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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Out22

De onde saiu Douglas Garcia? Do bloco de carnaval ‘Porão do Dops’

Talis Andrade

Juíza libera o desfile do bloco pró-ditadura “Porão do Dops” e sua apologia  à tortura

 

Garcia ganhou maior projeção quando, no início de 2018, tentou organizar um bloco de carnaval de exaltação a assassinos e torturadores da Ditadura, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

 

por Hugo Souza

O deputado estadual Douglas Garcia, que nesta terça-feira, 13, agrediu a jornalista Vera Magalhães durante um debate eleitoral em São Paulo, foi eleito em 2018 para a Alesp com mais de 74 mil votos. Garcia disputou aquelas eleições se declarando “branco” e pelo PSL. Em 2022, Garcia vai disputar uma vaga na Câmara dos Deputados pelo Republicanos e se declarando “preto”.

 

Deputados pedem a cassação de Douglas Garcia após ataque a Vera Magalhães -  CartaCapitalBolsonaro agrediu Vera Magalhães ao dizer que ela envergonha o jornalismo",  diz Adriana Araújo - YouTube

Douglas Garcia repetiu Bolsonaro quando agrediu Vera Magalhães

 

De onde surgiu Douglas Garcia, hoje com 28 anos, para amealhar o apoio de mais de 74 mil respeitáveis paulistanos nas eleições 2018?

Naquele ano, Douglas Garcia era um dos líderes do movimento “Direita São Paulo”, hoje nacionalizado e rebatizado de “Movimento Conservador”.

Racha no bolsonarismo: as consequências do ataque de Douglas Garcia à Vera  Magalhães - Canal MyNews – Jornalismo Independente

Douglas Garcia e o carinho de Tarcísio de Freitas, general candidato a governador

 

 

Garcia ganhou maior projeção quando, no início de 2018, ele e outro líder do então “Direita São Paulo”, Edson Salomão, tentaram organizar um bloco de carnaval chamado “Porão do Dops”, de exaltação a assassinos e torturadores da Ditadura civil-militar, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Na época, houve forte reação de organizações de defesa dos Direitos Humanos e da sociedade civil em geral.

Este era o material de divulgação do bloco “Porão do Dops”:

 

Justiça proíbe bloco Porão do Dops no carnaval de São Paulo | São Paulo | G1Promotoria vai à Justiça contra bloco 'Porão do DOPS' | VEJA SÃO PAULODe onde saiu Douglas Garcia? Do bloco de carnaval 'Porão do Dops' - Come  AnanásDe onde saiu Douglas Garcia? Do bloco de carnaval 'Porão do Dops' - Come  Ananás

O outro organizador do bloco e também líder do “Movimento Conservador”, Edson Salomão, foi chefe de gabinete de Douglas Garcia na Alesp e hoje também é candidato nas eleições 2022, a deputado estadual, pelo mesmo partido de Garcia e de Tarcísio de Freitas.

O bloco “Porão do Dops” não chegou a desfilar, proibido que foi pela justiça. Douglas Garcia, ao contrário, seguiu desfilando à vontade. Vejamos se agora as instituições, de São Paulo e da República, finalmente freiam seu passo.

26
Set22

‘Matei mesmo’: deputado mais antiambiental do Pará tenta reeleição com clichê bolsonarista

Talis Andrade

“Deus levantou Bolsonaro”, disse Zequinha Marinho no 7 de Setembro; candidato ao governo do Pará atua ao lado de Éder Mauro como interlocutor de garimpeiros e madeireiros em Brasília (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

 

 

Matar passou a ser um símbolo político do Bolsonarismo. Matar índio. Matar negro. Matar favelado. O evangélico eleitor de Bolsonaro faz vista grossa para o Não matarás” (Ex 20,13). Apenas cisma com o aborto. 

Nesta eleição não vote em deputado homicida. O Congresso parece um coito do cangaço. Tem até serial killer, o psicopata que matou mais de três pessoas.

A ditadura militar de 1964 registra a presença nojenta, viscosa, de militares e policiais serial killers como os coronéis Ustra, Paulo Manhães, os delegados Fleury, Pedro Seelig.

 

A homenagem a Ustra: memórias dos anos de chumbo - Jus.com.br | Jus  Navigandi

No Congresso e assembléias legislativas temos parlamentares que, nesta campanha presidencial, ameaçaram matar Lula. Na lista aparecem homicidas e arruaceiros prontos para o golpe, para a guerra civil de Bolsonaro, que já anunciou o Brasil precisa matar uns 30 mil políticos, para o progresso de sua imobiliária, e expansão do Escritório do Crime sediado no Rio das Pedras, rio de sangue do senhor capitão, pistoleiro de aluguel, Adriano Magalhães da Nóbrega, que na cadeia, recebeu "ao menos duas visitas" do presidente e seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, relata Juliana Dal Piva.

Os parlamentares que ameaçaram matar Lula: Marcio Tadeu Anhaia de Lemos, Eliezer Girão Monteiro, André Luiz Vieira de Azevedo, Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, Washington Lee Abe, Otoni de Paula Junior, Carla Zambelli, Junio Amaral. Não sei qual alma sebosa tem a marca de Caim.ESPAÇO MEMÓRIA PIRACICABANA: Morte de Fleury: um dos maiores torturadores  da Ditadura

 

Escreve Daniel Camargos, in Repórter Brasil:

Ex-delegado, Éder Mauro (PL-PA) assume ter executado várias pessoas e camufla atuação contrária aos povos do campo e ao meio ambiente com discurso moralista; candidato é alvo de 101 denúncias em ouvidoria por sua atuação como policial

Depois de rezar e cantar o hino nacional, o deputado federal Éder Mauro (PL-PA), candidato à reeleição, começa seu discurso dizendo que, caso a esquerda volte ao poder, o incesto será legalizado, “para que o pai possa casar com a filha”. É uma mentira usada pelo ex-delegado ao longo da campanha e que voltou a ser repetida, em Belém (PA), em ato de comemoração ao 7 de Setembro. Mas o tom moralista, ao lado da atuação como policial com pretensão de justiceiro, serve para camuflar outra faceta do político: a de ruralista que atua sistematicamente contra o meio ambiente e os povos do campo. 

Éder Mauro, 61 anos, foi delegado da Polícia Civil do Pará por 30 anos, entre 1984 e 2014, quando foi eleito deputado federal pela primeira vez. Já disse que “matou muita gente”, mas fez uma ressalva: “todos eram bandidos”. Por sua atuação como policial, foi alvo de pelo menos 101 denúncias na Ouvidoria do Sistema Integrado de Segurança Pública e Defesa Social (Sieds) do Pará, que incluem acusações de assassinatos, torturas e invasões de domicílio, segundo levantamento obtido pela Repórter Brasil. O ex-delegado foi citado no relatório final da ‘CPI das Milícias’ da Assembleia Legislativa do Pará, em 2015, mas acabou não sendo indiciado. 

O político usa um emoticon de caveira no Instagram para ostentar seu posto de líder da bancada da bala na Amazônia. Mas a análise de sua atuação na Câmara sugere que poderia trocar a imagem por um boi: o deputado é o terceiro pior colocado no Ruralômetro 2022, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que avalia a atuação da Câmara em temas como meio ambiente, povos indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais. O ranking, que está em sua segunda edição, possibilita saber a “febre ruralista” de cada parlamentar. Nele, Éder Mauro arde com temperatura de 40,9°C.

Na atual legislatura, Mauro foi o único deputado com atuação 100% negativa para o meio ambiente e os povos do campo, segundo as 22 organizações que avaliaram as votações e os projetos de lei usados para pontuar os parlamentares no Ruralômetro. Em todas as 17 votações que participou, o ex-delegado foi contrário à agenda socioambiental, apoiando a regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas, a ampliação da posse de armas no campo, a dispensa do licenciamento ambiental para diversos empreendimentos e a liberação de agrotóxicos cancerígenos. Também foram classificados como negativos os três projetos de lei de sua autoria compilados pela ferramenta.

 

Amazônia na mira

 

A pauta ambiental foi apenas figurante no 7 de Setembro, quando o deputado desfilou em cima de uma aparelhagem de som pelo bairro Umarizal, o mais nobre de Belém. Somente um discreto cartaz em um caminhão fazia uma referência à temática. “A Amazônia é dos brasileiros, não dos piratas estrangeiros”, dizia.

Cartaz era das poucas referências à Amazônia no ato em Belém; silêncio contrasta com a forte atuação do bolsonarismo paraense nos retrocessos ambientais (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

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Estrela da extrema-direita paraense em campanha pela reeleição, o candidato prefere flertar com o eleitorado evangélico e conservador, que o tietava de verde e amarelo pelas ruas de Belém. Prioriza a mesma estratégia em suas redes sociais, onde possui quase 450 mil seguidores. Declarando guerra contra pedófilos e comunistas imaginários, Éder Mauro vai deixando pelo caminho não apenas as vítimas de sua atuação na polícia: como defensor do garimpo, o ex-delegado atira para matar contra o futuro da Amazônia.

Protagonista da parada paramilitar, a caminhonete que puxou a aparelhagem de som de Éder Mauro recebeu também o senador e candidato ao governo do Pará Zequinha Marinho (PL-PA) que, em seu discurso, disse que Bolsonaro foi uma escolha do “pai celestial”. 

Além de devotos do presidente, Zequinha Marinho e Éder Mauro estão unidos pela defesa do garimpo. Pastor da Assembléia de Deus, o senador é um dos principais lobistas para legalização da exploração mineral em terras indígenas, como mostrou a Repórter Brasil em julho do ano passado e em fevereiro deste ano. “Chama o Zequinha” se tornou uma frase repetida por quem busca sua ajuda para atividades ilícitas, revelou a Pública em agosto. 

Éder Mauro, por sua vez, é autor de projetos de lei que favorecem o garimpo, dos quais dois estão na base de dados do Ruralômetro. O PL 5.248 permite que órgãos municipais possam fazer o licenciamento ambiental de lavras garimpeiras de pequeno porte, fragilizando a fiscalização, e o PL 5.822 quer autorizar o garimpo em reservas extrativistas. 

Mas não é de agora que Zequinha Marinho e Éder Mauro caminham lado a lado. No final de 2019, os dois articularam uma reunião de madeireiros com o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Menos de dois anos depois, uma investigação apontou que Salles favoreceu exportadores de madeira paraenses – o que acabou derrubando o ministro. 

Na mesma época, Zequinha e Éder repetiram a dobradinha ao articular uma reunião de garimpeiros do Sul do Pará com a cúpula do governo Bolsonaro. O intuito do encontro era acalmar protestos de representantes do setor após uma operação ambiental destruir máquinas usadas pelo garimpo ilegal. 

Já acostumado a se posicionar na Câmara a favor dos ruralistas, Mauro decidiu tornar-se um deles em 2020, com a compra de uma fazenda de 300 hectares no município de Bujaru, no nordeste do Pará. A transação é investigada pela Polícia Civil do estado por suspeita de fraude, pois a área foi registrada em 2018 em nome de uma pessoa que já estava morta havia 15 anos. Avaliada em R$ 2,8 milhões, a fazenda Bênção Divinal foi adquirida por Mauro por R$ 330 mil e ajudou a dar corpo ao seu patrimônio, que quintuplicou desde que entrou para a política. Na eleição de 2014, o então delegado declarou bens que somavam R$ 595 mil, valor que subiu para R$ 2,9 milhões no atual pleito. 

Rogério Barra, filho de Éder Mauro, entrou para a política apadrinhado pelo pai e é candidato a deputado estadual; jingle de campanha trata os dois como os “deputados do Bolsonaro” (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

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Entre os doadores da sua campanha neste ano está Walacy da Silva Moraes. O valor de R$ 12 mil doado diz respeito ao uso de uma caminhonete pela campanha do ex-delegado. O doador foi preso em 2014 acusado justamente de participar de uma organização criminosa especializada em roubar esse tipo de veículo no Pará. Moraes é réu pela acusação e responde em liberdade. Parte dos processos a que a reportagem teve acesso mostram que Éder Mauro estava à frente da investigação do grupo quando era delegado. Questionado sobre a doação e sobre sua relação com Moraes, o deputado não respondeu.       

Procurado pela Repórter Brasil, Moraes confirmou o empréstimo da caminhonete para a campanha de Mauro. Ao ser questionado sobre o processo que corre na Justiça, a ligação caiu, e o empresário não voltou a atender o telefone nem respondeu às perguntas enviadas por mensagem

 

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Liberdade de opressão

 

Um triciclo preto ornado com caveiras e correntes era palco de selfies de apoiadores de Éder Mauro. “Bolsonaro e os candidatos dele defendem a liberdade e a livre expressão”, elogiou um homem fantasiado de Capitão América.

Adotando a mesma estratégia de Jair Bolsonaro, Mauro abusa dessa “liberdade de expressão” para capturar a atenção com polêmicas e desviar dos assuntos mais importantes, como as acusações de corrupção envolvendo sua família – irmão do ex-delegado, Amaurivaldo Cardoso Barra foi exonerado em março deste ano da Secretaria Nacional de Pesca após operação da Polícia Federal que investigou fraudes no órgão público.

Homem infantalizado e fantasiado de Capitão América que participa do 7 de Setembro em Belém diz que Bolsonaro e seus candidatos defendem a liberdade de expressão (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

 

Em seus oito anos no Congresso, mulheres de esquerda foram os alvos preferidos de seus ataques. Em um desses bate-bocas, Mauro acusou a deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA) de defender “indígenas fake” (questionar a legitimidade do movimento indígena é uma das obsessões do ex-delegado nas redes sociais). Ao rebater, a parlamentar disse que fake era a peruca dele, em referência à franja com fios mais negros que a asa da graúna. O penteado do bolsonarista rendeu-lhe o apelido de “peruquinha” entre seus inimigos políticos. 

Em outra ocasião, chamou a deputada Maria do Rosário (PT-RS) de “Maria do Barraco”, ao que ela rebateu chamando-o de “assassino”. “Infelizmente, já matei, sim, e não foram poucos, foi muita gente”, contestou Éder Mauro. 

“Estou respondendo um monte de processo na Justiça por homicídio, invasão de propriedade e alguns por tortura, mas nenhum por corrupção”, reiterou em entrevista recente a um podcast paraense.

A fama de justiceiro e o orgulho em dizer que matou muitas pessoas contrasta com a ausência de condenações de Éder Mauro, que já foi absolvido de duas acusações de tortura pelo STF. Advogados, defensores de direitos humanos e líderes comunitários foram procurados pela reportagem para saber sobre o passado policial do ex-delegado, mas quando o assunto da entrevista é revelado, quase ninguém fala abertamente. A justificativa: “medo”.

