentos específicos, vamos precisar do apoio do senador do Val. Seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército, para dispensar os remédios no seu município, no seu estado, seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local. Seja muito bem-vindo, senador. Agradecemos e contamos com seu apoio”, aplaudiu o empresário.
As falas de Wizard e do Val foram acompanhadas por ao menos 16 pessoas de todas as regiões do país e que faziam lobby pelo uso do kit covid junto a estados e prefeituras.
‘A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo’.
No encontro esteve também o atual secretário-executivo adjunto do Ministério da Saúde, Alessandro Vasconcelos, que à época era assessor especial da Secretaria-Executiva, comandado pelo coronel Élcio Franco. As médicas Nise Yamaguchi, Luciana Cruz, e os médicos Guili Pech e Roberto Zeballos também participaram.
O senador é novato na política: foi eleito em 2018 na onda do bolsonarismo. Dono de uma empresa que dá treinamentos de segurança a policiais, do Val orientou os médicos cloroquiners a evitarem conflitos e processos judiciais enquanto batalhavam pelo tratamento precoce.
“A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo. Eu tô botando o nome porque eu me sinto à vontade para falar isso com vocês, para não ter melindre. Não adianta entrar em rota de colisão com a Globo, não adianta entrar em rota de colisão com governador que é contrário, a gente tem que criar estratégia e saber chegar ao resultado sem fazer vídeos batendo, sem fazer vídeos agredindo ninguém. Porque isso vai trazer um processo judicial que vai tirar o tempo de vocês”, explicou o senador.
Em vários momentos da reunião, os participantes relatam estratégias para driblar as políticas públicas de cidades contrárias ao tratamento precoce. Em um dos relatos, a médica Luciana Cruz, que integra grupos que promovem desinformação sobre a covid-19, disse ter convencido os gestores de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, a adotarem o tratamento precoce. Ela apresentou a notícia como uma forma de driblar a resistência ao ineficaz tratamento precoce que havia encontrado na capital do Mato Grosso.
Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina: ‘É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa [da cloroquina] que gerou o dano à saúde’. Foto: Divulgação/Facebook
CFM garantiu disseminação da cloroquina
Ainda que tenha falado menos do que o senador Marcos do Val, o médico Emmanuel Fortes, vice-presidente do CFM, é outra estrela da reunião.
“Eu sou o coordenador do Departamento de Fiscalização e da Propaganda e Publicidade Médica [no CFM]. E sou o responsável, fui o relator do parecer sobre uso off label do medicamento”, ele disse, em referência ao relatório de 2016 que autorizou a prática. “Então, tudo que está sendo feito agora [com a cloroquina] está amparado em uma nota técnica do CFM e no parecer sobre uso off label dos medicamentos”, vangloriou-se Fortes.
O uso off label é a indicação de um medicamento para fins não especificados na bula pelo fabricante nem reconhecidos pela Anvisa. Além do parecer de 2016, uma segunda nota técnica, publicada em 2020 pelo CFM, deu sustentação para que médicos alinhados a Bolsonaro pudessem prescrever cloroquina, ivermectina, azitromicina e outros remédios que não têm nenhum efeito contra a doença causada pelo novo coronavírus sem medo de sofrer punições por infringir a ética médica. O texto de 2020 distorceu o conceito de autonomia do médico para ajudar na disseminação do kit covid.
Assim como o senador, Fortes orienta os médicos a não confrontarem colegas de profissão contrários ao tratamento com cloroquina. Ele argumenta, sem explicar bem seu raciocínio, que os profissionais que desconfiaram – com razão – da cloroquina é que corriam riscos de ser processados por pacientes insatisfeitos.
“Se tiver problemas [derivados do uso da cloroquina], é necessário que haja uma relação de causa e efeito. É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa que gerou o dano”, falou, com frieza.
“Agora, [no caso de] quem não prescreve, aí a situação fica muito mais complexa. Basta ir no prontuário e ver que a pessoa não tomou providência preliminarmente e [isso] pode [resultar nela] ser acionada judicialmente. […] A gente tem que dizer àqueles que prescrevem [a cloroquina] que a salvaguarda deles é muito maior do que para quem não prescreve”, calculou Fortes.
