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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

12
Fev22

Não esqueça o meu Monark: o ‘direito a um partido nazista’, Moro e o partido nazista do Direito

Talis Andrade

moro e kim e nazismo por geuvar.jpeg

Há 12 anos, um juiz substituto de Moro, divergindo de Moro, já alertava que o Brasil estava prestes a seguir o “indesejado” caminho apontado por um jurista e ideólogo do Terceiro Reich

 

por Hugo Souza

 

A propósito da defesa do “direito a um partido nazista” no Brasil pelos vendedores de hidromel Monark e Kim Kataguiri, este último recém-alçado a escudeiro da candidatura de Sergio Moro à presidência da República, vale a pena retroceder à Curitiba do ano de 2010, quando Moro ainda vivia em seu habitat natural, a insignificância, mas já tinha hábitos alimentares de gafanhoto defronte a Constituição Federal.

Nestes dias de defesa aberta do “direito a um partido nazista” no Brasil, portanto, vale a pena voltar à Curitiba de mais de uma década atrás para verificar a formação no Brasil de um partido nazista do Direito, e com direito a um magistrado curitibano, substituto de Moro, alertando que o caminho que o futuro juiz da Lava Jato estava prestes a trilhar era o apontado por um jurista do Terceiro Reich.

Em despacho do dia 11 de fevereiro de 2010, Moro, então titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, autorizou o “monitoramento ambiental do contato entre presos do Presídio Federal de Catanduvas e os seus visitantes, inclusive advogados, além da realização de outras escutas ambientais no presídio”.

Pensar em gravar a defesa, até um estagiário de Frederick Wassef sabe, só em caso de indiciamento do advogado.

Na época, o então secretário geral da seccional do Panará da Ordem dos Advogados do Brasil, Juliano Breda, encaminhou ofício ao então presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, dizendo que “o conteúdo da decisão [de Moro] revela um grave e frontal atentado contra as prerrogativas profissionais dos advogados, ao determinar que todos – absolutamente todos – os contatos entre presos e advogados na Penitenciária Federal de Catanduvas sejam monitorados e gravados, independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.

“Com efeito, trata-se de uma suspensão evidente e indiscriminada do direito à confidencialidade que informa a relação entre advogado e cliente, desdobramento natural do princípio constitucional da ampla defesa, corolário do devido processo legal”, dizia ainda o ofício.

Moro: ‘nenhum advogado reclamou’

Ao tomar conhecimento da grave, frontal e evidente suspensão de um princípio constitucional por um certo juiz da 1ª instância do Paraná, Ophir Cavalcante reagiu dizendo que daquele jeito abriam-se as portas do arbítrio e da falência da ampla defesa: “juiz não pode ter a brilhante ideia de monitorar tudo e todos para alcançar o advogado envolvido [em crime]”.

Sergio Moro, por seu turno, respondeu às críticas com seu inato caradurismo, dizendo que os advogados eram informados sobre a vigia e que “nenhum advogado reclamou”.

Mas a contraposição mais contundente àquela decisão de Moro partiu do outro lado da parede da sala que Sergio Fernando ocupava em seus tempos de 2ª Vara Federal de Curitiba. Despachando do gabinete ao lado, e em voto proferido antes da decisão do juiz titular sobre a matéria, o à época juiz substituto Flávio Antônio da Cruz alertou para a “mitigação das garantias constitucionais”, lembrou que nada poderia justificar “a conformação de um Direito Penal do Terror” e que “mesmo a existência de graves facções criminosas não autoriza a flexibilização de garantias fundamentais”.

“Essa flexibilização – redigiu o juiz Cruz – caminha para o resgate da divisão maniqueísta entre ‘amigos e inimigos’, de Carl Schmitt, ou a figura da ‘aversão ao direito’, de Edmund Mezger, de cunho evidentemente nazi‐fascista, repudiado pela Doutrina e legislação dos países democráticos”.

 

Da Constituição de Weimar à de 1988: bum!

Carl Schmitt. Guardem este nome. Voltaremos a ele daqui a três parágrafos. Por enquanto, seguimos com o voto – e uma profecia – do juiz Flávio Antônio da Cruz:

“Rechaço soluções pontuais, predestinadas a específicos grupos, definidos previamente como ‘inimigos da Nação’ (em que pese a gravidade dos crimes imputados). Ainda aqui – e talvez sobremodo aqui – as garantias devem ser asseguradas. O que se autorizará nestes casos terá repercussões futuras, redefinindo a relação ‘sujeito/Estado’ em uma direção indesejada”.