 

A especialista em marketing eleitoral e digital, Bruna Lorraine, processa Éder Mauro por agressão: “Quem vota nele quer se autoafirmar, fortalecer um tipo de macheza” (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

 

Entre as poucas pessoas dispostas a falar sobre Éder Mauro em Belém está Bruna Lorrane, especialista em marketing eleitoral e digital. Em 2019, durante uma eleição para uma associação de bairro, ela e o deputado apoiavam diferentes candidatos. “O candidato dele estava perdendo e queria encerrar a votação antes do horário. Eu não deixei, fiquei na porta para impedir a entrada e fui agredida”, relata Bruna, que diz ter ficado com o corpo repleto de hematomas e está processando Mauro pela agressão. 

“As pessoas gritavam dizendo que era covardia bater em mulher e o Éder Mauro respondia: ‘não tem mulher nenhuma para eu bater aqui’”, lembra Bruna, que é transexual. Após a agressão ganhar o noticiário paraense, passou a ser atacada por uma horda virtual da extrema direita.Nice Tupinambá | Facebook

 

Outra vítima de Éder Mauro e seus discípulos é o coordenador da campanha da candidata a deputada federal Nice Tupinambá (PSOL), Richard Callefa. Ativista do movimento LGBTQIA+ no Pará, Callefa foi eleito coordenador do diretório de estudantes da maior universidade privada do estado em 2019. Depois da eleição, Mauro criticou o ativista em suas redes sociais, o que o tornou alvo até de ameaças de morte. “Ele estimulou o ódio”, lembra.

Atacado por Éder Mauro, Richard Callefa sofreu ameaças virtuais e chegou a ser coagido nas ruas de Belém (Foto: João Laet/Repórter Brasil)

 

Livre para ser candidato, Éder Mauro pega carona no bolsonarismo. Ou melhor: vai na garupa do presidente, como fez na motociata realizada em Belém em 17 de junho. Ambos sem capacete, desrespeitando a lei e aplaudidos pelos apoiadores. Nesta quinta-feira (22), Bolsonaro irá de novo à capital paraense fazer campanha. Dessa vez, se não quiser cometer nova infração de trânsito, o ex-delegado poderá trocar a moto pela caminhonete emprestada pelo réu que investigou.      

[Não eleja serial killer deputado. Não seja cúmplice. Ame o próximo. Ame o Brasil. Os bolsonaristas recomendam matar os invasores de propriedade. Consideram o pior crime. Mas consideram um ofício honroso invadir terra de índio e terra de quilombola. Que negro não é gente, "não serve nem pra procriar" escravos. Índio não é gente. Apenas um "projeto"]

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05
Ago22

Desfile das Forças Armadas do bicentenário da Independência promete reunir extremistas da direita e psicopatas

Talis Andrade

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DesmentindoBolsonaro: perfil que desmascara o presidente tira bolsonaristas  do sério e hashtag explode no Twitter | Revista Fórum

Delegado bolsonarista promete “lutar” contra a esquerda no 7 de setembro. Militares deputados também ameaçaram Lula de Morte

 

por Fabrício Rinaldo /DCM Diário do Centro do Mundo

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O delegado de polícia e instrutor de tiro Paulo Bilynskyj, que também atua como lobista em defesa do armamento, postou no Stories de sua conta do Instagram um “treinamento para o 7 de Setembro”.

No vídeo, ele responde à pergunta de um seguidor sobre um “possível ataque”.

“Eu estarei lá”, ele respondeu. Em seguida, publicou uma gravação em que se esconde atrás de um automóvel e dá várias disparos em um alvo.

Ainda escreveu: “Eu vou no dia 7 de setembro” e “Eu não vou sou fracote”.

O delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo Osvaldo Nico Gonçalves declarou ao Estadão que determinará à Corregedoria que investigue publicações feitas por Bilynskyj. O bolsonarista tem mais de 697 mil seguidores.

Em outro stories, ele reclama que o Instagram deletou “o vídeo da Laurinha” e informa a audiência, com um sorriso sarcástico, que postou em outro grupo.

Nas imagens, a caçula de Bolsonaro tem a imagem congelada batendo continência ao som do rapper Coolio e a legenda: “Eu vou explodir a Globo, vou invadir a Venezuela. PSDB roubou minha merenda, vou apagar eles primeiro. Será que a ONU pega fogo rápido?”

 

Delegado Bolsonarista conhecido por ameaça velada a Lula foi suspeito de assassinar namorada

 

por Raphael Sanz /Revista Forum

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O delegado e digital influencer bolsonarista, Paulo Bilynskj, que está sendo investigado por incitar a violência política no próximo 7 de setembro, além de ter feito ameaças veladas ao ex-presidente Lula, também continua suspeito de ter assassinado a namorada, Priscila Delgado, em 2020.

Bilynskj tinha 33 anos em 20 de maio de 2020 quando foi socorrido por vizinhos na porta do apartamento onde vivia com a namorada Priscila Delgado e levado para um hospital. Priscila, por sua vez, foi encontrada morta no banheiro do apartamento. À época, a Polícia Militar, mesmo após visitar o local, afirmou que não iria se manifestar e que informações poderiam ser procuradas na Secretaria de Segurança Pública (SSP). A SSP, por sua vez, disse que a investigação do caso ficaria a cargo da Corregedoria da Polícia Civil.

De acordo com sua versão, o delegado tomava banho quando a namorada entrou no banheiro atirando contra sua pessoa, por haver se irritado com mensagens que encontrou no celular do companheiro. Ele foi baleado no abdômem mas teria conseguido fugir para o local onde foi encontrado enquanto a namorada teria se suicidado com um tiro no peito. A tese foi acatada pela Justiça e o delegado acabou absolvido.

No entanto, a família da vítima e especialistas forenses ouvidos na época ainda colocam dúvidas sobre a decisão. O próprio exame que mostraria se o delegado disparou ou não uma arma naquele dia acabou não sendo realizado.

Para o perito forense particular Eduardo Llanos, a ausência da prova residual “chama muito a atenção”. “É feito o exame residuográfico na maioria dos casos, mesmo nas mãos de vítimas feridas ou bandidos feridos quando levados a hospital”, disse ele à Ponte. “Não há como dar 100% de crédito à história que ele está contando. Por que omitir uma prova que pode confirmar a inocência do delegado?”, questionou à época.

Já cientista forense Sérgio Hernandez, também à época, mostrou uma opinião semelhante a de Llanos e destacou que quem teria que ter feito a solicitação dessa perícia é o delegado que registrou a ocorrência. “Houve negligência, omissão. Todos os casos balísticos, onde se efetue tiros de arma de fogo, tanto a vítima, como o suspeito, o agressor, eles devem passar pela coleta de resíduos, obrigatoriamente, para verificar se essas pessoas efetuaram ou não os tiros”, afirmou.

Os peritos ainda comentaram sobre possíveis roupas que Bilynskj  estaria usando quando foi encontrado, uma vez que segundo sua versão ele teria corrido do chuveiro para fora do apartamento, e se estivesse vestido seria difícil confiar em sua história. Além disso, chamaram a atenção para a não realização de perícia do celular do então suspeito, para apurar se havia alguma troca de mensagens que pudesse despertar o ciúme da namorada, a fim de verificar sua versão dos fatos.

As indagações dos especialistas à época deixaram dúvidas quanto à história, e a família da vítima ainda nega a versão de suicídio. No entanto o processo foi arquivado.

 

Investigado por incitar a violênciaFrei Betto: Como se explica a eleição de Bolsonaro? - Vermelho

 

No último dia 20 de julho, Bilynskyj voltou aos noticiários ao divulgar em suas redes sociais  um vídeo debochando da fala de Lula sobre transformar clubes de tiro em clubes de leitura. Com caixas de armas que simulam esteticamente livros, o delegado convidou o ex-presidente Lula, de forma irônica, a conhecer seu ‘clube do livro’.

Dias depois, em novo vídeo, Bilynskyj aparece realizando treinos de tiro junto a um carro e um alvo em um local que parece um sítio. Nesse novo vídeo, fez questão de anunciar sua ida aos atos pró-Bolsonaro no próximo 7 de setembro

A conduta de Paulo Bilynskyj será investigada pela polícia

 

Deputados militares ameaçaram Lula de morte

 

Como classificar um deputado que ameaça de morte um ex-presidente do Brasil e candidato a presidente - conforme pesquisas de opinião pública - que deve ser eleito no próximo dia 2 de outubro, 26 dias depois do desfile praeiro de 7 de Setembro? Uma data cívica, que o presidente Bolsonaro pretende avacalhar, transformando em um curral eleitoral. 

Lesa-majestades prometem atender o chamamento do caudilho Bolsonaro, que anuncia um golpe militar, para impedir a posse de Lula.

Existe uma lista de extremistas da direita volver que preferem matar o presidente mais querido do povo em geral.

Ameaçaram Lula de morte os deputados general Eliezer Girão Monteiro, os coronéis MarcioTadeu Anhaia de Lemos, André Luiz Vieira de Azevedo, Washington Lee Abe, Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, cabo Junio Amaral, o vereador Anderson Simões. Carla Zambelli por ser esposa de um coronel, Aginaldo de Oliveira. Pasmem até o pastor Otoni de Paula. 

Quantos homicidas são deputados estaduais, deputados federais? Nesta eleição não vote em deputado serial killer, quem assassinou mais de três pessoas. 

Policial bolsonarista de SP sofre nova punição

 
 
30
Jul22

A história da ‘Casa da Morte’ contada por única sobrevivente

Talis Andrade

A Casa da Morte, os crimes contra a humanidade e a prescrição p

 

  • por André Bernardo /BBC News 

 

Noventa e seis dias. Esse foi o tempo que durou o "calvário" de Inês Etienne Romeu (1942-2015) na "Casa da Morte", em Petrópolis, na região serrana do Rio. Depoimento do carrasco coronel Paulo Manhães, o oficial da cobra 

 

O termo é empregado pela historiadora Isabel Cristina Leite, doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para descrever o período em que a militante política esteve presa no aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) para torturar e matar guerrilheiros com papel de destaque em suas respectivas organizações — no caso dela, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um dos grupos que lutaram contra a ditadura militar.

De oito de maio a 11 de agosto de 1971, Inês sofreu tortura, estupro e humilhação de agentes do governo. Dos ativistas levados para a "Casa da Morte", foi a única que conseguiu sobreviver para contar a história. Pelo menos 22 adversários do regime, segundo estimativas oficiais, não resistiram às torturas ou foram executados. O advogado goiano Paulo de Tarso Celestino da Silva, capturado em 12 de julho de 1971, foi um deles.

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), Inês contou que Paulo de Tarso foi colocado no pau de arara e, durante quase 30 horas ininterruptas, torturado com choques elétricos. "Obrigaram-no a ingerir uma grande quantidade de sal", diz um trecho do depoimento de Inês. "Durante muitas horas, eu o ouvi suplicando por um pouco d'água". Até hoje, o corpo de Paulo de Tarso não foi localizado.

Em julho de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou três militares pelo sequestro e tortura do ex-militante Paulo de Tarso, da Ação Libertadora Nacional (ALN): os sargentos Rubens Gomes Carneiro, o "Boamorte", e Ubirajara Ribeiro de Souza, o "Zezão", e o soldado Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão". Além da condenação dos denunciados, o MPF pede a perda de cargo público, o cancelamento da aposentadoria e uma indenização de R$ 111,3 mil à família.

"Estou na expectativa de que, à semelhança do que ocorreu em outros países do mundo, inclusive na América Latina, o Judiciário brasileiro reveja a posição que vem prevalecendo em suas decisões e julgue criminalmente os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar", afirma o advogado Pedro Dallari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

"São crimes terríveis, praticados por funcionários públicos no exercício de sua função. Não podem, portanto, ser qualificados como crimes políticos ou conexos, estes, sim, suscetíveis de proteção pela Lei da Anistia".

 

Violência sexual

 

 

Além de participação nos crimes de tortura, execução e ocultação de cadáver de Paulo de Tarso, entre outros presos políticos, Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão", é apontado por Inês como o homem que a estuprou duas vezes durante os quase três meses em que esteve presa na "Casa da Morte". Aos 77 anos, o ex-paraquedista, que ganhou o apelido pelo tom avermelhado da pele, é o único militar que responde por violência sexual na ditadura militar.

"Inês sobreviveu aos horrores daquela casa e, apesar de ter sido vítima de todo tipo de tortura e humilhação, nunca entregou ninguém", afirma a historiadora Isabel Cristina Leite. "Na saída, foi atrás de seus algozes, obteve êxito ao denunciá-los e virou símbolo da luta contra os anos de chumbo. Conseguiu tanta visibilidade que a ditadura se sentiu perdendo o controle da situação. Os militares chegaram a pensar em revogar a Lei da Anistia por causa de Inês e do movimento que ela liderou".

 

Espião nazista

 

A denúncia do MPF é apenas mais um capítulo de uma história macabra: a da "Casa da Morte".

Muito antes de ser usado como aparelho clandestino de tortura pelo regime militar, o antigo número 668 da Arthur Barbosa, no bairro de Caxambu, pertenceu ao alemão Ricardo Lodders, preso pelo menos duas vezes por suspeita de espionagem durante a Segunda Guerra. No local, existe outra casa, também de propriedade de Lodders.

No início da década de 1970, o filho de Ricardo, Mário Lodders, cedeu o sobrado para o general José Luiz Coelho Neto (1921-1986), subcomandante do CIE, mas continuou morando, com a irmã Magdalena Júlia Lodders, na casa que faz parte do terreno. Por diversas vezes, Mário Lodders visitou a "Casa da Morte". Numa dessas ocasiões, chegou a oferecer uma barra de chocolate para Inês Etienne Romeu.

"O sobrado da Arthur Barbosa foi escolhido por ser um lugar isolado. Os agentes podiam circular livremente, sem chamar a atenção de ninguém", explica Eduardo Schnoor, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

"Houve muitas casas como a de Petrópolis na época da ditadura. Herdada do exército francês, essa metodologia visava desestruturar o prisioneiro. Eles nunca sabiam onde estavam. Eram trocados de lugar o tempo inteiro para evitar o reconhecimento do seu paradeiro".