Jair Bolsonaro e o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde que liberou o uso generalizado da cloroquina contra a covid-19: intenção era criar a impressão de que havia uma cura fácil para a doença. Foto: Andressa Anholete/Getty Images
Apoio no Ministério da Saúde
Também participou da reunião virtual o então diretor do Departamento de Gestão do Trabalho em Saúde, Alessandro Vasconcelos. À época, ele era subordinado ao general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro interino da Saúde.
Após pedidos dos médicos que estavam na live, Alessandro se comprometeu a enviar documentos da Secretaria-Executiva (à época comandada pelo coronel Élcio Franco) que informassem a data em que os estados receberam cloroquina e a quantidade do medicamento enviado. O objetivo era ter em mãos documentos para pressionar os governadores a distribuir a droga aos municípios.
Vasconcelos se dispôs a interferir junto ao Conass, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que representa secretários estaduais, em busca de reuniões entre o gabinete paralelo e autoridades locais de municípios que tinham “bloqueios”, classificação no grupo para as cidades em que a cloroquina era barrada.
Diferentemente de quando depôs à CPI, onde se agarrou a uma decisão do Supremo Tribunal Federal e repetiu dezenas de vezes que não iria responder a pergunta alguma, Carlos Wizard parece à vontade ao longo da reunião virtual. Além de coordenar o encontro, ele estimulou que líderes do grupo dessem entrevistas a meios de comunicação para disseminar os efeitos (inexistentes) cloroquina contra a covid-19.
“Seja a doutora Luciana, o doutor Zeballos, a doutora Nise, o doutor Anthony, [ou] os demais membros do conselho. Entra pelo Skype, entra pelo Zoom. O que nós queremos é cada vez mais divulgar esse protocolo de tratamento precoce”, disse Wizard.
Marcos do Val com os colegas senadores Flávio Bolsonaro, do Republicanos do Rio, e Marcos Rogério, do DEM de Rondônia: contra a ciência, jogando a favor da cloroquina. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Senador se diz arrependido
Na quarta-feira, 6 de outubro, à noite, enviei questionamentos à assessoria do senador Marcos do Val. Em seguida, ele mesmo pediu para dar uma entrevista por telefone sobre o caso. Em cerca de 1h20 de ligação, me explicou suas ações e contextualizou a época do vídeo. Depois, ainda me enviou vídeos de suas redes sociais e documentos que a seu ver legitimam sua atuação em prol da cloroquina.
Na mesma noite, Edvaldo Fernandes, da Advocacia do Senado Federal, me mandou mensagem, a pedido do senador, para emitir uma opinião sobre as atitudes dele.
“O senador Marcos do Val reportou o contato de vocês, enviou documentos e esclarecimentos. Pelos dados disponíveis, não identificamos nada de irregular, já que o senador sempre atuou sob o manto da imunidade parlamentar, fez sim defesa de tratamento precoce e preventivo no começo da pandemia, mas convergiu para a posição ortodoxa quando a ineficácia dessas abordagens se provaram cientificamente ineficientes”, escreveu Fernandes.
A advocacia do Senado serve aos senadores, mas é incomum jornalistas receberem posicionamentos desses servidores sem que o órgão seja procurado para esclarecimentos.
Na conversa comigo, Do Val fez questão de mostrar o ofício enviado ao Ministério da Defesa. Como já havia dito na reunião, ele reiterou que intermediou a doação de cloroquina de laboratórios a um hospital privado, que por sua vez repassaria os comprimidos para médicos os receitarem a pacientes em clínicas particulares.
“Não lembro a quantidade, lembro que nem tive acesso a esses remédios, nem vi, nem toquei [neles]. Só falei para os médicos: olha, está chegando [cloroquina] para o hospital [privado] aqui no estado, o MedSênior, eles que vão receber, porque têm toda liberação da Anvisa. E vocês vão pegar lá, cada médico, e botar sua identidade e tudo mais. Eles [os médicos] pegaram e dentro de suas clínicas particulares receitaram”, disse. O senador disse que a articulação foi comunicada ao Ministério Público do Espírito Santo.
