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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Ago22

A MENINA (DO SOBRADO) QUE ROUBAVA FLORES

Talis Andrade

A política em Clarice LispectorClarice Lispector - 10/12/2015 - Ilustrada - Fotografia - Folha de S.Paulo

Clarice Lispector (à direita) ao lado das irmãs Tania e Elisa

 

por Marcus Prado

- - -

Não há um só detalhe da crônica Cem anos de perdão, de Clarice Lispector, do livro Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, que não seja de suprema construção literária e de inspiração poética, há uma hierarquia de começo, meio e fim (como deve ser a grande arte do cronista), um texto, impregnado de ânimo e beleza, que pede ao leitor envolvimento, eis o segredo da obra de arte. A autora alcança, nas pequenas narrativas, aquilo que Suzan Sontag (ela que é também mestríssima no campo da Fotografia), chama de elementos estruturais bem desenvolvidos. Dentro de um sistema orgânico, digo eu, singularíssimo, unitário, traço mais prontamente cativante e coeso, de significados e significantes verbais – e tal propósito é plenamente logrado na sua obra de ficção.

Nessa crônica ela retrata uma faceta da mulher quando menina, que ficava encantada ao passar por uma casa e seu jardim, algo para ela inacessível, filha de um pequeno vendedor ambulante, vindo de longe, e de uma mãe há muito sofrendo aquele tipo de dor sem esperança de cura. O jardim e o canteiro de flores são temas medievais, um dos motivos favoritos de todas as escolas de pinturas do século 15, não apenas na Itália, mas em todo o Ocidente. O caráter abstrato dos jardins não perde de foco na ficção clariciana. (Clarice saberia mais tarde que estava pisando num solo pernambucano recordista brasileiro de flores tropicais; num chão que seria berço de um jardim, o da Praça de Casa Forte, marco inicial e pioneiro de uma nova concepção estética de jardins públicos, com a marca de Burle Marx.  O filho da pernambucana Cecilia, de quem Clarice se tornaria amiga).

Não demoraria muito para Clarice ser vista entre os maiores cronistas brasileiros do seu tempo, ao lado de Lima Barreto, João do Rio, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Rubem Braga, Nelson Rodrigues. Paulo Mendes de Campos, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes. Na verdade, a ucrano-pernambucana Clarice Lispector é da boa e nobre linhagem de Machado de Assis. Quando se trata do tema crônica brasileira, é quase instantâneo pensar no nome de Clarice, ninguém a supera. E é hoje amplamente traduzida e divulgada, o que faz com que seja colocada pela crítica ao lado de autores como Virginia Woolf, Kafka e Katherine Mansfield. 

Pessoalmente, um tanto maravilhada, ela gostava de roubar flores vermelhas, as flores que fizeram o encanto da vida e da obra do mais famoso jardineiro-paisagista do seu tempo, não só brasileiro, Roberto Burle Marx. Por causa das flores vermelhas, que plantava nos jardins do Recife, e porque tinha Marx no sobrenome, passou a ser visto no Instituto Arqueológico Pernambucano, leia-se Mário Melo, como comunista). Algo me diz que aquelas flores nunca saíram da memória de Clarice, dos anos mais felizes de sua vida, ela dizia isso numa outra crônica sobre o Recife e Olinda. O sobrado não tinha jardim, era como um daqueles vistos por Nelson Saldanha no clássico O jardim e a praça: ensaio sobre o lado “privado” e o lado “público” da vida social e histórica. Mas, havia um copo d`água na janela de frente, onde a flor ficava à vista de todos, soberana, e o jardim da praça, hoje invadido por sem moradias, era como parte imaginária, embora integrante, do quintal do sobrado. Portanto, a Praça Maciel Pinheiro e o Jardim, sem falar da fonte luminosa e suas figuras da mitologia grega, faziam parte dos devaneios da menina que amava os livros e as flores.