 

Biriba no cativeiro

 

Mineira de Pouso Alegre, a 373 km de Belo Horizonte (MG), Inês Etienne Romeu participou de grêmio estudantil, cursou História e trabalhou em banco. Em 1963, chegou a abrir um bar na capital mineira. Em homenagem ao guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara (1928-1967), resolveu batizá-lo de "Bucheco".

Como integrante da VPR, participou do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no dia 7 de dezembro de 1970. Em troca, o guerrilheiro Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército e líder da operação, exigia a libertação de 70 presos políticos.

Durante a operação, o agente federal Hélio Carvalho Araújo, responsável pela escolta do embaixador, levou dois tiros e morreu no local. O sequestro, o mais longo realizado por um grupo de guerrilheiros na ditadura militar, durou 40 dias. No cativeiro, Bucher assistia à TV e jogava biriba com Lamarca. "O sequestro durou mais que o necessário", avalia a historiadora Isabel Cristina Leite. "Foi um dos últimos suspiros da guerrilha urbana no país". Em 16 de janeiro de 1971, o embaixador suíço foi libertado.

Com o fim do sequestro, Inês decidiu abandonar a luta armada e exilar-se no Chile. Mas era tarde demais. Em 5 de maio de 1971, ela foi capturada por agentes do delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979) em São Paulo, sob acusação de integrar o comando do VPR. Depois de ser levada para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), onde sofreu as primeiras sessões de tortura, foi transferida para a "Casa da Morte", em Petrópolis. Tinha 29 anos.

 

Descida aos infernos

 

Ao chegar ao Rio, Inês ainda tentou atirar-se debaixo de um ônibus. Escapou com vida. No cativeiro, foi submetida a uma rotina de violência e humilhação. "Era obrigada a limpar a cozinha nua, ouvindo gracejos e obscenidades", contou em depoimento à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 1979.

A qualquer hora do dia ou da noite, estava sujeita a sofrer tortura física ou psicológica, como choques elétricos ou injeções de pentatol sódico, o "soro da verdade". "Um dos mais brutais torturadores arrastou-me pelo chão, segurando pelos cabelos. Depois, tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e me deram pancadas na cabeça".

No inverno, quando a temperatura na serra podia chegar a menos de 10ºC, Inês era obrigada pelos carcereiros a tomar banhos gelados de madrugada ou a se deitar nua no cimento molhado. Em três ocasiões ela tentou o suicídio. Numa delas, engoliu vidro moído. Noutra, cortou os pulsos. "Eu estava arrasada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um autômato", contou à OAB.

 

A história da 'Casa da Morte' contada por única sobrevivente - BBC News  Brasil
Planta da Casa da Morte, em Petrópolis
 
 
 

'Queima de arquivo'

 

O objetivo dos interrogatórios, admitiu o coronel reformado Paulo Malhães (1938-2014), o "Doutor Pablo", era "virar o preso". Ou seja: pressioná-lo a mudar de lado e, em seguida, delatar os companheiros de luta. Inês só escapou viva porque enganou o coronel Cyro Guedes Etchegoyen (1929-2012), o "Doutor Bruno". Ela conseguiu convencer o militar de mais alta patente dentro da casa de que tinha virado uma "RX" — ou "infiltrada", no jargão militar. Mas era um blefe.

Em 25 de abril de 2014, um mês depois de prestar depoimento à CNV, Paulo Malhães foi encontrado morto, com sinais de asfixia, em seu sítio em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Em depoimento, assumiu ter participado de torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos. Para evitar a identificação de suas vítimas, arrancava os dedos e as arcadas dentárias delas. Em seguida, esquartejava seus corpos e os incinerava em uma usina de açúcar, em Campos dos Goytacazes (RJ).

"O depoimento de Paulo Malhães foi de extrema importância", avalia Dallari. "Tendo sido assassinado em abril do mesmo ano, aparentemente em um caso de latrocínio, até hoje persiste a dúvida sobre a causa de sua morte, se não teria sido uma 'queima de arquivo'".

 

Bordado no xadrez

 

Pesando 32 quilos, Inês foi deixada na casa de uma irmã, Geralda, em Belo Horizonte. Debilitada, foi levada para um hospital. Lá, os advogados optaram por oficializar sua prisão. Era uma forma de protegê-la de seus algozes. Condenada à prisão perpétua — com base no artigo 28 da Lei de Segurança Nacional (LSN) —, cumpriu pena de oito anos, de 1971 a 1979, no presídio Talavera Bruce, em Bangu, no Rio, por ter participado do sequestro do embaixador suíço.

No presídio, relembra uma ex-companheira de cela, Inês gostava de contar histórias, bordar tapetes e ver novelas. "Na prisão, Inês suportou o isolamento do convívio com as demais presas, que a acusavam de delatora. Para elas, a delação era a única justificativa para Inês ter saído com vida da 'Casa da Morte'", explica a historiadora Isabel Cristina Leite.

Inês Etienne Romeu em julgamento no auditório do Exército do Rio após prisão na ditadura em 1972
Inês Etienne Romeu na terceira auditoria do Exercito, no dia 24/08/1972
 

No período em que esteve presa, Inês foi sabatinada por jornalistas, como Lilian Newlands e Elias Fajardo da Fonseca, por sugestão de sua irmã, Lúcia. Numa dessas entrevistas, conheceu e fez amizade com Márcia de Almeida, que trabalhava como repórter "freelancer". Contou, entre outras coisas, que conheceu o líder camponês Mariano Joaquim da Silva (1930-1971), da Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares), no cativeiro. "Eu achava que ia morrer e fiquei viva. Ele achava que ia ficar vivo e morreu", contou Inês à edição do jornal Pasquim de agosto de 1979.

"Ao voltar para casa, tive uma crise de choro e fiquei três dias sem dormir", recorda Márcia, hoje diretora da ONG Inês Etienne Romeu, que luta para transformar a "Casa da Morte" em um memorial, o Centro de Verdade, Justiça e Memória. "Devemos a Inês tudo o que sabemos sobre a 'Casa da Morte'. Ela foi um exemplo de coragem, perseverança e determinação".

 

Memória privilegiada

 

A história da "Casa da Morte" não teria sido contada se não fosse Inês. Ela conseguiu memorizar tanto os nomes de nove presos políticos que foram supostamente executados lá — como Carlos Alberto Soares de Freitas, o "Beto", que comandou Dilma Rousseff nos tempos da VAR-Palmares — quanto os codinomes de 19 torturadores e de alguns de seus colaboradores — entre eles, o médico Amílcar Lobo (1939-1997), o "Doutor Cordeiro".

Segundo denúncias, a função de Lobo era examinar os presos políticos para avaliar se eles ainda tinham condições de continuar a ser torturados. Ele teve seu registro médico cassado pelo Conselho Federal de Medicina em 1989.

Última presa política a ser libertada no Brasil — não pela anistia, mas sim em liberdade condicional —, Inês resolveu denunciar a existência da "Casa da Morte" de Petrópolis. Mais que memorizar os nomes de torturados e torturadores, ela conseguiu descrever a planta da casa: um imóvel de três quartos, sala, banheiro e garagem subterrânea.

Também recordava o número de telefone do lugar: 4090. Com a ajuda do jornalista Antônio Henrique Lago, pesquisou catálogos da companhia telefônica de Petrópolis. Demorou, mas achou. O número levou ao assinante e, dali, ao endereço da "Casa da Morte": Rua Arthur Barbosa, 668.

Se eu morrer,

 

Acidente ou atentado?

 

O sofrimento de Inês não terminou com a soltura da prisão, em 1979. Em 11 de setembro de 2003, sua diarista a encontrou, caída e ensanguentada, em seu apartamento no bairro da Consolação, em São Paulo. Na véspera, ela tinha pedido ao porteiro que deixasse subir um marceneiro para fazer um reparo em sua casa. O traumatismo craniano a deixou com sequelas na fala e nos movimentos. O caso nunca foi elucidado. Na delegacia, foi registrado como "acidente doméstico".

"Sempre me impressionei com sua memória", observa a jornalista Juliana Dal Piva, que entrevistou Inês diversas vezes, entre 2012 e 2015. "Lembrava detalhadamente de muita coisa. Tanto que fez um relatório minucioso que estudo até hoje. É um documento muito duro de ler. Como mulher, desde a primeira vez que li, tive que parar e, ainda hoje, paro no meio da leitura por causa da crueldade descrita", diz a repórter do jornal O Globo, que pretende transformar a história da "Casa da Morte" em livro, ainda sem previsão de lançamento.

Dilma Rousseff and Ines Etienne Romeu during the delivery of the Premio Direitos Humanos 2009 Human Rights Prize 2009) on December 21, 2009 in Brasilia, Brazil.

Inês Romeu amparada por Dilma Rousseff e homenageada por Lula presidente

 

Seis anos depois do misterioso "acidente doméstico", Inês recebeu, durante cerimônia em Brasília, em 2009, um prêmio de direitos humanos, na categoria de Direito à Memória e à Verdade, das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Minha querida Inês, só queria lhe dizer uma coisa: valeu a pena cada gesto que vocês fizeram, cada choque que vocês tomaram, cada apertão que vocês tiveram", declarou Lula. A cerimônia contou com um discurso emocionado de Dilma Rousseff, ex-companheira na VAR-Palmares e então ministra do governo.

Inês Etienne Romeu morreu na madrugada de 27 de abril de 2015, aos 72 anos, enquanto dormia em sua casa em Niterói, município vizinho ao Rio. [Há uma versão de que foi assassinada pelos seus carcereiros]

 

 

Paulo Manhães mal-assombro da Casa da Morte 

 

Inês Etienne Romeu morreu na madrugada de 27 de abril de 2015. Leia reportagem de Julianna Dal Piva

Coronel do Exército Paulo Manhães, que comandava a Casa da Morte também morreu misteriosamente no dia 25 de abril de 2014. De acordo com um integrante da Comissão da Verdade do Rio, o ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) deixara claro, em depoimentos privados, o temor do que poderia vir a ocorrer com ele. 

Em 25 de março, Malhães foi autor de um dos depoimentos mais fortes prestados à CNV. Na sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, Malhães contou, entre outras coisas, como o Exército fez para desaparecer com os restos mortais do deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura civil-militar e como agentes do CIE mutilavam corpos das vítimas da repressão na Casa das Morte, em Petrópolis (RJ) – faziam isso arrancando suas arcadas dentárias e as pontas dos dedos para impedir a identificação dos corpos, caso fossem encontrados.

 

O intervalo de tempo tão curto entre o depoimento e a morte causa estranheza

 

O fato de a morte por asfixia de Malhães ter ocorrido dias após o depoimento à CNV, Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio, não descarta a morte por queima de arquivo. “Qualquer profissional ligado à investigação vai trabalhar com essa hipótese. Pode ter sido assalto, mas fica difícil acreditar nisso uma vez que ele foi morto por asfixia quando andava de cadeira de rodas. É uma morte extremamente suspeita”, afirmou Damous. 

20
Jul22

Torturadas pela ditadura por não seguirem o exemplo das Mulheres de Atenas

Talis Andrade

Luta, substantivo feminino: mulheres torturadas, desaparecidas... -  9788560814381 - Livros na Amazon Brasil

por José Levino

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Uma ditadura militar foi instalada no Brasil (1964-1985) para impedir a implantação das reformas de base que mudariam a estrutura econômica em vista da construção de uma nação soberana e com um modelo econômico voltado para dentro e preocupado com a melhoria das condições de vida para todo o povo. Claro que o novo modelo feria os interesses dos grandes monopólios estrangeiros e seus aliados internos e que esta foi a causa da instalação do regime ditatorial.

No projeto das reformas de base, nada havia de comunismo. Mas este foi o fantasma levantado para angariar o apoio popular e lançar uma campanha de orações por todo o país, com o apoio de setores das Igrejas Católica e Evangélica, pedindo proteção contra a ameaça vermelha.

Discordou do regime, era comunista e vítima de perseguição. Militava ou apoiava alguma organização política de oposição, estava sujeito à prisão legal ou ilegal, às torturas nas casas da morte clandestinas ou mesmo nos porões da repressão oficial.

A tortura existe desde tempos imemoriais como método de combate aos inimigos ou adversários. Mas, com o tempo, foi se sofisticando para não deixar marcas físicas que pudessem comprovar sua aplicação. Tornou-se “tortura científica”. De modo que, não passa de deboche e vilipêndio a afirmação do presidente Bolsonaro de que aguarda um exame de raios-x da mandíbula da ex-presidente Dilma Rousseff para comprovar a fratura decorrente da tortura.

Capitão reformado do Exército (1973-1988), Bolsonaro sabe muito bem que as corporações militares não faziam exames para analisar os efeitos de suas torturas, as sequelas deixadas nos corpos dos que escaparam. Se bem que as principais marcas ficaram foi na alma. O torturador mais famoso e temido, Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Dops de São Paulo, que chegou a ser convocado para prestar “serviços” em todo o país, disse para uma de suas vítimas mais famosas, Frei Tito: “Nós vamos te quebrar por dentro”.  Dito e feito. O frade escapou fisicamente, mas não conseguiu viver com as lembranças terríveis da “sucursal do inferno”, e cometeu suicídio.

Quarenta e cinco mulheres constam da lista de mortos e desaparecidos elaborada pela Comissão Nacional da Verdade. Centenas foram vítimas das torturas. Vinte e sete têm seus depoimentos registrados na publicação LUTA, SUBSTANTIVO FEMININO, editada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Editora Caros Amigos, São Paulo, 2010. Elas não apresentam raios-x, mas seu testemunho confirmado por companheiras/os presos na mesma época e, em alguns casos, até por torturadores que deram seu depoimento para a Comissão da Verdade, assumiram o crime e disseram que fariam tudo de novo. Outros dizem que o erro foi não eliminar todos os presos políticos.

Todos os depoimentos são muito expressivos, mas vamos destacar neste artigo a síntese de alguns, pois o espaço exige uma amostra, apenas.

 

Aborto no quinto dia de sofrimento

 

IZABEL FÁVERO militava na VAR-Palmares. Professora universitária, foi presa com seu companheiro e sogros em Nova Aurora, cidade do interior paranaense, em 1970. Foram torturados a noite toda na frente uns dos outros. Saquearam a casa e levaram tudo, até a roupa de cama. Transferidos para o Batalhão de Fronteira em Nova Iguaçu, as torturas prosseguiram, executadas pelo capitão Júlio Cerda Mendes e pelo tenente Mário Expedito Otresk, que aplicaram pau de arara e choques elétricos. Sabiam que ela estava grávida, mas isso não significava nada para os torturadores. Abortou no quinto dia de sofrimento. Daí, foram levados para o Dops do Rio de Janeiro, onde a tortura foi praticada por policiais com o emblema do Esquadrão da Morte. Levados de volta para Foz do Iguaçu, depois Porto Alegre (Dops). Izabel escapou, mas ficaram as consequências. Durante anos, não conseguia dormir direito, acordava transpirando, passava noites sem pregar os olhos.