Ele disse, ainda, que conseguiu “uma doação que foi feita diretamente de fábrica para hospital, que entregou para os médicos”. “Eram amostras grátis. Fui pedindo rebarba de remédios, que iriam vencer em seis meses, e até a entrega às farmácias estariam vencidos”, acrescentou. Para embasar o que falava, me mostrou um ofício da Eurofarma em que registram a doação em julho de 2020 para a empresa Samedil.
‘A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar a cloroquina’.
“Hoje, como integrante da CPI, eu vi, foram descortinadas coisas que eram feitas e que, se eu soubesse [na época], não teria participando dos grupos e movimentos”, disse.
Do Val admitiu que em nenhum momento foi cobrado ou trabalhou pela aquisição de respiradores ou insumos para leitos de UTI – duas alternativas reais para salvar vidas –, mas apenas pela entrega de cloroquina aos médicos.
O senador do Val disse que se interessou pela pauta da cloroquina quando teve covid, em maio de 2020. À época, foi procurado pelo médico Fábio Pimenta, membro suplente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo. No entanto, me relatou que sua atuação só ganhou força após os encontros com Wizard.
“[A live com Wizard] Era exatamente para dizer como a gente ia trabalhar para ajudar. Não era convencer [a sociedade], não, porque não sou médico. Era ajudar os médicos que eram favoráveis. A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar isso [a cloroquina]”, afirmou.
Ele contou que montou um grupo com 76 dos 78 secretários municipais do seu estado para discutir demandas, e que atuou diretamente com eles, sem procurar o Conasems, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, entidade responsável por tratar e definir políticas públicas junto ao Ministério da Saúde.
Sobre as críticas à Globo, disse que a empresa age politicamente e queria criticar os métodos do presidente. Já sobre sua fala na CPI de que não ofereceu ajuda, disse que ele foi mal interpretado.
“A minha fala de não pedir nada é [não pedir] nada ilícito. Digo que não me pediram nada, eu tenho que complementar com o ‘ilícito’? Eu não sou político de carreira, então tem que ter essa malícia, pode ser que nas próximas eu seja mais detalhista”, esquivou-se.
Após a publicação da reportagem, a Advocacia do Senado enviou uma nota em que repete as considerações ditas por Marcos do Val na entrevista. Ela pode ser lida na íntegra aqui.
Procurei o advogado de Carlos Wizard, Adelmo Emerenciano, e perguntei sobre a reunião, o contato com o senador e articulação do gabinete paralelo. Ele respondeu que, “tendo em vista que não acessou o material da reunião, Carlos Wizard não vai se manifestar”.
O Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina foram procurados por e-mail, mas não se manifestaram.
A conclamação do Bolsonaro para a matilha fascista se armar com fuzil não é galhofa; é estratégia política: “povo armado jamais será escravizado!”, brada o “mito”.
Esta estratégia política vem sendo materializada pelo Exército por meio da liberalização geral das normas sobre compra, posse e uso de armamentos e munições por particulares.
Desde 2019, o governo militar publicou mais de 20 portarias e decretos com este objetivo. “Como resultado da guinada, este é o momento de toda a história nacional em que existem mais armas nas mãos de cidadãos comuns. Em 2019 e 2020, os brasileiros registraram 320 mil novas armas na Polícia Federal. De 2012 a 2018, o total havia sido de 303 mil. As autorizações concedidas pelo Exército a caçadores, atiradores esportivos e colecionadores de armas também bateram recorde no atual governo — 160 mil nos últimos dois anos contra 70 mil nos sete anos anteriores. O mercado de armas e munições, tanto as de origem nacional quanto as importadas, está extraordinariamente aquecido”, noticia site do Senado.