Seis anos depois, em 2016, o mesmo Moro, mas já na 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o Ministério Público Federal do Paraná a espionar conversas telefônicas de 25 advogados do escritório da defesa de Lula, além de mandar gravar – e divulgar – o próprio Lula em conversa com Dilma Rousseff, presidenta do país no exercício do cargo.

É quando voltamos a Carl Schmitt, o jurista do Partido Nazista que destruiu a Constituição Democrática de Weimar e que ajudou Hitler a chegar ao poder com sua doutrina de que as leis podem ser ignoradas em situações excepcionais. A nenhuma jurisprudência, senão a de Carl Schmitt, seria mais adequado o TRF-4 recorrer para livrar Sergio Moro, como livrou, da representação feita contra ele por ter vazado conversa da presidenta da República.

E foi exatamente o que fez, recorrer a Carl Schmitt, o relator do caso no TRF-4, o desembargador federal Rômulo Pizzolatti. O relatório de Pizzolatti foi aprovado por 13 votos a um. O único divergente, única exceção no apoio ao estado de exceção, foi o desembargador Rogério Favreto. Em seu voto, Favreto alertou assim, não sem alguma sátira:

“Vale dizer que o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais

e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias

fundamentais. Sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal,

evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado

sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais

membros desta corte”.

 

404

Por fim, uma dessas curiosidades cabalísticas que pontuam a Grande Marcha Para Trás em que o Brasil se meteu, ou em que meteram o Brasil.

Aquela decisão de Moro autorizando gravar advogados no presídio de Catanduva foi na verdade publicada a quatro mãos. Além de Moro, outro juiz de execuções penais do Paraná assinou aquele despacho. O nome dele é Leoberto Simão Schmitt Júnior.

Um Schmitt, como o velho Carl.

Após a divulgação do áudio de Lula e Dilma, em março de 2016, centenas de juízes deste país, centenas, assinaram um manifesto em “irrestrito apoio às decisões que foram proferidas, em Curitiba, pelo juiz federal Sérgio Moro”.

O juiz Schmitt foi o signatário 404.

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07
Jan20

Magistrados federais: "Repudiamos o papel de juiz que se mostra de braços dados com a acusação"

Talis Andrade

Em carta, 50 juízes e desembargadores federais argumentam que juiz de garantias garante a "imparcialidade" e a "legalidade" do processo. Ministro da Justiça, Sergio Moro, foi contra mudança incluída no pacote anticrime

roque juiz de garantias.jpg

 

 

Um grupo de 50 juízes e desembargadores federais divulgou nesta quinta-feira (02/01) uma carta em defesa da criação do juiz de garantias, estabelecido no projeto de lei conhecido como pacote anticrime, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro. Os signatários do documento argumentam que essa nova atribuição garante a "imparcialidade do juiz de julgamento".

Na carta, os magistrados afirmam que as atribuições do juiz de garantias são "controlar a legalidade da investigação criminal" e "garantir direitos individuais". "Trata-se de figura indispensável à densificação da estrutura acusatória de processo penal (imparcialidade do juiz e separação das funções dos sujeitos processuais) e à concretização de direitos humanos", destaca o texto.

O grupo reconhece que há dificuldades para a implementação dessa nova função nos tribunais, mas argumenta que os impasses podem ser resolvidos com regras de distribuição de processos e com recursos tecnológicos, sem a necessidade da criação de um órgão específico ou nova instância.

"Mesmo em uma vara única em que atuem dois juízes, por exemplo, basta determinar que, no processo em que um deles atue como juiz de garantias, o outro jurisdicione como juiz de processo e vice versa", diz a carta. "Há divisão funcional de competência."

Os magistrados ressaltam que o juiz de garantias evita a confusão da figura do juiz com "a do investigador/acusador" e garante a imparcialidade do julgamento, destacando que, com a separação, aquele que decidirá sobre o caso "não participa da investigação criminal, não produz prova por iniciativa própria e tampouco fundamenta condenação com elementos de convicção obtidos sem contraditório judicial".

A carta cita exemplos de países que adotaram o modelo na América Latina e reforça os argumentos dos signatários com citações de livros de direito. "Repudiamos o papel de juiz que se mostra 'de braços dados com a acusação, em uma cruzada pelo clamor público e pelos valores morais e absorvendo todo o discurso moralista do senso comum'", argumentam os magistrados. "A ideia de um juiz combatente 'nos faz abandonar a construção moderna de um Poder Judiciário independente, imparcial e afirmativo dos direitos fundamentais'", completa o texto.

A proposta do juiz de garantias foi incluída por parlamentares no pacote anticrime enviado ao Congresso pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-juiz se posicionou contra o modelo e chegou a afirmar que proporia a Bolsonaro o veto à medida. O presidente, no entanto, não vetou esse item no texto.