 

“Filho dessa raça não deve nascer”

 

HECILDA FONTELES, professora universitária, também estava grávida quando ocorreu sua prisão em Brasília, no ano de 1971. Sob socos e pontapés, ouvia os agentes dizerem: “Filho dessa raça não deve nascer”. Foi levada para o Pelotão de Investigações Criminais (PIC) e submetida à tortura dos “refletores”, pela qual a pessoa é mantida a noite inteira com uma luz forte no rosto. Conduzida para o Batalhão da Polícia do Exército do Rio de Janeiro, conheceu a Cadeira do Dragão. Trata-se de uma cadeira elétrica semelhante àquelas em que são executadas as sentenças de morte nos EUA, só que o torturador controla o nível dos choques para manter a vítima sob intenso sofrimento, mas viva. Ela conta: “Os fios subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações eram indescritíveis – calor, frio, asfixia. Além disso, batiam no rosto, no pescoço, nas pernas”. De volta a Brasília, jogaram-na numa cela cheia de baratas que roíam seu corpo; conseguiu tirar o sutiã e encobrir a boca e os ouvidos. Levada para o Hospital de Brasília, sentindo as dores do parto, o médico, irritadíssimo, fez um corte sem anestesia. Apesar das condições, Paulo Fontelles Filho sobreviveu.

 

Pau de arara e estupro

 

GILSE COSENZA era recém-formada em Serviço Social e militava na Ação Popular (AP) quando foi presa, em junho de 1969, em Belo Horizonte. Ficou três meses numa solitária, sendo interrogada sob tortura: choque elétrico, afogamento, pau de arara, espancamento, tortura sexual. Manuseavam o corpo, apagavam ponta de cigarro nos seios. À noite, levaram-na de olhos vendados para um posto policial afastado, numa estrada, onde foi torturada de sete da noite até o amanhecer, sem intervalo. Eles tinham um cassetete cheio de pontinhos que usavam para espancar os pés e as nádegas enquanto estava no pau de arara, de cabeça para baixo. “Quando estava muito arrebentada, um torturador me tirou do pau de arara. Caí no chão. Nessa situação, fui estuprada pelo sargento Leo, da Polícia Militar. Depois, como não dei as informações que queriam, ameaçavam trazer minha filha de quatro meses para ser torturada de formas terríveis na minha frente”.

MARIA DO SOCORRO DIÓGENES, professora, militava no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi presa no Recife, em abril de 1972. Arrancaram toda a sua roupa e a sentaram no chão molhado. Passou por afogamento várias vezes, com a cabeça encapuzada mergulhada numa água suja. O corpo ficou todo preto de tanto ser pisado. Foi colocada várias vezes no pau de arara. Abusavam sexualmente com choques nos seios, na vagina, passavam a mão. Foi torturada diariamente durante um mês. Uma vez simularam sua morte. Arrastaram-na pela madrugada e a colocaram num camburão onde tinha corda, pá, ferramentas. Pararam num lugar esquisito, só para aterrorizar.

JESSIE JANE, professora, foi militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Era estudante secundarista quando foi presa em 1º de julho de 1970, no Rio de Janeiro (RJ). “Minha filha nasceu em setembro de 1976, durante o Governo Geisel. Eu tive de fazer o parto num hospital privado, fiz uma cesariana, sofri muita pressão. Eles diziam que tinha de fazer como na Indonésia: matar os comunistas até a terceira geração para eles não existirem mais. E depois, a entrega da minha filha foi muito difícil. Eu a entreguei para a minha sogra, pois minha família estava toda no exílio. Foi a pior coisa da minha vida, a mais dolorida. A separação de uma criança com três meses é muito dura para uma mãe, é horrível. É uma coisa que nunca se supera. É um buraco. De toda a minha história, essa é a mais dramática. A minha gravidez resultou do primeiro caso de visita íntima do Rio de Janeiro. Meu marido estava preso na Ilha Grande e, quando da passagem do Governo Médici para o Geisel, havia uma reivindicação para que nos encontrássemos. Fazia cinco anos que não nos víamos. Foi nessa conjuntura que eu fiquei grávida. A nossa prisão foi muito violenta. Fomos levados para o DOI-Codi, onde fomos muito torturados. As torturas foram tudo que você pode imaginar. Pau de arara, choque, violência sexual, pancadaria generalizada. Quando chegamos lá, tinha um corredor polonês. Todas as mulheres que passaram por ali sofreram com a coisa sexual. Isso era usado o tempo todo”.

 

INÊS ETIENNE ROMEU era bancária e militava na VPR. Foi presa em maio de 1971, em São Paulo, e levada para a Casa da Morte, em Petrópolis (RJ). Pancadas e choques elétricos marcaram sua recepção. Disseram que não queriam informação alguma, apenas matá-la de forma lenta e cruel, como merecem os terroristas. Foi estuprada. Era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades grosseiras. Inês só foi libertada após a Anistia, em 1979 e identificou seis torturadores. Morreu aos 61 anos em seu apartamento, num acidente muito suspeito.

“O objetivo da tortura é esse: vilipendiar você como pessoa, para que seu corpo, sua vontade percam o controle e você se sinta um montão de carne, ossos, merda, dor e medo”, afirmou Lilian Celiberti, uruguaia, militante do Partido da Vitória do Povo (PVP), sequestrada em Porto Alegre, em novembro de 1978.

Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLIII: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

 

 

17
Jul22

I - Míriam Leitão fala sobre as torturas vividas durante a ditadura militar

Talis Andrade

Um passado que não passa | Ciência Hoje

 

(Observatório de Imprensa, 19/08/2014) A mulher serena na frente do homem inquieto. A repórter experiente perante a autoridade calejada. A entrevistadora firme ante o ministro gelatinoso. A profissional de imprensa olho no olho com sua fonte. Uma brasileira, presa e torturada na ditadura, frente a frente com o ministro da Defesa que hoje comanda o Exército que ontem, na ditadura, prendeu e torturou a mulher, a repórter, a jornalista, a brasileira que o questionava (leia abaixo o depoimento inédito de Míriam Leitão sobre as torturas que sofreu).

Esse dramático confronto de 22 minutos brilhou na tela da TV numa noite de quinta-feira, no final de junho de 2014, quando a jornalista Míriam Leitão, 61 anos, fez para a GloboNews uma notável entrevista com o ministro da Defesa, Celso Amorim, 72 anos. Viu-se então uma aula prática do melhor jornalismo, confrontando a convicção com a dúvida, a energia com a tibieza, o categórico com o evasivo, a verdade com a mentira. A repórter se agigantando num diálogo em que o ministro se apequenava, acuado, hesitante, gaguejante.

Míriam fez o que o resto da grande imprensa, acomodada e preguiçosa, não fez. Foi a Brasília ouvir o chefe civil dos militares, apenas nove dias após a entrega à Comissão Nacional da Verdade (CNV) de uma insossa, imprestável sindicância de quatro meses realizada pelos três comandantes das Forças Armadas (FFAA). Diante de questões objetivas com nomes, datas e locais de mortes e torturas apontadas pela CNV, os chefes da tropa responderam, num catatau de 455 páginas, que não registravam nenhum “desvio de finalidade” em sete centros militares do Exército, Marinha e Aeronáutica onde foram meticulosamente documentados casos de graves violações aos direitos humanos pelo regime militar de 1964-1985. Os oficiais-generais das três Armas simplesmente negaram a ocorrência de abusos até mesmo nos sangrentos DOI-CODI da Rua Tutoia, em São Paulo, e da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, onde a CNV já constatou pelo menos 81 mortes por tortura. Os comandantes esqueceram até dos 22 dias de suplício no DOI-CODI paulistano a que sobreviveu em 1970 uma guerrilheira chamada Dilma Rousseff, hoje casualmente presidente da República e, como tal, comandante-suprema dos generais que omitem a crua verdade sobre a ditadura das FFAA (ver “Quem mente? A presidente ou os generais?“).

Semblante sério, como recomendava o tema e exigia o embate, a jornalista entrou de sola na entrevista:

 

Míriam– Ministro, os militares disseram que não houve desvio de função, mas a resposta causou perplexidade…

Amorim – […] A CNV não perguntou se as pessoas foram torturadas. Ela focaliza muito na destinação dos imóveis. Com esta pergunta, a resposta também sinaliza uma resposta formal. Não houve, não há registro formal de desvio de funcionalidade…

 

Míriam– A CNV fez as perguntas erradas?

Amorim – Ela não fez as perguntas que ela não precisava fazer […] As FFAA não negam, nem comentam. Elas não contestam. Elas simplesmente não entram [no assunto]. Se um estabelecimento, militar ou outro qualquer, é usado para tortura, isso não é um ilícito administrativo. Isso é um crime […] Especificamente sobre as torturas, ela [CNV] não faz nenhuma pergunta, ela afirma. E as afirmações [da CNV] não são contestadas.

 

Míriam– Uma coisa é o DOI-CODI prender. Outra coisa é matar o preso.

Amorim – Isso é horrível. Não é um desvio de finalidade, é um crime. […] Se você disser que as respostas são formais, eu concordo. Até acho que elas são formais. Elas não são mentirosas, nem descumprem formalmente o que foi perguntado. Elas decepcionam quem…

 

Míriam– … elas omitem a questão principal, ministro. As pessoas foram mortas dentro de instalações militares, foram torturadas, e não foi para isso que se criaram essas instalações. Elas existem para defender o Brasil, não para torturar e matar brasileiros.

Amorim – Não há a menor dúvida. Tortura e morte é errado em qualquer lugar. Eu acho isso e a sociedade brasileira acha isso…

 

Míriam– Mas os seus comandados não acham. Como ministro da Defesa, o sr. é o comandante dos comandantes militares. O sr. não deveria levá-los a tomar uma decisão sobre isso? O que eles fizeram nessa sindicância foi tergiversar sobre a questão fundamental que se pergunta…

Amorim – Nós estamos completando uma transição, a última etapa da transição é o relatório da CNV. A CNV vai produzir um relatório final e todos terão que se posicionar diante dele. Quanto às respostas em si à CNV, elas atendem ao que foi perguntado formalmente. Não houve nenhuma pergunta, tipo “o sr. confirma que houve tortura e morte?”. Até porque eu sei que a resposta aí seria: “Todos os documentos da época [da ditadura] foram destruídos”.

 

Míriam– É o que eles dizem, aliás.

Amorim – Não houve nenhum esforço, nenhuma pretensão de negar os fatos…

 

Míriam– O jornalista Zuenir Ventura escreveu que, se [tortura e morte]não era desvio de função, então era norma. O que o sr. diz dessa conclusão?

Amorim – Acho que tortura e assassinato de uma pessoa indefesa é algo indefensável. Se isso era norma explícita, eu não… eu creio que não. Mas, implícita, talvez fosse. Infelizmente, era um governo ditatorial. Ninguém vai discutir isso. Você sabe muito bem: eu deixei meu cargo na Embrafilme porque autorizei a elaboração de um filme pago pela empresa em que a OBAN era o tema central.

 

Arte do convencimento

 

Amorim, sempre diplomata, não esclareceu bem aos telespectadores esse episódio que o dignifica e está relacionado à OBAN, a Operação Bandeirante, a repressão unificada em São Paulo que antecedeu em 1969 o DOI-CODI criado no ano seguinte. Ele não “deixou” o cargo, ele foi exonerado em abril de 1982 da presidência da Embrafilme, a estatal de cinema da ditadura, por pressão dos generais do governo Figueiredo, irritados com o temerário financiamento que a empresa concedeu ao cineasta Roberto Farias para produzir Pra Frente, Brasil. Era um filme de 105 minutos, estrelado por Reginaldo Faria, Natália do Valle e Antônio Fagundes retratando de forma contundente, pela primeira vez no cinema, os horrores da repressão sem limites. Os personagens eram calcados nos algozes da OBAN, no delegado do DOPS Sérgio Fleury e nos empresários que financiavam a tortura do regime. O ator Carlos Zara interpretou o sádico “Dr. Barreto”, o policial inspirado em Fleury, que havia torturado seu irmão, Ricardo Zaratini, um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano Burke Elbrick em 1969. O ator Paulo Porto encarnou o personagem inspirado no industrial Henning Boilesen que – como caixa da OBAN no meio empresarial e amigo do poderoso ministro Delfim Netto – foi executado por guerrilheiros em abril de 1971. Lançado em 1982, Pra Frente, Brasil ganhou cinco prêmios em festivais internacionais e, após uma arrojada exibição em Gramado, RS, conquistou o troféu de melhor filme do festival de cinema mais importante do país. Em seguida, foi censurado e retirado das salas de exibição. Só voltou a ser mostrado no início de 1983, liberado sem cortes.

Hoje comandante dos militares que no passado o expurgaram do serviço público, Celso Amorim agora tem bons motivos para medir a diferença no calendário.

Amorim – O Brasil precisa das FFAA. E os militares de hoje não são os militares de ontem. Nós precisamos dialogar com estes militares de hoje. Eles tem que saber separar o que foi o passado e o que é hoje. O 31 de março já não é mais comemorado…

 

Míriam– Mas eles mesmos não fazem esta separação, quando não admitem os erros do passado. Até para preservar a instituição [das FFAA], eles não deveriam fazer esta separação?

Amorim – Você quer minha opinião pessoal? Acho que devem [fazer a separação]. Mas, isso não se faz com uma ordem. Isso é uma mudança cultural. Porque, as ordens eles podem até obedecer. Isso é uma mudança cultural que vem aos poucos. Essa ordem depende do diálogo. Há outras concepções culturais das corporações. Como isso se concilia, é uma coisa complicada. Não vou entrar aqui numa discussão filosófica sobre culpas coletivas, ou culpas intergeracionais. O tempo vai fazer com que isso ocorra. O primeiro passo é eliminar as coisas oficiais, como as comemorações do 31 de março. Nunca ouvi de nenhum militar, pelo menos comigo, nunca ouvi nenhum defender a tortura, sob nenhum aspecto. Nenhum veio aqui e disse: “Ah, mas naquele caso tivemos que fazer isso…”. Nenhum. Nunca ouvi. Nem direta, nem indiretamente.