Além da escória armada que se proclama “gente de bem” – empresários, latifundiários, pastores, caminhoneiros, motoqueiros, militantes de extrema-direita, frequentadores de CACs [clubes de colecionadores, atiradores e caçadores] etc –, as milícias e o crime organizado também se beneficiam com a estimulação deste mercado homicida.
Esta estratégia bolsonarista é coerente com a ideia da política como exercício da violência, inclusive armada, analisa o professor Paulo Arantes. É o confronto violento entre diferentes “visões, valores e expectativas humanas”; “é luta, é violência, é eliminação do adversário”.
"Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa"
Paulo Arantes entende que Bolsonaro representa uma ruptura com base popular e significa a descontinuidade do padrão civilizatório. O “bolsonarismo, como tal, reintroduziu a política no cenário contemporâneo” nos termos mencionados.
Ele critica que enquanto a esquerda pensa a política numa perspectiva gestionária, de gestão e atenuação da barbárie capitalista com políticas compensatórias ao invés da superação revolucionaria do sistema, eles “romperam com a ideia gestionária de política, estão se lixando para políticas públicas e em governar; vieram para destruir e encaminhar o programa deles”. O bolsonarismo significa, neste sentido, uma perspectiva renascentista.
É uma visão apocalíptica, diz Arantes, que chama atenção para o ativismo orgânico da extrema-direita: “eles estão seriamente engajados”.
Os bolsonaristas acreditam que “cedo ou tarde vão encerrar o ciclo inaugurado por essa coisa nova que foi 64, que não foi uma quartelada, mas foi uma mudança de civilização que não se completou, [porque] foi traída” pelos generais que traíram a “revolução de 64” e devolveram o poder aos vencidos [sic].
É esta geração de oficiais ressentidos e reacionários – órfãos e viúvos da ditadura – que chegou ao poder através do Bolsonaro e que comanda o país. Augusto Heleno, por exemplo, foi ajudante-de-ordens do general Sílvio Frota, um expoente da linha mais facínora da ditadura que era radicalmente contra o fim do regime.
O horizonte bolsonarista da luta política é o extermínio, o aniquilamento do inimigo
Bolsonaro precisa ser levado a sério nas suas sandices. Como, por exemplo, quando reclama que a ditadura assassinou menos opositores do que deveria; ou quando explica didaticamente a natureza destrutiva/ecocida/genocida do projeto que lidera: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.
O horizonte bolsonarista da luta política é o extermínio, o aniquilamento do inimigo; não uma disputa institucional entre distintos projetos políticos e de gestão do Estado; é guerra.
O bolsonarismo aposta no confronto, na guerra armada. Eles acreditam no “vaticínio da guerra civil”, alerta Arantes. Na visão dele, há um “sistema jagunço brasileiro que está sendo montado e está sendo armado”, que faz com que o Brasil seja “a primeira nação a voltar mil anos atrás, em que a origem do Estado é o crime organizado, a extorsão”.
Com a politização nova das Forças Armadas, diz Paulo Arantes, “que, ao contrário da interferência desde que existe República no Brasil, que eles fazem e desfazem políticas, dão quarteladas, se transformam em guarda pretoriana etc, pela primeira vez estão na direção de se transformar em um bando armado, como foi o Estado Islâmico, como vai ser o Afeganistão agora”.
Diante deste cenário, de nada adianta se “cortar os pulsos” por desespero ou se contentar com notinhas de repúdio e discursos vazios dos líderes das instituições que “funcionam normalmente”.
É preciso mais, muito mais, sobretudo em termos de capacidade de mobilização democrática e popular na escala de dezenas de milhões de manifestantes nas ruas.
Na contramão de outras instituições federais, o comando das Forças Armadas no Brasil tem mais “instituidores de pensão” – servidores que morreram, deixando pensão para parentes – do que servidores na ativa. Segundo dados de fevereiro do Painel Estatístico de Pessoal, havia 11,6 mil servidores lotados nos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica, e um total de 27,1 mil provedores de pensão nessas mesmas instituições. Nos demais órgãos federais (somando administração direta, autarquias e fundações), havia 582 mil servidores da ativa e apenas 210 mil instituidores de pensão. Ou seja: para cada servidor da ativa no comando das Forças Armadas há 2 provedores de pensão, enquanto no restante do governo a proporção é inversa: para cada provedor de pensão há 3 servidores da ativa.