No condomínio olindense onde moro há um grande jardim de flores vermelhas adotado por minha mulher, a senhora Maria de Lourdes, é uma paixão dividida com Ricardo, nosso neto.  Da varanda, tomada por muitas flores, vemos uma vez por semana uma cena que faz lembrar a doce menina do sobrado. Ela chega de mansinho, suspende o tempo acelerado do coração, prende a respiração como um tigre anfíbio de olho na caça matinal, como quem acaricia um gato ou um passarinho, (pouco importa se o vento espalha os cabelos e deixa suas tranças desarrumadas), suas mãos ficam flutuando como uma nuvem encapsulada no firmamento, quando de repente, agora como um raio, dá o lance almejado na flor que ainda outro dia floresceu na sua ensolarada quietude. O jardineiro Reginaldo, que vê tudo à distância, tem ordem, previamente articulada, de não agir à imunidade concedida.  Porque “quem rouba flores, merece 100 anos de perdão”. 

Marcus Prado

10
Out21

Encontro com o futuro

Talis Andrade

o-futuro estudante .jpg

 

 

por Gustavo Krause

O futuro bateu nas nossas portas: o corpo desfigurado da natureza assustadoramente escassa. A COP26 é a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (197 países), a ser realizada entre 1 e 12 de novembro. A prioridade é encontrar o caminho para o mercado de carbono global.

Apesar da gestão predadora, o Brasil tem a oportunidade de assumir a liderança na construção de uma economia verde.

Reunião sobre avaliação de peças da propaganda eleitoral em campanha majoritária para televisão. Era um dos presentes, faz mais de uma década. Perguntei ao expositor: “foi feita alguma peça sobre a questão ambiental?”. A resposta foi curta e “suave”: “meio ambiente não dá voto!”.

Botei a viola no saco. Devia ter aprendido com a experiência que a centralidade global do tema seguia periférica para os governos. Importante, mas não “urgente” para o pragmatismo eleitoral. O assunto parecia distante; era coisa dos “verdes”, do “bicho-grilo” em defesa da ararinha-azul; afinal, a longo prazo, estaremos todos mortos.

Meia verdade, o prazo não seria tão longo: o futuro que não fala e não vota, bateu nas nossas portas. A visita é a natureza assustadoramente escassa. O que parecia abundante e inesgotável, água, ar, terra, florestas, não foi levado em conta pelo crescimento econômico a qualquer preço. Mais do que um passivo, era uma fatura a ser paga com a vida.

Ocioso descrever os malefícios de cada patrimônio natural destruído, porque, no conjunto, representam a verdadeira ameaça: o aquecimento global e a emergência climática que desafia o nosso futuro comum.

Em entrevista ao Valor Econômico, e ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (2010/2016) foi certeira: “Se à época do Acordo de Paris o que existia era o negacionismo climático, que nós vencemos, na COP26, é preciso superar o fatalismo climático, a sensação de que não temos saída”.

A COP26, a ser realizada entre 1 e 12 de novembro, em Glasgow, sob a experiência trágica de um fenômeno mundial, revelará aos governos e à sociedade global que uma pandemia climática mata, por atacado, ricos e pobres, sob a forma fulminante do ecocídio.

É provável que o senso de urgência tenha sido uma lição aprendida; que cooperação e solidariedade internacionais transformem palavras, promessas, cifras em ações concretas de financiamento para uma economia de baixo carbono.

Outra lição: acima de eventuais governos, o nível de responsabilidade das nações esteja atenta às gestões temerárias, consolidando compromissos globais e políticas públicas com os padrões de uma civilização sustentável.

É possível um encontro com o futuro? Com a palavra Francisco, o papa da ecologia: “[a humanidade] está sendo convocada para oferecer, urgentemente, respostas eficazes para a crise ecológica sem precedentes, para a crise de valores em que vivemos e que permitirá dar uma esperança concreta às próximas gerações”.

No Brasil, apesar dos predadores, nossos bosques, ainda, têm mais flores.

flores bolsonaro hino.jpg

 

 

 
25
Nov18

Do Itinerário do Desuso de Edmilson Borret

Talis Andrade

pablo-picasso-vendedora-de-flores-1901.jpg

 


Elas são sorridentes
as moças das flores
Elas cheiram a flores
as moças das flores!
São noturnas e orvalhadas
As moças das flores
desfilam sabores, odores
E as mãos das moças das flores?!
Ah, como são simpáticas as mãos
das moças das flores

 

Elas sabem de mim
de meus arredores
de meus epitáfios e dores
São metafísicas, dionisíacas
as moças das flores
Inocentes como
águas de um lago à noite:
tácita sedução, sem pudores
Elas nos trazem o repouso
as moças das flores

 

Ilustração Picasso 

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