 

Míriam– E nem condenaram, também…

Amorim fecha os olhos, suspira, e não diz nada. É salvo pelo intervalo do programa de entrevista, aos 13’33’’. Na segunda parte, Amorim volta falando das coisas positivas que vê hoje na área militar.

Amorim – […] Como a criação do Estado Maior Conjunto das FFAA, subordinado diretamente ao Ministério da Defesa. Ou seja, o Ministro está na cadeia de comando, inclusive das operações militares. E temos um secretário-geral civil, no mesmo nível dos comandantes. Incluímos disciplinas de direitos humanos em todas as escolas militares. Os livros [das escolas militares] devem ser aprovados pelo MEC e fazem parte do currículo. Os colégios militares são excelentes. Você poderia me perguntar: “Mas, o sr. não pode dar uma ordem?” Posso, mas eu prefiro convencer. O convencimento tem mais durabilidade. Aprendi isso com a diplomacia. Acho que o convencimento é melhor do que uma ordem estrita.

 

Míriam – Em algum momento as FFAA vão se deixar convencer a pedir desculpas ao País pelos crimes cometidos na ditadura, para que eles não se repitam?

Amorim – Esta é uma questão complicada. Eu não sei… Acho que… talvez, talvez. Eu esperaria… Acho que o grande input para isso seria o próprio relatório da CNV, o tratamento que ele vai ter e como será recebido pela sociedade. Agora, você tem um conflito entre duas concepções. Uma, as FFAA de hoje pedindo desculpas pelo que não foi feito por elas? Não sei… Eu, como ministro das Relações Exteriores, se formos pedir desculpas por tudo que tenha sido feito pelo Itamaraty, inclusive no tempo da ditadura, talvez fosse complicado para mim… Acho melhor ir mudando, mudando a prática, e deixando aquilo que se deve ver e analisar para o Judiciário, o Congresso, a sociedade… Mas, não sei… Talvez fosse bom para eles [os militares]. Eu acho…

Gaguejando, vacilando, traindo suas dúvidas internas, Amorim revelou na GloboNews as incertezas existenciais que são antigas e comuns entre os sete homens que ocuparam o Ministério da Defesa desde sua criação, em junho de 1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Nascida 14 anos após a queda da ditadura, a pasta reproduzia a experiência de nações mais avançadas nos padrões democráticos. É a realização administrativa da constatação feita por um médico francês do século passado, Georges Clemenceau (1841-1929), o primeiro-ministro da França nos anos turbulentos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que diagnosticou: “A guerra é uma coisa demasiadamente grave para ser confiada aos militares”. Para expurgar a arrogância natural de 21 anos de regime de exceção no Brasil, onde a voz da caserna com frequência se confundia com os rugidos mais assustadores da caverna autoritária, um Ministério da Defesa ocupado por um civil tinha, como primeira vantagem, tirar o intocadostatus ministerial das Forças Armadas habituadas ao cachimbo torto da hegemonia sobre a República e do arbítrio sobre todos.

 

Gritos e sussurros

 

Rebaixando os ministros militares ao nível de comandantes, sob o tacão de um civil na Defesa, o país imaginava se vacinar contra recidivas no delicado processo da regeneração democrática. O problema é que, em vez de Ministro da Defesa do Estado, cada um dos ocupantes do posto assumiu o equivocado papel de ministro da defesa dos comandantes militares. Desde o primeiro e mais fugaz, Élcio Alvarez, que durou meros sete meses no cargo, até o mais longevo, Nelson Jobim, que Lula legou a Dilma e sobreviveu no posto por longos 50 meses. Mais do que encarnar o papel de comandante civil do governo sobre os escalões militares, os ministros acabaram vestindo a farda de porta-vozes dos quartéis e seus chefes, tornando mais difícil o pleno reconhecimento das diferenças cruciais que existem entre os Exércitos da ditadura e da democracia – e que nem os comandantes sabem separar, como reconheceu Amorim para Míriam.

O atual ministro da Defesa, profissional do Itamaraty desde 1989, quando o país teve sua primeira eleição direta para presidente em três décadas, levou para o cargo as manhas da diplomacia, esquecido de que o tom acatado nos quartéis é a ordem gritada e peremptória, não o sussurro do lerdo convencimento ciciado nas missões diplomáticas. O que Amorim aprendeu com as luvas de pelica nos salões atapetados do Itamaraty não combina com os coturnos empoeirados dos campos de manobra dos generais. São áreas diferentes, são mundos separados. O ministro da Defesa, com ingenuidade, confessou na GloboNews que é um chefe que abdica de suas atribuições: em vez de mandar, como se faz e se espera na caserna, prefere convencer, como nem os diplomatas às vezes conseguem.

Militar, desde a academia, sabe que o ofício do soldado é obedecer, assim como a missão do comandante é comandar. O diplomata Amorim, com a muleta da “durabilidade”, prefere convencer. Nas praias da Normandia, nas areias de El Alamein, nas colinas de Waterloo, nas alturas de Monte Castelo, no estreito das Termópilas, no mar revolto de Midway, onde ecoaram algumas das batalhas épicas que todo oficial de Estado-Maior estuda nas aulas de tática e estratégia em combate na academia, os militares não esperavam ser convencidos para cumprir sua missão, para comandar e obedecer, para matar ou morrer. Se fossem esperar pelo moroso convencimento proposto por Amorim, os generais teriam perdido a batalha, a guerra, a vida e talvez a honra.

O general francês Charles De Gaulle (1890-1970), que não convencia mas sabia mandar, tinha esta áspera opinião sobre os colegas de carreira de Amorim: “Diplomatas são úteis apenas sob bom tempo. Assim que chove eles se afogam em cada gota”. O parlamentar inglês Henry Wotton (1568-1639), embora embaixador, era ainda mais cínico: “O diplomata é um cavalheiro honesto enviado ao exterior para mentir pelo bem de seu país”.

 

Agente da borrasca

 

Como o cavalheiro honesto que é, Amorim poderia dizer a verdade pelo bem do país começando por um único pedido de desculpas, na condição de ex-ministro das Relações Exteriores, por uma grave truculência cometida por seus polidos pares de diplomacia exatamente no tempo da ditadura: o Centro de Informações do Exterior (CIEx), o serviço secreto criado dentro do Itamaraty, no primeiro governo da ditadura, o do general Castelo Branco. Foi obra e engenho de um diplomata sempre útil e que sorvia cada gota da borrasca, Manoel Pio Correa Júnior (1918-2013), um anticomunista ferrenho que se notabilizou pela caça aos comunistas na carreira diplomática e pelo combate aos “vagabundos, bêbados e pederastas” que encontrou pelo caminho. Uma de suas vítimas mais notáveis foi o diplomata e compositor Vinícius de Moraes, cassado pelo AI-5. O poetinha brincava com os amigos: “Ei, eu sou o bêbado, viu?”.

 

Livro: Dentro da Companhia Diário da Cia - Philip Agee | Estante Virtual

 

Capitão R/2 da Cavalaria, o sóbrio Pio Correa vestia sobre o terno de diplomata a capa de agente da CIA, servindo na estação do Rio de Janeiro da agência de inteligência norte-americana, conforme revelou o ex-agente Phillip Agee na página 384 de seu livro de memórias, Por Dentro da Companhia (Edição Círculo do Livro, 1976). Ali, para constrangimento de Amorim e qualquer cavalheiro honesto, o homem da CIA no Uruguai relatou, no diário de Montevidéu datado de 17 de junho de 1964, menos de três meses após o golpe no Brasil:

[…] a base do Rio [da CIA] decidiu enviar mais dois de seus elementos para a embaixada do Brasil aqui – além do adido militar, coronel Câmara Sena. Um deles é um funcionário de carreira de alto nível do ministério das Relações Exteriores do Brasil, Manoel Pio Correa, que virá como embaixador; o outro é Lyle Fontoura, protegido de Pio Correa, que será o novo primeiro-secretário. Até o mês passado, Pio era embaixador do Brasil no México, onde, de acordo com o currículo enviado pela base [da CIA] do Rio, demonstrou muita eficiência nas tarefas operacionais para a base [da CIA] da Cidade do México. Contudo, como o México não reconheceu o novo governo militar do Brasil, Pio foi chamado de volta ao seu país e a base [da CIA] do Rio de Janeiro providenciou para que fosse nomeado para Montevidéu, que no momento é o ponto em ebulição da diplomacia brasileira. Assim que chegarem os novos elementos do corpo diplomático, Holman [Ned. P., chefe da CIA em Montevidéu] entrará em contato com Pio, enquanto O’Grady [Gerald, subchefe da CIA] se encarregará de entrevistar-se com Fontoura. De uma forma ou de outra, a base [da CIA] do Rio está decidida a elaborar operações contra os exilados, e – ao que parece – Pio é o homem indicado, pois tem perserverança suficiente para manter as pressões sobre o governo uruguaio.

Com a mão pesada da CIA, Pio Correa foi premiado pelo governo Castelo Branco justamente com a embaixada em Montevidéu, onde se concentravam os inimigos que acompanharam João Goulart e Leonel Brizola ao exílio. Lá, o agente duplo da CIA Pio Correa, com o braço forte do adido militar, o coronel Câmara Senna, outro serviçal da agência americana, começou a montar o seu CIEx, formado inicialmente por uma rede de contatos que incluía políticos, militares, juízes, delegados de polícia, fazendeiros e comerciantes que fechavam o cerco sobre as atividades de Jango e Brizola no Uruguai.

A bem sucedida experiência uruguaia o levou, como secretário executivo do chanceler Juracy Magalhães, a redigir e assinar a portaria ultrassecreta que criou o CIEx no governo Castelo Branco. Tão secreta que nem constava da estrutura formal do pudico Itamaraty. A existência do CIEx só seria confirmada em 2007, exatamente quando Amorim era o chanceler do segundo governo Lula. A constrangedora revelação coube à monumental série de reportagens produzida pelo repórter Cláudio Dantas Sequeira, do Correio Braziliense, revelando a ação repressiva da primeira agência criada sob o amparo do Serviço Nacional de Informações (SNI) e de seu criador, o general Golbery do Couto e Silva.

O repórter descobriu que, no início, o secreto CIEx foi camuflado como Assessoria de Documentação de Política Exterior, ou simplesmente ADOC, com verba secreta e subordinado à Secretaria Geral de Relações Exteriores. Dos primeiros anos da ditadura até 1975, funcionou dissimulado como seu criador na sala 410 do quarto andar do “Bolo de Noiva”, o Anexo I do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Desmontado com a ditadura em 1985, o lugar hoje abriga a inofensiva Divisão de Promoção do Audiovisual. Vasculhando 20 mil páginas de documentos com 8 mil informes escondidos nos arquivos do CIEx, o repórter Sequeira apurou que, dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, os nomes de 64 das vítimas estavam lá, nas pastas secretas de Pio Correa. Atuando em linha com os adidos militares das embaixadas, a tropa civil dos adidos do CIEx de Pio Correa foi decisiva na atuação do Brasil na Operação Condor, o Mercosul da repressão que caçava e matava sob o mando e desmando dos generais do Cone Sul do continente.

 

Proposta indecente

 

Como chefe dos diplomatas, Amorim não lembrou de pedir desculpas pelo CIEx. Como chefe dos militares, Amorim chegou a pensar em um pedido de desculpas dos generais pelos 21 anos de ditadura. Foi o que ele fez em 18 de fevereiro passado, em seu gabinete no Ministério da Defesa, em Brasília, na audiência que concedeu aos seis comissários da Comissão Nacional da Verdade. O ministro se remexeu na cadeira, surpreso e incomodado com a entrega inesperada do requerimento da CNV, listando sete locais de tortura e morte administrados pelo Exército, Marinha e Aeronáutica. Ele reagiu com uma proposta inusitada, que desconcertou os comissários: ofereceu, em nome dos comandantes das FFAA, um pedido público de desculpas ao país pelos excessos cometidos em duas décadas de arbítrio. Em troca, Amorim pediu à CNV garantias de que não haveria a temida revisão da Lei de Anistia que a ditadura se autoconcedeu em 1979 no governo Figueiredo, para salvar a pele e a biografia dos torturadores até hoje impunes.

Os comissários reagiram na hora, com a altivez devida, rejeitando a proposta indecente de Amorim. Ela apenas retrata a preocupação crescente dos quartéis com uma provável recomendação de impacto no relatório final da CNV, a ser apresentado ao país em dezembro próximo. É cada vez mais forte a tendência na CNV para recomendar a revisão da anistia da ditadura, diante das pesadas evidências e contundentes provas documentais que se acumulam sobre abusos e violências cometidos pelo regime arbitrário de 1964. Aceitar os termos do Ministro da Defesa para o pedido de desculpas dos generais seria uma indesculpável barganha política que fere o bom-senso e a ética.

Seria coisa ainda pior, a transgressão de um mandamento pétreo proclamado pelo mestre maior de Amorim e seus colegas de carreira: “Um diplomata não serve a um regime e sim ao seu país”, ensinou o diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), o chanceler que atravessou quatro governos da nascente República, no início do Século 20, e ampliou o Brasil redesenhando suas fronteiras. Os generais de hoje devem pedir desculpas à Nação pelos erros cometidos pelos generais de ontem como um imperativo ético que demarca fronteiras morais e faz uma justa e sanitária separação entre o Exército da democracia, a que eles servem, e o Exército da ditadura, que eles deveriam repudiar para preservar a honra e a imagem histórica da corporação.

Amorim esqueceu de se desculpar na GloboNews pelo desonroso CIEx. Não recordou da ideia de um pedido de desculpas dos generais ao país. E, distraído, não lembrou da ficha da repórter que o entrevistava no seu gabinete. O ministro da Defesa, até pela autoridade do cargo, conhece os detalhes da biografia de Míriam Leitão que o Brasil desconhece. Amorim esqueceu que era entrevistado por uma sobrevivente da ditadura e das torturas que os generais sob seu comando agora negam, como negaram as torturas no DOI-CODI onde padeceu a guerrilheira da VAR-Palmares Dilma Rousseff.

 

O “doutor” e a jibóia

 

Míriam não integrava a luta armada, como Dilma. Nos idos de 1972, aos 19 anos, Míriam era uma militante da base estudantil do então clandestino PCdoB, que tentava derrubar em Vitória (ES) a mesma ditadura que mantinha Dilma no cárcere, em São Paulo (SP). “A gente apenas pichava muros, espalhava cartazes nos pontos de ônibus e nas cabines de orelhões. Lembro que um dia pichei ‘Viva a guerrilha do sul do Pará! Abaixo a ditadura!’ Um idealismo de jovens que acreditavam naquilo, que sabiam que era preciso resistir a tudo aquilo, até mesmo com um simples panfleto”, lembrou Míriam.