Um cenário similar se repete quando se analisa o quadro geral de pensionistas das Forças Armadas. As instituições militares têm, proporcionalmente, mais pensionistas do que as instituições civis. Em fevereiro, havia 370 mil militares na ativa, no Brasil, e 226 mil pessoas recebendo pensões deixadas por militares. Ou seja, para cada dez militares que estão na ativa, há seis parentes de militares recebendo pensão. Entre os civis, a proporção é consideravelmente menor. Enquanto havia, em fevereiro, 582 mil servidores civis na ativa no governo federal, 256 mil pessoas receberam pensões deixadas por servidores civis. Portanto, para cada dez servidores civis da ativa, há apenas quatro pensionistas.
A comparação foi feita com base nos dados obtidos pela agência Fiquem Sabendo, que, após cobrar reiteradamente o Tribunal de Contas da União (TCU), conseguiu que o governo federal divulgasse informações sobre os pensionistas das Forças Armadas.
Fonte: Painel Estatístico de Pessoal (Ministério da Economia); Agência Fiquem Sabendo, com dados do Portal da Transparência; Ministério da Defesa.
Um indicador visível e seguro dos efeitos do bolsonarismo nas Forças Armadas, segundo a parte mais notória da opinião pública, veio da opção de confiança depositada em duas repórteres ou no general de quatro estrelas e ministro da Defesa que as contestou, Walter Braga Netto. Mesmo sem possibilidade de oferecer prova do que noticiaram, as duas jornalistas viram-se acreditadas enquanto a nota contestatória do general-ministro ruía em desconsideração imediata e irremediável.
O bordão de Bolsonaro, repetido no dia do recado. Não seria senão para isso, e outras atitudes assim, que foram substituídos os comandantes da Marinha e da Força Aérea, assumindo dois oficiais tidos como bolsonaristas. Também o do Exército, passado a um presumido manobrável, e posta a Defesa em mãos do ex-braço direito (e direita) de Bolsonaro no Planalto.
A articulação antidemocrática foi fortalecida, portanto, e fez agora a segunda demonstração de sua índole. Prever a terceira não é temeridade.
A poderosa função de Ciro Nogueira, liderança do centrão, vem do que ele pode obter para suprir as carências do governo na Câmara. Não é outra coisa que os militares bolsonaristas desejam, de olhos postos na eleição que ameaçam e nas pesquisas que os ameaçam abraçados a Bolsonaro. Militares bolsonaristas não se contrapõem: são aliados. De ocasião, é verdade, e de igualdade de caráteres, lembrando-se que o general Augusto Heleno volta à moda pelo que cantava: “se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”. Nem o Ciro Nogueira com quem o general agora se enlaça.
Golpe e eleição se misturam. O Ciro Nogueira que dará a deputados o que faça aprovar concessões eleitoreiras pró Bolsonaro, fará o mesmo para a sua pretendida candidatura ao governo do Piauí. Onyx Lorenzoni, no Trabalho, tem igual tarefa para Bolsonaro e para sua ambição no Rio Grande do Sul.
Nas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira e o amorfo Rodrigo Pacheco jogam o jogo de Bolsonaro, inclusive digerindo as ameaças militares, também para benefícios a suas sonhadas candidaturas aos governos de Alagoas e Minas.
Bolsonaro ficou de apresentar nesta semana as tais provas de fraude nas urnas eletrônicas. Caso mostre alguma coisa, será obra que a Abin, inconfiável por definição, está fazendo há meses. A Abin é sempre esquecida quando o golpe é citado, e esse é um erro. A “procura de fraudes”, por exemplo, ativada pelo diretor da agência, delegado bolsonarista Alexandre Ramagem, deve ser o apelido de outra coisa. Talvez o que apareça como fraude da urna, ou fraude fraudada.