A medida foi encarada como reação à própria atuação de Moro à frente da Lava Jato. Pelo texto, o juiz que cuidar do andamento do processo criminal não será responsável pela sentença final.

Entre os signatários da carta, estão magistrados que atuaram em casos derivados da Operação Lava Jato. Um deles, Flávio Antônio da Cruz, chegou a ser auxiliar de Moro na Justiça Federal de Curitiba.

Até antes da mudança, o juiz que tomava decisões na fase investigatória também proferia a decisão final no caso. Agora, o juiz de garantias passará a ser "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais", segundo o projeto. A análise da denúncia e a sentença ficarão a cargo de outro magistrado.

Além de Moro, também criticaram o modelo alguns setores do Ministério Público Federal, do Judiciário e parlamentares. Os críticos alegam faltarem magistrados para a criação do juiz de garantias, além de implicar um aumento das despesas do Judiciário.

[ Transcrito da Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha, que produz jornalismo em 30 idiomas]

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16
Dez19

A história da richa entre Gilmar Mendes e Deltan Dallagnol, que virou processo judicial

Talis Andrade

 

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No dia 2 de dezembro, o procurador da República Deltan Dallagnol entrou com uma ação na Justiça Federal no Paraná contra a União. Ele pede uma indenização de R$ 59 mil por danos morais, supostamente provocados por falas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso está agora a cargo do juiz federal substituto Flávio Antônio da Cruz, da 11ª Vara de Curitiba.

O processo relaciona entrevistas e discussões no plenário do STF nas quais Mendes chama Deltan e os outros integrantes da Lava Jato de "cretinos", "organização criminosa" e "covardes".

Mas qual é a origem da cizânia entre Gilmar Mendes e a Lava Jato, que chega agora à barra dos tribunais?

Críticos do ministro (inclusive colegas de Deltan) dizem que ele passou a atacar a operação no fim de 2016 e no começo de 2017 - e atribuem a suposta mudança de posição ao fato de a investigação ter extrapolado nomes do PT e alcançado políticos de centro e de direita, no MDB e no PSDB.

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O ministro do STF nega esta versão. Em entrevista recente à BBC News Brasil, Mendes disse que uma suposta mudança de posição sua em relação à Lava Jato é "lenda urbana". Ele afirma que sempre foi crítico de técnicas empregadas pelos investigadores de Curitiba, como o uso de prisões preventivas.

Ainda segundo procuradores, a disposição do ministro com a Lava Jato teria piorado no episódio da delação de Joesley Batista, em maio de 2017 - o que o próprio Gilmar admite. O episódio envolvendo Joesley foi "marcante", diz ele, e a delação do empresário foi homologada de forma "ilegal".

Outro fator de desgaste teria sido a relação de Gilmar com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot - o ex-PGR, inclusive, costumava rebater falas de Gilmar no plenário do STF durante reuniões privadas com outros procuradores.

A BBC News Brasil procurou Gilmar Mendes por meio de mensagens de texto, mas ele não fez novos comentários até o momento.

O ministro, porém, encaminhou à reportagem o link de um texto de opinião do site especializado Conjur, segundo o qual Deltan teria iniciado o processo de danos morais para desviar a atenção de sua iniciativa recente de criar uma fundação de direito privado com a multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras.

"A cortina de fumaça (o processo por danos morais) é bem vinda para quem foi denunciado pela própria Procuradoria-Geral da República por fraudar acordo internacional (no caso da fundação), com dinheiro dos brasileiros", diz o texto, assinado pelo editor do Conjur, Márcio Chaer.

'Virou a chave'

"Gilmar virou a chave (contra a Lava Jato) porque não esperava que (a investigação) chegasse no PSDB e no PMDB. Isso é claro", diz à BBC News Brasil um procurador próximo ao caso, sob condição de anonimato.

"Numa entrevista dele (Gilmar) isso ficou claro. Referindo-se ao dinheiro que o PT tinha da corrupção, ele fala 'eles', como se fossem opositores", diz o procurador. Ele se refere a uma declaração do ministro em setembro de 2015, na qual Gilmar diz que as investigações revelaram "um modelo de governança corrupta" de parte do PT.

"A Lava Jato revelou o quê? (...) R$ 6,8 bilhões destinaram-se à propina. Se um terço disso foi para o partido, o partido têm algo em torno de R$ 2 bilhões, de caixa. É fácil disputar eleição com isto", diz Gilmar, na gravação.