Mineira de Caratinga, filha de um pastor presbiteriano e de uma professora primária, sexto filho do casal (depois de três mulheres e dois homens) numa família de 12 irmãos, ela cursava o primeiro ano de História quando conseguiu um emprego na redação de uma rádio de Vitória, o que mudaria sua carreira para sempre. Estreava na profissão como repórter quando sentiu na carne o peso da repressão, sequestrada e presa durante três meses, entre dezembro de 1972 e fevereiro de 1973, no quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército em Vila Velha, onde foram encarceradas e torturadas cerca de 40 pessoas – a maioria estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo e um dos professores, o médico Vítor Buaiz, que fundou o PT, elegeu-se prefeito de Vitória em 1989 e sagrou-se governador do Estado em 1994.

Livro: Brasil: Nunca Mais - Dom Paulo Evaristo Arns | Estante Virtual

Na primeira parte do livro Brasil: Nunca Mais, dedicado a “Castigo Cruel, Desumano e Degradante”, o Capítulo 2 fala sobre “Modos e instrumentos de tortura”. Na página 39 do trabalho, um resumo do projeto original em 12 volumes escrito por Ricardo Kotscho e Frei Betto, existem oito depoimentos de presos políticos torturados sob a rubrica “Insetos e Animais”.

O quarto depoimento, registrado no livro nº 674, volume 3, páginas 782v-783 do projetoBrasil: Nunca Mais, é a transcrição parcial do auto de qualificação e interrogatório de uma jornalista, então com 20 anos, chamada Míriam de Almeida Leitão Netto. Suas palavras:

[…] que, apesar de estar grávida na ocasião e disto ter ciência os seus torturadores […] ficou vários dias sem qualquer alimentação;

[…] que as pessoas que procediam o interrogatórios, soltavam cães e cobras para cima da interrogada; […]

No livro de Kotscho e Betto havia outro depoimento, de um auxiliar de escritório de 31 anos, Dalton Godinho Pires, que em 1973, no volume 5 do livro n° 75, página 1224, revelou no seu interrogatório:

[…] havia também, em seu cubículo, a lhe fazer companhia, uma jiboia de nome Míriam […]

Não era uma piada. Era uma jiboia mesmo, um exemplar da boa constrictor, a segunda maior cobra do Brasil (só menor que a sucuri), que mede em média três metros de comprimento. O autor deste artigo lembrou desses dados e entrou em contato com Míriam Leitão para esclarecer melhor sua dramática passagem pelo quartel do Exército na praia de Piratininga, no bairro Prainha de Vila Velha, 12 quilômetros ao sul da capital capixaba. Míriam me contou:

“Fiquei presa ali, no 38º Batalhão. Os torturadores vieram de fora e, depois, sumiram. Eles trouxeram a cobra. Eu lembro que chamavam o pior dos torturadores, o dono da cobra, de Dr. Pablo.”

Dr. Pablo era o codinome de um dos mais truculentos oficiais do DOCI-CODI do II Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro carioca da Tijuca: Paulo Malhães, coronel do Centro de Informações do Exército (CIE). Em março passado Malhães deu um aterrador depoimento à Comissão Nacional da Verdade, numa sessão no Rio com a presença da imprensa. Ali confessou ter arrancado as arcadas dentárias e cortado os dedos de presos mortos sob tortura para não permitir a identificação dos corpos desaparecidos. Um mês depois da confissão, Malhães foi encontrado morto em seu sítio, na Baixada Fluminense, aparentemente vítima de infarto após ter a casa invadida por três bandidos, que fugiram dali levando, entre outros artigos bizarros para um ladrão, três pastas de documentos e o disco rígido de um dos dois computadores do coronel.

Dois anos antes, em junho de 2012, Malhães confirmou ser o dono da Míriam, a cobra que deslizou pela cela da aterrorizada Míriam no batalhão do Exército em Vila Velha. O coronel do CIE contou aos repórteres de O Globo Chico Otávio, Juliana del Piva e Marcelo Remígio que, na primeira metade da década de 1970, levou cinco filhotes de jacaré e uma jiboia para torturar os presos na carceragem do Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do I Exército, na Barão de Mesquita, sede do DOI-CODI carioca, onde podem ter morrido 30 presos, segundo estimativas da CNV.

Malhães tinha atuado na “Casa Azul”, o QG da repressão à guerrilha do Araguaia, instalado na antiga sede do DNER em Marabá, no sul do Pará. Ali, segundo levantamento da CNV, morreram 24 presos, 22 dos quais militantes do PCdoB, o mesmo partido pelo qual Míriam pichava muros e espalhava panfletos em Vitória antes do encontro dramático com a Míriam do Dr. Pablo. O coronel contou aos repórteres de O Globo:

“Eu estava um dia à beira de um rio, na região do Araguaia, quando senti a terra tremer. Descobri que estava sentado em cima de um ninho com filhotes de jacaré. Consegui pegar cinco, que batizei de PataPetaPitaPota Joãozinho. E ainda peguei uma jiboia de seis metros, que chamei de Míriam. Trouxe todos para o DOI-CODI, no Rio. Os filhotes de jacaré não mordiam. Só faziam tec-tec com a boca…”

O jornalista mineiro Dalton Godinho Pires, citado pelo Brasil: Nunca Mais, ficou quatro anos preso, mas gravou na pele e na memória os 90 dias de terror no PIC da Barão de Mesquita, graças à Míriam. Localizado em 2012 pelo repórter Chico Otávio, Pires lhe contou:

“Eles chegaram com um isopor enorme, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu. Cheguei a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que ela exalava, um fedor que custei a esquecer.”

Verso e reverso

 

Quando leu esta reportagem dois anos atrás, no jornal em que trabalha, Míriam teve uma longa e privada crise de choro, ao cruzar na memória de dor o relato de cobras e jacarés da repartição de terror do coronel Malhães. “Era muita coincidência. A ninguém eu disse isso, nem aos meus filhos”, confessou-me ela, sempre refratária a discutir publicamente o seu drama pessoal. “Guardo aqui a sensação de que a minha dor eu mesmo curo. Não é dela que se trata. O que é importante é a dor do país e ela faz certas exigências às instituições. Uma delas é esse reconhecimento das Forças Armadas de que erraram”.

Com a elegância exigida, Míriam preservou os limites institucionais de sua entrevista com o Ministro da Defesa, sem jamais confundir sua história de vida com a vida do país, embora elas se cruzem e se confundam. A consciência de que tinha diante de si uma sobrevivente da ditadura deve explicar o desempenho nervoso de Amorim na entrevista, ao tentar defender o que ele sabia, de corpo presente, não ser verdade. Aos 61 anos, mãe de dois filhos, ambos jornalistas (Vladimir, repórter da Rede Globo em Brasília, e Matheus, repórter da Folha de S.Paulo na sede do jornal), e avó de quatro netos, Míriam é hoje uma das mais importantes profissionais da imprensa brasileira. Acumula 24 prêmios de jornalismo, a terceira maior coleção de troféus no ranking nacional do site Jornalistas & Cia, logo atrás dos campeoníssimos José Hamilton Ribeiro, o mais premiado repórter brasileiro de todos os tempos, e Eliane Brum.

Em 2005, Míriam tornou-se a primeira jornalista brasileira a receber o Prêmio Maria Moors Cabot, patrocinado pela prestigiosa Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (EUA), uma das mais importantes do mundo. Em 2012, Míriam produziu para a GloboNews um programa especial de 50 minutos, A história inacabada, com um devastador relato sobre o sequestro, tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva. O trabalho lhe deu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, concedido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

Existe uma maneira simples para definir a qualidade do jornalismo e a essência da conduta profissional de Míriam Leitão. Veja e reveja os dois programas que ela conduziu com brilho e coragem para a GloboNews. Aquele sobre a história inacabada do desaparecido Rubens Paiva, este sobre o desempenho do irresoluto Celso Amorim. O ex-deputado e o atual ministro são, por razões opostas, o verso e o reverso de um mesmo país, ainda atolado no medo endêmico e no cinismo contagioso que rebaixa o debate sobre nosso passado recente.

 

As perguntas de Míriam e as respostas de Amorim provam, na telinha da GloboNews, que ainda existem jibóias que se enroscam na mentira e jacarés que tentam atemorizar a verdade. O didático enfrentamento na TV entre a repórter e o ministro deixou claro, para os que querem ver, quem enfrenta a jiboia e quem instiga os jacarés.

 

O inferno das duas Míriam: a jornalista e a jibóia

Três anos atrás, sem contar nada ao marido e aos filhos, Míriam Leitão fez uma furtiva viagem de volta ao passado e ao inferno de sua juventude.

Saiu do Rio de Janeiro e uma hora depois desembarcou em Vitória. Pegou um carro, atravessou a Terceira Ponte, que liga a capital à cidade de Vila Velha, do outro lado da baía, e seguiu em direção a um dos principais pontos turísticos do Estado: o morro da Penha, uma elevação de 150 metros de onde se admira uma bela paisagem. No alto está o velho Convento da Penha, com uma história de 454 anos. Ao pé do morro está outro monumento: o Forte de Piratininga, ali plantado em meados do século 16.

Forte de Piratininga, na Baía de Vitória, é joia arquitetônica a ser  preservada | A Gazeta

Forte de Piratininga, quartel do Exército, porão de tortura de Miriam Leitão 

 

Míriam não fazia um repentino programa de turista. Era uma dorida viagem interior ao cenário dos piores momentos que a jornalista passou em sua vida. “Quando o país começou a discutir a criação da Comissão da Verdade, por volta de 2011, decidi voltar lá. Eu quis fazer minha viagem pessoal, um retorno particular à minha história”, explica Míriam, no emocionado desabafo que faz pela primeira vez, quatro décadas após o inferno que amargou naquele cenário hoje encantador. Desde o final da Primeira Guerra Mundial, o forte lá embaixo abriga um batalhão de infantaria subordinado ao Comando Militar do Leste (antigo I Exército), no Rio de Janeiro. A construção mais antiga, redonda [na foto, no alto à esquerda], é o prédio histórico da Fortaleza São Francisco Xavier de Piratininga, reformado no século 17. Foi ali que a Míriam quase adolescente de 1972, uma menina grávida de 19 anos, desceu ao submundo da repressão desatinada que marcava o auge da violência do governo mais truculento da ditadura, o do general Emílio Garrastazú Médici.

No início do século 20, a unidade ainda se chamava 3º Batalhão de Caçadores. Em setembro de 1972, três meses antes da prisão ali de Míriam Leitão, o lugar mudou de nome, passando a chamar-se 38º Batalhão de Infantaria. Entre os 707 processos políticos vasculhados no Superior Tribunal Militar pelo projeto Brasil: Nunca Mais, seis deles procedem do único quartel do Exército baseado em solo capixaba, oriundos do belo forte de Vila Velha. Neles, constam 46 denúncias de torturas consumadas no antigo 3º Batalhão de Caçadores. Outros 13 casos de torturas envolvem o atual 38º Batalhão de Infantaria. Todos se referem ao ano de 1972. Um deles é o de Míriam.

Foi lá que Míriam enfrentou a danação de um nome que resumia como ninguém a truculência do regime: o coronel Paulo Malhães, o temido “Dr. Pablo” do DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita. Ao ver na TV o velho torturador de 76 anos depondo para a Comissão da Verdade, cinco meses atrás, Míriam chegou a duvidar que fosse o mesmo e fogoso oficial de 34 anos e cabeleira negra e farta que comandou seu interrogatório. Mas ela recorda bem que os outros militares o chamavam de “Dr. Pablo”, o codinome que Malhães usava no DOI-CODI. Existe outra forte coincidência a confirmar a identidade do doutor com o coronel. Malhães veio do Rio trazendo um acessório de tortura que o tornou inconfundível na mitologia da repressão, pelo inusitado da escolha: uma cobra.

Na verdade, uma jiboia que Malhães trouxe do Araguaia e casualmente apelidou de Míriam. Talvez para assustar ainda mais suas vítimas, o coronel dizia que a cobra media seis metros de comprimento. Um evidente exagero do “Dr. Pablo”, pois nem Míriam lembra de uma cobra tão grande. Jiboia dessa dimensão, com 6 metros e 120 kg de peso, só foi vista anos atrás no Camboja. Uma jiboia amazônica como Míriam é mais modesta, varia entre 2 e 3 metros e tem 50 kg de peso, ainda assim com tamanho suficiente para intimidar qualquer um.

Jornalista revela como foi torturada com uma cobra durante ditadura -  19/08/2014 - Poder - Folha de S.Paulo

Durante horas de um dia assustador a jiboia do “Dr. Pablo” foi a solitária companhia na sala onde Míriam Leitão esteve trancafiada no quartel. Quando voltou à vida, libertada três meses depois, a jovem franzina que só pesava 50 kg tinha perdido 11 kg no cativeiro, onde chegou com um mês de gravidez.

Para a visita agora a esse passado de terror, Míriam contou com a ajuda do ex-governador Paulo Hartung, que conhecia o comandante de 2011 da guarnição e facilitou o acesso da ex-presa. “Fui sozinha, não queria ninguém junto comigo. Era uma jornada só minha. Entrei e não precisei que ninguém me mostrasse o caminho. Era esquisito, não tenho bom senso de orientação, mas eu conhecia aquele quartel como a palma da minha mão. Percebi algumas reformas, paredes que não existem mais, escadas que mudaram de lugar, salas que foram modificadas. Não me permitiram ir a alguns lugares, mas o essencial estava na minha memória”, conta Míriam, hoje, com o tremor na voz que trai os demônios que assombraram aquele lugar. Ela posou para fotos junto à porta da cela onde ficou um tempo, tiradas pelo motorista que a acompanhava. E conseguiu voltar à sala grande onde passou a madrugada de horror com sua homônima jiboia. “O lugar agora é um anfiteatro, mas eu fui direto ao ponto onde me mantiveram de pé, nua, durante horas, antes e durante o tempo em que fiquei com a cobra. É uma imagem que não sai da minha cabeça. Ali eu fiz essa foto”, explica, abrindo pela primeira vez seu arquivo pessoal.