Andreza Matais e Vera Rosa, além do trabalho jornalístico, tiveram a coragem de se expor às contestações problemáticas, dada a ausência de prova disponível para suas informações. O Estado de S. Paulo merece igual reconhecimento pela publicação. Que a mim fez lembrar a serena firmeza do velho Octavio Frias, em tantas situações e decisões semelhantes. Mas há quem ache que o jornalismo está morrendo.
Falou Neles
A delação espontânea da viúva de Adriano da Nóbrega, o ex-capitão miliciano assassinado por PMs na Bahia, encalhou no Ministério Público do Rio. É que Júlia Lotufo falou muito e, embora se disponha a falar ainda mais, já deixou o sobrenome Bolsonaro na pior situação.
Generais, brigadeiros e almirantes deveriam ser os primeiros a querer esclarecer as gravíssimas denúncias de corrupção, reveladas pela CPI da Covid, que batem à porta de Bolsonaro e de uma penca de fardados. Mas o que estamos vendo é bem o contrário.
Como em outros momentos da nossa história, a cúpula das Forças Armadas e o Ministério da Defesa preferem esconder a sujeira embaixo do tapete e peitar as instituições democráticas, afrontar a Constituição e a sociedade civil. É esse o sentido da nota assinada pelo ministro Braga Netto e pelos três comandantes militares após a declaração do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), de que há um “lado podre das Forças Armadas envolvido com falcatrua dentro do governo”.
Alguém duvida disso? A pior gestão da pandemia no mundo foi a de um militar brasileiro, o general da ativa Eduardo Pazuello. Agora, sabemos também que a alta hierarquia do ministério na gestão dele, toda fardada, aparece no ‘vacinagate’, notadamente seu ex-secretário-executivo, o coronel da reserva Élcio Franco.
Depois de tantos anos restritos aos quartéis e às suas atribuições profissionais, os militares voltaram ao poder de braços dados com um sujeito desqualificado, medíocre, notoriamente ligado a esquemas criminosos, que vão de rachadinhas a milicianos, e que é sustentado no Congresso pelo Centrão.
Cúmplices e agentes ativos de tudo isso, os militares vêm cantar de galo, atribuindo-se o status de “fator essencial de estabilidade do país”. Ora, é exatamente o contrário. Senhores fardados, vocês deixarão uma herança de morte, doença, fome e corrupção. Querem enganar quem? Acham que estão em 1964?
Baixem o tom, senhores. O Brasil não tem medo de suas carrancas, de seus coturnos e de seus tanques. Generais, vistam o pijama e, quando a pandemia passar, organizem um campeonato de gamão na orla de Copacabana. É o melhor que podem fazer pelo país.
Surpreendente, na investida do ministro da Defesa e dos três comandantes das Forças Armadas contra a CPI, é a adoção do mais característico no método bolsonarista de ataque político
O senador Omar Aziz e, por extensão, os senadores sob sua presidência, são postos como culpados de agressões verbais que não fizeram às Forças Armadas, tratamentos indignos que não dirigiram a militares depoentes, e ainda atitudes “vis e levianas” que não tiveram no intuito de desvendar a criminalidade associada às mortes da pandemia.
Não é crível que os militares do Exército envolvidos na ação mortífera do Ministério da Saúde, e citados nas falcatruas com vacinas, sejam representativos das Forças Armadas a ponto de merecerem defesa tão desmedida do ministro e comandantes.
É, no entanto, o que a nota dá a entender. Em particular quanto a “Pazuello, um general da ativa”, como reiterou à repórter Tânia Monteiro (O Globo) o brigadeiro Batista Jr., um dos signatários da nota. Até agora não constava que estar na ativa significasse, em comparação de dignidades, mais do que isto mesmo: estar na ativa.
Se admissível ter dúvida absurda, oito procuradores do Ministério Público Federal em Brasília respondem: explicitam o que, de fato, distingue o general da ativa Eduardo Pazuello.