Aécio Neves
Procurador disse que ataques de Gilmar começaram quando Lava Jato começou a ir atrás de Aécio Neves (foto) e Sérgio Cabral

 

Segundo o procurador, a Lava Jato começou a chegar a atingir políticos de outros partidos com mais força no fim de 2016 e no começo de 2017. Outro investigador reafirma a tese.

Os ataques de Gilmar começaram quando percebeu-se que a Lava Jato "não era simplesmente contra o PT, mas contra uma forma de fazer política, da qual ele é um representante. Como começamos a ir atrás de corrupção de Aécio e Cabral, houve a mudança", sustenta este segundo procurador, também sob anonimato.

Em novembro de 2016, o próprio Supremo Tribunal Federal homologou a delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht, na qual diversos políticos da cúpula do PSDB são mencionados.

Uma das principais acusações dos executivos era a de que a empreiteira teria custeado despesas de campanha do hoje senador José Serra (SP), em 2010 - o que o tucano nega.

Outro antigo cacique da legenda, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, aparece nos arquivos da empreiteira sob o codinome "Santo".

Gilmar Mendes nega esta interpretação. No começo de outubro, a BBC News Brasil questionou o ministro sobre o assunto - ele diz que é "lenda urbana" a mudança de posição sobre o tema.

"Existe uma disputa em termos de lenda urbana, dizendo 'ah, o ministro Gilmar apoiava a Lava Jato, depois deixou de apoiar', e acho que são duas questões que temos que tratar de maneira clara e explícita. Uma coisa é reconhecer os méritos da operação, que de fato existem. (...) De fato isso (corrupção) tinha chegado a determinados limites", disse ele, à época.

"Agora, eu, já em 2014, 2015, começo a questionar, por exemplo, os excessos das prisões provisórias. Até cunhei uma expressão dizendo: 'nós temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba' e percebi que elas estavam sendo usadas para induzir delações", disse Gilmar.

Em maio de 2017, mais um episódio fez Gilmar elevar o tom contra a Lava Jato, segundo procuradores: veio a público a colaboração de Joesley Batista, envolvendo diversos políticos de vários partidos.

O episódio ficou célebre graças a uma frase dita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) a Joesley Batista, durante um encontro dos dois no Palácio do Jaburu em Brasília, fora da agenda oficial.

Depois de ouvir sobre a relação entre Joesley e o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, Temer diz ao empresário: "Tem que manter isso aí, viu?". Para os investigadores, Temer se referia a pagamentos de Joesley a Cunha - o que não foi comprovado, e Temer nega.

Na época, Gilmar questionou a "benevolência" do Ministério Público para com os delatores - os acordos de delação de Joesley e de seu irmão, Wesley Batista, foram cancelados em 2018, na gestão da ex-PGR Raquel Dodge.

"Eu falei claramente no plenário do Supremo que aquilo (o acordo) era ilegal e que nós não deveríamos referendar aquele tipo de prática", disse Gilmar à BBC, sobre a delação de Joesley.

Revelações do Intercept e investigação da Receita

Se Gilmar Mendes já estava irritado com a Lava Jato, dois acontecimentos em 2019 contribuíram para que o ministro se tornasse ainda mais crítico da operação: o vazamento de uma investigação da Receita federal e reportagens publicadas como parte da série que ficou conhecida como Vaza Jato, iniciada pelo site The Intercept Brasil.

Em fevereiro deste ano, um vazamento Receita Federal trouxe a público um procedimento que mirava o próprio Gilmar e também sua esposa, a advogada Guiomar Mendes.

Na verdade, segundo um profissional da Receita ouvido pela BBC News Brasil, tratava-se de uma investigação mais ampla, envolvendo os CPFs de 134 "pessoas politicamente expostas", ou "PEPs", como são chamadas autoridades, políticos e pessoas ligadas a eles no jargão do Fisco.

O material relativo a Gilmar foi enviado por engano a uma pessoa que não tinha relação com o caso, e que foi responsável pelo vazamento, segundo o servidor da Receita.

Quando o assunto veio a público, Mendes enviou ofício ao presidente do STF, Dias Toffoli, cobrando providências. Também disse que a apuração era "esdrúxula e inusitada".

"De fato é uma coisa preocupante, não por mim, mas por um conjunto de pessoas. No caso, listam como 17 pessoas agregadas, ligadas a mim, que deveriam ser investigadas, inclusive minha mãe que morreu em 2007", disse ele, à época.

"A mim me parece que aqui há um tipo de aparelhamento para outras finalidades, precisa realmente verificar", disse Gilmar.

Em suas falas mais recentes contra os procedimentos da Lava Jato, Gilmar cita com frequência supostas conversas de procuradores no aplicativo de mensagens Telegram. O material veio à público na série publicada pelo The Intercept Brasil e, posteriormente, por outros veículos.