Míriam, em meio a tanto sofrimento, lembra de um paradoxo que vivia na época: “Minha cela ficava na fortaleza. Quando eu saía de lá à noite e era levada para outro local de tortura, eu a contornava e passava pela escadaria. Saía desse belo prédio circular, às margens da baía – e que hoje, por ironia, o Exército aluga para festas –, e era levada para a parte nova do quartel onde funcionavam algumas seções administrativas do quartel. Olhava aquele lugar lindo, lindo até hoje, o convento lá em cima, e pensava o quanto nada daquilo fazia sentido. Era uma beleza que contrastava com a violência daquele lugar. Eu não conseguia entender isso. Não entendia naquela época, não entendo até hoje”, diz Míriam, a voz embargada pela emoção da memória. Pela primeira vez, Míriam Leitão conta aqui como viveu, e sobreviveu, naquele lugar:

 

13
Jul22

Patricia Facchin entrevista Jair Krischke (vídeos)

Talis Andrade

Na charge do Amarildo: AI-5 | A Gazeta

 

Jair Krischke é ativista dos direitos humanos no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Em 1979, fundou o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, a principal organização não governamental ligada aos direitos humanos da região sul do Brasil.

 

IHU On-Line — Quais são suas lembranças do dia 13 de dezembro de 1968, quando Arthur da Costa e Silva emitiu o AI-5?

Jair Krischke — Tudo começou um pouco antes. Nós que participávamos daquilo que veio a ser depois o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, imaginamos que o AI-5 era um golpe a mais, que era mais uma das tantas quarteladas que aconteciam na América Latina. Porém fomos surpreendidos, pois se tratava de um golpe baseado em uma doutrina de segurança nacional, que viria para ficar por muito tempo. Nós do Movimento de Justiça e Direitos Humanos já estávamos envolvidos em retirar brasileiros perseguidos do Brasil e em levá-los para o Uruguai e a Argentina, mas em 1968 já começávamos a sentir a falta de esperança em relação à redemocratização e então começamos as articulações para enfrentar a ditadura, especialmente no terreno político.

Antes do AI-5 foi criada a Frente Ampla, que reuniu três figuras políticas de grande importância no Brasil, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda; algo inimaginável. Essa Frente Ampla estava se articulando para politicamente fazer frente à ditadura, quando o grupo da chamada “linha dura”, pretendendo se eternizar no poder, lançou o AI-5. Nessa época eu estava em Porto Alegre, envolvido em retirar do Brasil companheiros sindicalistas, líderes estudantis e políticos e levá-los para o refúgio.

Meses antes da instituição do AI-5, o então deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso na Câmara dos Deputados, em setembro, recomendando às moças e às senhoras que se recusassem a sair com oficiais do Exército e que, inclusive, no baile de Sete de Setembro não dançassem com eles. Esse discurso foi tomado pelos militares, especialmente pelo então ministro do Exército, o General Costa e Silva, como uma ofensa aos militares, que solicitaram a cassação de Márcio Moreira Alves. No dia 12 de dezembro, o Congresso recusou a cassação, com uma diferença de 75 votos, e mesmo a Arena, partido da ditadura, votou contra a cassação dele. No dia seguinte, 13 de dezembro, fomos surpreendidos com o AI-5. Somente depois — a história não pode ser avaliada no tempo em que está ocorrendo — nos demos conta de que esse AI-5 era um golpe dentro do golpe, era um endurecimento daquilo tudo que a ditadura já havia feito.

 

Com a instituição do AI-5, o setor mais reacionário das Forças Armadas decidiu terminar com as mínimas garantias com as quais a cidadania ainda contava, e deu poderes extraordinários à ditadura. Isto é, o presidente da República passou a ter um poder que não requisitava apreciação judicial para fazer aquilo que bem entendesse em termos não só da União Federal, mas dos estados e municípios. Além disso, o presidente tinha poder para intervir no Congresso Nacional, e mais tarde o fechou, como fechou também as Assembleias Legislativas dos estados e as Câmaras de Vereadores. Além disso, o AI-5 estabeleceu a censura prévia a tudo que se possa imaginar: a censura foi estabelecida não só na comunicação social — jornais, rádios e TV —, mas também em todas as expressões artísticas. Isso deu vigência plena à doutrina de Segurança Nacional.

Depois daquele discurso de Márcio Moreira Alves, nós já estávamos esperando que alguma coisa iria acontecer, mas não imaginávamos que seria algo com a gravidade que aconteceu, de forma tão radical. Com o AI-5, a repressão voltou forte e com requintes de uma crueldade que antes não havia acontecido. Tivemos que tirar muitas pessoas do país, porque a perseguição começou a se dar de uma forma indiscriminada: se suspeitassem que alguém tivesse feito isso ou aquilo, já era razão suficiente para a perseguição. O AI-5 estabeleceu uma possibilidade de prisão sem fundamentação jurídica, sem direito a acesso a advogado ou aos familiares. Para temas de “crimes políticos” não havia possibilidade de habeas corpus, que também foi suspenso com o AI-5.

Foi difícil dar conta de proteger todos aqueles que novamente vieram a ser perseguidos. Lembro disso muito bem, porque isso foi gerando consequências. Como a repressão endureceu muito, começamos a perceber que os serviços de inteligência do exército, da marinha, da aviação, da polícia federal e militar, começaram a agir de forma desenfreada, nos dando um trabalho imenso.

 

IHU On-Line — Como o AI-5 interferiu na sua atividade de retirar pessoas do país naquele momento?

Jair Krischke — Passamos a viver com muita cautela e cuidado, porque sabíamos que a repressão estava aí, que éramos vigiados e que a qualquer momento um de nós poderia ser preso. Por exemplo, mesmo nas nossas reuniões, quando uma pessoa na qual não confiávamos muito estava presente, para não tocar em assuntos delicados sobre a segurança de outras pessoas, tínhamos uma norma: qualquer um de nós, ao perceber que a presença de alguém era problemática, perguntava “que horas são?”; esse era o nosso sinal de alerta.

 

IHU On-Line – Isso acontecia com muita frequência?

Jair Krischke — Não com muita frequência, mas acontecia. Assuntos sensíveis eram compartimentados e o próprio processo para retirar pessoas do Brasil passou a ser bastante compartimentado: quando alguém saía de São Paulo e ia até o Paraná, não sabia quem seria o responsável pelo trecho que o levaria do Paraná até Santa Catarina, que por sua vez não sabia quem seria o responsável pelo trecho de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Se informava apenas que uma pessoa estaria no tal local, com uma camisa branca e com um exemplar do jornal Correio do Povo embaixo do braço, ou que uma moça com um lenço branco amarrado na bolsa estaria em tal local. Não se informava quem eram essas pessoas, mas se davam sinais de como encontrá-las.

Eu tomei uma decisão nesse momento: todas as manhãs quando despertava, prometia a mim mesmo “hoje não vou ficar paranoico”. Isso valia por 24 horas. Quando você se envolve nesse tipo de atividade e sabe que há uma repressão muito forte, que qualquer descuido vai impactar a vida de alguém, a tendência à paranoia aumenta.

Nós passamos a ser seguidos e tivemos que aprender a evitar o seguimento. De repente estávamos circulando de automóvel e achávamos que o carro de trás estava nos seguindo. Nessa situação, tentávamos atrair o carro para uma sinaleira que estivesse fechando e tratávamos de cruzar no último momento. Se o carro que vinha atrás também cruzava, era porque estava nos seguindo. Então, várias vezes eu e meus companheiros fazíamos esse teste e muitas vezes o carro seguia mesmo e tínhamos que dar um jeito de mudar o trajeto ou mudar de carro, e fizemos isso muitas vezes.

 

IHU On-Line — Como o senhor e outros se articularam para fazer frente ao AI-5? Houve essa possibilidade?

Jair Krischke — Nós lutávamos contra um poder realmente imenso e não podíamos ser tolos a ponto de achar que poderíamos enfrentar as Forças Armadas no seu terreno; sabíamos que deveríamos enfrentá-la com inteligência. E isso nos levou a criar mecanismos de defesa, como aquele da pergunta “que horas são?” ou mesmo esses testes para ver se estávamos sendo seguidos, ou seja, desenvolvemos uma série de mecanismos de defesa porque começamos a entender como o aparelho repressivo passou a funcionar depois do AI-5.

Nós não tínhamos como reagir e não tínhamos como enfrentar os militares no campo da força. Tivemos que estudar o inimigo, ver suas fraquezas e explorá-las. Aqueles grupos que resolveram enfrentá-los, o fizeram com a maior generosidade que se pode imaginar, e aqueles jovens que ingressaram na luta armada para ir para o enfrentamento pagaram um preço altíssimo. Nós do Movimento de Justiça e Direitos Humanos fizemos uma avaliação do que poderia ser feito. A nossa primeira avaliação foi a de que nenhum de nós iria sair do país. A segunda avaliação foi examinar quais eram as condições para operar salvando pessoas. Decidimos, então, estudar como os militares agiam, nos prevenir e fazer aquilo que achávamos que tínhamos que fazer. O nosso maior prejuízo foi em novembro de 1969, quando vários companheiros foram presos.

Nessa época, em novembro de 1969, o aparelho repressivo já estava bastante azeitado, funcionando a mil, e montou o assassinato de Carlos Marighella. Os militares dizem que foi um enfrentamento, mas foi uma execução. Nessa ocasião também foram presos os dominicanos, entre eles o Frei Betto. Em decorrência disso, muitos companheiros nossos foram presos.

 

IHU On-Line – Esse foi o período mais tenso de toda a ditadura para o senhor?

Jair Krischke — Sim, foi o mais tenso porque toda essa estrutura repressiva agia por sua própria conta, praticando barbaridades, sem freio ético e moral. O grande comandante desse período foi o famoso delegado Sérgio Paranhos Fleury, e se deve a ele todas as barbaridades que se possa imaginar, como o Esquadrão da Morte.

Em novembro de 1969 eu passei todo o mês esperando ser preso, porque tive que “colocar a cabeça para fora” para tirar os companheiros que estavam presos no Departamento de Ordem Política e Social - DOPS, mas não fui preso. Essa é uma outra história.

Alguns militares chamavam a ditadura de guerra psicológica, porque também era uma guerra psicológica. O Brasil, comparado com outros países da região, não teve tantos mortos e desaparecidos. Em termos proporcionais, a Argentina, que tinha à época 40 milhões de pessoas, teve 30 mil desaparecidos na sua ditadura, e o Brasil, que à época tinha 90 milhões de pessoas, não chegou a registrar 500 mortos e desaparecidos. Por quê? Por ser uma ditadura branda? Não, porque a ditadura foi uma repressão seletiva e feita com o objetivo de criar terror e pavor na sociedade brasileira. E ela criou um pavor tão grande, que nós ainda hoje não discutimos os assuntos relativos ao aparelho repressivo.

Há uma negativa porque à época as pessoas tinham medo de falar sobre isso. As pessoas viviam a sensação de terror de que a qualquer momento poderia acontecer alguma coisa com elas. Isso porque, quando se estabelece um regime de exceção, pode acontecer de tudo, como aconteceu. Pessoas que não tinham nada a ver com a contestação da ditadura foram presas. Aqueles que foram presos e que não tinham nada que ver foram os mais torturados, porque os repressores imaginavam que estavam diante de um durão que não queria contar o que sabia e o torturavam mais.

 

IHU On-Line — Qual foi a sua reação quando o AI-5 foi revogado?

Jair Krischke — Nós do grupo Movimento de Justiça e Direitos Humanos estávamos esperando que isso acontecesse. Então, quando começaram a anunciar que possivelmente o AI-5 deixaria de existir em 31 de dezembro de 1978, já começamos a projetar uma série de reuniões para tornar o Movimento de Justiça e Direitos Humanos oficial. Assim, em janeiro de 1979 conseguimos reunir, uma vez por semana, umas 30, 40 pessoas para tratar da organização do Seminário de Justiça e Direitos Humanos. Ao final do seminário foi proposta a criação do Movimento, oferecemos um estatuto que foi aprovado e elegemos a primeira diretoria. Desde outubro de 1978 já tínhamos claro que, ao cessar a vigência do AI-5, tínhamos que “pendurar o bilhete no pescoço do tigre”.

Cumprimos as exigências legais para oficializar o Movimento e fomos ao cartório para registrá-lo. Eu conhecia o oficial do cartório, mas ele não quis registrar o Movimento. Deixei o documento lá e voltei depois de uns dez dias, mas o oficial já estava com a negativa pronta e assinada. Como ele negou o registro por escrito, nós recorremos, entramos com uma ação na Justiça e, por sentença judicial, o Movimento foi registrado em agosto de 1980. Então, quem era o apavorado nessa história toda? Era alguém que tinha posse de direito. Resumindo, quando a imprensa noticiava que o Geisel iria anunciar o fim do AI-5, nós aproveitamos para estabelecer o Movimento.

 

IHU On-Line — Retrospectivamente, 50 anos depois, que avaliação faz da instituição do AI-5 no Brasil? Quais foram os impactos políticos do AI-5 para o país e como o senhor lembra desse momento da história brasileira, do qual participou?

Jair Krischke — O AI-5 produziu um retrocesso brutal na sociedade brasileira, porque se estabeleceu um autoritarismo muito maior do que o do golpe de 64. Esse é um militarismo que vigorou de 1968 a 1978, por dez anos, mas com tal violência que isso ficou inculcado nos brasileiros. Se observarmos, sociologicamente, não nos livramos ainda desse autoritarismo, pois ele conseguiu ingressar na epiderme do brasileiro.

 

IHU On-Line — Que comportamentos e ações indicam isso?

Jair Krischke — As violações aos direitos humanos. Quem viola os direitos humanos no Brasil? O Estado brasileiro, e isso tem a ver com esse autoritarismo: se “a autoridade decidiu, está decidido”, mesmo se for uma ilegalidade e mesmo que sejam atos nada republicanos. Lamentavelmente, muitas pessoas, por ignorância, entendem que é assim mesmo. Conversando com um rapaz de aproximadamente 23 anos que foi barbaramente agredido pela polícia, disse a ele que a agressão era um absurdo, e ele me perguntou se a polícia não poderia bater nele. Isso acontece porque o autoritarismo acabou indo para o DNA das pessoas e se acha que a tal autoridade “pode tudo”. Isso atingiu profundamente o povo brasileiro e ainda não conseguimos nos livrar dessa aceitação do autoritarismo.

 

IHU On-Line — Que questões centrais precisam ser tratadas no país para repensarmos o papel autoritário do Estado brasileiro, 50 anos depois do AI-5?