Do alto de suas estrelas, ele “retardou conscientemente” a contratação de vacinas, deixando sem resposta mais de 80 ofertas de fornecimento da Pfizer.
“Nenhuma das objeções” à aceitação “se justifica”, inclusive porque as mesmas cláusulas recusadas à Pfizer foram antes aceitas com a AstraZeneca.
O general da ativa fez “gestão gravemente ineficiente e dolosamente desleal (imoral e antiética)” na Saúde sob situação crítica, diz o parecer dos procuradores em ação por improbidade.
A confusão entre a instituição Forças Armadas e militares suspeitos, investigados ou criminosos provados (como o tenente terrorista, perdoado e promovido Jair Bolsonaro) está na raiz de males insuperáveis no percurso brasileiro.
A mentalidade militar não consegue perceber sua própria natureza na sociedade e no Estado, nem o da instituição. Ou das instituições do Estado Democrático de Direito.
Além da completa impropriedade da nota “dura, como nós achamos que devia ser” —informa o comandante da Aeronáutica— ficou a impressão de que seu propósito de fundo foi defender Bolsonaro.
No dia mesmo em que Omar Aziz fazia a reflexão histórica e formalmente correta sobre militares implicados, o UOL e a repórter Juliana Dal Piva divulgavam o relato de Andréa Siqueira do Valle sobre a engrenagem, da qual fez parte, pela qual Jair Bolsonaro se apropriou de dinheiro público por anos seguidos —via salários de funcionários fantasmas.
Em referência à pandemia, o nome Bolsonaro não se liga só à morte de centenas de milhares de brasileiros, já aparecendo nas primeiras descobertas da CPI sobre armação de tramoias mi e bilionárias com vacinas. E com mortes, como facilitadoras de outros assaltos ao dinheiro público.
É a esse personagem que uma corrente de militares se associa, integrando o governo ou assentindo com a exploração política da instituição Forças Armadas. Enfim, como disse o brigadeiro Batista Jr., em complemento à nota que chamou de “alerta às instituições”, sobre a atual e demais advertências: “Homem armado não ameaça”. Age —é isso? Age com a arma.
Muito democrático, muito civilizado. Tanto que o entrevistado “sente”, lamenta, ser a “disputa política normal”, mas “em tão baixo nível, em nível muito raso”. E, é preciso dizer, trata-se de um militar articulado acima da média conhecida, com capacidade verbal e facilidade expositiva.
Pacheco precisou ser chamado de covarde para defender o Senado
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, precisou ser chamado até de covarde, inclusive na imprensa, para dizer uma palavrinha muito atrasada em defesa do Senado e do senador Omar de Aziz, que não relegou a altivez. Rodrigo Pacheco está sendo chamado, ora de vaselina, ora de farsante. Ou pior.
Bolsonaro: “Ou temos eleições limpas ou não temos eleições”. De todo limpas talvez seja difícil. Há um gatuno de dinheiro público e, sendo pouco, dado ainda como genocida, com planos de ser candidato.
A “rachadinha” de Jair Bolsonaro era comentada ao seu tempo de parlamentar no Rio. E continuou no seu tempo de Câmara Federal. Mas houve dificuldade de provar. Provada com a senhora do Açaí de Angra dos Reis, faltou brio para algum dos tantos habilitados cumprir seu papel no Ministério Público e no Judiciário.
A flexibilização do veto do Ministério da Saúde à cloroquina, contra a Covid, é uma esperteza para dar a Bolsonaro uma porta de fuga. A partir de pretensa consulta pública, desprovida de qualificação científica, a cloroquina passaria a ser uma dúvida, não uma certeza de ineficácia e efeitos colaterais graves. Com isso, Bolsonaro, seu patrocinador, escaparia da situação de futuro réu judicial pela pregação ilusionista em favor daquela droga.
Eleição na Fiesp significa retorno da decência perdida sob Paulo Skaf
A eleição de Josué Gomes da Silva para a presidência da Fiesp significa, até onde se pode esperar, o retorno da decência e da importância a essa entidade. Experimentadas, por exemplo, ao tempo de Horácio Lafer Piva e perdidas por inteiro com Paulo Skaf —em 17 anos que falam mais do empresariado eleitor de então que desse oportunista. Uma política industrial está entre as maiores necessidades para a tentativa de salvar o Brasil, no pós-Bolsonaro.
