FILHO DE JANUÁRIO Na mira desde os anos 1980, Dario Messer só foi preso em 2019
II - ‘Doleiro dos doleiros’ mudou delação para inocentar procurador da Lava Jato a quem dizia pagar propina

Dario Messer (de boné), o ‘doleiro dos doleiros’, no dia em que foi preso pela Polícia Federal nos Jardins, região nobre de São Paulo. Foto Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress
Messer atualmente é conhecido como o “doleiro dos doleiros”, graças à Lava Jato do Rio. Ele é acusado pela força-tarefa de liderar uma rede ilegal de câmbio que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares entre 2011 e 2017 – R$ 8,5 bilhões, na cotação atual. Trata-se, segundo a força-tarefa, de uma quantia inédita.
Mas a atuação dele é mapeada pelas autoridades desde 1980, quando já era investigado pela suspeita de atuar em esquemas de lavagem de dinheiro. Primeiro, para bicheiros ligados a escolas de samba. Depois, no caso Banestado, que teve como personagens o então juiz Sergio Moro, Paludo e outros procuradores da Lava Jato. Mais tarde, ele apareceu no mensalão petista e foi citado até em documentos do Swissleaks, que revelou uma rede de evasão fiscal existente numa agência do HSBC na Suíça em 2006 e 2007.
Messer, no entanto, jamais havia sido preso até julho de 2019. Não que as autoridades não tenham tentado. Ao menos duas vezes, a justiça brasileira decretou sua prisão. Mas o “doleiro dos doleiros” sempre arrumou um jeito de escapar antes que a polícia tivesse tempo de encontrá-lo.
Na cadeia – e tentando sair dela o quanto antes –, Messer resolveu confessar crimes. Na proposta de delação, ele assumiu a investigadores da Lava Jato que só não foi detido por ordem da operação, em 2018, porque soube com antecedência da ação policial para pegá-lo. Também confessou ter cometido os crimes investigados no caso Banestado, pelos quais não havia sido punido. E, num relato específico, explicou como acredita ter se livrado de suspeitas que pairavam sobre ele desde 2005.
É justamente nesse relato que Messer conta que nada disso foi por acaso. “Dario sempre acreditou na efetividade da compra da ‘proteção’”, resumiram seus defensores na primeira proposta de delação. Em outras palavras, ele afirmou ter comprado proteção do Ministério Público Federal do Paraná, e que parte dos pagamentos eram feitos a Paludo, um dos procuradores do caso Banestado.
Messer relatou que, de 2005 a 2013, pagou 50 mil dólares todo mês para que fosse blindado em investigações. Disse que entregava o dinheiro ao ex-sócio Enrico Machado e a Figueiredo Basto, na época seu advogado.
Segundo o relato redigido pela defesa de Messer, Machado e Basto diziam que parte desse dinheiro era entregue a Paludo. Messer admitiu que nunca esteve com o procurador, mas afirmou acreditar que contava com a ajuda dele. E apontou dois fatos que o fizeram acreditar em tal proteção.
Em 2005, Paludo trabalhou no acordo de delação premiada do doleiro Clark Setton, conhecido como Kiko, sócio de Messer investigado no caso Banestado. Kiko também era defendido por Figueiredo Basto. Confessou crimes, mas não envolveu Messer em nenhum deles. O relato seletivo, ainda assim, lhe garantiu benefícios penais.
Já em 2011, Paludo testemunhou a pedido de Figueiredo Basto em um processo criminal contra Messer, relacionado ao caso Banestado. O procurador disse à justiça que investigou Messer, mas não encontrou nenhuma prova que o ligasse às irregularidades que, anos mais tarde, o próprio doleiro viria a confessar.
Messer já havia dito que pagava propina a Paludo. Foi em agosto de 2018, em mensagens trocadas por celular com a namorada – um ambiente mais privativo e confortável que a cadeira de candidato a delator premiado. “Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”, ele escreveu, em conversa interceptada pela Polícia Federal.
Por citar Paludo, que tem direito a foro privilegiado por ser procurador, esse trecho do depoimento do candidato a delator foi remetido a Brasília, para ser avaliado pela equipe da Lava Jato da PGR. E a PGR descartou investigar um colega. O órgão entendeu que o relato de Messer não tinha provas para que fosse incluído em seu acordo de colaboração e baseasse uma apuração.
Enquanto isso, a delação de Messer – sem a parte que complicava Paludo – andava. Foi homologada, em agosto de 2020, por duas varas judiciais de primeira instância do Rio. Uma delas, a sétima, a do juiz Marcelo Bretas.
O acordo garantiu que Messer cumprirá pena máxima de 18 anos e nove meses de prisão, não importa quantas vezes seja condenado em processos da Lava Jato. Em troca, os procuradores afirmam que o doleiro abriu mão de cerca de 99% de seu patrimônio, que estimam – sem explicar como chegaram ao valor – em R$ 1 bilhão. O que significa que, se o cálculo da Lava Jato estiver correto, Messer manteve R$ 10 milhões no bolso. Nada mau.
Foi nesse ponto que a Lava Jato do Rio chamou Messer para depor novamente sobre a alegada taxa de proteção paga a Paludo. Aí, o doleiro – que já tivera a delação aprovada e seguia milionário – contou uma outra história.
Ao contrário do que havia afirmado antes, Messer dessa vez falou não acreditar que fosse protegido. Disse mais: que acreditava ter sido enganado por Figueiredo Basto e o ex-sócio Machado, que embolsavam, nessa nova versão, os 50 mil dólares mensais que ele enviava para comprar autoridades.
“[Messer afirmou] Que Enrico falava em proteção junto à Procuradoria da República e à Polícia Federal; que Enrico [Machado] falava no nome do Dr. (sic) Januário Paludo e pessoas na Polícia Federal; que hoje tem a percepção de que Figueiredo [Basto] e Enrico ficavam com esse dinheiro”, lê-se no novo depoimento.
Foi essa nova versão a usada pela Lava Jato do Rio de Janeiro para denunciar Figueiredo Basto, Enrico Machado e um outro advogado pelos crimes de exploração de prestígio qualificada, tráfico de influência qualificado e associação criminosa.
O novo depoimento de Messer fundamenta a tese segundo a qual os três réus venderam um falso esquema de proteção ao doleiro. Sobre Paludo, tudo que a Lava Jato do Rio diz é que ele teve o nome indevidamente usado na falsa venda de proteção (Continua).