Jair Krischke — Em primeiríssimo lugar, a plenitude do exercício da cidadania. Isto é, o Estado brasileiro precisa entender que o cidadão tem direito a ter direitos e o Estado tem que ser o primeiro a garantir esse direito. O Estado tem que ser o garantidor de direitos e nós precisamos avançar quanto a isso; é um exercício da cidadania. Se formos ao Uruguai, veremos que o povo uruguaio tem uma consciência muitíssimo maior do que a nossa em termos de cidadania, em não admitir que seus direitos sejam desrespeitados. Isso é sensível a qualquer pessoa. Qualquer pessoa do povo tem muito claro que, como cidadão, tem direitos.

Isso é interessante porque, no Brasil, costuma-se dizer que os defensores dos direitos humanos “são só defensores de bandidos”; nos acusam de mil coisas. No Uruguai, na Argentina, no Chile ou no pequeno Paraguai, quem lida com direitos humanos é respeitado, até o Estado respeita. No Brasil isso não ocorre e é assim por consequência da ditadura, porque quem enfrentava os milicos como exercício da cidadania, quem cobrava do Estado, éramos nós. Por isso, passamos a ser os inconvenientes para a ditadura. E essa ditadura acabou criando uma guerra psicológica, induzindo as pessoas a fazerem a leitura de que quem os denunciava era amigo de bandido, porque quem lutou contra a ditadura era chamado de terrorista. Veja, chamar alguém de terrorista tem como implicação que a pessoa tenha praticado um ato terrorista, logo, não era verdade.

As pessoas que foram vítimas da ditadura nunca mais esquecem: o sono não é tranquilo, volta e meia todo aquele terror do qual você foi vítima te assalta de novo. As pessoas que foram vítimas dessa truculência nunca mais puderam dormir tranquilas, e nós vamos carregando essa cruz.

 

IHU On-Line — O senhor também tem esse tipo de sentimentos ao lembrar do passado?

Jair Krischke — Tenho companheiros que trabalham comigo, especialmente aqueles que foram presos mais jovens, que não se livram disso. Tenho colegas que até hoje fazem tratamento psiquiátrico por terem a síndrome do pânico e não conseguirem sair de casa. Por exemplo, tenho uma amiga que ainda está trabalhando, mas tem dias que seu marido vai levá-la para o trabalho e, quando vai se aproximando do local do trabalho, ela começa a tremer, suar e tem que voltar para casa. Isso fica!

Como todos os dias eu fazia o exercício de dizer para mim mesmo “hoje não vou ficar aloprado”, isso me defendeu, claro que me defendeu muito; eu procurei criar um antídoto. Mas, é evidente, há situações que lembram claramente, por exemplo, quando a sua vida era posta em risco. Essas coisas são muito gozadas porque, de repente, lá adiante, é que isso vai aparecer: andamos pela vida bastante tempo e de repente aquelas coisas do passado começam a te fustigar. Digo isso por companheiros meus que, 30 anos depois, começaram a sentir problemas. Isso o doutor Freud deve explicar.

 

09
Jul22

Monstros do Brasil

Talis Andrade

 

 

Toda ditadura cria monstros. 

A ditadura de Getúlio Vargas entregou a polícia política a Filinto Strubing Müller, militar, torturador e assassino. 

A ditadura militar de 1964, dos presidentes marechais e generais, pariu vários monstros: os serial killers coronéis Paulo Manhães, Brilhante Ustra, delegados Fleury e Pedro Seelig, capanga Cecil Borer. 

O homem mais perigoso do país: biografia de Filinto Müller - 9788520011126  - Livros na Amazon Brasil

06
Jul22

5 MULHERES QUE FORAM TORTURADAS PELA DITADURA MILITAR BRASILEIRA

Talis Andrade

Como era a Dilma que lutou durante a ditadura? Companheiros da época  respondem - 31/03/2014 - UOL Notícias

Dilma Rousseff em fotografia da prisão nos anos 1970 - Wikimedia Commons

 

Conheça as histórias de vítimas que resistiram aos horrores do período responsável por desaparecimento e mortes

 

por AH Aventuras na História

Muitos foram afetados pelo sistema da repressão durante a Ditadura Militar, no entanto, as mulheres militantes de esquerda sofreram com atrocidades (e crimes contra a humanidade) particularmente fortes. Durante depoimentos para a Comissão Nacional da Verdade, militantes revelaram que o estupro era uma pratica sistemática de tortura, e existem relatos de abusos físicos e sexuais por parte de autoridades do Exército e da polícia.

Conheça cinco mulheres que sofreram com a tortura do Estado mas sobreviveram para denunciar a história nos dias atuais.

 

1. Rose Nogueira

 

Rose Nogueira - Memórias da ditadura

Atuando na ALN, Rose foi presa num dia comum enquanto estava em seu apartamento com o marido Luiz Roberto e seu filho, Carlos. Na época, tinha 33 anos e foi abordada pelo delegado Fleury, que ameaçou não devolver o pequeno. No entanto, com a abordagem, Rose convenceu o torturador a deixar a criança com os avós.

Assim, foi levada ao DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social, em São Paulo), onde foi torturada psicologicamente, violada e estuprada. Aprisionada em celas insalubres com mais de 50 mulheres (incluindo Dilma Rousseff), ela estava amamentando na época e, não podendo tomar banho, cheirava a leite azedo.

Por nove meses, ficou presa na Penitenciária Tiradentes. Depois, foi solta e se manteve em condicional sendo vigiada até o julgamento, que ocorreu dois anos depois. Em 1972, foi julgada e absolvida.

 

2. Miriam Leitão

 

miriam leitao presa-min.jpg

Crédito: Pedro Ladeira / Arquivo pessoal

 

Hoje atuando como jornalista, Leitão foi presa em 1972 por envolvimento com o PCdoB no combate ao regime. Segundo Miriam, durante sua prisão no quartel de Vila Velha, Espírito Santo, sofreu torturas físicas. Grávida aos 19 anos, com um feto de um mês no ventre, ela foi jogada numa cela escura completamente nua e obrigada a interagir com uma jiboia viva.

Durante os interrogatórios, levou chutes, socos, cacetadas e tapas por parte dos oficiais, sendo ameaçada de estupro diversas vezes. Ainda foi privada de alimentação nas celas do quartel. Leitão também revelou que os soldados, com sadismo, lançavam cães em sua direção enquanto a chamavam de terrorista aos gritos, fazendo com que nos animais ficassem irritados.

 

3. Dilma Rousseff

 

Dilma Rousseff: "Tortura é dor e morte. Eles querem que | Política

Em foto clássica da Ditadura, Dilma mantém-se firme no julgamento enquanto os juízes escondem seus rostos das câmeras 

 

Primeira presidente mulher da história do Brasil, Dilma iniciou sua militância num núcleo chamado Organização Revolucionária Marxista, antes de efetivamente se unir ao órgão armado Comando de Libertação Nacional. Na época, teve de abandonar o curso de economia em Minas Gerais. Logo depois, o grupo que fazia parte integrou a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, mas ela nunca pegou em armas. Capturada pela Operação Bandeirantes em 1970, foi presa e torturada em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Dilma passou pelo pau-de-arara e pelas máquinas de eletrochoque, além ser violentada com palmatória e cassetetes, desfigurando sua arcada. Foi então condenada a seis anos de prisão, teve os direitos políticos cassados e ficou encarcerada numa cela com 50 mulheres. Como participou do julgamento, conseguiu reduzir sua pena e saiu da prisão em 1972.

 

4. Amélia Telles  

 

trelles.jpg

Militante do PCdoB, Amelinha foi presa em 1972 através da Operação Bandeirantes e conduzida para o DOI-CODI de São Paulo, onde caiu na mão de Brilhante Ustra que, pessoalmente, a torturou junto ao marido Carlos Nicolau Danielli. Em frente à esposa, ele foi assassinado e usado para tortura psicológica.

Amélia ainda conta que, após a decisão de Ustra, seus filhos, que tinham menos de 5 anos na época, foram levado à sala de tortura, sendo obrigados a assistir a sessões em que a mãe era agredida e estuprada por oficiais do Exército. Ela sobreviveu e tornou-se militante na causa das famílias de desaparecidos políticos.

 

5. Iracema de Carvalho Araújo

 

Montagem com uma foto atual de Iracema de Carvalho Araújo ao lado outra de quando era criança  — Foto: Marcelo Brandt/Arquivo pessoal

Montagem com uma foto atual de Iracema de Carvalho Araújo ao lado outra de quando era criança — Foto: Marcelo Brandt/Arquivo pessoal

 
 

Iracema tinha aproximadamente 11 anos (pois ela não sabe ao certo o ano em que nasceu) quando foi sequestrada, junto à mãe, pelo Destacamento de Operações de Informação (DOI) de Recife. Sua mãe, Lúcia, era professora ligada ao Partido Comunista e às Ligas Camponesas. Assim, tornou-se alvo da polícia, que naquele dia colocou as duas mulheres num carro, vendadas, e as agrediu fisicamente, danificando 80% da visão de Iracema com um soco no rosto.

No DOI-CODI, a criança passou por sessões de tortura física e foi obrigada a assistir à mãe sendo agredida, espancada e eletrocutada. Com uma curta memória da vida antes do período, ela lembra que a tortura foi intensa, ficando marcada em sua memória.

Após diversas sessões, Iracema foi deixada numa praça pelos militares, agonizando seminua no chão quando foi encontrada por um casal que a levou para o Rio de Janeiro. Nunca mais viu a mãe, que é considerada desaparecida política.

09
Jun22

General evita responder sobre golpe e defende compra de viagra e prótese peniana

Talis Andrade

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Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, disse que o golpe militar da deposição de Jango, que criou a ditadura militar de 1964, foi um "movimento democrático"

 

Por Murillo Camarotto

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, defendeu ontem que a aquisição de Viagra e de próteses penianas pelas Forças Armadas foi legal e visou atender demandas legítimas dos militares.

O depoimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Seguridade da Câmara dos Deputados, provocou bate-boca entre os parlamentares sobre uma possível participação das Forças Armadas em uma ruptura institucional. Deputados de oposição questionaram o general sobre a disposição dos militares em apoiar uma tentativa golpista por parte do presidente Jair Bolsonaro, em caso de derrota na sua tentativa de reeleição.

“O resultado que for proclamado nas eleições de outubro será respeitado pelas Forças Armadas brasileiras?”, perguntou o deputado Léo de Brito (PT), causando revolta nos governistas.

“Ele está aqui para falar do Viagra", reagiu a deputada [da extrema direita] Bia Kicis (PL-DF), uma das mais ferrenhas defensoras de Bolsonaro no parlamento. “Não vão poder fazer o que pensam que vão fazer”, reforçou o delegado Éder Mauro (PL-PA), outro bolsonarista [assassino confesso]

Em outra fala, o deputado Ivan Valente (Psol-SP) fez críticas à ditadura militar e cobrou explicações de Nogueira sobre a falta de punição ao general Eduardo Pazuello, que participou de um ato político-partidário em abril de 2021, enquanto militar da ativa, o que é proibido.

O tumulto demorou a ser controlado pela mesa diretora, que após o fim das intervenções devolveu a palavra ao general. Nogueira, em um primeiro momento, se limitou a segurar um exemplar da Constituição e a ler o Artigo 142, que trata do papel das Forças Armadas na garantia dos poderes constitucionais.

“É isso que as Forças Armadas vão estar sempre em condições de fazer", resumiu ele.

Em seguida, contudo, ele chamou o golpe militar de 64 de “movimento democrático de 31 de março” e disse que o caso Pazuello “foi resolvido pelo então comandante do Exército à luz do processo legal”. À época do ocorrido, Nogueira era o comandante do Exército e, pressionado por Bolsonaro, absolveu Pazuello e decretou sigilo de 100 anos sobre o processo disciplinar interno.

Nogueira argumentou que a compra de Viagra está prevista em protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para tratamento de hipertensão arterial pulmonar e esclerose sistêmica.

Sobre as próteses penianas, disse que as aquisições são feitas com base em prescrição médica, “destinando-se a suprir as demandas de uso de em pacientes acometidos de patologias cujo tratamento assim recomenda”.

Em abril deste ano, veio a público a informação de que as Forças Armadas haviam aprovado a compra de pouco mais de 35 mil comprimidos de Viagra, medicamento normalmente usado para disfunção erétil. Além das pílulas, foram adquiridas 60 unidades de próteses penianas.

“Todas as aquisições das Forças Armadas são regidas pela lisura, pela transparência, pela eficiência administrativa, pela legalidade e pela correção”, disse Nogueira aos deputados.

Apesar disso, ele preferiu não entrar nos detalhes dos contratos, alegando que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica já o teriam feito.

O SUS não distribui Viagra, nem lubrificante íntimo, nem próteses penianas para civis (Vide vídeo)ImageImage

PSOL pede convocação de ministro da Defesa após demora nas buscas de Bruno Pereira e Dom PhillipsImage

A deputada federal Vivi Reis (PSOL) apresentou nesta terça-feira (7) requerimentos nas comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia da Câmara pedindo a convocação urgente do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para que ele explique a atuação do Ministério e das Forças Armadas nas buscas ao indigenista Bruno Araújo Pereira e ao jornalista Dom Phillips.

Vivi Reis traçou um paralelo entre a rapidez na hora de comprar viagra e a morosidade nas buscas dos desaparecidos na Amazônia. Confira neste vídeo:

 
Eliane Brum
@brumelianebrum
Deputada Federal Vivi Reis questiona enfaticamente ministro da Defesa sobre a demora deliberada nas buscas por Bruno Pereira e Dom Phillips. Para Viagra tem avião… Clique aqui
 
 

A equipe desaparecida, bem como outros membros técnicos da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), vinha recebendo ameaças em campo, uma vez que a região é palco frequente de conflitos causados pelo tráfico de drogas, roubo de madeira e garimpo.

No requerimento encaminhado às comissões da Câmara, Vivi Reis lembrou que, em 2019, um servidor da FUNAI que trabalhava na frente de proteção etnoambiental do Vale do Javari foi assassinado na cidade de Tabatinga (AM).

“Mesmo diante de todo este contexto, as ações do governo brasileiro, especialmente por meio do Ministério da Defesa, são absolutamente insuficientes. O Exército brasileiro, por meio do Comando Militar da Amazônia, emitiu uma nota afirmando que, embora capaz de executar a missão de busca e salvamento necessária, apenas agiria ‘mediante acionamento por parte do Escalão Superior”, aponta um dos trechos dos requerimentos.

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