Segundo o grupo, que reúne juristas, professores e advogados, o documento tem “caráter institucionalmente anômalo e ameaçador”, e tem objetivo de intimidar o livre exercício de senadores.
“Trata-se, portanto, de ato de intromissão no funcionamento de um dos poderes da República – o Legislativo – que ora desempenha a sua incumbência de controle das ações do Executivo, conforme previsto no texto constitucional e atendendo a determinação do Poder Judiciário”.
Citando o tuíte golpista de Eduardo Villas Bôas de 2018, o Prerrogativas diz que a instituição “reincide em viciadas práticas recentes”.
“As Forças Armadas não são imunes a críticas. Ao contrário. Mantiveram uma ditadura por mais de duas décadas e até hoje parece que não conseguem conviver com os imperativos da democracia”.
Neste país onde generais ocuparam o centro do poder político através de um governo eleito pelo voto, é fácil reconhecer a urgência de se debater o papel dos militares na vida pública - passo indispensável para uma correta compreensão de seu papel numa democracia.
Mais difícil é ter a oportunidade de encontrar um debate qualificado sobre o assunto, com a presença de professores e autoridades que conhecem o tema de perto, seja pela convivência direta, seja por décadas de reflexão - ou pelas duas atividades combinadas.
Preparado pelo professor Manoel Domingos Neto, hoje a principal referência naquele universo intelectual em que a atividade acadêmica se encontra com o debate político, a partir de terça-feira, 6 de julho, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé inicia um ambicioso curso remoto, que tenta responder a este desafio.
Intitulado "Introdução ao Estudo do Militar Brasileiro -- como se formam e se expressam os humores dos quartéis", a ideia é atravessar cinco séculos de história do país através de 32 aulas, com duas horas de duração cada uma, para debater o papel dos militares ao longo da história do país.
Embora focalize o período colonial, a República Velha, o Estado Novo e assim por diante, sua prioridade é debater o período histórico atual, que inclui a ditadura militar de 1964-1985, a repressão política, a democratização, a Constituinte e o governo Bolsonaro.
Idealizador do curso, Manoel Domingos dará todas as aulas e, em vários momentos, contará com a companhia de convidados especiais - 35 ao todo - para debater temas específicos, em aulas determinadas.
Estará presente José Murilo de Carvalho, autor do indispensável Forças Armadas e Política no Brasil, pioneiro ao desenvolver o conceito de tutela militar sobre o sistema político.
Para falar de um tema delicadíssimo da Carta de 1988, o artigo 142, que define o papel das Forças Armadas na defesa da Lei e da Ordem, o curso contará com José Genoíno, testemunha ocular da intervenção do general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército, nos trabalhos da Constituinte.
Em momentos diferentes, terá o testemunho de Nelson Jobim e Celso Amorim para falar das respectivas passagens pelo Ministério da Defesa, em épocas distintas.
A brasilianista francesa Maud Chirio, autora de uma pesquisa original sobre a política nos quartéis -- focalizada em militares de baixa patente, que deram apoio ao golpe de 64, mas terminaram derrotados politicamente -- também foi convidada a participar.
"Precisamos qualificar o debate político para poder controlar os instrumentos de força do Estado", explica Manoel Domingos, referindo-se ao imenso desconhecimento sobre o universo militar que impera na sociedade civil brasileira.
"A gente não pode controlar aquilo que não conhece", acrescenta. Antigo militar da Ação Popular, o professor foi preso e torturado sob o regime militar. Expulso do país, exilou-se na França, de onde retornou no final de 1974, com um doutorado na Sorbonne.
Quase meio século depois, impossível deixar de concordar com uma das mais clássicas advertências sobre a evolução humana:
- Os povos que não conhecem a própria história estão condenados a repetí-la.