Dois textos atingiram diretamente o ministro.

Uma das reportagens, publicada em agosto pelo El País, afirma que Deltan e outros procuradores discutiram a possibilidade de iniciar uma investigação contra Gilmar - a lei brasileira não permite a procuradores que atuam na primeira instância investigar ministros do Supremo.

Gilmar Mendes

Em entrevista à BBC, Mendes disse que uma suposta mudança de posição sua em relação à Lava Jato é 'lenda urbana'

 

As conversas teriam ocorrido em fevereiro deste ano, e os integrantes da Lava Jato teriam cogitado inclusive contatar investigadores da Suíça, para procurar indícios sobre o ministro.

Os procuradores negam o ocorrido - e não reconhecem a legitimidade das mensagens da Vaza Jato.

A outra reportagem que diz respeito a Gilmar foi divulgada em setembro pelo jornalista Reinaldo Azevedo.

A suposta troca de mensagens mostraria a procuradora Thaméa Danelon, que chegou a coordenar a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, dizendo a Deltan que ajudaria o advogado Modesto Carvalhosa a redigir um pedido de impeachment de Gilmar Mendes.

"Ele (Carvalhosa) pediu para eu minutar (escrever um esboço) para ele", teria dito a procuradora, no dia 3 de maio de 2017. "Sensacional, Tamis!", responde Deltan, conforme a reportagem. O coordenador da Lava Jato paranaense vai além, e se oferece para corrigir o texto para Thaméa. "Se quiser olhamos depois de vc redigir", teria escrito ele.

"Eba!!! Obrigado!!! Já estou escrevendo!!! Quero sim!!! Lógico!! Obrigada!!", teria dito Thaméa, numa sequência de mensagens.

O pedido de impeachment de Gilmar, com 150 páginas, foi finalmente protocolado por Carvalhosa no Senado em março deste ano, mas se encontra parado.

Troca de acusações

Em seu pedido à Justiça, Deltan relaciona quatro falas específicas de Gilmar Mendes: uma entrevista à Rádio Gaúcha, da rede RBS, no dia 07 de agosto deste ano; falas do ministro no plenário do STF, em março e fevereiro de 2019; e uma entrevista de Gilmar ao Uol, em setembro.

Em outubro, durante o julgamento de um habeas corpus no STF, Gilmar se referiu à força-tarefa como "organização criminosa de Curitiba", que estaria usando "uma verdadeira máquina de provas ilícitas", inclusive para "enganar o Judiciário e o próprio Supremo Tribunal Federal".

 

Deltan Dellagnol
Advogado de Deltan disse à BBC News Brasil esperar que o caso tenha um desfecho, na primeira instância, ainda em 2020

 

O advogado de Deltan, Francisco Otávio Xavier, disse à BBC News Brasil esperar que o caso tenha um desfecho, na primeira instância, ainda em 2020. "Tudo que o ministro disse está documentado. Não é preciso perícia e nem a produção de outras provas", disse ele.

A norma no direito brasileiro é que a União responda pelos atos dos agentes públicos, explica o advogado - é por isso que o processo se dirige ao Estado brasileiro, não à pessoa física de Gilmar Mendes.

"Mas a União, caso seja obrigada a indenizar (Deltan), tem depois o dever de entrar com o que chamamos de 'ação de regresso' contra o agente público (Gilmar Mendes, no caso). Depois de reembolsar o particular, tem de ir atrás do agente público e cobrar que ele pague", diz o advogado.

"Se for realmente o caso, e espero que seja, ficaremos muito atentos para garantir que se faça essa cobrança (a Gilmar Mendes) e não saia a indenização, no final das contas, do erário (dos cofres públicos)", diz Xavier.

A ação judicial movida por Deltan é apenas o último passo na série de atritos entre pessoas ligadas à Lava Jato - especialmente no Paraná - e o grupo de ministros do Supremo que criticam os métodos da operação e costumam votar contra os pleitos da Lava Jato no STF, do qual Gilmar Mendes é um dos integrantes.

No fim de novembro, por exemplo, Deltan foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por uma entrevista a uma rádio, concedida em agosto de 2018.

Naquela ocasião, ele disse que os ministros não-alinhados à Lava Jato (às vezes chamados de "garantistas") integravam uma "panelinha" e tomavam decisões que tinham uma mensagem "muito forte de leniência a favor da corrupção".

A fala rendeu a Deltan uma advertência do CNMP, aprovada por 8 votos a 3. Trata-se da sanção mais leve que um procurador pode receber.

 

 

 

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